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Processo n.º 1222/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 
      Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
 
             
 
 1. O representante do Ministério Público junto do 2.º Juízo do Tribunal de 
 Pequena Instância Criminal do Porto reclama para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal que não admitiu o 
 recurso por ele interposto para o Tribunal Constitucional, de um anterior 
 despacho do mesmo Tribunal, que determinou a remessa dos autos, processados até 
 então como processo sumário, ao DIAP do Porto para tramitação sob outra forma 
 processual.
 
  
 
 2. Compulsados os autos, apura-se o seguinte:
 
 − A presente reclamação emerge de processo iniciado em “auto de notícia por 
 detenção”, instaurado, por agente da PSP, a A., por, em determinada data, hora e 
 local, conduzir veículo automóvel e, ao ser submetido ao controlo de alcoolémia, 
 ter acusado uma TAS de 1,24 g/l, o que integraria “crime contra a segurança das 
 comunicações”.
 
 − Em 19.10.2007, o referido condutor foi constituído arguido e notificado, nos 
 termos do n.º 3 do artigo 385.º do CPP, para comparecer perante o Ministério 
 Público do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, para ser submetido a 
 audiência de julgamento em processo sumário.
 
 − Na mesma data, o Juiz do 2.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal 
 do Porto exarou o seguinte despacho:
 
 «A acusação deverá fixar o objecto do processo, a Digna Magistrada do M.P., 
 limita-se a remeter para o auto de notícia, nos termos do art°. 389° nº2 do 
 C.P.P.. No auto de notícia não existe qualquer referência ao crime de que o 
 arguido vem acusado, faltando assim a respectiva qualificação jurídica, e 
 igualmente o elemento subjectivo do tipo.
 Desta feita, entende o tribunal, nos termos do art° 390º, ali, a) do C.P.P., 
 remeter os autos para outra forma processual.
 Notifique.
 Transitado, remeta os autos ao DIAP.»
 
 − O representante do Ministério Público junto daquele Tribunal, interpôs recurso 
 deste despacho para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
 
 «Por douto/a despacho/decisão, proferido/a no p. p. dia 19 do corrente mês de 
 Outubro do corrente ano 2007 e exarado/a a fls. 11, dos autos à margem 
 identificados, o/a Mmo/a Juiz, nos termos e com os fundamentos de facto e de 
 direito daquele/a constantes, tendo consignado, além do mais, “…/… a Digna 
 Magistrada do MP., limita-se a remeter para o auto de notícia, nos termos do 
 art.389° n° 2 do C.P.P..” (sic), entendeu, “.../..., nos termos do art°. 390°, 
 ali., a) do C.P.P., remeter os autos para outra forma processual.” (sic), 
 recusando, dessa forma, a aplicação da norma constante do citado art°. 389°, nº. 
 
 2, do CPP, por reputar a mesma inconstitucional e/ou ilegal. 
 Tendo sido, nos termos supra expostos, a aplicação da norma em referência, n°. 
 
 2, do ar°. 389°, do CPP, constante de acto legislativo - L. 48/2007, de 29 de 
 Agosto – 15ª. Alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 
 n°. 78/87, de 17 de Fevereiro -, recusada, por inconstitucionalidade e/ou 
 ilegalidade - vem o MP, nos termos das disposições conjugadas dos art°.s 280°, 
 n°.s 1, al. a), 2, al. a) e 3, da CRP, 70°, n°. 1, al.s a) e/ou c), 71°, n°. 1, 
 
 72°, n°.s 1, al. a) e 3, 75°, n°. 1, 75°-A, n°. 1 e 78°, no. 4, da Lei 28/82, de 
 
 15 de Novembro - Organização, funcionamento e processo do Tribunal 
 Constitucional -, ao abrigo das citadas al.s a) e/ou c), do n°. 1, do respectivo 
 art°. 70°, interpor recurso, obrigatório, para o Tribunal Constitucional, - a 
 subir nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto no 
 citado art°. 78°, n°. 4, da Lei em referência -, requerendo a apreciação da 
 constitucionalidade e legalidade da norma constante do n°. 2 do art°. 389°, do 
 CPP.
 Tendo legitimidade para o efeito - citado art°. 72°, n°. 1, al. a), da Lei 
 
 28/82, de 15 de Novembro -, requer a V./s Excia/s, se digne/m admitir o presente 
 recurso, interposto, nos termos p. no n°. 5, art°. 145°, do CPC, aplicável ex vi 
 art°. 69°, da citada Lei 28/82, de 15 de Novembro, no segundo dia útil 
 subsequente ao termo do prazo legal para a respectiva interposição (art°. 75°, 
 n°. 1, da Lei 28/82, de 15 de Novembro), estando o MP, nos termos do disposto no 
 n°. 1, do art°. 522°, do CPP, isento do pagamento da multa p. no citado preceito 
 legal.»
 
