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Processo n.º 1098/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Fernanda Palma
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal
Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação vindos do Supremo Tribunal
de Justiça, em que figura como reclamante A. e como reclamado B., o reclamante
interpôs recurso do acórdão de 6 de Julho de 2006 (fls. 384 e ss.) nos seguintes
termos:
“Nos autos à margem identificados, vem o Recorrente A. interpor recurso de
constitucionalidade para o Tribunal Constitucional do douto Acórdão proferido em
6 de Julho de 2006, o qual negou provimento à revista.
1. O presente recurso é interposto ao abrigo do art. 70.° als. b) e g) da Lei do
Tribunal Constitucional.
2. A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional
aprecie é a do art. 3.° n.° 3 do CPC, com a interpretação dada pelo Acórdão
recorrido e que postula que a Relação não está legalmente vinculada à audição
das partes ao alargar o âmbito do decidido pela 1ª instância quanto à matéria de
facto para além dos articulados e alegações das partes.
3. A referida norma, com essa interpretação, viola o art. 20.° n.° 1 da CRP, em
cujo âmbito processual se inclui a “proibição da indefesa”.
4. A referida inconstitucionalidade só se verificou com a prolação do Acórdão
recorrido, pelo que não poderia ter sido suscitada anteriormente.
5. O princípio do contraditório constitui uma exigência própria do Estado de
Direito, pelo que as normas interpretadas em sua violação são inconstitucionais.
Neste sentido, Acórdãos n.°s 397/89, 62/91 e 284/91 (publicados no Diário da
república, II série, de 14 de Novembro de 1989 e de 24 de Outubro de 1991, o
primeiro e o último, e I Série-A, de 19 de Abril de i99i, o segundo).
(in http://www. tribunalconstitucional. pt/tc/acordaos/19980357. html)
6. O presente recurso sobe imediatamente nos próprios autos e com efeito
suspensivo (art. 78.° n.° 4 da Lei do Tribunal Constitucional).
O recurso de constitucionalidade não foi admitido por despacho
com o seguinte teor:
“A. veio a fls. 405 e 416, interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
invocando violação, no acórdão recorrido, do artº 20.º da Constituição, quando
se afirma que a Relação não está vinculada à audição das partes ao alargar o
âmbito da matéria de facto.
Ora, a haver inconstitucionalidade, que não há, ocorreu quando a Relação
proferiu o acórdão.
E assim sendo, o R. deveria ter suscitado a violação da Constituição durante o
processo, concretamente, nas alegações de recurso de revista (cfr. Amâncio
Ferreira em Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 423 e Gomes Canotilho em
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pág. 934).
Não o tendo feito, o recurso não é admissível.
Pelo exposto, decide-se não admitir o recurso interposto pelo Réu A. para o
Tribunal Constitucional.
Custas pelo requerente.
Notifique.”
2. Foi então deduzida a presente reclamação, com os seguintes
fundaentos:
“A., no processo à margem identificado, notificado do douto despacho do Exmo.
Senhor Conselheiro Relator que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional, vem dele reclamar para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
art. 76.° n.° 4 da L.C.T., nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.1. O recurso foi interposto para o Tribunal Constitucional com fundamento na
inconstitucionalidade da norma do art. 3º n.° 3 do CPC, com a interpretação dada
pelo douto Acórdão recorrido e que postula que a Relação não está legalmente
vinculada à audição das partes ao alargar o âmbito do decidido pela 1ª instância
quanto à matéria de facto para além dos articulados e alegações das partes.
2. A referida norma, com essa interpretação, viola o art. 20.° n.° 1 da CRP, em
cujo âmbito processual se inclui a “proibição da indefesa”.
3. Contudo, o STJ não admitiu o recurso para o tribunal Constitucional com o
fundamento que “o R. deveria ter suscitado a violação da Constituição durante o
processo, concretamente nas alegações de revista”.
4. Mas, como foi oportunamente referido no requerimento de interposição de
recurso, a referida inconstitucionalidade só se verificou com a prolação do
Acórdão recorrido, pelo que não poderia ter sido suscitada anteriormente.
5. Na verdade, o recorrente não podia ter a prognose daquela interpretação da
referida norma, dado o princípio do contraditório, nas suas diversas expressões,
constituir uma pedra basilar do nosso ordenamento jurídico, e até do Estado de
Direito, como sempre foi amplamente entendido pelo próprio Supremo Tribunal de
Justiça e pelo Tribunal Constitucional.
6. É certo que o art. 75.°-A n.° 2 da LTC preceitua que o recorrente deve
indicar “a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da
inconstitucionalidade ou ilegalidade”
7. Porém, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que este
requisito não tem aplicação quando não seja razoável exigir uma prognose sobre
decisões futuras imprevisíveis e o recorrente não tenha disposto de oportunidade
processual para levantar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a
decisão (v. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.°s 90/85, 136/85, 450/87,
46/88, 391/89, 439/91, 61/92, 569/95, 386/97, 278/98, 74/2000 374/2000).
Termos em que se requer a V. Exas, Venerandos Conselheiros, que seja atendida a
presente reclamação e seja revogado o despacho que indeferiu o requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ordenando-se a subida do
recurso.”
O Ministério Público pronunciou-se do seguinte modo:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Assim – e desde logo, - não se verificam os pressupostos de recurso tipificado
na alínea g) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, já que nenhuma decisão
anterior deste Tribunal se pronunciou sobre a inconstitucionalidade da precisa
interpretação normativa do n.º 3 do art,º 3º do CPC, questionada nos autos pelo
ora reclamante.
Relativamente ao recurso fundado na alínea b) daquela norma, é manifesto que o
reclamante teve plena oportunidade processual para questionar no âmbito do
recurso de revista que dirigiu ao STJ, a interpretação normativa realizada
anteriormente pela Relação, no acórdão recorrido – pelo que a não suscitação,
tempestiva e adequada, de tal matéria preclude obviamente a interposição do dito
recurso, baseado naquela alínea b).”
3. Cumpre apeciar.
4. O reclamante interpõe o recurso de constitucionalidade que
pretende ver admitido ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei do Tribunal Constitucional.
Quanto ao recurso interposto ao abrigo da referida alínea b),
verifica-se que o recorrente não suscitou antes da prolação da decisão recorrida
qualquer questão de constitucionalidade reportada ao artigo 3.º do Código de
Processo Civil.
O reclamante afirma que não teve oportunidade processual para
suscitar a questão no recurso de revista interposto perante o Supremo Tribunal
de Justiça.
Porém, nas alegações de recurso de revista o agora reclamante
discutiu precisamente a violação do princípio do contraditório, não suscitando,
contudo, qualquer questão de constitucionalidade normativa (f ls. 305 e 306).
Verifica-se, pois, que o reclamante teve oportunidade
processual de suscitar antes da prolação da decisão recorrida a questão da
constitucionalidade que fez constar do requerimento de interposição do recurso
de constitucionalidade, pelo que se não verifica o pressuposto processual do
recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional
consistente na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade
normativa.
O recurso de constitucionalidade não podia, portanto, ser admitido.
5. O recurso de constitucionalidade foi, por outro lado,
interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional,
Tal recurso cabe as decisões que apliquem norma anteriormente
julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
Como se referiu, a norma impugnada foi a do artigo 3.º, n.º 3,
do Código de Processo Civil, numa dada dimensão normativa.
Por outro lado, os arestos invocados pelo reclamante como tendo
anteriormente julgado inconstitucional a norma impugnada foram os Acórdãos n.ºs
397/89, 62/91 e 284/91.
É manifesto que qualquer um dos Acórdãos invocados não se
pronunciou sobre a questão de constitucionalidade que o reclamante pretende ver
apreciada.
Não se verificou, assim e também, o pressuposto de recurso da
alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que
tal recurso não podia igualmente ser admitido.
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2007
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos