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Processo n.º 1001/06
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 406 foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. EP – Estradas de Portugal, EPE, foi condenada por sentença do 2º
Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar de 7 de Julho de 2005, de fls.
232, a pagar a A. e B. o 'montante global de euros a que correspondem Esc.
19.731.462$00', acrescido da devida actualização, devido pela expropriação da
parcela n.º 10, a que se refere a Declaração de Utilidade Pública publicada no
D.R. n.º 255, Série II, de 4 de Novembro de 1998.
Inconformados, expropriante e expropriados interpuseram recurso para o
Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 30 de Maio de 2006, de fls.
360 e seguintes, julgou improcedente a apelação dos expropriados e parcialmente
procedente a apelação da expropriante, condenando esta a pagar àqueles a quantia
de Esc. 19.226.704$00.
Na parte que agora releva, afirmou-se no mencionado acórdão o seguinte:
«Resulta dos factos provados que a parcela n.º 10 foi destacada do prédio
rústico sito em Vale Carneiro ou Freixo composto por terra de mato com a área de
3.840 m2 inscrito na matriz sob o artigo 151, Secção G da freguesia de
Alviboeira e este encontra-se inserido em zona de indústria proposta de acordo
com o Plano Director Municipal de Tomar. Ora nos termos do disposto no artigo
44.º, n.º 3, alínea b), do PDM de Tomar o índice máximo de construção é de 60%.
(…)
A expropriante adianta ainda que o a aplicação do índice referido viola o
princípio da igualdade, uma vez que tal se traduz no pagamento de um preço pela
parcela expropriada que não tem correspondência com o que se passa com outros
terrenos vendidos nas imediações. A isto diremos que o “princípio da igualdade”
exige apenas que perante uma mesma situação a entidade expropriante utilize o
mesmo critério para situações idênticas. No entanto nada têm a ver com isto os
valores por que alegadamente são pagos outros terrenos nas imediações do que
está em causa, já que na fixação do preço respectivo intervêm os mais variados
factores, como referiu a Sra. Juiz, e a respectiva venda tem lugar de acordo com
as regras de mercado, de harmonia com o “princípio da liberdade contratual”
facto que aqui não ocorre.»
2. Novamente inconformada, a expropriante EP veio, ao abrigo do disposto nos
«artigos 70.º n.º 1, alíneas b) e f) e 75.º n.º 1 da Lei n.º 28/82» interpor
recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra de 30 de Maio de 2006 que, no entender da recorrente, «interpretou e
aplicou a norma constante do artigo 44.º (n.º 3, al. b)) do Regulamento do PDM
de Tomar conjugada com a norma do artigo 25.º n.º 1, do Código das Expropriações
de 1991 num sentido que viola os princípios da igualdade e da justa indemnização
consagrados nos artigos 13.º e 62.º, n.º 2 da Constituição da República».
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do
artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. Resulta claramente dos autos que a censura da recorrente é dirigida,
não à norma do artigo 44.º, n.º 3, alínea b), do Regulamento do PDM de Tomar
conjugada com a norma do artigo 25.º, n.º 1, do Código das Expropriações de
1991, cujo sentido interpretativo alegadamente inconstitucional nem sequer é
identificado, mas às decisões proferidas pelas instâncias, que, em seu entender,
aplicaram erradamente os referidos preceitos de direito ordinário.
Com efeito, como decorre das respectivas alegações no recurso interposto para o
Tribunal da Relação de Coimbra, o que está em causa para a recorrente, e que
resultou, do seu ponto de vista, de uma errada aplicação do direito ordinário,
como se disse, é a atribuição aos expropriados de uma indemnização baseada numa
pretensa «avaliação do seu prédio que não tem idêntica aplicação aos outros
prédios não expropriados com a mesma potencialidade edificativa ainda não
concretizada em plano de pormenor» (cfr. fls. 293).
Nunca poderia, pois, o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do
recurso, uma vez que o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade
das normas interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º
da Lei nº 28/82 destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade
constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram
efectivamente aplicadas na decisão recorrida e não das próprias decisões que as
apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei e assim tem sido repetidamente
afirmado pelo Tribunal (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos n.ºs 612/94,
634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, de 11 de Janeiro de
1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996).
Note-se, ainda, que é justamente por não ter sido suscitada 'durante o
processo' (al. b) do n.º 1 do artigo 70º e n.º 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82)
a inconstitucionalidade de quaisquer normas contidas nos preceitos indicados no
requerimento de interposição de recurso que se não convida a recorrente, nos
termos previstos no artigo 75º-A da mesma lei, a completar o mesmo requerimento,
por se tratar de um obstáculo insanável ao conhecimento do presente recurso de
constitucionalidade.