 − Por despacho de 05.11.2007, o recurso não foi admitido, nos termos seguintes: 
 
 «Cumpre neste momento, nos termos do art° 76° da Lei 28/82 de 15 de Novembro, 
 apreciar a admissão do recurso interposto pela Digna Magistrada do M.P.
 Estabelece o art° 76°, n° 1 da Lei 28/82 de 15 de Novembro “Compete ao Tribunal 
 que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respectivo 
 recurso; estabelece igualmente o n° 2 do mesmo art° “O requerimento de recurso 
 deve ser indeferido quando a decisão o não admita, quando haja sido interposto 
 fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos 
 recursos previstos nas alíneas b) e e) do n° 1 do art° 70, quando forem 
 manifestamente infundados”.
 Ora a Digna Magistrada do M.P. vem recorrer da decisão proferida a fls.11 destes 
 autos, em que o tribunal, nos termos do art° 390º ali. a) do C.P.P. remete os 
 autos para outra forma processual, atendendo a que entendeu não ter sido fixado 
 o objecto do processo, não podendo assim realizar-se o julgamento sob a forma 
 sumária.
 Estabelece o art° 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro: (Decisões de que pode 
 recorrer-se): n° 1 – Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das 
 decisões dos Tribunais: 
 a) Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em 
 inconstitucionalidade;
 b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo;
 c) Que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com 
 fundamento na sua ilegalidade, violação do estatuto da região autónoma ou de lei 
 geral da República:
 d) Que recusem a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania, com 
 fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma;
 e) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo, 
 com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c) e d);
 f) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo 
 próprio Tribunal Constitucional;
 g) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão 
 Constitucional, nos termos em que seja requerida a sua apreciação ao tribunal 
 constitucional. 
 n° 2 - Os recursos previstos nas alíneas b) e e) do número anterior apenas cabem 
 de decisões que admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já 
 haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam.
 Ora da análise dos preceitos em causa, não se vislumbra que a decisão em causa 
 nos autos, admita recurso para o tribunal Constitucional, atendendo a que não se 
 subsume a qualquer das alíneas supra referidas. Requisito de admissibilidade do 
 recurso, nos termos do art° 70º ali a), é a existência da recusa de aplicação de 
 uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. Ora, isso não acontece, 
 nem explicita nem implicitamente no despacho em causa nos autos, no mesmo 
 sentido Acórdãos do Tribunal Constitucional disponíveis na página/site do 
 Tribunal Constitucional, com o n° convencional ACTC00000118, ACTC00004871 e 
 ACTC00000019.
 Assim sendo, indefiro o requerimento de recurso, por entender que a decisão o 
 não admite.»
 
  
 
 3. É contra este despacho que vem deduzida a presente reclamação, invocando o 
 magistrado reclamante o seguinte:
 
 «[…] Alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, por referência 
 ao anteriormente citado art°. 70°, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, além do mais 
 que infra se analisará “Ora da análise dos preceitos em causa, não se vislumbra 
 que a decisão em causa nos autos, admita recurso para o Tribunal Constitucional, 
 atendendo a que não se subsume a qualquer das alíneas supra referidas.” (sic).
 Salvo o devido respeito, conforme aliás expressamente consta do requerimento de 
 interposição de recurso ora indeferido, a situação sub judice subsume-se à 
 previsão das al.s a) e/ou c), do citado art°. 70°, se bem que nas respectivas 
 actuais redacções e não nas citadas pelo/a Mmo/a Juiz a quo, sendo a redacção 
 actual daquela al. c) “Que recusem a aplicação de norma constante de acto 
 legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado”.
 Com efeito, da leitura integral do douto despacho judicial recorrido e da 
 respectiva integração na antecedente tramitação processual que conduziu à 
 prolacção do mesmo, parece-nos inegável que consubstancia este, de facto, a 
 recusa de aplicação da norma constante do n°. 2, do ar°. 389°, do CPP, - 
 constante de acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto – 15ª Alteração ao 
 Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n°. 78/87, de 17 de 
 Fevereiro) -, por inconstitucionalidade e/ou ilegalidade. 
 De facto, tendo o MP, nos termos do douto despacho exarado a fls. 2, verificados 
 que se mostravam os pressupostos dos art°.s 381°, n°. 1, al. a), e 387°, nº. 1, 
 do CPP, determinado, nos termos do disposto na 2ª parte, do n°. 2, do art°. 
 
 382°, do CPP, a apresentação do expediente e do/a arguido/a, ao/à Mmo/a Juiz de 
 turno, em processo sumário, para “realização do julgamento de imediato nos 
 termos dos arts 381° e seg.s do C.P.P. (maxime art°. 389°, n°. 2, do C.P.P.)” 
 
 (sic) e, nessa conformidade, reservado para o início da audiência de discussão e 
 julgamento, o uso da faculdade prevista no citado preceito legal (n°. 2, do 
 art°. 389°, ‘do CPP), a decisão judicial entretanto recorrida, ao “.../..., 
 remeter os autos para outra forma processual” (sic), não só nega a aplicação 
 daquela disposição legal, expressamente invocada pelo MP, (ou antes, a 
 possibilidade do exercício, pelo MP, da faculdade p. na mesma), como fundamenta 
 tal posição com a alegação, ainda que sumária, de que “A acusação deverá fixar o 
 objecto do processo, a Digna Magistrada do MP., limita-se a remeter para o auto 
 de notícia, nos termos do art389° n°2 do C.P..P.. No auto de notícia não existe 
 qualquer referência ao crime de que o arguido vem acusado, faltando assim a 
 respectiva qualificação jurídica, e igualmente o elemento subjectivo do tipo.” 
 
 (sic).
 Ora, não sendo obviamente de exigir fórmulas sacramentais para afirmar 
 princípios, parece-nos que outra coisa não fez o/a Mrno/a Juiz a quo que não 
 tenha sido recusar a aplicação, in casu, da norma legal expressamente invocada 
 pelo MP, (n°. 2, do art°. 389°, do CPP), por entender que tal aplicação, 
 faltando no auto de notícia, “a respectiva qualificação jurídica” e “o elemento 
 subjectivo do tipo”, seria inconstitucional, por violação dos assim 
 implicitamente invocados, princípios constitucionais das garantias de defesa do 
 arguido e da estrutura acusatória do processo penal - art°. 32°, n°.s 1 e 5, da 
 CRP - e/ou ilegal, por violação do, da mesma forma implícita, mas contudo mais 
 inequívoca, invocado princípio da vinculação temática do tribunal - - art°.s 
 
 358°, 359° e 379°, n°. 1, al. b), do CPP.
 Mais alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, “Requisito de 
 admissibilidade do recurso, nos termos do art° 70° ali a), é a da existência da 
 recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. 
 Ora, isso não acontece, nem explicita nem implicitamente, no despacho em causa 
 nos autos,.../... .”.
 De facto, nos termos da citada al. a), do nº. 1, do art°. 70º, da Lei 28/82, de 
 
 15 de Novembro, ao abrigo da qual, também, mas não só, foi interposto o recurso 
 ora indeferido, o requisito de admissibilidade do recurso é efectivamente a 
 existência de recusa de aplicação de qualquer norma, com fundamento em 
 inconstitucionalidade.
 Contudo, nos termos da al. c), do n°. 1, do mesmo preceito legal, ao abrigo da 
 qual foi ainda, interposto o recurso em causa, o requisito de admissibilidade do 
 recurso é a existência de recusa de aplicação de norma constante de acto 
 legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado.
 Ora, se a invocação implícita, no despacho recorrido, dos supra referenciados 
 princípios constitucionais das garantias de defesa do arguido e da estrutura 
 acusatória do processo penal poderá eventualmente, o que contudo se não concede, 
 ser posta em causa, já o evidente, ainda que implícito, apelo ao princípio legal 
 da vinculação temática do tribunal, resulta inegavelmente do respectivo texto, 
 mormente do supra citado segmento da respectiva parte final, quando realça a 
 ausência da “respectiva qualificação jurídica” (cfr. art°. 359°, n°. 3, do CPP).
 Face ao exposto, não pode naturalmente concordar-se com a infundamentada 
 conclusão constante do despacho em reclamação, no sentido de que, no mesmo 
 
 “.../... não acontece, nem explicita nem implicitamente. .../ /...” (sic) a 
 recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, 
 pois que, manifestamente tal acontece, relativamente à norma constante do n°. 2, 
 do art°. 389°, do CPP, com fundamento, implícito, mas claro e inegável, na 
 respectiva inconstitucionalidade e/ou, na respectiva ilegalidade, o que, sendo 
 certo que a norma em referência consta de acto legislativo, também pode 
 fundamentar a admissibilidade do recurso, ora indeferido.
 Assim sendo, parece-nos forçoso concluir que a decisão em referência não só 
 admite recurso, para o Tribunal Constitucional, nos termos das supra citadas 
 al.s a) e/ou c), do nº. 1, do artº. 70º, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, como é 
 o mesmo, aliás, para o MP, atento o prescrito no n°. 3, do art°. 72°, da citada 
 Lei, até obrigatório, por a norma cuja aplicação se mostra recusada, constar de 
 acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto, conforme supra já referido).
 Concluindo, o que o/a Mmo/a Juiz fez, no/a douto/a despacho/decisão recorrido/a, 
 ao “.../... remeter os autos para outra forma processual.” (sic), não realizando 
 o requerido pelo MP, nos termos legais, julgamento do/a arguido/a, em processo 
 sumário e nem sequer iniciando a audiência, foi manifestamente recusar a 
 aplicação da norma constante do n°. 2, do art°. 389°, do CPP, com fundamento em 
 inconstitucionalidade e/ou na sua ilegalidade, por permitir a realização do 
 julgamento em processo sumário, nos casos em que o MP, não tendo deduzido 
 acusação, reserva para o início da audiência, a faculdade de substituir a 
 apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver 
 procedido à detenção, quando neste “.../... não existe qualquer referência ao 
 crime de que o arguido vem acusado, faltando assim a respectiva qualificação 
 jurídica, e igualmente o elemento subjectivo do tipo.” (sic).
 Face ao exposto, o interposto recurso, requerendo a apreciação da 
 constitucionalidade e legalidade da norma constante do n°. 2 do art°. 389°, do 
 CPP, deveria ter sido admitido, pelo que, não o tendo sido, o MP apresenta a 
 presente reclamação, sendo as ora expostas, as razões que justificam a admissão 
 daquele.»
 
  
 
 4. Neste Tribunal Constitucional, o Ministério Público emitiu o seguinte 
 parecer:
 
 «Importa notar liminarmente que – sendo o recurso, interposto pelo Ministério 
 Público e rejeitado no Tribunal “a quo”, – exclusivamente fundado na alínea a) 
 do nº 1 do artigo 70º da Lei 28/82, apenas poderá reportar-se à recusa de 
 aplicação da norma identificada no respectivo requerimento de interposição – e 
 não a quaisquer outros preceitos legais, eventualmente aplicados no despacho 
 reclamado, já que tal implicaria a ampliação do respectivo objecto de modo a 
 incluir estes últimos, bem como a invocação, como base recursória, da alínea b) 
 daquele artigo 70º, nº 1, o que se afigura inviável face à regra de que a 
 delimitação do objecto do recurso decorre irremediavelmente (no que se refere ao 
 seu máximo âmbito) do teor daquele requerimento.
 A sorte da presente reclamação dependerá, deste modo, da determinação da 
 existência de uma “verdadeira” recusa de aplicação normativa, reportada ao 
 artigo 389º, nº 2, do Código de Processo Penal fundada em violação dos 
 princípios constitucionais da estrutura acusatória do processo penal e das 
 garantias de defesa.
 Qual a interpretação normativa feita pelo juiz “a quo” de tal preceito legal?
 A nosso ver, considerou-se ser inviável a substituição da apresentação de 
 acusação pelo Ministério Público em processo sumário pela simples leitura do 
 auto de notícia, no início da audiência, sem qualquer “aditamento”, num caso em 
 que o referido auto omitiria elementos essenciais a qualquer acusação, nos 
 planos fáctico (estruturantes do elemento subjectivo do crime imputado ao 
 arguido), da qualificação jurídica (especificação das disposições legais 
 aplicáveis) e probatório (indicação das provas que fundamentam tal imputação ao 
 arguido).
 
 É feita, no despacho reclamado, a seguinte leitura da norma constante do artigo 
 
 389º, nº 2, do Código de Processo Penal:
 Em processo sumário, pode o Ministério Público substituir a apresentação da 
 acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à 
 detenção, salvo se de tal auto não constarem todos os elementos – fácticos, de 
 qualificação jurídica e probatório – que obrigatoriamente – por força das 
 disposições gerais – devem constar de qualquer acusação.
 Ou seja: não se considerou inviável, de modo genérico, a actuação processual ali 
 consentida ao Ministério Público, procedendo-se antes a uma leitura conjugada de 
 tal preceito legal com as disposições que regulam os requisitos da acusação, só 
 consentindo a “substituição” da acusação pela leitura do auto quando este 
 satisfaça minimamente tais requisitos gerais.
 Procedeu, deste modo, o despacho recorrido a uma leitura conjugada da norma que 
 integra o objecto do presente recurso (a do artigo 389º, nº 2, do Código de 
 Processo Penal) com outras disposições que regem sobre os requisitos da acusação 
 
 (artigo 283º, nº 3, e 311º, nº 2 e 3 do Código de Processo Penal) para concluir 
 que a possibilidade de mera leitura do auto de notícia, no início da audiência, 
 pressupõe a suficiência deste, na óptica das exigências formuladas por aqueles 
 preceitos legais.
 Sendo duvidosa a definição da precisa “linha de fronteira” entre a verdadeira 
 
 “recusa de aplicação” normativa, enquadrável na alínea a) do nº 1 do artigo 70º 
 da Lei do Tribunal Constitucional, e a mera interpretação de preceitos legais 
 
 “em conformidade com a Constituição” (cf., v.g., os Acórdãos nºs 170/85, 425/89, 
 
 137/89, 636/94 e 1020/96) afigura-se que – no caso dos autos – o juízo de 
 inaplicabilidade de certa interpretação que – a ser feito – violaria 
 determinados princípios constitucionais se não fundou “única ou primacialmente” 
 
 (para utilizar a expressão de Rui Medeiros – A Decisão de Inconstitucionalidade, 
 pg. 331 e segs) no princípio da interpretação conforme à Lei Fundamental, mas 
 não desempenhando “o apelo à Constituição (princípio do acusatório e das 
 garantias de defesa) em sede hermenêutica, uma função de apoio ou de confirmação 
 de um sentido da norma já sugerido pelos restantes elementos de interpretação” 
 
 (cf. ainda o Acórdão nº 285/02).
 Assim, por se afigurar que o Tribunal “a quo”, no despacho recorrido, se limitou 
 a proceder a uma leitura conjugada de diversos regimes processuais penais, 
 referentes aos requisitos da acusação, articulando-os com a possibilidade de 
 mera “leitura” pelo Ministério Público do auto de notícia no início da audiência 
 em processo sumário, não será a circunstância de se considerar que a 
 imperatividade de tal aplicação conjugada dos regimes legais decorre dos 
 princípios constitucionais do acusatório e das garantias de defesa que traduz a 
 ocorrência de uma verdadeira “recusa de aplicação normativa”, enquadrável no 
 tipo recursório previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei 28/82.»
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
 5. O reclamante pretende interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo das 
 alíneas «a) e/ou c)» do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
 É pressuposto deste recurso que a decisão recorrida tenha rejeitado, explícita 
 ou implicitamente, a aplicação ao caso concreto de uma norma, com fundamento em 
 inconstitucionalidade (no caso do recurso da alínea a)), ou na sua ilegalidade, 
 por violação de lei com valor reforçado, no caso da alínea c) daquele preceito) 
 e que esse juízo de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) constitua uma 
 verdadeira ratio decidendi da decisão recorrida.
 No caso em apreço, o despacho de que se pretende recorrer determina a remessa 
 dos autos para outra forma processual, por se ter entendido que a substituição 
 da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia, nos termos do 
 artigo 389.º, n.º 2, do CPP, não era possível, na medida em que «no auto de 
 notícia não existe qualquer referência ao crime de que o arguido vem acusado, 
 faltando assim a respectiva qualificação jurídica e, igualmente o elemento 
 subjectivo do tipo».
 Ao decidir assim, o despacho tem implícita uma interpretação do n.º 2 do artigo 
 
 389.º do CPP que apela ao elemento sistemático (nomeadamente, aos princípios da 
 Constituição e às normas do Código de Processo Penal que estabelecem os 
 requisitos da acusação), dele extraindo a regra de que apenas será admissível a 
 substituição da acusação pela leitura do auto de notícia quando este auto 
 contenha todos os elementos legalmente exigíveis para a validade de qualquer 
 acusação. E concluindo, com base nessa regra, que, naquele caso concreto, tais 
 elementos não constavam do auto de notícia. 
 Ora, esta actividade interpretativa do n.º 2 do artigo 389.º do CPP, ainda que 
 implicitamente convoque princípios constitucionais, não se confunde com uma 
 recusa de aplicação daquela norma, com fundamento em inconstitucionalidade (ou 
 ilegalidade por violação de lei com valor reforçado), que aqui não existiu.
 Pelo exposto, o presente recurso revela-se inadmissível (no mesmo sentido, 
 versando despachos idênticos ao que aqui está em causa, vejam-se os Acórdãos 
 n.ºs 8/2008 e 12/2008, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 
 6. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
 Sem custas.
 
 
 Lisboa, 31 de Janeiro de 2008
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos