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Processo n.º 1015/07
 Plenário
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
 
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
 
 
 I. Relatório
 
 
 
 1. Por decisão instrutória de 5 de Fevereiro de 2007, a fls. 4 e seguintes, o 
 juiz do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra decidiu, 
 entre o mais, pronunciar os arguidos A. e B. pela prática, em co-autoria, dos 
 crimes de tráfico de produto estupefaciente agravado, previstos e puníveis pelos 
 artigos 21º, n.º 1, e 24º, alíneas b), c) e j) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 
 de Janeiro, de três crimes de receptação dolosa, previstos e puníveis pelo 
 artigo 231º do Código Penal, de três crimes de falsificação de documento 
 agravada, previstos e puníveis pelos artigos 256º, n.º s 1, alíneas a) e c), e 
 
 3, com referência ao artigo 255º, alínea a), do mesmo diploma legal, e de um 
 crime de associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 28º, n.º 2, do 
 Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
 
  
 Inconformados com a parte da decisão instrutória que lhes indeferira a arguição 
 de nulidade de certas intercepções telefónicas, dela interpuseram A. e B. 
 recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, a fls. 247 e seguintes, tendo nas 
 conclusões da motivação respectiva sustentado nomeadamente que, conforme se 
 entendeu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 660/2006, “é 
 inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1 e n.º 5, da Constituição, a 
 norma do artigo 188º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação dada 
 pelo tribunal segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos 
 mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o 
 Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de 
 instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa 
 pronunciar sobre a sua relevância” (cfr. conclusão 45ª; cfr., ainda, a conclusão 
 
 46ª).
 
  
 O Ministério Público respondeu, a fls. 269 e seguintes, sustentando que se não 
 verificava a referida inconstitucionalidade (cfr. conclusões 25 a 28), e, no 
 parecer que emitiu, no tribunal de recurso, perfilhou idêntico entendimento 
 
 (fls. 313).
 
  
 Por acórdão de 11 de Setembro de 2007, a fls. 324 e seguintes, o Tribunal da 
 Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, podendo ler-se no texto 
 respectivo, entre o mais, o seguinte:
 
  
 
 […]
 
 6. – Por último, consideram os recorrentes que a ordem de desmagnetização de 
 parte do material gravado coloca o arguido na impossibilidade de se pronunciar 
 sobre a relevância das conversas, o que violaria o direito ao contraditório. 
 De acordo com o que o regime legal em vigor estipula de forma clara, tudo o que 
 não for considerado relevante para a prova é destruído (artigo 188º, n.º 3). O 
 objectivo desta disposição parece ser o de adquirir para o processo como prova o 
 que seja pertinente e evitar, na medida do possível, que a invasão da vida 
 privada das pessoas alvo de escuta alastre para lá do estritamente necessário. 
 Foi esse, de resto, o entendimento que a Prof. Fernanda Palma fez consignar na 
 sua Declaração de Voto lavrada no Ac. Tribunal Constitucional n.º 660/06 que os 
 recorrentes referem (indicando por lapso o n.º 660/07): «Em minha opinião, tal 
 norma consagra, em termos constitucionalmente admissíveis, a possibilidade de 
 correcção pelo tribunal de uma intromissão injustificada na reserva da 
 intimidade da vida privada do arguido ou de terceiros (artigo 26º, n.º 2 da 
 Constituição)». É, aliás, à posição tomada nessa esclarecida declaração de voto 
 que integralmente se adere, para ela se remetendo. Quer no que toca à questão da 
 preponderância da defesa da reserva da intimidade da vida privada como valor 
 contra a sua superação por um hipotético interesse do arguido em benefício da 
 sua defesa [com a transfiguração de actos ilegítimos a priori em actos legítimos 
 a posteriori, como com clareza se explica na citada declaração de voto] quer 
 ainda à interpretação ali feita da “extensão” do princípio do contraditório. 
 Também no sentido de considerar inadmissível a subalternização da protecção dos 
 direitos de terceiros com a pretendida manutenção das gravações decidiu o supra 
 citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Fevereito de 2007. 
 O controlo judicial das escutas foi feito de acordo com o regime legal em vigor 
 e a ordem de destruição do material gravado foi dada em conformidade com esse 
 regime legal e em conformidade com a mais adequada interpretação dos preceitos 
 constitucionais. 
 Nessa medida improcedem as conclusões 42ª a 46ª da motivação dos recorrentes. 
 
 […].
 Deste acórdão interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal 
 Constitucional, nos seguintes termos (fls. 344 e seguinte):
 O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado do Acórdão 
 de 11 de Setembro de 2007, proferido nos autos supra referenciados e limitado 
 apenas ao segmento do decidido que julgou, no domínio da vigência do Código de 
 Processo Penal de 1987, na versão anterior à entrada em vigor da Lei n.º 
 
 48/2007, de 29/8, não ser inconstitucional a norma do artigo 188°, n.° 3, do 
 Código de Processo Penal (na versão referida), na interpretação segundo a qual 
 permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de 
 telecomunicações que o órgão de Polícia Criminal e o Ministério Público 
 conheceram e que são considerados irrelevantes pelo Juiz de Instrução, sem que o 
 arguido deles tenha conhecimento e sem que possa pronunciar sobre a sua 
 relevância, dimensão normativa que foi julgada inconstitucional, por violação do 
 artigo 32°, n.°. 1, da Constituição, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 
 
 660/2006, publicado no D.R. — II Série, n.° 7, de 10/1/2007, 
 Vem interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, nos termos das 
 disposições combinadas dos artigos 70°, n.º 1, alínea g), 75°-A, n.°s 1 e 3, e 
 
 72°, n.º 1, alínea a), e n.° 3, da Lei n.° 28/82, de 15/11, e 280°, n.° 5, da 
 Constituição da República Portuguesa”.
 
  
 O recurso do Ministério Público foi admitido por despacho de fls. 367.
 
  
 Os arguidos A. e B. interpuseram também recurso para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional e versando idêntica questão de inconstitucionalidade (fls. 349 e 
 seguintes), o qual foi admitido por despacho de fls. 382 v.º
 
  
 Foi determinada a intervenção do plenário, por determinação do Presidente do 
 Tribunal (fls. 385).
 
  
 No seguimento do processo, o representante do Ministério Público junto do 
 Tribunal Constitucional sustentou, nas alegações (fls. 389 e seguinte), o 
 seguinte:
 
  
 
 1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
 Foi interposto recurso obrigatório pelo Ministério Público, nos termos do artigo 
 
 70º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, da decisão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, na parte em que aplicou a norma do artigo 188º, 
 n.º 3, do Código de Processo Penal (na versão anterior à actualmente vigente), 
 na interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova 
 obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de Polícia 
 Criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes 
 pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se 
 possa pronunciar sobre a sua relevância, dimensão normativa que foi julgada 
 inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição, pelo 
 acórdão do Tribunal Constitucional n.º 660/2006, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 10 de Janeiro de 2007.
 Mais recentemente, também os acórdãos n.ºs 450/07 e 451/07, ambos de 18 de 
 Setembro de 2007, se pronunciaram no mesmo sentido – 
 
 www.tribunalconstitucional.pt.
 Em todos os processos em que foram produzidos os aludidos Acórdãos foi defendida 
 pelo Ministério Público a conformidade constitucional da norma do artigo 188º, 
 n.º 3 do Código de Processo Penal, no segmento em apreciação.
 Com os argumentos que constam das respectivas declarações de voto e para os 
 quais remetemos, igualmente os Senhores Conselheiros Fernanda Palma, Benjamim 
 Rodrigues, Fernandes Cadilha e Vítor Gomes sustentaram a não 
 inconstitucionalidade da interpretação normativa em apreciação.
 
 2. Conclusão
 
 1. Não é inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 188º do Código de Processo 
 Penal (na redacção anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 
 
 29 de Agosto) na interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos 
 de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de 
 Polícia Criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados não 
 relevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tome conhecimento e 
 sem que se possa pronunciar pela sua relevância.
 
 2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso, confirmando-se o juízo 
 de conformidade constitucional da decisão recorrida.
 
  
 Notificados para alegar e contra-alegar, os arguidos A. e B. fizeram-no nos 
 seguintes termos (fls. 392 e seguintes):
 
  
 Pendem nos presentes autos os recursos interpostos pelos arguidos e pelo 
 Digníssimo Representante do Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa, 
 sendo certo que, em ambos se discute a mesma questão, pelo que, os argumentos 
 que fundamentam o nosso entendimento de inconstitucionalidade (da interpretação 
 da norma constante do artigo 188°, n.° 3 do Código de Processo Penal — sempre 
 por referência à sua versão anterior), são precisamente aqueles que dão resposta 
 aos apresentados nas alegações do Ilustre Procurador-Geral Adjunto nesse 
 tribunal. 
 
 É pois sem qualquer prejuízo de sentido que nos permitimos condensar nesta peça 
 as nossas alegações e contra-alegações. 
 O douto acórdão recorrido, interpretou a norma do artigo 188°, n.º 3, do CPP, 
 aplicando-a, sendo certo que, quanto a nós, o caso em análise não difere de 
 outros em que a mesma, com esse sentido, foi julgada inconstitucional pelo 
 Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta. 
 Nesses casos como no presente, o Meretíssimo Juiz de Instrução Criminal ordenou 
 a destruição de parte das conversas telefónicas interceptadas (as que não foram 
 transcritas), sem que ao arguido tivesse sido concedida possibilidade de aceder 
 
 às mesmas. 
 E na verdade, em abono deste entendimento, não deixaremos de aqui apontar o 
 douto acórdão deste Tribunal, n.° 660/06, publicado no Diário da República, 2ª 
 série, parte D, de 10/01/2007, que decidiu nos seguintes termos: 
 
 […]
 b) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32°, n.º 1, da Constituição, 
 a norma do artigo 188°, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação 
 segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante 
 intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério 
 Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, 
 sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a 
 sua relevância;(...) 
 O douto acórdão recorrido, no entanto, perfilhou precisamente a posição que 
 ficou expressa em voto de vencido, da Ilustre Conselheira, Professora Fernanda 
 Palma. 
 Porém, mais recentemente, o Tribunal Constitucional voltou a reiterar as razões 
 constantes do acórdão n.º 660/06, através da decisão sumária n.° 454/07, de 9 de 
 Agosto de 2007 (no âmbito do processo n.º 831/07 da 2ª secção, onde, concluindo 
 pela inconstitucionalidade daquela interpretação do artigo 188° n.° 3 do CPP, 
 considera que: 
 
 […]
 
 2. [...] 
 Assim, pelas razões constantes do Acórdão n.° 660/2006 (publicado no Diário da 
 República, II Série-A, n.° 7, de 10 de Janeiro de 2007, p. 145, e com texto 
 integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que subscrevemos, 
 impõe-se o provimento do recurso, com a consequente reformulação da decisão 
 recorrida. 
 Saliente-se que, no presente caso, a ordem judicial de destruição das gravações 
 em causa se fundou exclusivamente no entendimento de que tais gravações não 
 tinham interesse para a investigação (cf. fls. 207), pelo que surgem como de 
 todo irrelevantes e impertinentes as considerações tecidas no acórdão recorrido 
 para as hipóteses — que não se verificam no presente caso — de a ordem de 
 destruição se basear em se tratar de escutas ilegítimas de terceiros ou conterem 
 matéria coberta pelo segredo de Estado ou pelo segredo profissional. O que no 
 aludido Acórdão n.º 660/2006 — a cuja doutrina convictamente aderimos e que, 
 aliás, segue firme jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem — se 
 sustentou foi que é constitucionalmente intolerável, na perspectiva das 
 garantias de defesa, a absoluta insindicabilidade do juízo judicial sobre a 
 relevância processual das escutas, privando o arguido da possibilidade — de que 
 beneficiaram o órgão de polícia criminal e o Ministério Público — de requerer (e 
 não directamente de determinar, como erradamente parece supor o acórdão 
 recorrido) a aquisição processual de provas obtidas através das escutas, que, na 
 sua perspectiva, surgem como relevantes para a descoberta da verdade. 
 Trata-se, aliás, de solução que acaba de ser acolhida na revisão do Código de 
 Processo Penal levada a cabo pelo Decreto n.° 149/X da Assembleia da República 
 
 (Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.° 123, de 1 de Agosto de 
 
 2007), que, na nova redacção dada ao n.º 6 do artigo 188º, limita a 
 possibilidade de destruição imediata dos suportes técnicos às hipóteses de os 
 mesmos dizerem respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas 
 no n.º 4 do artigo anterior, abrangerem matérias cobertas pelo segredo 
 profissional, de funcionário ou de Estado, ou cuja divulgação seja susceptível 
 de afectar gravemente direitos, liberdades e garantias. Isto é: deixa de ser 
 admissível a destruição imediata dos suportes técnicos das gravações das escutas 
 pelo simples facto de serem tidas por irrelevantes pelo juiz. (…)“ 
 E ainda mais recentemente, proferiu o Tribunal Constitucional os Acórdãos n.°s 
 
 450/07 e 451/07, da sua 3ª Secção, nos quais se confirma o mesmo juízo de 
 inconstitucionalidade. 
 Aliás, parece-nos mesmo que o douto Acórdão 450/07 veio acrescentar novos e 
 valorosos argumentos a esse juízo de inconstitucionalidade: 
 
 [...] 
 Com efeito, para além das razões apresentadas pelo Tribunal naquele mesmo 
 Acórdão, outras há, que decorrem do que ficou dito na resposta dada à primeira 
 questão de constitucionalidade que o presente recurso coloca. 
 Antes do mais, do que ficou dito quanto ao direito consagrado no n.° 5 do artigo 
 
 188° do CPP. 
 Afirmou-se acima (ponto 9.2.) que a possibilidade de exercício de um tal direito 
 
 — que, recorde-se, confere ao arguido o poder de examinar o auto de transcrição 
 
 [a que se refere o n.° 3 do artigo 188°] para se inteirar da conformidade das 
 transcrições — prevenia que a não assinatura, por parte do juiz de instrução, 
 daquele auto (ou a não certificação, pelo mesmo juiz, da conformidade entre o 
 que havia sido transcrito e o que havia sido gravado) se traduzisse, por si só, 
 numa «intervenção restritiva», constitucionalmente inaceitável, dos direitos de 
 defesa do arguido. No entanto, para que tal suceda, necessário é que o arguido 
 possa ter acesso à integralidade das gravações que foram efectuadas, para que — 
 como já disse o Tribunal no Acórdão n.° 426/2005 (DR II série, n.° 232, p. 
 
 17006) — «seja facultada à defesa (e também à acusação) a possibilidade de 
 requerer a transcrição de mais passagens do que as inicialmente seleccionadas 
 pelo juiz, quer por entenderem que as mesmas assumem relevância própria quer por 
 se revelarem úteis para esclarecer ou contextualizar o sentido das passagens 
 anteriormente seleccionadas.» Foi aliás este dito (citado pelo Acórdão n.° 
 
 660/2006) que justificou a decisão tomada (e a nosso ver bem) pelo Tribunal no 
 já referido Acórdão n.° 426/2005. Para que esta ‘arquitectura’ jurisprudencial 
 mantenha coerência, necessário é que se entenda que o exercício do direito que é 
 conferido ao arguido no n.° 5 do artigo 188° do Código de Processo Penal 
 pressupõe a possibilidade de acesso da defesa à integralidade das gravações 
 efectuadas no decurso das intercepções telefónicas. 
 Mas, para além disso, uma outra razão há para que se entenda que tal acesso é 
 constitucionalmente imposto, não dependendo da livre disposição do legislador 
 ordinário facultá-lo, ou não, à defesa. Disse-se atrás que o regime fixado nos 
 artigos 187° e 188° do CPP decorria de uma autorização constitucional expressa — 
 conferida ao legislador — para restringir «em matéria de processo criminal», o 
 direito ‘inviolável’ do sigilo dos meios de comunicação privada (artigo 34°, n.° 
 
 4 e n.° 1). Disse-se também que o bem jurídico protegido por tal direito era 
 refracção de outros bens jurídicos, nomeadamente dos protegidos pelo «direito à 
 palavra» e pelo direito à «reserva de intimidade da vida privada» (artigo 26° da 
 CRP). A este último direito — e ao bem que ele protege — se voltará adiante. Por 
 agora, atenhamo-nos apenas às implicações que decorrem da garantia 
 constitucional de um «direito à palavra». 
 O direito à palavra a que se refere o artigo 26° da CRP — próximo do direito à 
 imagem, enquanto direito pessoal, e por isso estruturalmente distinto do direito 
 
 à liberdade de expressão (artigo 31°) — pressupõe a existência de uma «liberdade 
 de disposição na área da comunicação não pública», em que o que é dito — 
 justamente por ser dito fora do espaço público ou seja, não com o intuito de ser 
 escutado — faz parte da «acção comunicativa» espontânea, «inocente e autêntica, 
 
 (veja-se Manuel da Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em Processo 
 Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, p. 70). A esta esfera da comunicação 
 humana pertencem os discursos fragmentários, a «expressão não reflectida nem 
 contida», ou a «formulação apenas compreensível no contexto de uma situação 
 especial» (Tribunal Constitucional Federal Alemão, apud Manuel Costa Andrade, 
 ob. e loc. cit.). Quem «escuta» um discurso assim, feito para não ser escutado, 
 infere sentidos. A decisão unilateral e externa (isto é, tomada sem o 
 conhecimento do autor do próprio discurso) quanto ao se e ao modo da 
 descontextualização do mesmo, permite que às inferências de sentido iniciais se 
 venham a sobrepor outras, numa escala potencialmente progressiva de redução da 
 compreensibilidade do que foi dito. 
 Um «processo devido em direito» — ou, como diz a Constituição no n.° 1 do artigo 
 
 32°, um processo que «assegura todas as garantias de defesa» —, não pode ignorar 
 que as coisas se passam assim. Sobretudo quando se sabe (e sabe-se porque tal já 
 foi dito pelo Tribunal) que não é constitucionalmente censurável que a acusação, 
 que tem naturalmente acesso à integralidade das gravações, sugira ao juiz quais 
 as ‘partes’ das gravações a transcrever, por serem essas as partes consideradas 
 relevantes para a prova (artigo 188°, n.° 1, in fine do CPP), e que a sugestão 
 seja acolhida «não com base em prévia audição das mesmas [por parte do JIC mas 
 por leitura de textos contendo a sua reprodução...acompanhados das fitas 
 gravadas ou elementos análogas» (fórmula decisória do Acórdão n.° 426/2005). 
 Sabendo-se tudo isto, difícil é não concluir que, no âmbito de todas as 
 garantias de defesa a que se refere o n.° 1 do artigo 32° da CRP, se conta 
 também a possibilidade de acesso do arguido à integralidade das gravações 
 efectuadas no decurso de operações de «escutas telefónicas», antes que seja dada 
 a ordem da sua destruição parcial. 
 Sustentar-se-á em contrário que uma tal leitura das coisas desconhece que, nos 
 termos do n.° 5 do artigo 32° da Constituição, o princípio do contraditório vale 
 apenas para as fases de audiência de julgamento e para os «actos instrutórios 
 que a lei determinar», pelo que argumentar como se argumentou implicaria uma 
 visão radicalmente acusatória de todo o processo penal, em que o princípio do 
 contraditório dominaria, também, todo o inquérito — visão essa que, como se 
 sabe, não é aquela que a CRP acolhe. 
 Note-se, no entanto, que não está aqui em causa a transposição, para a fase do 
 inquérito, do princípio da contraditoriedade na produção e valoração da prova — 
 princípio esse que só tem assento constitucional no que respeita à fase de 
 audiência e julgamento. O que está em causa é outra coisa. Trata-se apenas de 
 garantir que toda a prossecução processual se cumpra como se deve cumprir, ou 
 seja, «de modo a fazer ressaltar não só as razões da acusação mas também as da 
 defesa» (assim mesmo, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, 
 reimp. 2004, Coimbra, Coimbra Editora, p. 150), de tal forma que o arguido tenha 
 uma posição processual equiparada quanto possível à do acusador (ibidem p. 149). 
 
 
 Exigir que semelhante garantia se cumpra não equivale a transfigurar um processo 
 penal de estrutura mitigada em outro diverso, de estrutura radicalmente 
 acusatória. A exigência significa apenas que se obedece ao princípio contido no 
 n.° 1 do artigo 32° da Constituição, pois que, « [e]m todas as garantias de 
 defesa engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários 
 para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a radical 
 desigualdade material de partida entre acusação (normalmente apoiada pelo poder 
 institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante 
 especificas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas.” (J.J. Comes 
 Canotilho/Vital Moreira, Constituição do República Portuguesa Anotada, 4ª ed., 
 
 2007, Coimbra, Coimbra Editora, p. 516 
 
 […].
 Deverá pois, ser mantida a jurisprudência dos acórdãos citados, por aplicável ao 
 caso em análise, e em consequência, deve o presente recurso obter provimento. 
 CONCLUSÕES: 
 
 1. O Tribunal da Relação interpretou e aplicou a norma constante do artigo 188° 
 n.° 3 do CPP (versão anterior), como não sendo inconstitucional, com o sentido 
 de que o juiz de instrução pode destruir todo o material gravado sem que ao 
 arguido seja concedida a possibilidade de o conhecer e sobre o mesmo se 
 pronunciar; 
 
 2. Tal ocorreu nos presentes autos, em que os arguidos foram escutados, tendo 
 sido destruído todo o material que não foi considerado relevante para a 
 investigação, sem que aos arguidos fosse concedido acesso para o utilizar em sua 
 defesa, e eliminando-se a possibilidade de contextualizar as conversas que foram 
 consideradas relevantes. 
 
 3. A norma constante do artigo 188°, n.° 3, está ferida de inconstitucionalidade 
 se entendida com o sentido de que todo o material gravado pode ser destruído sem 
 que aos arguidos seja dado acesso ao mesmo, por violação das garantias de defesa 
 consagradas do artigo 32°, n° 1, da CRP. Por isso, 
 
 4. Deve ser declarada inconstitucional a norma do artigo 188°, n.° 3, do CPP, 
 por violação do artigo 32°, n.° 1, da CRP, com a interpretação de que se permite 
 a destruição dos elementos de prova obtidos com as escutas telefónicas, que o 
 OPC e o MP conheceram e o Meritíssimo Juiz de Instrução julgou irrelevante para 
 a investigação, sem que ao arguido seja dado conhecimento dos mesmos e se possa 
 pronunciar sobre a relevância deles.
 Nestes termos se requer a Vs. Exas. que, conhecendo o presente recurso, venham a 
 declará-lo procedente, e em conformidade, a declarar inconstitucional a norma 
 constante do artigo 188º, n.° 3, do CPP (anterior versão), quando interpretada 
 com o sentido conferido na decisão recorrida.
 
  
 Notificado da apresentação das alegações dos recorrentes A. e B., o 
 representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio dizer 
 que nada mais tinha a acrescentar às alegações que produzira (fls. 399).
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
  
 
 2. A questão que vem discutida é a de saber se é inconstitucional, por violação 
 das garantias de defesa do arguido, asseguradas pelo artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição, a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal quando 
 interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material 
 coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem 
 que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o 
 eventual interesse para a sua defesa.
 
  
 Sobre essa mesma matéria já se pronunciou especificamente o  citado acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 660/06, de 28 de Novembro de 2006, que decidiu 
 
 “julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a 
 norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação 
 segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante 
 intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério 
 Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, 
 sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a 
 sua relevância”.
 
  
 No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos n.ºs 450/07 e 451/07, ambos de 18 
 de Setembro de 2007.
 
  
 
 É, aliás, na explanação seguida nesses arestos que os recorrentes A. e B. se 
 apoiam para defender idêntica solução, no caso vertente, ao passo que o 
 magistrado do Ministério Público, aqui também na posição de recorrente, se 
 baseia, para concluir no sentido oposto, nas considerações que foram aduzidas 
 nos votos de vencido que acompanham esses acórdãos.
 
  
 Importará, por isso, começar por expor, em termos argumentativos, as posições 
 que se encontram em confronto, para daí partir para o entendimento que, no 
 presente, melhor se considera ajustado ao caso.
 
  
 Na verdade, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 660/06 excluiu que, em caso 
 de intercepção e gravação de conversações telefónicas, e para efeito da 
 eliminação dos conteúdos das comunicações interceptadas, as garantias de defesa 
 do arguido se bastem com o controlo da relevância dos elementos de prova, por 
 parte do juiz de instrução.
 
  
 Para assim concluir, o Tribunal ponderou que a destruição, apenas por decisão do 
 juiz de instrução, sem conhecimento pelo arguido, dos elementos de prova obtidos 
 por intermédio da intercepção de telecomunicações, constitui, só por si, uma 
 compressão inaceitável e desnecessária das garantias de defesa e que é 
 particularmente notória na comparação da sua posição com a da acusação. Isso 
 porque o arguido, que sofreu uma intervenção restritiva nos seus direitos 
 fundamentais ao ser objecto de escutas telefónicas, acaba por ver eliminados os 
 registos dessas comunicações, sem poder tomar conhecimento do seu conteúdo e 
 sobre eles se pronunciar, enquanto que a acusação (rectius, o órgão de polícia 
 criminal e o Ministério Público) tem acesso ao conteúdo integral e completo das 
 comunicações e pode (deve mesmo) seleccionar e indicar as partes que considera 
 relevantes (artigo 188.º, n.º 1, parte final), tendo uma intervenção substancial 
 anterior à apreciação do juiz e podendo influenciar a sua decisão sobre a 
 relevância dos elementos coligidos.
 
  
 O acórdão entende, por outro lado, que não é possível contrapor, como 
 justificação para a destruição dos registos tidos como irrelevantes, a ideia de 
 que essa operação visa a própria protecção de direitos fundamentais de terceiros 
 ou do próprio arguido, por se tratar de dados que, resultando da intercepção de 
 comunicações, representam em si uma devassa da intimidade da vida privada. Neste 
 plano de consideração, o tribunal chama a atenção para a circunstância de a 
 destruição dos registos, com fundamento no disposto no artigo 188º, n.º 3, do 
 Código de Processo Penal, ter por base exclusivamente a apreciação da relevância 
 das conversações para efeito de prova, por parte do juiz, e não a ilegalidade 
 das escutas ou a protecção dos direitos de terceiros ou do arguido. E, assim, a 
 invocação da protecção de terceiros contra intromissão na vida privada só 
 poderia colocar-se no plano abstracto, da presunção de que todas e quaisquer 
 escutas podem pôr em causa esses direitos de terceiros. 
 
  
 A estas razões acrescenta o acórdão n.º 450/07 (e, na sua esteira, o acórdão n.º 
 
 451/07) outras que se julga apontarem também no sentido da inconstitucionalidade 
 da solução legislativa contida no citado artigo 188º, n.º 3. Por um lado, a 
 consideração de que o exercício do direito de o arguido examinar o auto de 
 transcrição para se inteirar da conformidade  entre o que havia sido transcrito 
 e o que havia sido gravado as transcrições  [a que se refere o nº 5 desse 
 artigo] tem como pressuposto necessário que o arguido possa ter acesso à 
 integralidade das gravações que foram efectuadas. Por outro lado, a ideia de que 
 o direito à palavra, como refracção do direito à reserva de intimidade da vida 
 privada, pressupõe a existência de uma liberdade de comunicação espontânea, que 
 pode gerar inferências de sentido que reduzem a compreensibilidade do que foi 
 dito, quando interceptadas por decisão unilateral e externa de terceiros.
 
  
 As posições expressas nos votos de vencido que acompanham o acórdão n.º 660/06 
 situam-se, por sua vez, num plano de análise diametralmente oposto.
 
  
 Aí entende-se que a argumentação do acórdão parte da ideia de que, uma vez 
 realizada a intercepção, se tornará secundário assegurar os valores e interesses 
 cuja restrição foi afectada, por as garantias de defesa e o contraditório 
 consagradas no artigo 32º, nºs 1 e 5, da Constituição se terem tornado 
 prevalecentes relativamente à reserva da intimidade da vida privada do próprio 
 arguido ou de terceiro.
 
  
 No entanto – como se explicita -, o facto de uma intercepção ter sido já 
 realizada e de a correspondente conversação ter sido ouvida por órgãos de 
 polícia criminal e autoridades judiciárias não torna irrelevante o prejuízo para 
 a reserva da intimidade da vida privada que pode advir da conservação dos 
 respectivos suportes, visto que essa conservação gera sempre um perigo acrescido 
 de reprodução e de devassa.
 
  
 O juiz de instrução tem precisamente por função assegurar os direitos, 
 liberdades e garantias – do arguido, de outros sujeitos processuais e de 
 quaisquer terceiros - , como decorre do nº 4 do artigo 32º da Constituição, pelo 
 que entender que esse órgão judiciário está proibido de ordenar a destruição de 
 quaisquer gravações de escutas que considere, segundo a sua análise e 
 ponderação, manifestamente irrelevantes constitui uma interpretação 
 desproporcionada das exigências constitucionais no processo penal. Se assim 
 sucedesse, estaria aberto o caminho para que todas as violações de direitos 
 fundamentais (mesmo envolvendo só terceiros) e as correspondentes actividades de 
 investigação e de obtenção de prova (intercepção de comunicações e até outras) 
 se viessem a consolidar na ordem jurídica para ulterior satisfação de uma 
 arbitrária vontade do arguido.
 
  
 Neste contexto – conclui-se - , a norma do artigo 188º, n.º 3, do Código de 
 Processo Penal o que faz é consagrar, em termos constitucionalmente admissíveis, 
 a possibilidade de correcção pelo tribunal de uma intromissão injustificada na 
 reserva da intimidade da vida privada do arguido ou de terceiros (artigo 26º, nº 
 
 2, da Constituição). 
 
  
 
 3. Sendo estes os termos em que a questão se coloca, tal como é apresentada 
 pelas partes, que se arrimam, nas suas peças processuais, em cada uma das 
 posições contrastantes acabadas de referir, cabe efectuar o necessário 
 enquadramento sistemático da norma sobre a qual se impõe a formulação do juízo 
 de constitucionalidade.
 
  
 No plano da lei geral, a confidencialidade das telecomunicações é expressamente 
 garantida pela Lei de Tratamento de Dados Pessoais e Protecção da Privacidade no 
 Sector das Comunicações Electrónicas (Lei nº 41/2004, de 18 de Agosto) e, 
 particularmente, pelo artigo 4º desta Lei, que assegura a inviolabilidade das 
 comunicações e respectivos dados de tráfego no domínio das redes públicas de 
 comunicações e dos serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, 
 proibindo a escuta, a instalação de dispositivos de escuta, o armazenamento e 
 outros meios de intercepção ou vigilância de comunicações sem o consentimento 
 prévio e expresso dos utilizadores, com excepção apenas dos casos previstos na 
 lei. 
 
  
 O sigilo das telecomunicações merece, porém, garantias inscritas logo ao nível 
 fundamental da Constituição, dispondo o seu artigo 34º, nos nºs 1 e 4, que “o 
 domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação 
 privada são invioláveis”, e que “é proibida toda a ingerência das autoridades 
 públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de 
 comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal” 
 
 (veja-se, quanto a estes aspectos, o Parecer da PGR n.º 21/2000, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 28 de Agosto de 2000, que se acompanhará por 
 alguns momentos).
 
  
 Por força do estatuído neste nº 4, o direito ao sigilo das telecomunicações 
 implica a proibição de devassa do seu conteúdo e da sua divulgação por quem a 
 elas tenha acesso, designadamente os empregados dos serviços de telecomunicações 
 para quem decorre o dever de sigilo profissional. E, correspondentemente, 
 traduzindo o relevo e protecção na conformação de valores fundamentais, o Código 
 Penal incriminou condutas violadoras do direito dos cidadãos à comunicação 
 reservada através dos artigos 192º, nº 1, alínea a), e 194º, que têm o 
 respectivo âmbito de protecção definido para a intromissão na vida privada 
 mediante acesso às comunicações telefónicas e a violação da correspondência e 
 das telecomunicações.
 
  
 A inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação está, por 
 seu turno, relacionada com a reserva de intimidade da vida privada a que se 
 reporta o artigo 26º da Constituição da República. O direito à intimidade da 
 vida privada, como garantia de resguardo, de reserva, de protecção, supõe a 
 faculdade de impedir a revelação de factos relativos à vida íntima e familiar, 
 de requerer a cessação de algum eventual abuso e o ressarcimento dos danos 
 derivados da divulgação de um facto respeitante à vida privada. 
 
  
 Só no domínio do processo penal é que a lei ordinária pode prever restrições à 
 referida garantia contida no artigo 34º, nº 4. As necessidades de perseguição 
 penal e de obtenção de provas justificam a compressão do direito individual à 
 comunicação reservada, mas carecem de ser avaliadas pelas autoridades 
 judiciárias em termos de necessidade, adequação e proporcionalidade, de tal modo 
 que violado que seja o princípio da menor intervenção possível e da 
 proporcionalidade, há-de a prova assim obtida ser considerada nula (artigos 32º, 
 n.º 8, da Constituição e 189º do Código de Processo Penal). 
 
 É neste plano que se compreendem as limitações que são impostas pelo Código de 
 Processo Penal no tocante à obtenção de prova através de escutas telefónicas, e 
 que resultam do disposto nos artigos 187º a 190º (tendo em consideração a 
 redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, aplicável ao caso).
 
  
 O primeiro desses preceitos define as condições em que é admissível a 
 intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas, 
 especificando que elas só podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do 
 juiz, relativamente aos crimes que aí são identificados e apenas “se houver 
 razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a 
 descoberta da verdade ou para a prova”.
 
  
 Por sua vez, o artigo 188.º, com a redacção resultante da Lei n.º 59/98, de 5 de 
 Agosto, e do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, providencia sobre as 
 
 “formalidades das operações”, dispondo o seguinte:
 
  
 
 «1 – Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, 
 o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente 
 levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, 
 com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados 
 relevantes para a prova.
 
 2 – O disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que 
 proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação 
 interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes 
 para assegurar os meios de prova.
 
 3 – Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes 
 para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso 
 contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações 
 ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado 
 conhecimento.
 
 4 – Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, 
 quando entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se 
 necessário, intérprete. À transcrição aplica-se, com as necessárias adaptações, 
 o disposto no artigo 101.º, n.ºs 2 e 3.
 
 5 – O arguido e o assistente, bem como as pessoas cujas conversações tiverem 
 sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição a que se refere o n.º 3 
 para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópias 
 dos elementos naquele referidos.»
 
  
 Como o regime processual claramente pressupõe, a admissibilidade da intercepção 
 e gravação de conversações e comunicações telefónicas ou transmitidas por outro 
 meio técnico está conformada pelo princípio da proporcionalidade: não só pela 
 especial gravidade dos casos em que é admitida (os chamados “crimes de 
 catálogo”), mas também pela exigência de um juízo da necessidade e do grande 
 interesse para a descoberta da verdade. De tal modo que, pelos termos da 
 revelação processual do regime de intromissão nas comunicações e das respectivas 
 garantias de que está rodeado, poder-se-á dizer que o sigilo das comunicações é 
 tendencialmente absoluto (neste sentido, o Parecer da PGR n.º 
 
 16/94/Complementar, de 2 de Maio de 1996, publicado em Pareceres, vol. VI, pág. 
 
 535).
 
  
 O carácter restritivo da utilização desse meio de prova é também evidenciado 
 pelo regime procedimental que lhe é aplicável e que expressamente decorre do 
 transcrito artigo 188º.
 
  
 Um dos aspectos que tem sido enfatizado e sobre o qual existe uma consistente 
 jurisprudência constitucional – amplamente analisada no citado acórdão n.º 
 
 660/2006 -, é o do imediatismo da intervenção do juiz de instrução em relação à 
 actividade de recolha da prova por parte dos órgãos de polícia criminal. 
 
  
 Como se refere no acórdão n.º 407/97 aí mencionado, segundo uma interpretação 
 constitucionalmente conforme do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, a expressão 
 
 «imediatamente», no contexto normativo em que se insere, terá de pressupor um 
 efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, 
 enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem, e de forma alguma 
 poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e 
 controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que essa actividade do 
 juiz não resulte do processo.
 
  
 Assim, como se conclui nesse aresto, “tendo em vista os interesses acautelados 
 pela exigência de conhecimento imediato pelo juiz, deve considerar‑se 
 inconstitucional, por violação do n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, uma 
 interpretação do n.º 1 do artigo 188.º do CPP que não imponha que o auto de 
 intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de 
 imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir 
 atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos 
 recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, 
 antes da junção ao processo de novo auto de escutas posteriormente efectuadas, 
 sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas” (a mesma 
 orientação foi retomada nos acórdãos n.ºs 347/2001, 528/2003, 379/2004 e 
 
 223/2005).
 
  
 
 É, por outro lado, esta mesma concepção que parece estar presente na norma do 
 n.º 3 do artigo 188º, que aqui está especialmente em foco. 
 
  
 O auto, juntamente com as fitas magnéticas, é imediatamente levado ao 
 conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado a intercepção e gravação 
 das operações, com a indicação das passagens das gravações ou elementos 
 considerados relevantes para a prova (n.º 1). Ao que se segue a intervenção 
 jurisdicional que se traduz justamente, como explicita o subsequente n.º 3, na 
 verificação da relevância para efeitos de prova dos elementos recolhidos, ou de 
 alguns deles, e na ordem da sua  transcrição em auto (para ser junto ao 
 processo)  e ou da sua destruição.
 
  
 Ou seja, o juiz de intrução averigua imediatamente (no sentido que o Tribunal 
 Constitucional confere a esta expressão) se a diligência, que foi ordenada ou 
 autorizada na perspectiva de possuir um “grande interesse para a descoberta da 
 verdade ou para a prova”, tem efectivo relevo probatório, para efeito de, desde 
 logo, ordenar a transcrição dos elementos coligidos que se mostrem relevantes e 
 a destruição daqueles outros que não possuam qualquer utilidade para a 
 finalidade que justificou a utilização do meio de prova.
 
  
 Só uma tal interpretação permite conferir à intervenção do juiz a função 
 convalidante (dita de acompanhamento e controlo) dos actos da polícia criminal, 
 sendo que essa é também a interpretação que melhor preserva a garantia 
 constitucional da intimidade da vida privada.
 
  
 Neste enquadramento, não se impõe que o juiz, depois de ter ordenado ou 
 autorizado certos actos de intercepção e gravação de comunicações na suposição 
 de eles poderiam ter interesse para a prova, venha a manter os elementos 
 recolhidos no processo, apesar de não terem qualquer efeito útil e representarem 
 objectivamente uma violação do princípio constitucional da proibição da devassa 
 da vida privada.
 
  
 E, assim, o sentido lógico que é possível atribuir às disposições conjugadas dos 
 n.ºs 1 e 3, numa interpretação conforme à Constituição (que tenha presente o 
 carácter excepcional dos meios de obtenção de prova que envolvam a violação de 
 direitos fundamentais dos cidadãos), é aquele que entrevê o procedimento 
 judiciário aí previsto, nas suas diversas fases, como finalisticamente dirigido 
 
 à obtenção de elementos relevantes para a investigação (e apenas desses), com a 
 salvaguarda  possível da protecção da intimidade da vida privada. Assim se 
 compreende que a diligência seja ordenada ou autorizada por um juiz, que os seus 
 resultados lhe sejam imediatamente comunicados e que este desde logo possa 
 efectuar o controlo da relevância probatória dos elementos recolhidos. 
 
  
 Neste contexto, a faculdade processual que é atribuída ao arguido no n.º 5 do 
 mesmo artigo 188º, não poderá deixar de ser entendida em sintonia com o que 
 prevê o n.º 3 desse preceito. O arguido e o assistente, bem como as pessoas 
 cujas conversações tiverem sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição 
 para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem cópia desses 
 elementos. Mas naturalmente que o exame apenas incide sobre os elementos 
 transcritos, isto é, aqueles que, nos termos do n.º 3, foram, considerados úteis 
 para a investigação e que poderão ser avaliados pelos interessados (incluindo o 
 arguido) para exercerem os direitos processuais que lhe correspondem.
 
  
 A consulta não abrange os elementos não transcritos pela linear razão de que 
 esses elementos, em ordem ao princípio da menor intervenção possível e da 
 proporcionalidade, deverão ser destruídos, por determinação do juiz, como impõe 
 o n.º 3 desse artigo, por não terem qualquer interesse para o processo e não 
 justificarem de per si qualquer reacção defensiva por parte de quem tenha sido 
 objecto de escuta.
 
  
 
 4. Coloca-se então a questão de saber se a interpretação que se mostra ser mais 
 conforme com o sentido literal e teleológico da norma, nos termos que se deixam 
 expostos, se poderá encontrar ferida de inconstitucionalidade por violação do 
 artigo 32º, n.º 1, da Constituição.
 
  
 Esse preceito, consignando que “o processo criminal assegura todas as garantias 
 de defesa, incluindo o recurso”, encerra uma claúsula geral englobadora de todas 
 as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de 
 decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos do arguido. 
 Todas as garantias de defesa inclui “todos os direitos e instrumentos 
 necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a 
 acusação”, o que implica a possibilidade de utilização de “todos os meios que em 
 concreto se mostrem necessários para que o arguido se faça ouvir pelo juiz sobre 
 as provas e as razões que apresenta em ordem a defender-se da acusação que lhe é 
 movida” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, vol. I, 4ª edição revista, pág. 516; Jorge Miranda/Rui Medeiros, 
 Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 354).
 
  
 
 É, por sua vez, a qualidade de arguido que legitima a implementação das 
 garantias de defesa, assim se justificando que a lei processual penal determine 
 a obrigatoriedade da constituição do arguido, para além dos casos em que seja 
 deduzida acusação ou requerida instrução (artigo 57º do CPP), sempre que corra 
 inquérito contra pessoa determinada e esta for chamada a prestar declarações 
 perante qualquer autoridade judiciária, for aplicada uma medida de coacção ou de 
 garantia patrimonial, o suspeito for detido em flagrante delito ou em 
 consequência de mandados de detenção, ou for levantado auto de notícia que dá 
 uma pessoa como agente de um crime e este lhe for comunicado (artigo 58º do 
 CPP), ou se deva proceder ao primeiro interrogatório do arguido, nos termos do 
 artigo 272º do CPP .
 
  
 Uma das componentes específicas das garantias de defesa, aliás, também 
 expressamente reconhecida na Lei Fundamental, é o princípio do contraditório 
 
 (artigo 32º, n.º 5).
 
  
 Este princípio abrange, como esclarecem Gomes Canotilho/Vital Moreira, (a) o 
 dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) 
 em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; (b) o 
 direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser 
 afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no 
 desenvolvimento do processo; (c) em particular, o direito do arguido de intervir 
 no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos 
 ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que 
 impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo; (d) a 
 proibição de ser condenado por crime diferente do da acusação, sem o arguido ter 
 podido contraditar os respectivos fundamentos (ob. cit., pág. 523).
 
  
 
 É necessário, no entanto, configurar o princípio do contraditório à luz da 
 estrutura acusatória do processo penal que a Constituição também elege como um 
 dos princípios estruturantes da constituição processual penal. O princípio da 
 acusação enquanto caracteristica da estrutura acusatória significa, no 
 essencial, que uma pessoa apenas pode ser julgada por um crime desde que seja 
 feita a investigação e deduzida acusação por parte de um órgão diverso daquele a 
 quem incumbe o julgamento, o que pressupõe uma distinção entre as diversas fases 
 processuais (instrução, acusação e julgamento)  e entre os diversos órgãos 
 intervenientes (Ministério Público, juiz de instrução e juiz julgador) (idem, 
 pág. 522). 
 
  
 Como logo se antevê, o sistema acusatório não é incompatível com a existência de 
 uma fase de investigação pré-acusatória. O que sucede é que a actividades de 
 investigação devem ser justificadas pela procura da verdade (e por isso as 
 diligências a realizar poderão destinar-se a corrobar ou infirmar a suspeita de 
 prática de crime) e estão submetidas a um dever de lealdade, que impede a 
 utilização de meios de prova não legalmente admissíveis ou com preterição do 
 formalismo legalmente estabelecido (Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., pág. 
 
 359).
 
  
 
 É justamente essa fase processual que é preenchida pelo inquérito, que a lei 
 define como o «conjunto de diligências que visam investigar a existência de um 
 crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e 
 recolher provas, em ordem à decisão da acusação» (artigo 262º do CPP).
 
  
 Por outro lado, o inquérito encontra-se subordinado a um princípio do 
 inquisitório no sentido de que está sujeito ao segredo de justiça e é dominado 
 por uma forte vertente de unilateralidade (artigos 263º e 267º do CPP). Isso 
 porque as diligências de investigação a praticar no seu decurso são apenas 
 aquelas que o Ministério Público considerar necessárias e convenientes para a 
 descoberta da verdade, enquanto que o direito do arguido de nele intervir, 
 oferecendo provas e requerendo as diligências que julgue necessárias (como prevê 
 o artigo 61º, n.º 1, alínea f), do CPP) tem um escasso alcance prático, em razão 
 do desconhecimento do estádio de investigação e dos elementos de indiciação 
 entretanto recolhidos  (neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de 
 Processo Penal, vol. III, 2ª edição, Lisboa, págs. 91 e 100).
 
  
 Assim se compreende que a estrutura acusatória do processo, tal como está 
 consagrada na Constituição, tenha sobretudo o significado de efectuar a 
 parificação do posicionamento jurídico da defesa em relação à acusação, 
 assegurando a aplicação do princípio da igualdade de armas mediante a 
 possibilidade conferida ao arguido (e ao seu defensor), não só de participar no 
 esclarecimento dos factos na fase de instrução, como também de intervir 
 activamente na preparação e discussão da causa, com liberdade de investigação 
 extraprocessual.
 
  
 Neste contexto, como explicitamente decorre do disposto no artigo 32º, n.º 5, da 
 Constituição, o princípio do contraditório traduz-se na estruturação da 
 
 «audiência de julgamento e dos actos instrutórios que a lei determinar» em 
 termos de assegurar um debate entre a acusação e a defesa. Subsiste, no entanto, 
 aqui uma diferença de grau. O princípio do contraditório na audiência de 
 julgamento pressupõe que as partes sejam chamadas a deduzir as suas razões de 
 facto e de direito, a oferecer as suas provas, a controlar as provas contra si 
 oferecidas e a discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras 
 
 (Germano Marques da Silva, Princípios Gerais do Processo Penal e Constituição da 
 República Portuguesa, in “Direito e Justiça”, Vol. III, 1987-1988, pág. 175). Na 
 fase de instrução, o mesmo princípio representa a possibilidade de o arguido 
 indicar novas diligências ou novos meios de prova que não tenham sido ainda  
 considerados e/ou a realização de um debate instrutório que permita a discussão 
 perante o juiz, por forma oral e contraditória, sobre se, do decurso do 
 inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito 
 suficientes para justificar a submissão do arguido  a julgamento (artigos 287º, 
 n.º 2, e 298º do CPP). Relativamente a qualquer actividade que se desenrole 
 ainda na fase do inquérito, o  contraditório concretiza-se pela presença do 
 arguido nos actos que directamente lhe disserem respeito e de ser ouvido sempre 
 que se deva tomar qualquer decisão que o afecte pessoalmente, e, bem assim, no 
 direito de não responder a perguntas,  de escolher ou solicitar que lhe seja 
 nomeado um defensor e de ser informado sobre os direitos que lhe assistem 
 
 (artigo 61º do CPP) (Cunha Rodrigues, Sobre o Princípio da Igualdade das Armas, 
 Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano I, Fas. 1, Janeiro-Março de 1991, 
 pág. 99). 
 
  
 Os actos instrutórios cobertos pelo princípio do contraditório, nos termos 
 constitucionalmente exigíveis, quando produzidos na fase de inquérito, são, por 
 conseguinte, aqueles que possam afectar directamente a estatuto jurídico do 
 arguido, e, especificadamente, o interrogatório de arguido (artigos 141º e 143º 
 do CPP), a aplicação de medidas de coacção (artigo 194º) e quaisquer diligências 
 que visem, desde logo, a recolha de declarações para memória futura de modo a 
 serem consideradas em julgamento (artigo 271º) (sobre estes apectos, em termos 
 gerais, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., pág. 360).
 
  
 O quadro de referência do legislador do Código de Processo Penal é também 
 elucidativo quanto ao âmbito de aplicação do princípio do contraditório na fase 
 de inquérito. A Lei de autorização legislativa (Lei n.º 43/86, de 26 de 
 Setembro) define como linha de orientação a «garantia  efectiva da liberdade da 
 actuação do defensor em todos os actos do processo, sem prejuízo do carácter não 
 contraditório da fase de inquérito», o que permite sustentar a ideia de que o 
 princípio da igualdade das armas se aplica a todos os actos de processo com as 
 limitações resultantes da estrutura não-contraditória do inquérito, 
 reconhecendo-se assim que «nesta fase está ausente uma exigência de 
 reciprocidade dialéctica» (Cunha Rodrigues, ob. cit., pág. 97). 
 Como observa o mesmo autor, o Código aplica o princípio da igualdade de armas a 
 todos os actos do processo, efectuando, no entanto, uma nítida demarcação entre 
 a fase de inquérito e as fases subsequentes, ao não confundir posição jurídica 
 com meios jurídicos (armas). «No inquérito, por se tratar de uma fase não 
 contraditória, a igualdade de armas é colocada ao serviço das garantias de 
 defesa». O princípio instala-se nessa fase do processo sempre que seja 
 necessário efectivar a posição jurídica dos intervenientes, nomeadamente quanto 
 
 à constituição de arguido (artigos 58° e 59°), à definição da posição processual 
 e dos direitos e deveres do arguido (artigos 60° e 61°), às regras sobre o 
 defensor (artigos 62° e seguintes), à proibição de métodos de prova (artigo 
 
 126°) e a todos os actos em que, pela natureza dos valores em causa, é mister 
 introduzir uma função contraditória arbitrada pelo juiz. Pelo contrário, «na 
 instrução e no julgamento, o princípio adquire uma função estruturante», 
 colocando ao dispor dos intervenientes todos os meios e recursos jurídicos 
 destinados a permitir a defesa das suas posições (ob. cit., pág. 98)
 Como é de concluir, a acusação, por si e através dos órgãos de polícia criminal, 
 tem uma função pré-processual em que a defesa, pela natureza das coisas, não 
 participa ou não participa em termos de contraditório, o que torna igualmente 
 incomportável, para as finalidades do processo, o reconhecimento de um pretenso 
 direito de a defesa investigar autonomamente nessa fase pré-acusatória (idem, 
 págs. 89-90).
 
  
 Por isso, também, a faculdade de intervir no inquérito, oferecendo provas e 
 requerendo as diligências que se afigurem necessárias – que é reconhecida ao 
 arguido através do artigo 61º, n.º1, alínea f), do CPP - , não tem a função de 
 contraditar as provas coligidas nessa fase processual (que o arguido desconhece 
 ou a que não teve acesso), mas corresponde antes a um direito de iniciativa que 
 visa salvaguardar a sua posição jurídica e que, nesse plano, tem o mesmo valor 
 de qualquer das demais garantias de defesa que o artigo 61º do CPP consagra. 
 
  
 
 5. No caso vertente, ao pretender-se demonstrar a inconstitucionalidade da norma 
 contida no artigo 188º, n.º 3, do CPP na interpretação que lhe foi dada pela 
 decisão recorrida, pode colocar-se a tónica no facto de as escutas telefónicas 
 serem efectuadas para os fins que mais interessam à investigação, com tendência 
 para a desvalorização de conversações que, sendo aparentemente irrelevantes, 
 poderiam, todavia, servir para justificar certos factos, na perspectiva da 
 defesa. Seria, assim, a eventual relevância de todo o material que fosse objecto 
 de gravação que tornava conveniente a não eliminação dos registos sem antes ser 
 dada oportunidade às partes de tomarem conhecimento dos elementos de prova 
 recolhidos e exercerem o contraditório. 
 
  
 Como se deixou entrever, não é essa, no entanto, a lógica da actividade de 
 investigação que se inicia e desenvolve com o inquérito criminal.
 
  
 Embora o Ministério Público e as autoridades de polícia criminal devam actuar 
 com imparcialidade, o certo é que o inquérito está sujeito a um princípio de 
 averiguação pré-acusatória e não existe qualquer obrigatoriedade de assegurar a 
 contraditoriedade relativamente às diligências que nessa fase processual venham 
 a ser efectuadas. Essa característica do processo de inquérito determina que ele 
 possa ser desenvolvido sobre uma estratégia de investigação que venha a 
 revelar-se falível ou que necessite de ser corrigida em função de novos 
 elementos. Como refere  um autor, compreende-se que “perante os primeiros 
 indícios, o investigador formule as hipóteses de um ou vários comportamentos 
 criminosos e procure as provas que os confirmem ou desmintam. A interpretação 
 das provas recolhidas é feita à luz das hipóteses anteriormente formuladas e a 
 própria investigação é por elas condicionada. Podem até surgir no decurso da 
 investigação provas fundamentais para a verdade histórica e que sejam 
 desprezadas porque o investigador as considera irrelevantes” (Germano Marques da 
 Silva, ob. cit., pág. 92).
 
  
 Tratando-se de escutas telefónicas, para referir um meio de obtenção de prova 
 que está aqui particularmente em causa, a relevância probatória dos registos 
 recolhidos pode depender dos alvos que tiverem sido seleccionados ou da 
 oportunidade em que se realizou a intercepção das comunicações. Do mesmo modo 
 que a investigação pode ter sido dirigida erroneamente para a averiguação de 
 determinados elementos que não tinham pertinência para o caso.
 
  
 A questão não é essencialmente diversa quando a autoridade de investigação, ao 
 levar ao conhecimento do juiz os resultados das operações de intercepção de 
 comunicações telefónicas, com a indicação das passagens das gravações 
 relevantes, tal como prevê o n.º 1 do artigo 188º do CPP, acaba por fazer menção 
 de elementos que não tenham relevo para o caso, desperdiçando porventura outros 
 que poderiam ter preponderância.
 
  
 A única consequência, numa tal circunstância, é a completa ineficiência dos 
 actos de investigação que tenham sido realizados em face dos objectivos de 
 sustentação de um libelo acusatório, e que poderá vir a culminar, por ausência 
 de prova bastante da verificação do ilícito criminal, com o arquivamento do 
 inquérito pelo Ministério Público (artigo 277º), com o despacho de não pronúncia 
 pelo juiz de instrução (artigo 308º) ou pela absolvição do arguido em sede de 
 julgamento (artigo 376º).
 
  
 A questão coloca-se nos mesmos termos nas situações em que o arguido venha a 
 sustentar uma necessidade concreta de contextualização ou de narrativa para a 
 qual se  tornaria necessário examinar as escutas que foram consideradas 
 irrelevantes e entretanto destruídas. Como se observou num dos votos de vencido 
 que acompanha o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 660/06, estaremos, neste 
 caso, perante um erro do juiz de instrução quanto à extensão da relevância dos 
 elementos recolhidos através das escutas telefónicas e que poderá conduzir à 
 insuficiência probatória por falta de adequada contextualização dos suportes não 
 destruídos, que necessariamente determinará, do mesmo modo, a inaptidão do meio 
 de  prova para o pretendido efeito de indiciação da prática do crime.
 
  
 Em qualquer caso, é de considerar que não existe uma qualquer violação do 
 princípio do contraditório, no âmbito do processo de inquérito, pelo facto de o 
 juiz de instrução, no exercício do poder processual que lhe confere a citada 
 norma do artigo 188º, n.º 3, do CPP, vir a ordenar a eliminação dos conteúdos 
 das comunicações interceptadas ou de uma parte deles sem prévia audição do 
 arguido.
 
  
 Face à própria natureza essencialmente investigatória do processo de inquérito – 
 como há pouco se deixou explanado -, o arguido não tem de se pronunciar sobre a 
 relevância dos registos das escutas telefónicas, como não tem de tomar posição 
 sobre o modo e o lugar da intercepção ou o circunstancialismo temporal em que 
 ela deve ocorrer, aspectos que naturalmente relevam de critérios de oportunidade 
 que só ao Ministério Público, sob pena de frustrarem os objectivos da 
 investigação, cabe definir. E o arguido não tem de se pronunciar sobre essa 
 matéria como não tem de o fazer relativamente a qualquer outro resultado 
 probatório que tenha sido obtido através de um outro meio de prova. As escutas 
 telefónicas, nesse plano, distinguem-se de qualquer outro método de recolha de 
 elementos de indiciação da prática de crime apenas pelo seu carácter restritivo, 
 quer no que concerne ao âmbito de admissibilidade, quer ao respectivo formalismo 
 procedimental, e que é justificado pela apontada circunstância de representar 
 objectivamente uma forma de violação da intimidade da vida privada.
 
  
 Do ponto de vista das garantias de defesa do arguido – e, especialmente, por 
 referência ao princípio do contraditório -, as escutas telefónicas, ressalvadas 
 as limitações que decorrem da lei processual, estão sujeitas ao mesmo regime de 
 qualquer outro meio de prova legalmente admissível, e terão de ser também 
 encaradas de acordo com os princípios gerais que regulam o processo de 
 inquérito.
 
  
 Em especial, a destruição de elementos recolhidos por irrelevância probatória 
 não colide com o princípio do contraditório, que, tal como está 
 constitucionalmente consagrado, apenas se torna aplicável nas fases subsequentes 
 do processo penal, com excepção apenas de actos instrutórios que, praticados no 
 
 âmbito do inquérito, possam pôr em causa directamente direitos do arguido, e 
 cuja amplitude se circunscreve, como ficou dito, aos actos relativos à aplicação 
 de medidas de coacção e às inquirições que devam ser feitas no inquérito para 
 serem tomadas em conta no julgamento.
 
  
 
 6. Certo é que o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 660/06, que preconiza 
 uma solução contrária, para além de interpretar a intervenção do juiz de 
 instrução, quando desacompanhada de prévia audição do arguido, como um mecanismo 
 susceptível de instituir um desequilibrio entre a posição da acusação e da 
 defesa (representando assim uma forma de compressão das garantias de defesa do 
 arguido), apoia a sua posição em diversos dados que resultam quer de iniciativas 
 legislativas apresentadas na anterior legislatura, quer da jurisprudência do 
 Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, quer ainda do direito comparado, que 
 apontam no sentido da conservação das gravações não transcritas até ao trânsito 
 em julgado da decisão.
 
  
 Para além de ser esse o sentido da alteração proposta no Projecto de Lei n.º 
 
 424/IX, apresentado na anterior legislatura pelo Bloco de Esquerda, tem 
 particular relevância, na economia do acórdão, a chamada da atenção por parte do 
 Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para a necessidade de as legislações 
 nacionais poderem assegurar «a comunicação intacta e completa das gravações 
 efectuadas, para efeito de controlo pelo juiz e pela defesa» e estabelecerem as 
 circunstâncias em que se pode operar o apagamento ou a destruição das gravações, 
 designadamente após o arquivamento definitivo do processo ou o trânsito em 
 julgado da condenação final, indicação que resulta especialmente dos acórdãos 
 Huvig, de 24 de Abril de 1990 (considerando n.º 34), Kruslin, da mesma data 
 
 (considerando n.º 35),  Valenzuela Contreras, de 30 de Julho de 1998 
 
 (considerandos n.ºs 46, IV, e 59), e Prado Bugallo, de 18 de Fevereiro de 2003 
 
 (considerando n.º 30).
 
  
 O acórdão n.º 660/06 também valorizou o facto de a nossa legislação, quanto à 
 possibilidade de destruição imediata dos suportes das escutas com base na 
 apreciação da sua relevância pelo juiz, se encontrar isolada relativamente ao 
 regime vigente noutras ordens jurídicas europeias mais próximas, que prevêem 
 diversos mecanismos de preservação das gravações, ou permitindo que estas sejam 
 mantidas intactas a fim de as partes as poderem consultar e requerer a 
 transcrição de passagens inicialmente tidas por irrelevantes (Bélgica), ou 
 diferindo a sua destruição para um momento ulterior que não inviabilize a 
 audição das gravações pela defesa (França, Itália e Espanha).
 
  
 Resta agora acrescentar que a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, na sequência da 
 Proposta de Lei n.º 140/X, apresentada já na actual legislatura, pretendendo 
 alterar substancialmente o regime do artigo 188º do CPP, preconiza a preservação 
 dos suportes técnicos que tenham resultado da intercepção de comunicações, 
 permitindo, a partir do encerramento do inquérito, que o assistente e o arguido 
 possam examinar os registos para requerer a abertura da instrução ou apresentar 
 a contestação, e o tribunal possa proceder à audição das gravações para 
 determinar a correcção das transcrições já efectuadas ou a junção aos autos de 
 novas transcrições, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade e à 
 boa decisão da causa (n.ºs 8 e 10). Cominando, por sua vez, a destruição 
 imediata dos registos ou relatórios apenas nos casos em que, sendo  
 manifestamente estranhos ao processo, disserem respeito a conversações em que 
 não intervenham pessoas directamente interessadas (o suspeito ou arguido, a 
 pessoa que sirva de intermediário  e a vítima do crime), que abranjam matérias 
 cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de Estado ou cuja 
 divulgação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias (n.º 6).
 
  
 Há, portanto, novos elementos que apontam no sentido de uma tendencial 
 manutenção, para efeitos processuais, dos registos efectuados através de 
 intercepção e gravação de comunicações.  
 
  
 Importa em todo o caso notar que a verificação da conveniência de preservar os 
 registos das conversações telefónicas que digam directamente respeito ao 
 intervenientes, para efeito de assegurar o direito de exame  e de contradição 
 por parte do arguido ou outros interessados e permitir o controlo das 
 transcrições que tiverem sido efectuadas para uma boa decisão da causa, 
 constitui uma medida de política legislativa que não implica necessariamente o 
 reconhecimento da existência de um direito ao contraditório no âmbito do 
 processo de inquérito.
 
  
 Na verdade, uma coisa é considerar que há vantagem, em termos processuais, na 
 conservação dos registos (desde que salvaguardado o carácter sigiloso dos 
 conteúdos); outra coisa é dizer que a destruição desses registos, na fase do 
 inquérito, sem prévia audição do arguido, afronta a garantia do princípio do 
 contraditório.
 
  
 Nem a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nem o direito 
 comparado, nem a recente alteração legislativa relativa ao actual artigo 188º do 
 CPP, apontam no sentido de assegurar ao arguido o direito de contraditório 
 relativamente às diligências de investigação realizadas no âmbito do inquérito e 
 que envolvam a intercepção e gravação de comunicações telefónicas. O que se 
 reconhece é o interesse em manter intactas e completas as gravações para efeito 
 de ulterior controlo quer pelo tribunal quer pela defesa.
 
  
 Entretanto, o regime que decorre do artigo 188º, n.º 3, na sua anterior 
 redacção, assente num critério mais apertado de limitação dos efeitos negativos 
 que a intercepção de comunicações sempre representa, sendo tributário de uma 
 concepção legislativa que valoriza a protecção da intimidade da vida privada no 
 confronto com os possíveis interesses da justiça material do caso concreto, não 
 impõe, em todo o caso, uma diminuição intolerável dos direitos do arguido.
 
  
 Já vimos que as garantias de defesa, reconhecidas no texto constitucional, não 
 vão além, na parte que agora mais interessa considerar, da previsão de um 
 processo criminal com estrutura acusatória em que apenas a audiência de 
 julgamento e certos  actos instrutórios especialmente previstos na lei é que 
 estão subordinados ao princípio do contraditório.
 
  
 O princípio acusatório e o reconhecimento do direito de contraditoriedade tem, 
 pois – como já foi amplamente exposto -, um sentido inteiramente diverso, que é 
 o de assegurar ao arguido a possibilidade de, nas fases ulteriores do processo, 
 contrabater as razões e as provas que tenham sido contra ele coligidas e tomar 
 também iniciativas instrutórias e de realização de prova que considerar 
 pertinentes.
 
  
 No entanto, como é bem de ver, esse direito de contraditório existe em relação 
 
 às provas em que se funda a acusação, as mesmas  que serão ponderadas pelo juiz 
 de instrução, para efeito de emitir o despacho de pronúncia, e levadas a 
 julgamento, para efeito a condenação do réu.   
 
  
 
 É só em relação a essas provas – e não a quaisquer outras que os investigadores 
 tenham considerado irrelevantes ou tenham abandonado  por considerarem (bem ou 
 mal) imprestáveis para os fins de indiciação da prática de ilícito -, que o 
 arguido poderá responder, alegando as razões que fragilizam os resultados 
 probatórios ou indicando outras provas que possam pôr em dúvida ou infirmar 
 esses resultados.
 
  
 
 É o exercício desse direito, nas fases processuais subsequentes à investigação, 
 que permite justamente equilibrar a posição jurídica da defesa em relação à 
 acusação e dar cumprimento ao princípio da igualdade das armas. E é esse – e 
 apenas esse – o sentido do princípio do acusatório que decorre do disposto no 
 artigo 32º, n.º 5, da Constituição.
 
  
 
 É essa também a essência do processo equitativo ou do due process of law, que 
 justamente envolve como um dos seus aspectos fundamentais (para além da 
 independência e imparcialidade do juiz e a lealdade do procedimento) a 
 consideração do arguido como sujeito processual a quem devem ser asseguradas as 
 possibilidades de contrariar a acusação.   
 
  
 Todavia, o arguido não tem o direito nem interesse processual a contraditar as 
 provas produzidas no inquérito que foram consideradas irrelevantes (e que não 
 servem de fundamento à acusação), como não tem direito nem interesse processual 
 em conhecer todos os expedientes ou diligências de que os órgãos de polícia 
 criminal se serviram, segundo as estratégias de investigação que consideraram em 
 cada momento adequadas ao caso e que podem, entretanto, ter sido abandonadas.
 
  
 Acresce que a não audição do arguido relativamente à relevância das provas 
 recolhidas não obsta a que ele possa pôr em causa, em sede de julgamento, os 
 correspondentes resultados probatórios. E assim, as deficiências que puderem ser 
 apontadas à investigação, assim como a insuficiência ou a descontextualização 
 das passagens das gravações, na medida em que dificultam ou impedem a prova dos 
 factos que constam da acusação relevam a favor do arguido, que poderá justamente 
 utilizar a fase de instrução e de audiência de julgamento para fazer valer, em 
 contraditório, as imprecisões e fragilidades das provas em que se funda a 
 acusação.
 
  
 O que tem também plena aplicação quando se pretenda ver (como nos acórdãos n.ºs 
 
 450/07 e 451/07) como fundamento da inconstitucionalidade da norma do artigo 
 
 188º, n.º 3, o risco que a não preservação integral dos registos possa 
 representar para a verificação da conformidade do auto de transcrição ou para a 
 compreensibilidade do  discurso fragmentário. 
 
  
 Como se impõe concluir, ainda que possa considerar-se aconselhável de jure 
 condendo assegurar a integralidade das conversações telefónicas interceptadas, 
 por razões de política legislativa que considerem prevalecentes as vantagens daí 
 advenientes para a justiça do caso concreto (como veio a entender-se com a 
 publicação da Lei n.º 48/2007), tais considerações não justificam um juízo de 
 inconstitucionalidade relativo à norma do artigo 188º, n.º 3, do CPP (na versão 
 anterior a essa Lei), que, por tudo o que foi dito, não representa uma violação 
 das garantias de defesa do arguido.
 
  
 Ou seja, tendo em conta o sentido jurídico-constitucional do princípio 
 acusatório e a possibilidade de colisão entre o interesse processual em manter 
 intactas as provas coligidas através de intercepção e gravação de comunicações e 
 o correspondente risco de devassa da reserva de intimidade da vida privada, cabe 
 na liberdade de conformação legislativa adoptar um critério mais ou menos 
 restritivo no que se refere ao momento em que, no decurso do processo penal, 
 deverá efectuar-se a destruição dos elementos de prova considerados  
 irrelevantes.
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se não julgar inconstitucional a norma do artigo 188º, n° 
 
 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de 
 Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir 
 o material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não 
 relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se 
 sobre o eventual interesse para a sua defesa, e, consequentemente, negar 
 provimento aos recursos.
 
  
 Custas pelos recorrentes que interpuseram recurso ao abrigo da alínea b) do nº 1 
 do artigo 70º da LTC, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
 
  
 
  
 
  
 
  
 Lisboa, 31 de Janeiro de 2008
 
  
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria João Antunes (com declaração)
 Carlos Pamplona de Oliveira
 João Cura Mariano
 Vítor Gomes
 José Borges Soeiro
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Benjamim Rodrigues
 Maria Lúcia Amaral (vencida, pelas razões no essencial expressas na declaração 
 de voto do Sr. Conselheiro Mário Torres)
 Gil Galvão (Vencido, no essencial, pelas razões
 constantes do acórdão N.º 450/2007, que subscrevi (sendo certo que o preceito
 constitucional aí considerado violado foi o artigo 32.º N.º 1 do CRP)).
 Ana Guerra Martins (vencida, no essencial, com
 base na fundamentação constante dos acórdãos n.º s 660/06, 450/07 e 451/07
 
 (de que sou relatora).
 Mário José de Araújo Torres (Vencido, nos termos
 da declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, nos termos da declaração de voto junta
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                                                      DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
  
 
  
 Votei a decisão de não julgar inconstitucional a norma do artigo 188º, nº 3, do 
 Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei nº 48/2007, de 29 de 
 Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir 
 o material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não 
 relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se 
 sobre o eventual interesse para a sua defesa.
 Trata-se de norma que “consagra, em termos constitucionalmente admissíveis, a 
 possibilidade de correcção pelo tribunal de uma intromissão injustificada na 
 reserva da intimidade da vida privada do arguido ou de terceiros” (cf. 
 declaração de voto da Conselheira Fernanda Palma no Acórdão nº 660/2006). Com 
 efeito, “as escutas telefónicas são (…) portadoras de uma danosidade social 
 polimórfica e pluiridimensional que, em geral, não é possível conter nos 
 limites, em concreto e à partida, tidos como acertados” (Costa Andrade, Sobre as 
 proibições de prova em processo penal, Coimbra Editora, 1992, p. 283).
 A norma em apreciação, quando confrontada com a estrutura processual onde se 
 insere – estrutura acusatória integrada por um princípio subsidiário de 
 investigação judicial – não contende com as garantias do processo criminal 
 constitucionalmente consagradas (artigo 32º). Quer numa consideração estática, a 
 partir do estatuto processual do arguido e do Ministério Público, quer numa 
 consideração dinâmica, por referência às diferentes fases do processo e à 
 interacção entre os diversos participantes processuais.
 Uma das dimensões fundamentais do estatuto processual do arguido é o direito de 
 defesa, entendido este como uma categoria aberta à qual devem ser imputados os 
 direitos processuais que fazem dele um sujeito processual, titular de direitos 
 autónomos de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em 
 vista da sua decisão final. O direito de defesa supõe, nomeadamente, uma 
 prossecução processual que faça ressaltar quer as razões da acusação quer as da 
 defesa, o que equivale à consagração do princípio do contraditório (artigos 32º, 
 nº 5, da Constituição). No processo penal português o arguido é titular de 
 direitos autónomos daquele tipo, apesar de a fase de inquérito ocorrer com 
 exclusão da publicidade (cf., especialmente, alíneas a), b) e f) do nº 1 do 
 artigo 60º do Código de Processo Penal e artigo 86, nº 1, deste Código, na 
 versão anterior à agora vigente). Ainda que de forma limitada, o princípio do 
 contraditório estende-se também à fase de inquérito, afastando-se de uma 
 concepção marcadamente inquisitória desta fase de investigação, em resultado da 
 harmonização de finalidades processuais e de direitos conflituantes: as 
 finalidades de realização da justiça e de descoberta da verdade material, por um 
 lado, e a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos, por outro; os 
 direitos fundamentais do arguido, por um lado, e os direitos fundamentais de 
 terceiros, por outro.
 No processo penal, em consonância com o estatuto que a Constituição lhe atribui 
 
 (artigo 219º), o Ministério Público é um órgão de administração da justiça com a 
 particular função de, nas palavras do artigo 53º, nº 1, do Código de Processo 
 Penal, 'colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do 
 direito, obedecendo em todas as intervenções a critérios de estrita 
 objectividade'. Uma actuação norteada por critérios estritos de legalidade e 
 objectividade, tornando-se desta forma bem claro que a atitude desta 
 magistratura no decurso do processo penal não é, propriamente, a de interessada 
 na acusação, mas sim a de um órgão que acusa ou arquiva depois de ter 
 investigado à charge et à decharge, o que afasta irremediavelmente a 
 caracterização do processo penal português como um “processo de partes” e 
 prejudica o apelo, sem mais, ao princípio da igualdade de armas entre a acusação 
 e a defesa.
 Na fase de inquérito, fase de investigação da notícia do crime, cabe ao 
 Ministério Público descobrir e recolher as provas em ordem à decisão sobre a 
 acusação, constituindo objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes 
 para a existência ou inexistência do crime e para a punibilidade ou não 
 punibilidade do arguido (artigos 53º, nº 1, 124º, nº 1, e 262º, nº 1, do Código 
 de Processo Penal). De acordo com a lei, a ordem judicial de destruição de 
 elementos irrelevantes para a prova, obtidos através de escutas telefónicas, não 
 pode abranger elementos relevantes para a prova da inexistência do crime ou para 
 a não punibilidade do arguido. Não pode abranger elementos relevantes para a 
 prova que interessa à defesa, cabendo ao juiz assegurar que assim é feito, 
 exercendo a função de tutela das garantias de defesa do arguido que é própria da 
 reserva de juiz (artigo 32º, nºs 1 e 4, da Constituição). Por outro lado, o 
 arguido pode examinar o auto de transcrição para se inteirar da conformidade das 
 gravações (artigo 188º, nº 3, do Código de Processo Penal) e contraditar os 
 meios de prova obtidos através da escuta telefónica, fazendo ressaltar as razões 
 da defesa. 
 Deduzida acusação, confrontado com os meios de prova que a sustentam, 
 designadamente os obtidos através de escuta telefónica, ao arguido é dada a 
 possibilidade de requerer a abertura da instrução para o efeito de ser 
 comprovada judicialmente a decisão do Ministério Público de submeter a causa a 
 julgamento (artigos 286º, 287º, nº 2, e 61º, nº 1, especialmente alínea f), do 
 Código de Processo Penal), enquanto titular de um direito autónomo de 
 conformação da concreta tramitação do processo como um todo. 
 Submetida a causa a julgamento, para o efeito de formação da convicção do juiz, 
 são valoradas apenas as provas que tiverem sido produzidas ou examinadas em 
 audiência, estando os meios de prova aqui apresentados submetidos ao princípio 
 do contraditório, mesmo que tenham sido oficiosamente produzidos pelo tribunal 
 em nome da descoberta da verdade e da boa decisão da causa (artigos 327º, nº 2, 
 
 340º, nº 1, e 355º, nº 1, do Código de Processo Penal).  
 Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
                         1. Votei no sentido de que o Tribunal Constitucional 
 julgasse inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição 
 da República Portuguesa, a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo 
 Penal, na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, 
 interpretado no sentido de o juiz dever ordenar a destruição imediata das fitas 
 gravadas e elementos análogos relativos a gravações de conversações telefónicas 
 feitas durante o inquérito, que não foram consideradas relevantes para a prova, 
 assim afectando irremediavelmente a possibilidade de o arguido, findo o 
 inquérito, a elas ter acesso, para eventualmente sugerir a transcrição de novas 
 passagens, por ele tidas como relevantes para a descoberta da verdade.
 
                         As razões essenciais deste juízo de 
 inconstitucionalidade – que já haviam sido avançadas no Acórdão n.º 4/2006, de 
 que fui relator – constam do Acórdão n.º 660/2006, da 2.ª Secção, que subscrevi, 
 e dos Acórdãos n.ºs 450/2007 e 451/2007, ambos da 3.ª Secção.
 
                         
 
                         2. Importará, no entanto, começar por salientar que, 
 apesar da determinação, feita ao abrigo do n.º 1 do artigo 79.º‑A da Lei do 
 Tribunal Constitucional, da intervenção do Plenário do Tribunal Constitucional 
 no julgamento do presente recurso, não deixa o Tribunal de se mover no domínio 
 da fiscalização concreta da constitucionalidade, pelo que tem de atender ao 
 critério normativo concretamente aplicado na decisão recorrida, consideradas as 
 especificidades do caso sub judice, e não à norma contida no preceito legal em 
 causa, abstractamente considerada.
 
  
 
                         2.1. Daqui decorre, em primeiro lugar, que não se trata 
 de apurar da constitucionalidade da norma em causa enquanto determinaria a 
 imediata destruição dos suportes de gravações de conversações telefónicas em 
 casos em que as intercepções fossem de considerar legalmente proibidas ou 
 gravemente ofensivas de direitos, liberdades e garantias de terceiros, mas 
 tão‑só da constitucionalidade da mesma norma enquanto determina a imediata 
 destruição desses suportes por não se haver considerado que as gravações em 
 causa tivessem relevância para a prova, pois foi com este último alcance que a 
 norma foi aplicada na decisão recorrida.
 
  
 
                         2.2. Por outro lado, como resulta dos autos e da 
 fundamentação expressa da decisão instrutória de 5 de Fevereiro de 2007, 
 confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Setembro de 
 
 2007, ora recorrido, no presente caso, o juiz de instrução limitou‑se a ouvir as 
 gravações que o órgão de polícia criminal sinalizou como contendo elementos 
 relevantes para a prova.
 
                         Na verdade, do teor dos despachos judiciais proferidos 
 na sequência da apresentação de relatórios do órgão de polícia criminal (cf. 
 fls. 174‑175, 186‑187, 193‑195, 204‑205, 207‑209, 218‑219, 220‑221, 223‑224 e 
 
 225‑226) resulta que apenas foram ouvidas pelo juiz de instrução as sessões 
 referenciadas nesses relatórios como contendo elementos relevantes para a prova, 
 sendo a identificação dos suportes que deveriam ser destruídos feita por 
 exclusão de partes (todas as sessões não referidas na parte do despacho que 
 determina as transcrições propostas pelo órgão de polícia criminal), sem 
 qualquer referência a terem tais sessões sido ouvidas pelo juiz de instrução.
 
                         Na aludida decisão instrutória de 5 de Fevereiro de 
 
 2007, perante a arguição, feita pelos arguidos, da nulidade derivada de o juiz 
 de instrução “não ter tomado conhecimento de todo o material gravado, seja por 
 audição, seja por resumo, tendo sempre optado apenas por ouvir as sessões 
 indicadas pelo OPC, sem ter conhecimento por qualquer meio do teor ou resumos 
 das consideradas não relevantes pela polícia”, foi decidido desatender tal 
 arguição, por se considerar não existir “qualquer obrigatoriedade no sentido de 
 ser a audição, pelo próprio juiz, da integralidade das gravações efectuadas, 
 designadamente daquelas que o órgão de polícia criminal reputa de não 
 relevantes, a única forma de este exercitar tal função de acompanhamento” (fls. 
 
 16‑17).
 
                         Critério este que foi reiterado no acórdão ora 
 recorrido, onde se lê:
 
  
 
             “5 – Colocam ainda os recorrentes a questão de o Sr. juiz de 
 instrução não ter tomado conhecimento das sessões gravadas na totalidade mas 
 apenas daquelas que lhe foram indicadas como relevantes pelo OPC. Segundo 
 afirmam, a lei imporia que a autoridade judiciária efectuasse o controle de 
 todas as comunicações respeitantes aos postos escutados.
 
             Como já referido o que a lei determina é que o OPC leve ao juiz o 
 material gravado com a indicação das passagens das gravações ou elementos 
 análogos considerados relevantes para a prova. E também já se deixou expresso o 
 entendimento seguido pela jurisprudência relativamente à  finalidade da 
 intervenção do juiz.
 
             De acordo com a interpretação dominante da jurisprudência do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, designadamente do acórdão de 3 de Março de 2005, 
 citado supra, e ainda dos acórdãos de 12 de Outubro de 2005, no proc. n.º 
 
 6814/05, de 8 de Fevereiro de 2006, no proc. n.º 12075/05, ambos da 3.ª Secção, 
 e de 27 de Fevereiro de 2007, no proc. n.º 610/07, da 5.ª Secção, não é 
 exigível que a audição do material gravado seja integral.
 
             Como se deixou dito, com pertinência, neste último aresto:
 
             «De facto, razões de eficiência e de racionalização dos meios 
 disponíveis, permitem compreender que não seja exigível ao JIC a audição 
 integral das gravações, o que em relação a muitos processos pressuporia a sua 
 exclusiva disponibilidade para essa questão concreta. (…) as referências, por 
 transcrição ou por resumo, das passagens das conversações que o órgão de polícia 
 criminal considera relevantes, são suficientes para que o juiz possa de imediato 
 determinar a interrupção da intercepção revelada desnecessária, ou formule um 
 juízo próprio sobre a admissibilidade e a relevância dos elementos a 
 transcrever. Na verdade, indo essas referências acompanhadas pelas fitas 
 gravadas ou elementos análogos, tem o juiz todas as possibilidades de reduzir 
 ou ampliar as passagens consideradas relevantes, nada impedindo que aceite as 
 indicações recebidas, se com elas concordar. No fundo, a apresentação das 
 gravações já com indicação de passagens consideradas como relevantes, é uma 
 forma do juiz beneficiar de coadjuvação, expressamente admitida pelo n.º 4 do 
 artigo 188.º, que em nada belisca o dever de acompanhamento próximo, temporal e 
 materialmente, das escutas, pois tem a possibilidade real de ter acesso directo 
 
 às gravações, emitindo, assim, um juízo autónomo sobre a relevância dos 
 elementos recolhidos, mesmo que seja coincidente com as indicações que 
 acompanhavam as gravações.»”
 
  
 
                         Daqui resulta, e contrariamente ao que é sugerido por 
 diversas passagens do precedente acórdão, que não integra o critério normativo 
 aplicado pelas instâncias e cuja constitucionalidade cumpria apreciar a 
 existência de um juízo positivo de irrelevância dos elementos cuja destruição 
 imediata é determinada, juízo esse pessoal e directamente formulado pelo juiz 
 de instrução. Do que desse critério normativo resulta é que é lícita (e 
 legalmente imposta) a destruição imediata dos elementos de gravação que o órgão 
 de polícia criminal não considerou relevantes para a prova, juízo com o qual o 
 juiz de instrução se conformou, sem ter procedido pessoalmente à audição dessas 
 gravações. É este, efectivamente, o critério legal que se entende ter sido 
 querido pelo legislador, com as alterações introduzidas pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, que veio impor que o auto a apresentar ao juiz 
 passasse a conter “a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos 
 considerados relevantes para a prova”, em execução do sentido da correspondente 
 autorização legislativa (artigo 4.º da Lei n.º 27‑A/2000, de 17 de Novembro: 
 
 “Permite‑se que o juiz possa limitar a audição das gravações às passagens 
 indicadas como relevantes para a prova, sem prejuízo de as gravações efectuadas 
 lhe serem integralmente remetidas”) – cf. n.º 2.7. do Acórdão n.º 426/2005.
 
  
 
                         2.3. Integrando o critério normativo aplicado na decisão 
 recorrida, e que constitui o objecto do presente recurso de 
 constitucionalidade, estes dois elementos – (i) fundar‑se a determinação da 
 destruição imediata dos elementos de gravação na irrelevância das intercepções 
 para a prova (e não no carácter proibido das escutas ou na grave lesão de 
 direitos fundamentais de terceiros), e (ii) não existir um juízo positivo de 
 irrelevância formulado pessoalmente pelo juiz de instrução após audição 
 integral das gravações, mas uma mera aceitação do juízo negativo de relevância 
 formulado pelo órgão de polícia criminal –, surge como desadequada a 
 argumentação desenvolvida no precedente acórdão fundada em considerações 
 atinentes, por um lado, aos objectivos de pôr cobro rapidamente a intromissões 
 abusivas na intimidade da vida privada ou à continuação de escutas proibidas, e, 
 por outro lado, ao dever de acatamento de um pretenso juízo próprio emitido por 
 um juiz sobre a irrelevância de gravações fundado no prévio conhecimento 
 pessoal das mesmas, que, como se viu, não existiu neste processo, nem é 
 legalmente exigido.
 
                         Por outro lado, ainda quanto a este último aspecto, o 
 precedente acórdão incorre, salvo o devido respeito, em manifesta petição de 
 princípio, quando, no último parágrafo do n.º 3 da parte II – Fundamentação, 
 refere que “a consulta [pelo arguido] não abrange os elementos não transcritos 
 pela linear razão de que esses elementos, em ordem ao princípio da menor 
 intervenção possível e da proporcionalidade, deverão ser destruídos, por 
 determinação do juiz, como impõe o n.º 3 deste artigo, por não terem qualquer 
 interesse para o processo e não justificarem de per si qualquer reacção 
 defensiva por parte de quem tenha sido objecto de escuta”. Isto é: o acórdão dá 
 como assente (que os elementos são irrelevantes) justamente aquilo que o arguido 
 pretende discutir (a relevância dos elementos), discussão essa que lhe é 
 definitivamente recusada com a imediata (e irrecuperável) destruição desses 
 elementos.
 
  
 
                         3. O precedente acórdão parte de uma leitura 
 
 “menorizadora” da posição do arguido na fase do inquérito (n.ºs 4 e 5 da 
 
 “Fundamentação”), cuja correcção, em termos da estrutura do actual processo 
 penal, não interessará discutir aqui, pois nunca nos acórdãos que concluíram 
 pela inconstitucionalidade da norma ora em causa se sustentou a admissibilidade 
 do imediato acesso do arguido à integralidade das gravações ainda na fase do 
 inquérito. O que sempre se sustentou foi que, nas fases posteriores em que o 
 arguido tem acesso aos autos, era constitucionalmente imposto que tivesse acesso 
 aos elementos das gravações que foram tidas como não relevantes, para lhe 
 possibilitar, nessas fases (instrução e julgamento), identificar eventuais 
 gravações cuja transcrição reputasse relevante para a descoberta da verdade, e 
 isto não só para permitir contextualizar (e atribuir diferente sentido) 
 conversações anteriormente transcritas, como também para sugerir a transcrição 
 de diferentes passagens para prova de novos factos, por ele tidos por relevantes 
 para a definição da sua responsabilidade.
 
                         E também sempre se reconheceu que era necessária a 
 intervenção do juiz para a aquisição processual dos elementos derivados das 
 novas transcrições sugeridas ou propostas pelo arguido. Isto é: não basta a 
 indicação pelo arguido de que pretende a transcrição de determinadas gravações 
 para que de imediato se proceda a essa transcrição. Também aqui – como 
 relativamente às transcrições propostas pelo órgão de polícia criminal – se 
 impõe a interposição do crivo do critério do juiz, em ordem a aferir da efectiva 
 relevância desses elementos para a descoberta da verdade e da não lesão de 
 direitos fundamentais de terceiros.
 
  
 
                         4. Feitas estas precisões, continuo a considerar 
 inteiramente convincente a argumentação desenvolvida no Acórdão n.º 660/2006 no 
 sentido da inconstitucionalidade da norma, e que se recorda:
 
  
 
             “11 – Adiantando a resposta à questão de constitucionalidade em 
 causa no presente recurso, entende‑se resultar destes arestos (cf., sobre eles, 
 José Manuel Damião da Cunha, «A mais recente jurisprudência constitucional em 
 matéria de escutas telefónicas – mero aprofundamento de jurisprudência? Anotação 
 aos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 426/2005 e 4/2006», in 
 Jurisprudência Constitucional, n.º 8, 2005, pp. 46‑55) que a dimensão normativa 
 em causa nos presentes autos não pode deixar de ser considerada 
 inconstitucional. É logo o que decorre da afirmação, contida no Acórdão n.º 
 
 426/2005 para justificar a possibilidade de a selecção das passagens a 
 transcrever ser determinada pelo juiz de instrução com base, não em prévia 
 audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua reprodução 
 que lhe foram espontaneamente apresentados pela Polícia Judiciária, de que se 
 trata apenas de uma «primeira selecção, dotada de provisoriedade, podendo vir a 
 ser reduzida ou ampliada», pois deve «ser facultado à defesa (e também à 
 acusação) a possibilidade de requerer a transcrição de mais passagens do que as 
 inicialmente seleccionadas pelo juiz, quer por entenderem que as mesmas assumem 
 relevância própria, quer por se revelarem úteis para esclarecer ou 
 contextualizar o sentido de passagens anteriormente seleccionadas». Mas é também 
 o que se disse – embora sem tomar posição definitiva, pois era outra a questão 
 que havia então que decidir – no citado Acórdão n.º 4/2006, com apoio em 
 abundante fundamentação na qual já se notou, designadamente: que se exige, de 
 acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que a lei 
 que prevê a possibilidade de realização de escutas telefónicas deve definir «as 
 precauções a tomar para comunicar, intactos e completos, os registos 
 realizados, para o controlo do juiz e da defesa», possibilitando às pessoas 
 colocadas sob escuta o direito de acesso às gravações e respectivas 
 transcrições, e «as circunstâncias nas quais pode e deve proceder‑se ao 
 apagamento ou destruição das fitas magnéticas, nomeadamente após uma absolvição 
 ou o arquivamento do processo»; e que o nosso sistema, na medida em que permite 
 a destruição dos registos das comunicações sem conhecimento da defesa, mas 
 apenas do Ministério Público, e segundo a apreciação da sua relevância pelo 
 juiz, se encontra isolado no contexto das ordens jurídicas mais próximas.
 
             Vejamos estes dois pontos mais em pormenor.
 
             12 – A afirmação de que as legislações nacionais devem tomar 
 precauções para assegurar «a comunicação intacta e completa das gravações 
 efectuadas, para efeito de controlo pelo juiz e pela defesa» e estabelecerem as 
 circunstâncias em que se pode operar o apagamento ou a destruição das 
 gravações, designadamente após o arquivamento definitivo do processo ou o 
 trânsito em julgado da condenação final, encontra‑se em várias decisões do 
 Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
 
             Assim, esse Tribunal disse nos n.ºs 34 e 35 dos Acórdãos Huvig e 
 Kruslin, de 24 de Abril de 1990, sobre legislação francesa em matéria de 
 escutas, que «o sistema não oferece de momento as garantias adequadas contra 
 diversos abusos a recear. Por exemplo, nada define as categorias de pessoas 
 susceptíveis de serem colocadas sob escuta judiciária, nem a natureza das 
 infracções que podem dar lugar a elas; nada vincula o juiz a fixar um limite à 
 duração da execução da medida; e também nada precisa as condições de realização 
 de procedimentos verbais de síntese consignando as conversações interceptadas, 
 nem as precauções a tomar para comunicar intactas e completas as gravações 
 realizadas, com o fim de controlo eventual pelo juiz – que não pode de todo 
 deslocar‑se ao local para verificar o número e a duração das fitas magnéticas 
 originais – e pela defesa, nem as circunstâncias em que pode ou deve 
 realizar‑se o apagamento ou a destruição das ditas fitas», designadamente após 
 absolvição ou trânsito em julgado.» (itálico aditado).
 
             Tais «garantias mínimas, necessárias para evitar abusos, que devem 
 figurar na lei», mencionadas no Acórdãos Kruslin e Huvig e que incluem as 
 
 «precauções a tomar para comunicar, intactas e completas, as gravações 
 realizadas, com o fim de controlo eventual pelo juiz e pela defesa», foram 
 recordadas também no Acórdão Valenzuela Contreras, de 30 de Julho de 1998 (n.ºs 
 
 46, IV, e 59) e no Acórdão Prado Bugallo, de 18 de Fevereiro de 2003. Neste 
 
 último pode ler‑se, a propósito de legislação espanhola sobre escutas 
 telefónicas, que o Tribunal entende «que a garantias introduzidas pela lei de 
 
 1988 não respondem a todas as condições exigidas pela jurisprudência do 
 Tribunal, nomeadamente nos acórdãos Kruslin c. França e Huvig c. França, para 
 evitar os abusos. É o caso da natureza das infracções que podem dar lugar às 
 escutas, da fixação de um limite para a duração da execução da medida e das 
 condições de realização dos procedimentos verbais de síntese consignando as 
 conversações interceptadas, tarefa que é deixada à competência exclusiva do 
 funcionário do tribunal. Estas insuficiências dizem igualmente respeito às 
 precauções a tomar para comunicar intactas e completas as gravações realizadas, 
 com o fim de um controlo eventual pelo juiz e pela defesa. A lei não contém 
 qualquer disposição a este respeito.» (itálico aditado).
 
             Resulta desta jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do 
 Homem, referida já nos Acórdãos n.ºs 528/2003, 426/2005 e 4/2006, que a 
 privação da possibilidade, pela imediata destruição da gravação que o juiz 
 entende irrelevante (aliás, segundo o referido Acórdão n.º 426/2005, 
 possivelmente sem a ouvir, e apenas com base em transcrições), de a defesa 
 requerer a transcrição de passagens não seleccionadas pelo juiz, e que não foram 
 objecto de uma comunicação intacta e completa para controlo pela defesa, 
 corresponde a uma diminuição das garantias da defesa – o que também já se 
 consignou nos referidos Acórdãos n.º 426/2005 e 4/2006. Também por isso (como 
 se nota neste último aresto) se disse no citado Acórdão n.º 426/2005 que «deve 
 ser facultado à defesa (e também à acusação) a possibilidade de requerer a 
 transcrição de mais passagens do que as inicialmente seleccionadas pelo juiz, 
 quer por entenderem que as mesmas assumem relevância própria, quer por se 
 revelarem úteis para esclarecer ou contextualizar o sentido de passagens 
 anteriormente seleccionadas».
 
             13 – Quanto à comparação da solução que está em apreciação – 
 repete‑se: a da destruição imediata dos suportes das escutas com base na 
 apreciação da sua relevância pelo juiz, sem que o arguido se possa pronunciar 
 sobre ela – com o regime vigente em outras ordens jurídicas europeias mais 
 próximas da nossa, pode igualmente remeter‑se para o Acórdão n.º 4/2006 (n.º 
 
 2.8), para se verificar que aquela solução se encontra isolada (v. também, para 
 o que se segue, Mireille Delmas-Marty e Mário Chiavario, Procedure penali 
 d’Europa, 2.ª ed., CEDAM, Padova, 2001).
 
             Assim, recorde‑se que, como se disse no Acórdão n.º 4/2006, na 
 Bélgica, as gravações são mantidas intactas a fim de as partes as poderem 
 consultar e requerer a transcrição de passagens inicialmente tidas por 
 irrelevantes; em França, as gravações só são destruídas no termo do prazo de 
 prescrição do procedimento criminal; em Itália, só após audição das gravações 
 
 (cuja guarda compete ao Ministério Público) pela defesa e pronúncia dos diversos 
 intervenientes é que o juiz manda suprimir os registos cuja utilização é 
 legalmente vedada e admite os que não são manifestamente irrelevantes (artigo 
 
 268.º, n.º 6, do Código de Processo Penal), sendo os registos conservados até ao 
 trânsito em julgado da sentença final, a menos que, a requerimento dos 
 interessados, com fundamento em tutela da privacidade, o juiz autorize a 
 destruição antecipada (artigo 269.º, n.º 2, do mesmo Código); em Espanha, 
 atenta a exiguidade da regulamentação legal, a jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional e do Tribunal Supremo têm insistido na necessidade de serem os 
 originais das fitas de gravação ou elementos análogos a serem remetidos ao 
 tribunal, ficando à guarda do secretário judicial, que facultará o seu acesso às 
 partes (e ao Ministério Público) e dirigirá a tarefa de transcrição das partes 
 tidas por relevantes.
 
             Também na Alemanha os limites da possibilidade da destruição são 
 discutidos, apesar de o § 100b, n.º 6, da Strafprozessordnung mandar destruir 
 imediatamente, sob fiscalização do Ministério Público, os elementos 
 
 [Unterlagen] que já não sejam necessários para a perseguição penal (v. Gerhard 
 Schäfer, em Löwe/Rosenberg, Die Strafprozessordnung und das 
 Gerichtsverfassungsgesetz – Grosskommentar, 25.ª ed., Berlin, W. de Gruyter, 
 
 2003, anot. 38 ao §100b e anots. 103 e seg. ao § 100c, dizendo que só pode 
 destruir‑se o material de prova seguramente já desnecessário, porque o seu 
 conteúdo está entretanto confirmado por outros meios de prova, pelo que se o 
 material for ainda possivelmente utilizado como meio de prova na audiência de 
 julgamento nunca é de considerar uma destruição, antes deve ser guardado 
 juntamente com os meios de prova). O Tribunal Constitucional Federal alemão já 
 declarou, mesmo (na decisão de 3 de Março de 2004, in Entscheidungen des 
 Bundesverfassungsgerichts, vol. 109, pp. 279 e ss.), a inconstitucionalidade 
 desse § 100b, n.º 6, embora apenas em conjugação com a remissão que para ele 
 fazia o § 100d, n.º 4, frase 3, que o mandava aplicar à destruição dos registos 
 de vigilância acústica em espaços habitacionais (o chamado «grosser 
 Lauschangriff»), por violação da garantia do acesso à via judiciária, que a 
 destruição dificultava ou tornava mesmo impossível. Salientou‑se, nessa 
 decisão, que «pode surgir uma situação específica de conflito por, de uma 
 parte, corresponder à protecção de dados o apagamento de dados já não 
 necessários, e, por outra, com o apagamento se dificultar, quando não mesmo 
 impossibilitar, uma protecção jurídica efectiva, porque um controlo dos actos 
 só é em limitada medida possível depois do apagamento dos elementos» (v. também, 
 já antes, a decisão de 14 de Julho de 1999, in Entscheidungen…, cit., vol. 100, 
 pp. 313 e ss., 400, onde se considerou condição do respeito pela garantia do 
 acesso à via judiciária o facto de os registos serem conservados até seis meses 
 depois da notificação dos actos ao atingido). Na sequência da citada decisão de 
 
 2004, foi aprovada uma «Lei de Aplicação da Decisão do Tribunal Constitucional 
 Federal de 3 de Março de 2004», que alterou o referido §100d, passando a 
 prever que os dados são destruídos se não forem necessários «para a prossecução 
 da acção penal e para uma eventual comprovação judicial», e que, na medida em 
 que a destruição seja adiada por esta última razão, «os dados devem ser 
 encerrados e só podem ser utilizados para esse fim».
 
             Aliás, também entre nós têm sido propostas várias soluções no 
 sentido de evitar que os registos das conversações possam ser logo destruídos, 
 antes sendo assegurada a possibilidade de controlo (incluindo a 
 
 «contextualização» e a descoberta de novos elementos) também pela defesa (cf. as 
 propostas legislativas referidas no n.º 2.6 do citado Acórdão n.º 4/2006). E 
 refira-se, aliás, como mera nota marginal, que é também diferente da que está em 
 apreciação a solução prevista no anteprojecto de revisão do Código de Processo 
 Penal que foi tornado público pelo Ministério da Justiça já em 2006. Segundo o 
 seu artigo 188.º, n.º 6, a destruição imediata apenas é determinada pelo juiz em 
 relação a «suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo» 
 e que: disserem respeito a conversações em que não intervenham o suspeito ou 
 arguido, pessoa «relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe 
 ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido ou 
 vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido»; 
 abranjam matérias cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de 
 Estado; ou cuja «divulgação possa afectar gravemente direitos, liberdades e 
 garantias». Fora desses casos, prevê‑se que, a partir do encerramento do 
 inquérito, o assistente e o arguido possam «examinar os suportes técnicos das 
 conversações ou comunicações e obter, à sua custa, cópia das partes que 
 pretendam transcrever para juntar ao processo», sendo os suportes técnicos 
 referentes a conversações ou comunicações que não forem transcritas para 
 servirem como meio de prova «guardados em envelope lacrado, à ordem do 
 tribunal, e destruídos após o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao 
 processo» (artigo 188.º, n.ºs 8 e 12, do citado anteprojecto).
 
             14 – Poderia – é certo – defender‑se que estas soluções legislativas 
 se enquadram dentro da liberdade de conformação do legislador, sendo possíveis 
 várias soluções no plano infra‑constitucional. Dir‑se‑ia, neste sentido, que 
 bastaria o controlo da relevância dos elementos de prova pelo juiz de 
 instrução, procedendo ao controlo da legalidade, da necessidade e da relevância 
 desses elementos.
 
             Estes argumentos não podem, porém, considerar‑se procedentes.
 
             Na verdade, a destruição (permitida pela norma em apreço) de 
 elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o 
 arguido poderia pretender utilizar em seu benefício e que apenas foram 
 conhecidos pelo órgão de polícia criminal e pelo Ministério Público, com base na 
 apreciação da sua relevância, e na consequente ordem de destruição, apenas pelo 
 juiz de instrução, sem conhecimento pelo arguido, constitui logo, só por si, 
 uma compressão inaceitável, e desnecessária, das garantias de defesa do 
 arguido, particularmente notória na comparação da sua posição com a da 
 acusação. Com efeito, o arguido, que já sofreu uma intervenção restritiva – 
 determinada e justificada apenas por razões de necessidade – nos seus direitos 
 fundamentais ao ser objecto de escutas telefónicas, vê destruídos os registos 
 dessas comunicações, de cujo conteúdo não chega a tomar conhecimento, e não pode 
 sequer pronunciar‑se sobre a sua relevância, enquanto a acusação (rectius, o 
 
 órgão de polícia criminal e o Ministério Público) teve acesso ao conteúdo 
 integral e completo das comunicações e pode (deve mesmo) seleccionar e indicar 
 as partes que considera relevantes (artigo 188.º, n.º 1, parte final), tendo uma 
 intervenção substancial anterior à apreciação do juiz e à sua decisão sobre a 
 relevância, que pode influenciar.
 
             Contra isto não basta argumentar, nem com o facto de a destruição 
 dos registos inúteis visar ela própria a protecção de direitos fundamentais de 
 terceiros ou do próprio arguido, nem com as garantias resultantes da 
 intervenção do juiz de instrução, como «juiz das garantias» do arguido, ou com 
 uma alegada possibilidade de contraditar a prova no momento do julgamento.
 
             Quanto a esta última possibilidade, ela torna‑se evidentemente 
 ilusória, quanto ao que pudesse depender das conversações cujo conteúdo o 
 arguido não conheceu, a partir do momento da destruição dos respectivos 
 registos. Aliás, repete‑se que não está apenas em causa a utilização das 
 comunicações para enquadrar os elementos transcritos, mas igualmente com relevo 
 autónomo.
 
             Quanto ao primeiro ponto, recorda‑se que está apenas em causa, na 
 dimensão normativa em apreço, a ordem de destruição dos registos com base 
 exclusivamente na apreciação da relevância das conversações para a prova, por 
 parte do juiz, e não na ilegalidade das escutas ou na protecção dos direitos de 
 terceiros ou do arguido (aliás, quanto a este último, sempre poderia duvidar‑se 
 da indisponibilidade de uma tal «protecção contra si próprio»). A invocação da 
 protecção de terceiros – aliás, não concretizada no caso em apreço – contra 
 intromissão na vida privada apenas poderia, pois, situar‑se no plano abstracto, 
 da presunção de que todas e quaisquer escutas podem (criam o risco de) pôr em 
 causa esses direitos de terceiros. Sem deixar de sublinhar a importância das 
 garantias contra a indevida circulação do conteúdo das conversações 
 interceptadas, ou, até, do estabelecimento de mecanismos que tutelem o risco da 
 violação de direitos fundamentais como o segredo das comunicações, a alegação 
 de um tal risco não pode, porém, sobrepor‑se aos concretos direitos do arguido, 
 de organizar a sua defesa controlando o conteúdo das conversações e 
 utilizando‑as em sua defesa, seja enquadrando as transcrições existentes, seja 
 com relevância autónoma.
 
             15 – No que toca à intervenção do juiz, para apreciar a relevância 
 das comunicações interceptadas «em lugar» da apreciação que o arguido poderia 
 pretender efectuar, é certo que ela representa uma garantia suplementar em 
 relação a um sistema que deixasse a apreciação da relevância e a selecção 
 exclusivamente na dependência da acusação (cf., aliás, concedendo especial 
 importância ao parâmetro da «reserva do juiz», e ao artigo 32.º, n.º 4, da 
 Constituição no regime das escutas telefónicas, J. M. Damião da Cunha, «A mais 
 recente jurisprudência…», cit., pp. 51 e ss.).
 
             Todavia, tal garantia não pode considerar‑se suficiente sob dois 
 pontos de vista: por um lado, e como se referiu, enquanto o órgão de polícia 
 criminal e o Ministério Público podem influenciar a decisão do juiz sobre a 
 relevância, devendo mesmo indicar as passagens das comunicações que consideram 
 relevantes antes de aquele tomar uma decisão (que, recorda‑se, pode, sem 
 inconstitucionalidade, ser tomada sem audição da integralidade das 
 conversações, e apenas com base em partes transcritas que lhe são facultadas, 
 como se decidiu no Acórdão n.º 426/2005), o arguido não chega sequer a ter 
 conhecimento do conteúdo das comunicações antes da sua destruição, muito menos 
 podendo fazer valer, ou fundamentar, a sua apreciação sobre a sua relevância, 
 ficando, por isso, colocado numa posição de inferioridade, ou desigualdade, que 
 objectivamente põe em causa as suas garantias de defesa; por outro lado, sendo 
 ao arguido que compete organizar a sua defesa, contraditando os elementos 
 invocados pela acusação e utilizando‑os para se defender, tem de lhe ser 
 deixada a possibilidade de ser ele a ajuizar, com base no conteúdo das 
 conversações em causa, sobre a sua relevância, para, pelo menos, a poder 
 justificar (por exemplo, porque entende que dela resulta um atenuação da sua 
 culpa, ou até uma causa de justificação), sem que esse juízo possa ser 
 antecipadamente inviabilizado pela destruição dos suportes magnéticos com base 
 numa apreciação alheia (ainda que do juiz de instrução). Aliás, não está apenas 
 em causa a possibilidade de conhecimento pelo arguido do conteúdo das 
 comunicações, para efectuar e fundamentar a sua apreciação sobre a sua 
 relevância, mas também a própria possibilidade de um controlo judicial da 
 decisão de destruir os registos das conversações, ou, mesmo, da própria 
 realização das escutas (em relação ao material destruído).
 
             Sob este aspecto, a consideração de que a norma em causa apenas faz 
 sentido no pressuposto de uma total irrelevância dos registos, com 
 possibilidade (ou mesmo dever) de o juiz realizar esta avaliação, falha o alvo, 
 justamente porque o que está em causa é esta possibilidade de avaliação e a 
 intervenção nela do arguido – ou seja, saber se o arguido também há‑de poder, 
 pelo menos, influenciar com devido conhecimento a apreciação da relevância das 
 conversações.
 
             Não pode, aliás, excluir‑se em absoluto que a apreciação pelo juiz 
 de instrução, na sequência dos elementos que lhe são facultados pelo órgão de 
 polícia criminal, e ainda que apenas de uma irrelevância clara, ou manifesta, 
 dos elementos em questão, possa não estar objectivamente correcta, podendo vir a 
 ser posta em causa pelo desenrolar futuro do processo ou por outros 
 acontecimentos (sendo que a destruição dos registos inviabiliza, porém, a 
 comprovação). E, de todo o modo, pelo menos quando não estejam em causa 
 situações de ilegalidade das escutas ou de outras qualificadas afectações de 
 direitos fundamentais justificadas em concreto, é ao arguido que tem de competir 
 a possibilidade de controlar essa correcção e de fundamentar a sua própria 
 apreciação sobre a relevância dos elementos em causa, o que só pode ser 
 conseguido, como tem salientado o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 
 mediante precauções no sentido da comunicação integral e completa das 
 conversações interceptadas ao arguido, as quais são radicalmente postergadas 
 pela imediata destruição dos registos.
 
             16 – Em suma, conclui‑se que é inconstitucional, por violação das 
 garantias de defesa do arguido, asseguradas pelo artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição, e em particular da garantia de um processo leal e do princípio do 
 contraditório, a interpretação do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo 
 Penal que permite que sejam destruídos elementos de prova obtidos mediante 
 intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal conheceu, com 
 base na apreciação da sua relevância efectuada e na consequente ordem dada pelo 
 juiz de instrução, e de cujo conteúdo o arguido não chega a tomar conhecimento, 
 sem poder, pois, pronunciar‑se sobre a sua relevância.
 
             Há, assim, que conceder provimento ao presente recurso, 
 determinando‑se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente 
 juízo de inconstitucionalidade. Sublinhar‑se‑á apenas, como nota final, que as 
 consequências a retirar do presente juízo de inconstitucionalidade para os 
 elementos de prova constantes dos autos, incluindo as comunicações interceptadas 
 aí transcritas, se encontram já fora do âmbito da intervenção do Tribunal 
 Constitucional, situando‑se claramente no domínio de intervenção do Tribunal 
 recorrido.”
 
  
 
                         5. A argumentação desenvolvida no parcialmente 
 transcrito Acórdão n.º 660/2006 foi posteriormente enriquecida nos já citados 
 Acórdãos n.ºs 450/2007 e 451/2007.
 
                         No Acórdão n.º 450/2007, após sumariar‑se a 
 fundamentação do Acórdão n.º 660/2006, acrescentou‑se (considerações que foram 
 retomadas no Acórdão n.º 451/2007):
 
  
 
             “10.2. Todos estes argumentos mantêm, no presente caso, inteira 
 validade. 
 
             Não se vê por isso como contrariar a conclusão obtida pelo Tribunal 
 no Acórdão n.º 660/2006, segundo a qual a ordem de destruição, pelo juiz de 
 instrução, de parte das gravações efectuadas no decurso da intercepção das 
 telecomunicações, dada sem que o arguido tenha tido possibilidade de acesso à 
 integralidade das mesmas, ‘comprime’ de forma ‘desnecessária e inaceitável’ as 
 garantias de defesa do arguido, consagradas em geral no artigo 32.º, n.º 1, da 
 CRP.
 
             Com efeito, para além das razões apresentadas pelo Tribunal naquele 
 mesmo Acórdão, outras há, que decorrem do que ficou dito na resposta dada à 
 primeira questão de constitucionalidade que o presente recurso coloca [relativa 
 
 à assinatura e certificação dos autos de transcrição de escutas telefónicas]. 
 
             Antes do mais, do que ficou dito quanto ao direito consagrado no n.º 
 
 5 do artigo 188.º do CPP.
 
             Afirmou-se acima (ponto 9.2.) que a possibilidade de exercício de um 
 tal direito – que, recorde‑se, confere ao arguido o poder de examinar o auto de 
 transcrição (a que se refere o n.º 3 do artigo 188.º) para se inteirar da 
 conformidade das transcrições – prevenia que a não assinatura, por parte do 
 juiz de instrução, daquele auto (ou a não certificação, pelo mesmo juiz, da 
 conformidade entre o que havia sido transcrito e o que havia sido gravado) se 
 traduzisse, por si só, numa «intervenção restritiva», constitucionalmente 
 inaceitável, dos direitos de defesa do arguido. No entanto, para que tal suceda, 
 necessário é que o arguido possa ter acesso à integralidade das gravações que 
 foram efectuadas, para que – como já disse o Tribunal no Acórdão n.º 426/2005 
 
 (DR, II série, n.º 232, p. 17 006) – «seja facultada à defesa (e também à 
 acusação) a possibilidade de requerer a transcrição de mais passagens do que as 
 inicialmente seleccionadas pelo juiz, quer por entenderem que as mesmas assumem 
 relevância própria quer por se revelarem úteis para esclarecer ou contextualizar 
 o sentido das passagens anteriormente seleccionadas». Foi aliás este dito 
 
 (citado pelo Acórdão n.º 660/2006) que justificou a decisão tomada (e a nosso 
 ver bem) pelo Tribunal no já referido Acórdão n.º 426/2005. Para que esta 
 
 ‘arquitectura’ jurisprudencial mantenha coerência, necessário é que se entenda 
 que o exercício do direito que é conferido ao arguido no n.º 5 do artigo 188.º 
 do Código de Processo Penal pressupõe a possibilidade de acesso da defesa à 
 integralidade das gravações efectuadas no decurso das intercepções telefónicas.
 
             Mas, para além disso, uma outra razão há para que se entenda que tal 
 acesso é constitucionalmente imposto, não dependendo da livre disposição do 
 legislador ordinário facultá‑lo, ou não, à defesa.
 
             Disse‑se atrás que o regime fixado nos artigos 187.º e 188.º do CPP 
 decorria de uma autorização constitucional expressa – conferida ao legislador – 
 para restringir, «em matéria de processo criminal», o direito ‘inviolável’ do 
 sigilo dos meios de comunicação privada (artigo 34.º, n.º 4 e n.º 1). Disse‑se 
 também que o bem jurídico protegido por tal direito era refracção de outros bens 
 jurídicos, nomeadamente dos protegidos pelo «direito à palavra» e pelo direito à 
 
 «reserva de intimidade da vida privada» (artigo 26.º da CRP). A este último 
 direito – e ao bem que ele protege – se voltará adiante. Por agora, 
 atenhamo‑nos apenas às implicações que decorrem da garantia constitucional de 
 um «direito à palavra».
 
             O direito à palavra a que se refere o artigo 26.º da CRP – próximo 
 do direito à imagem, enquanto direito pessoal, e por isso estruturalmente 
 distinto do direito à liberdade de expressão (artigo 37.º) – pressupõe a 
 existência de uma «liberdade de disposição na área da comunicação não pública», 
 em que o que é dito – justamente por ser dito fora do espaço público, ou seja, 
 não com o intuito de ser escutado – faz parte da «acção comunicativa» 
 espontânea, «inocente e autêntica» (veja-se Manuel da Costa Andrade, Sobre as 
 proibições de prova em Processo Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, p. 70). A 
 esta esfera da comunicação humana pertencem os discursos fragmentários, a 
 
 «expressão não reflectida nem contida», ou a «formulação apenas compreensível 
 no contexto de uma situação especial» (Tribunal Constitucional Federal Alemão, 
 apud Manuel Costa Andrade, ob. e loc. cit.). Quem «escuta» um discurso assim, 
 feito para não ser escutado, infere sentidos. A decisão unilateral e externa 
 
 (isto é, tomada sem o conhecimento do autor do próprio discurso) quanto ao se e 
 ao modo da descontextualização do mesmo, permite que às inferências de sentido 
 iniciais se venham a sobrepor outras, numa escala potencialmente progressiva de 
 redução da compreensibilidade do que foi dito.
 
             Um «processo devido em direito» – ou, como diz a Constituição no n.º 
 
 1 do artigo 32.º, um processo que «assegura todas as garantias de defesa» –, não 
 pode ignorar que as coisas se passam assim. Sobretudo quando se sabe (e sabe‑se 
 porque tal já foi dito pelo Tribunal) que não é constitucionalmente censurável 
 que a acusação, que tem naturalmente acesso à integralidade das gravações, 
 sugira ao juiz quais as ‘partes’ das gravações a transcrever, por serem essas as 
 partes consideradas relevantes para a prova (artigo 188.º, n.º 1, in fine, do 
 CPP), e que a sugestão seja acolhida «não com base em prévia audição das mesmas 
 
 [por parte do JIC] mas por leitura de textos contendo a sua reprodução … 
 acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogas» (Fórmula decisória do 
 Acórdão nº 426/2005). Sabendo‑se tudo isto, difícil é não concluir que, no 
 
 âmbito de ‘todas as garantias de defesa’ a que se refere o n.º 1 do artigo 32.º 
 da CRP, se conta também a possibilidade de acesso do arguido à integralidade das 
 gravações efectuadas no decurso de operações de «escutas telefónicas», antes que 
 seja dada a ordem da sua destruição parcial.
 
             Sustentar‑se‑á em contrário que uma tal leitura das coisas 
 desconhece que, nos termos do n.º 5 do artigo 32.º da Constituição, o princípio 
 do contraditório vale apenas para as fases de audiência de julgamento e para os 
 
 «actos instrutórios que a lei determinar», pelo que argumentar como se 
 argumentou implicaria uma visão radicalmente acusatória de todo o processo 
 penal, em que o princípio do contraditório dominaria, também, todo o inquérito – 
 visão essa que, como se sabe, não é aquela que a CRP acolhe.
 
             Note‑se, no entanto, que não está aqui em causa a transposição, para 
 a fase do inquérito, do princípio da contraditoriedade na produção e valoração 
 da prova – princípio esse que só tem assento constitucional no que respeita à 
 fase de audiência e julgamento. O que está em causa é outra coisa. Trata‑se 
 apenas de garantir que toda a prossecução processual se cumpra como se deve 
 cumprir, ou seja, «de modo a fazer ressaltar não só as razões da acusação mas 
 também as da defesa» (assim mesmo, Jorge de Figueiredo Dias, Direito 
 Processual Penal, 1.ª ed., 1974, reimp., 2004, Coimbra, Coimbra Editora, p. 
 
 150), de tal forma que o arguido tenha uma posição processual equiparada quanto 
 possível à do acusador (ibidem, p.149).
 
             Exigir que semelhante garantia se cumpra não equivale a transfigurar 
 um processo penal de estrutura mitigada em outro diverso, de estrutura 
 radicalmente acusatória. A exigência significa apenas que se obedece ao 
 princípio contido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, pois que, «[e]m todas 
 as garantias de defesa engloba‑se indubitavelmente todos os direitos e 
 instrumentos necessários para o arguido defender a sua posição e contrariar a 
 acusação. Dada a radical desigualdade material de partida entre acusação 
 
 (normalmente apoiada pelo poder institucional do Estado) e a defesa, só a 
 compensação desta, mediante específicas garantias, pode atenuar essa 
 desigualdade de armas.» (J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., 2007, Coimbra, Coimbra Editora, p. 516). 
 
             10.3. Decorre dos presentes autos que a ordem dada, in casu, pelo 
 juiz de instrução – de destruição ‘definitiva’ e ‘irremediável’ de parte das 
 gravações efectuadas – o foi por razões apenas atinentes ao juízo, que ele 
 próprio fizera, de valoração das «escutas» como meios de prova. É aliás assim, 
 ou a partir deste pressuposto, que é colocada ao Tribunal a questão de 
 constitucionalidade (fls. 4612 dos autos).
 
             Deve no entanto considerar‑se que a ordem de destruição parcial das 
 escutas pode ainda ser justificada por outra razão, atinente à protecção da 
 reserva da intimidade da vida privada do próprio arguido e de terceiros. 
 Colocar‑se‑á então o problema de saber se, nesses casos, não será (precisamente 
 ao contrário do que até agora se tem vindo a defender) constitucionalmente 
 devida a ordem do JIC de destruição de parte das gravações efectuadas, por 
 corresponder ela «à possibilidade de correcção pelo tribunal de uma intromissão 
 injustificada na reserva de intimidade da vida privada do arguido ou de 
 terceiros (artigo 26.º, n.º 2, da Constituição).» (DR, II série, n.º 7, 
 
 10/1/2007, p. 757. Itálico aditado)
 
             Não existem dúvidas quanto à inevitabilidade da colocação do 
 problema.
 
             Por serem expressão da «liberdade de disposição da comunicação não 
 pública», inscrita no exercício do «direito à palavra», as comunicações 
 privadas que são interceptadas pelas «escutas» não contêm só discursos 
 potencialmente fragmentários, cujo sentido só pode ser, para quem «escuta», 
 apenas inferido. Faz parte também da especial estrutura comunicativa deste tipo 
 de discurso, com as suas fronteiras fluidas, que ele raramente se restrinja à 
 esfera pessoal daqueles que nele participam. Enquanto devassa da privacidade – 
 na sua esfera mais íntima – as «escutas» são por isso, frequentemente, manchas 
 que alastram: muitas vezes e por seu intermédio, «a revelação do segredo só se 
 torna possível com a revelação de segredos de terceiros.» (Manuel da Costa 
 Andrade, ob. cit. p. 50).
 
             Deve por isso ter‑se em conta que o problema que nos ocupa – ou 
 seja, a questão de saber se será constitucionalmente admissível que o Juiz de 
 Instrução ordene a destruição de parte do material gravado, sem que dessa parte 
 tenha conhecimento o arguido – poderá em certos casos (que não seguramente o 
 agora em juízo) ser equacionado como um problema de colisão de direitos: o 
 direito do arguido a um processo equitativo, com todas as garantias de defesa, e 
 que inclui, como já vimos, a faculdade de acesso à integralidade das gravações 
 efectuadas, pode conflituar, no modo concreto do seu exercício, com direito ou 
 direitos de outrem, afectando os bens jurídicos por estes últimos protegidos. 
 
 (Sobre a colisão de direitos, em geral, J. J. Gomes Canotilho, ob. cit., p. 
 
 1270). No entanto, tal em nada legitima que se conclua que a ordem judicial de 
 destruição de parte das gravações efectuadas será sempre constitucionalmente 
 devida, por corresponder à correcção, feita pelo tribunal, da devassa da 
 intimidade de terceiros. Uma tal conclusão só seria sustentável se os problemas 
 de colisão de direitos pudessem ser resolvidos através do sacrifício unilateral 
 de um deles – como se tivera o juiz constitucional uma habilitação genérica para 
 declarar, em situações de conflito, qual o direito a sacrificar e qual o direito 
 a tutelar. Nada permite sustentar que assim seja. O que não é de excluir é que, 
 nas circunstâncias em que a colisão ocorra, se deva fazer a ponderação entre o 
 direito do arguido a um processo devido e os direitos de terceiros ao segredo e 
 
 à reserva, podendo por isso vir a ser constitucionalmente permitida a 
 destruição, sem a audição do arguido, daquela parte das gravações que lesem 
 especialmente o segredo ou a intimidade de terceiros. Em última análise, porém, 
 caberá ao legislador ordinário identificar os casos em que deva ser feita a 
 ponderação.
 
             Face ao regime legal vigente – e tendo em conta que ele obriga que 
 todos os participantes nas operações de «escutas» fiquem «ligados ao dever de 
 segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento» (n.º 3, in fine, 
 do artigo 188.º do Código de Processo Penal) – não pode deixar de se julgar 
 inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, a norma 
 contida na primeira parte do referido preceito, quando entendida no sentido de 
 permitir que o juiz de instrução ordene, por considerar relevantes para a prova, 
 a transcrição parcial das gravações de conversas telefónicas interceptadas, e 
 prescreva a destruição das partes restantes, antes de o arguido as ter ouvido e 
 controlado.”
 
  
 
                         6. Pelas razões expendidas nos Acórdãos n.ºs 660/2006, 
 
 450/2007 e 451/2007 e pelas inicialmente expostas nesta declaração de voto, 
 sustentei que devia ser concedido provimento ao recurso, julgando‑se 
 inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa, a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo 
 Penal, na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, 
 interpretado no sentido de o juiz dever ordenar a destruição imediata das fitas 
 gravadas e elementos análogos relativos a gravações de conversações telefónicas 
 feitas durante o inquérito, que não foram consideradas relevantes para a prova, 
 assim afectando irremediavelmente a possibilidade de o arguido, findo o 
 inquérito, a elas ter acesso, para eventualmente sugerir a transcrição de novas 
 passagens, por ele tidas como relevantes para a descoberta da verdade.
 Mário José de Araújo Torres
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Dissenti da presente decisão pelas razões constantes dos acórdãos nº 660/2006 
 
 (que subscrevi), 450/07 e 451/07, todos deste Tribunal, que se pronunciaram pela 
 inconstitucionalidade da dimensão normativa ora em apreciação. Aos fundamentos 
 aduzidos nestes arestos, assim como à síntese e explicitação que deles nos 
 oferece a declaração de voto do Conselheiro Mário Torres (que acompanho na 
 integra), importa apenas acrescentar o seguinte.
 
  
 Subjacente à tese que fez vencimento parece estar a ideia de que a intervenção 
 do arguido antecedendo a destruição das escutas tem de estar proscrita uma vez 
 que tal destruição tende a ser decidida na fase de inquérito, momento em que o 
 contraditório se encontra naturalmente excluído.  
 
  
 
 É certo que nesta fase o contraditório não pode existir. Mas daí decorre apenas 
 que a destruição destes especiais meios de prova (as escutas) não possa ser 
 decidida nesta fase. O que só é confirmado pela circunstância de as conversações 
 objecto de aquisição processual em inquérito não terem a sua eficácia probatória 
 a ele confinada, antes se encontrado preordenadas a integrar o conjunto dos 
 elementos sobre os quais incidirá a final o juízo de valoração judicial, aí 
 necessariamente precedido do contraditório. Para a plena realização deste, nas 
 fases do processo (instrução e julgamento) em que o mesmo se encontra 
 constitucionalmente garantido, deve ser assegurada ao arguido a possibilidade de 
 aceder à integralidade do material probatório recolhido a fim de, com o 
 conhecimento daí resultante, poder não só discutir o alcance probatório de 
 conversações já ordenadas transcrever como ainda estabelecer a relevância para a 
 decisão da causa de outras conversações que até àquele momento não foram objecto 
 de aquisição processual. O que implica naturalmente a regra da sua conservação.
 
  
 E torna por outro lado claro que essa conservação constitui uma exigência a 
 montante da plena realização do contraditório mas fases em que, também no 
 discurso argumentativo do acórdão de que dissentimos, ele tem de ser 
 constitucionalmente garantido.
 Rui Manuel Moura Ramos