4. O recurso é ainda interposto ao abrigo do disposto na alínea f) do
nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82. A verdade, todavia, é que a recorrente não
aponta qualquer das ilegalidades ali previstas, o que igualmente impede o
Tribunal Constitucional de conhecer do recurso nesta perspectiva.
5. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão
da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro.
Assim, decide-se não conhecer do objecto do recurso.»
2. Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do
disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da
decisão sumária e o 'prosseguimento do recurso', nos seguintes termos:
'O recurso para este Tribunal tem por objecto a interpretação que nas
decisões recorridas foi dada à norma do artigo 44° do Regulamento do PDM de
Tomar (conjugada com a norma do artigo 25° n° 1 do Código das Expropriações de
1991).
1. Dispõe aquele preceito o seguinte:
Espaços industriais
Artigo 44º
Caracterização
1 - A construção de edifícios industriais, comerciais e de serviços deverá ser
precedida de plano de pormenor ou projecto de loteamento, nos termos da
legislação em vigor, nos espaços delimitados na carta de ordenamento.
2 - Os estabelecimentos industriais a instalar deverão ser das classes B e C.
3 - Os lotes inseridos nos espaços industriais ficam sujeitos às seguintes
regras:
a) Índice máximo de ocupação volumétrica – 5 m31m2;
b) Índice de implantação máximo – 0,60;
etc.
2. O índice de implantação influencia decisivamente o valor a atribuir ao solo,
pois ele traduz a relação entre a área da construção permitida e a área total do
terreno que lhe está afecta, indicada em termos de percentagem, sendo o valor do
terreno tanto maior quanto maior for o índice de implantação.
3. No caso “sub judice” a arbitragem adoptou o índice 52,6% aplicável a 2.815m2;
a perícia propôs a aplicação do índice de 60% mas apenas em relação a 520m2 dos
2.815m2 da parcela expropriada; a sentença veio a adoptar o índice de 60% em
relação a toda a área da parcela, alegando ser este o permitido pelo PDM.
4. Nas alegações para a Relação, a expropriante defendeu que a aplicação do
índice máximo de 60% e relativamente toda a área da parcela expropriada viola o
artigo 44º do PDM e o princípio da igualdade consagrado no artigo 13° da
Constituição da República na medida em que dessa forma reconhece aos
expropriados o direito a uma indemnização baseada num critério que não tem
idêntica aplicação aos outros prédios não expropriados com a mesma
potencialidade edificativa.
5. De facto, o objecto da expropriação não foi um lote de terreno ou parte dele
mas sim uma parcela de prédio rústico (cf. factos provados) sito em espaço
industrial.
6. A sentença adoptou para toda a área da parcela o índice máximo de 60%, só
aplicável de acordo com o PDM a lotes situados em espaços industriais, lotes
esses a constituir nos espaços delimitados na carta de ordenamento.
7. Da interpretação dada na sentença e no acórdão recorrido ao disposto no
artigo 44° do PDM, no sentido de que o índice de 60% é aplicável a toda a área
dos terrenos situados em espaço industrial, mesmo que não constituam lotes de
terreno, resulta manifesto tratamento desigual e mais favorável aos
expropriados, o que se torna ainda mais flagrante tendo em conta a expropriação
de outras parcelas para esta obra situadas no mesmo espaço industrial proposto,
em que foram adoptados índices muito inferiores a 60% quando aplicados a toda a
área da parcela ou então de 60% mas aplicados apenas à área dos lotes passíveis
de virem a ser constituídos nas respectivas parcelas expropriadas.
8. O sentido interpretativo alegadamente inconstitucional foi identificado na 4ª
conclusão das alegações para a Relação, onde se afirmou que a adopção (para
terreno não loteado) do índice máximo de 60% admitido no PDM apenas para lotes
de terreno constituídos mediante
prévia operação de loteamento constitui errada aplicação do disposto no artigo
44º do PDM, ofensiva do princípio da igualdade.
9. O Acórdão da Relação invoca a necessidade de aplicação do princípio
constitucional da igualdade (pág. 15), mas quanto à aplicação do índice de
implantação limita-se a dizer que nos termos do disposto no artigo 44° n° 3
alínea b) do PDM de Tomar o índice máximo de construção é de 60%, assim
confirmando a sentença (pág. 17). E acrescenta: «não se vê que a viabilidade da
fixação do índice máximo só seja possível quando houver sido elaborado plano de
pormenor para o local».
10. Ora, salvo o devido respeito, basta ler com atenção o que consta do artigo
44° do PDM para se concluir que o índice aí fixado só pode aplicar-se a lotes já
constituídos e não a todo o terreno delimitado na carta de ordenamento como
“espaço industrial”.
11. É por essa via e em consequência disso que a expropriante considera violado
o princípio da igualdade – como afirmou na 5ª conclusão das citadas alegações –
e não apenas porque consequentemente isso se traduz no pagamento de uma
indemnização que não tem correspondência com o preço de outros terrenos vendidos
nas imediações, como de forma redutora foi enfocada a questão no acórdão
recorrido!
12. Daí que, em nossa modesta opinião, tenha o Despacho recorrido sido induzido
em erro, ao abordar apenas a questão da aplicabilidade do índice máximo de 60%¹,
sem analisar se o PDM permite ou não que esse índice seja aplicado a todo o
terreno situado em espaços industriais ou apenas aos lotes de terreno que aí
possam ser constituídos (conforme foi considerado no relatório pericial unânime
de 22-11-2001).
13. Esta nuance faz “disparar” para o quádruplo o valor dessa avaliação. Na
verdade, embora não se assaque qualquer inconstitucionalidade ao disposto no
artigo 44° do PDM de Tomar, já o mesmo não acontece quando aquela norma,
conjugada com a do artigo 25° n° 1 do Código das Expropriações de 1991, seja
interpretada no sentido de que o índice máximo de implantação de 60% tanto se
aplica a lotes já constituídos em áreas integradas pelo PDM em espaço industrial
como a quaisquer outros terrenos integrados na mesma classe de espaços, ainda
que não constituam lotes, porque daí resulta uma sobrevalorização da
indemnização que coloca os expropriados em situação de desigualdade, que por
indemnização excessiva e injusta ofende também o artigo 62° da Constituição.'
Notificados para o efeito, os reclamados vieram pronunciar-se no
sentido da manutenção da decisão de não conhecimento do objecto do recurso e,
ainda, na impossibilidade de avaliar a alegada violação do princípio da
igualdade porque 'inexiste (…) o segundo termo de comparação da igualdade ou da
desigualdade'.
3. Resulta dos próprios termos da reclamação acima transcritos que, tal
como se disse na decisão reclamada, a ora reclamante recorre para o Tribunal
Constitucional por considerar erradamente interpretado pelas instâncias o
direito ordinário aplicável. Em particular, o resultado atingido – a
'sobrevalorização da indemnização' que foi condenada a pagar aos expropriados –
decorre, em seu entender, de uma errada interpretação do disposto no artigo 44º
do Regulamento do PDM de Tomar, conjugada com o n.º 1 do artigo 25º do Código
das Expropriações de 1991.
Ora, como se disse na decisão reclamada, não cabe no âmbito do recurso
interposto para este Tribunal a apreciação da forma como tais normas foram
interpretadas, repita-se, do ponto de vista do direito ordinário. Nunca poderia,
pois, o Tribunal Constitucional proceder à análise pretendida pela reclamante
(cfr. ponto 12 da sua reclamação).
A reclamante sustenta, todavia, que suscitou a inconstitucionalidade
correspondente aos preceitos identificados no requerimento de interposição de
recurso nas conclusões 4º e 5ª do recurso que interpôs para a Relação de
Coimbra.
Tais conclusões (cfr. fs. 345) tinham o seguinte teor:
'4ª. Ao aplicar à totalidade da área da parcela, que constitui terreno rústico
não loteado, o índice de construção máximo de 60% previsto no PDM apenas para
lotes de terreno constituídos mediante prévia operação de loteamento ou
aprovação de plano de pormenor, a sentença recorrida faz errada aplicação do
disposto no artigo 44º do Regulamento do PDM de Tomar;
5ª. Violando por essa via a citada norma regulamentar bem como o disposto no
artigo 25º n.º 1 do Código das Expropriações de 1991, e, por consequência, o
princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República, na
medida em que dessa forma reconhece aos expropriados o direito a uma
indemnização baseada numa avaliação do seu prédio que não tem idêntica aplicação
aos outros prédios não expropriados com a mesma potencialidade edificativa ainda
não concretizada em loteamento ou em plano de pormenor'.
Ora basta ler estas conclusões – bem como a totalidade das alegações a
que pertencem – para verificar que a ora reclamante atribuiu a violação do
princípio da igualdade à sentença então recorrida, em parte alguma das referidas
alegações definindo qualquer interpretação dos referidos artigos 44º e 25º que,
a seu ver, fosse inconstitucional.
4. Assim, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão
de não conhecimento do objecto do recurso.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2007
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício