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Processo n.º 1220/07
 
 1ª Secção
 Relator: Carlos Pamplona de Oliveira
 
 
 Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
 
 
 I. Relatório        
 
  
 
 1. 
 
 1.1. O representante do Ministério Público no 2º Juízo do Tribunal de Pequena 
 Instância Criminal do Porto deduziu reclamação para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo do artigo 77.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o 
 despacho do juiz daquele Tribunal, de 14 de Novembro de 2007, que lhe não 
 admitiu o recurso que pretendia interpor para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de um outro despacho, de 29 
 de Outubro de 2007, que teria recusado a aplicação, com fundamento em 
 inconstitucionalidade, da norma do artigo 389.º, n.º 2 do Código de Processo 
 Penal (CPP).
 
  
 
 1.2. O processo de que emerge a presente reclamação teve origem em “auto de 
 notícia por detenção”, instaurado pela PSP a A., por condução de veículo 
 automóvel sem habilitação legal. O sujeito foi constituído arguido e notificado, 
 nos termos do artigo 385.º, n.º 3, CPP, para comparecer perante o representante 
 do Ministério Público, do Tribunal de turno do Porto, em 27 de Outubro de 2007, 
 pelas 10h00, para ser submetido a audiência de julgamento, em processo sumário.
 Recebida a participação, o representante do Ministério Público naquele Tribunal 
 exarou, com data de 27 de Outubro de 2007, o seguinte despacho: 
 
  
 
 “Apresente o expediente ao M.mo Juiz de turno, para os efeitos do artigo 387.º, 
 n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, atento o disposto no artigo 60.º, 
 n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 186‑A/99”.
 
  
 Os autos foram apresentados a um juiz que proferiu, na mesma data, o seguinte 
 despacho:
 
  
 
 “Neste Tribunal não existe qualquer sala de audiências que permita a realização 
 do julgamento sumário, com observância do formalismo legal.
 Importa, por igual, frisar que o edifício onde se encontra instalado é de acesso 
 reservado ao público, o que impede o cumprimento do artigo 387.º, n.º 1, do CPP.
 Verifica‑se, assim, a impossibilidade da realização de audiência imediata, 
 referida no artigo 387.º do CPP.
 Nestes termos, determino que o arguido seja notificado para comparecer no 
 próximo dia 29 de Outubro de 2007, pelas 10 horas, no Tribunal competente, a fim 
 de aí ser julgado em processo sumário – artigo 387.º, n.º 2, alínea a), do CPP.”
 
  
 
  
 
 2.
 
 2.1. Foi o processo distribuído ao 2º Juízo do Tribunal de Pequena Instância 
 Criminal do Porto, tendo, ainda nesse dia 29 de Outubro, o Juiz desse 2º Juízo 
 exarado o seguinte despacho (fls. 13 e ss.):
 
  
 
 “Do auto de notícia elaborado pela autoridade policial resulta que o arguido foi 
 detido em flagrante delito e depois restituído à liberdade, tendo sido 
 notificado para comparecer perante o M.P. junto do Tribunal de turno. 
 Resulta também dos autos, que não foi deduzida verdadeira acusação escrita 
 contra o arguido. 
 O M.P. apresentou apenas o expediente ao juiz de turno para os efeitos do art. 
 
 387º n.º 2 ali, a) do C.P.P., pretensão que foi deferida, adiando-se 
 simplesmente o início da audiência de julgamento. 
 Aberta vista à Digna Magistrada do M.P., pela mesma foi referido que aguardará o 
 início da audiência, para aí requerer a substituição da apresentação da acusação 
 pela leitura do auto de notícia da autoridade que procedeu à detenção. 
 E certo que no auto de notícia constam alguns factos. 
 Todavia, tais factos, por si só, não constituem qualquer crime. 
 E de ter em conta que a consciência e a vontade de praticar tais factos típicos, 
 bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei — o dolo— constitui 
 elemento típico dos ilícitos criminais, e designadamente do perfunctoriamente 
 indiciado no auto de notícia. 
 O mesmo sucede quanto à negligência, nos termos do disposto nos artºs. 13º e 15º 
 do C.P. 
 Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do auto de notícia — cfr 
 os artºs 243.º e 283.º, n.º 3 ali. b) do C.P.P., e ainda sobre o tema, entre 
 outros, o AC do TRG de 7/04/2003, in CJ. tomo II, pág. 29 1-294. 
 Qualquer acusação em que se omita este facto — falta dos factos integradores do 
 dolo ou da negligência—deve ser rejeitada, por se encontrar manifestamente 
 infundada, com base no artº 311.º,3, ali. d) do C.P.P.— quando os demais 
 elementos típicos do crime se encontrarem nela descritos. 
 Do expediente ora em análise não consta qualquer um desses elementos (dolo ou 
 negligência). 
 De tal expediente também não se retira a indicação das disposições legais 
 aplicáveis, a chamada qualificação jurídica dos factos, o que é relevante e 
 implica até a rejeição da acusação, nos termos do citado art. 311. nº 3 ali. c) 
 do C.P.P. 
 Dado o teor do auto de notícia, mesmo com a sua leitura em audiência nada mais 
 se acrescenta ao que aí consta. 
 E condição da realização de julgamento em processo sumário e desta forma de 
 processo especial a existência de um crime concreto e devidamente identificado, 
 com indicação dos respectivos factos integradores (objectivos e subjectivos) e 
 de todas as disposições legais aplicáveis. Só assim se podem apreciar os 
 apertados requisitos de admissibilidade do professo sumário, bem como a 
 competência do tribunal. 
 Está em causa a natureza acusatória do processo penal, além das garantias de 
 defesa do arguido e o princípio a vinculação temática do tribunal. 
 Afigura-se-nos, pois, que não se verificam os requisitos que justificam o 
 julgamento em processo sumário, nos termos do disposto no artº 381.º do C.P.P., 
 na redacção da lei 48/07 de 29/08. 
 Assim sendo, e por razões de economia processual, e ainda nos termos dos artºs. 
 
 381.º, e 390.º, ali, a) do C.P.P., na actual redacção, determino a remessa dos 
 presentes autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma 
 processual”.
 
  
 
  
 
 2.2. Na convicção de que este despacho desaplicara, com fundamento em 
 inconstitucionalidade normativa, o n.º 2 do art. 389.º do código de Processo 
 Penal, o representante do Ministério Público pretendeu interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, 
 através de requerimento com o seguinte teor:
 
  
 
 “(…)
 Por douto/a despacho/decisão, proferido/a no p. p. dia 19 do transacto mês de 
 Outubro do corrente ano 2007 e exarado/a a fls. 1 e 12, dos autos à margem 
 identificados, o/a Mmo/a Juiz, nos termos e com os fundamentos de facto e de 
 direito daquele/a constantes, tendo consignado, além do mais, “Está em causa a 
 natureza acusatória do processo penal, além das garantias de defesa do arguido e 
 o principio da vinculação temática do tribunal.” (sic), a final, decidiu 
 
 “.../...nos termos dos art.s 381º, e 390º, ali. a,) do C.P.P., na actual 
 redacção, determino a remessa dos autos ao Ministério Público para tramitação 
 sob outra forma processual.” (sic), recusando, dessa forma, a aplicação da norma 
 constante do art. 389.º, n.º 2, do CPP, expressamente requerida pelo MP, por 
 reputar a mesma inconstitucional, por violação dos invocados princípios 
 constitucionais das garantias de defesa do arguido e da estrutura acusatória do 
 processo penal — art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP — e/ou ilegal, por violação do 
 referido princípio da vinculação temática do tribunal —- art.ºs 358º, 359º e 
 
 379º, n.º 1, al. b), do CPP -. 
 Tendo sido, nos termos supra expostos, a aplicação da norma em referência, n.º 
 
 2, do art. 389º, do CPP, constante de acto legislativo — L. 48/2007, de 29 de 
 Agosto – 15.º Alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 
 n.º 78/87, de 17 de Fevereiro —, recusada, por inconstitucionalidade e/ou 
 ilegalidade — vem o MP, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 280.º, 
 n.ºs 1, al. a), 2, al. a) e 3, da CRP, 70º, n.º 1, al.s a) e/ou c), 71º, n.º 1, 
 
 72º, n.ºs 1, al. a) e 3, 75º, n.º 1, 75º-A, n.º 1 e 78º, n.º 4, da Lei 28/82, de 
 
 15 de Novembro — Organização, funcionamento e processo do Tribunal 
 Constitucional —, ao abrigo das citadas al.s a) e/ou c), do n.º 1, do respectivo 
 art.º 70º, interpor recurso, obrigatório, para o Tribunal Constitucional, — a 
 subir nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto no 
 citado art. 78.º, n.º 4, da Lei em referência —, requerendo a apreciação da 
 constitucionalidade e legalidade da norma constante do n.º 2 do art. 389.º do 
 CPP.”
 
  
 
 2.3.  Porém, o recurso não foi admitido pelo despacho de 14 de Novembro (fls. 21 
 e ss.), do seguinte teor: 
 
  
 
 “(…)
 Estabelece o art. 76º, nº 1 da Lei 28/82 de 15 de Novembro “Compete ao Tribunal 
 que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respectivo 
 recurso; estabelece igualmente o nº 2 do mesmo artº “O requerimento de recurso 
 deve ser indeferido quando a decisão o não admita, quando haja sido interposto 
 fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos 
 recursos previstos nas alíneas b) e e) do nº 1 do art. 70.º, quando forem 
 manifestamente infundados”. 
 Ora a Digna Magistrada do M.P. vem recorrer da decisão proferida a fls. 11 
 destes autos, em que o tribunal, nos termos do art. 390.º ali. a) do C.P.P. 
 remete os autos para outra forma processual, atendendo a que entendeu não ter 
 sido fixado o objecto do processo, não podendo assim realizar-se o julgamento 
 sob a forma sumária. 
 Estabelece o artº 70.º da Lei 28/82 de 15 de Novembro: (Decisões de que pode 
 recorrer‑se): nº 1 — Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das 
 decisões dos Tribunais; 
 a) Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em 
 inconstitucionalidade; 
 b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo; 
 c) Que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com 
 fundamento na sua ilegalidade, violação do estatuto da região autónoma ou de lei 
 geral da República: 
 d) Que recusem a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania, com 
 fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma; 
 e) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo, 
 com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c) e d); 
 f) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo 
 próprio Tribunal Constitucional; 
 g) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão 
 Constitucional, nos termos em que seja requerida a sua apreciação ao tribunal 
 constitucional. 
 nº 2 - Os recursos previstos nas alíneas b) e e) do número anterior apenas cabem 
 de decisões que admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já 
 haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam. 
 Ora da análise dos preceitos em causa, não se vislumbra que a decisão em causa 
 nos autos, admita recurso para o Tribunal Constitucional, atendendo a que não se 
 subsume a qualquer das alíneas supra referidas. 
 Requisito de admissibilidade do recurso, nos termos do art. 70.º ali a), é a da 
 existência da recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade. Ora, isso não acontece, nem explicita nem implicitamente 
 no despacho em causa nos autos, no mesmo sentido Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional disponíveis na página /site do Tribunal Constitucional, com o nº 
 convencional ACTC00000118, ACTC00004871 e ACTC00000019. 
 Assim sendo, indefiro o requerimento de recurso, por entender que a decisão o 
 não admite (…)”. 
 
  
 
 3.
 
 3.1. É contra este despacho que vem deduzida a presente reclamação, na qual o 
 magistrado reclamante alega:
 
  
 
 “ (…) da leitura integral do douto despacho judicial recorrido e da respectiva 
 integração na antecedente tramitação processual que conduziu à prolação do 
 mesmo, parece-nos inegável que consubstancia este, de facto, a recusa de 
 aplicação da norma constante do n.º 2, do art. 389º, do CPP, — constante de acto 
 legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto — 15. Alteração ao Código de Processo 
 Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/8 7, de 17 de Fevereiro) —, por 
 inconstitucionalidade e/ou ilegalidade. 
 De facto, tendo o MP, nos termos do douto despacho exarado a fls. 5, verificados 
 que se mostravam os pressupostos dos art.ºs 381º, n.º 1, al. a), e 387º, n.º 1, 
 do CPP, determinado, nos termos do disposto na 2.ª parte, do n.º 2, do art. 
 
 382º, do CPP, a apresentação do “.../... expediente, ao M.º Juiz de Turno para 
 os efeitos do art.. 387.º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal, … /...” 
 
 (sic) e tendo este — Mmo/a Juiz de turno —, com os fundamentos de facto e de 
 direito que constam do douto despacho judicial de fls. 6 determinado “…./... que 
 o arguido seja notificado para comparecer no próximo dia 29/10/2007, pelas 10 
 horas, no Tribunal competente afim de aí ser julgado em processo sumário, art. 
 
 387.º nº 2, alínea a) do C.P.P.” (sic) e tendo ainda o MP, entretanto e atento o 
 despacho judicial de fls. 9 — “Atento a promoção e o despacho meramente formal 
 de adiamento proferido no TIC, (artº 387º, nº 2, alínea a) do C.P.P.) vão os 
 autos ao MP, para os fins tidos por convenientes, respectivamente apresentação 
 da acusação.” (sic) —, nos termos consignados a fls. 10, reservado para o início 
 da audiência de discussão e julgamento, o eventual uso da faculdade prevista no 
 n.º 2. do art. 389º, do CPP, a decisão judicial entretanto recorrida, ao decidir 
 
 “.../... determino a remessa dos presentes autos ao Ministério Público para 
 tramitação sob outra forma processual.” (sic), não só nega a aplicação daquela 
 disposição legal, expressamente invocada pelo MP, (ou antes, a possibilidade do 
 exercício, pelo MP, da faculdade p. na mesma), como fundamenta tal posição, 
 alegando, além do mais que, “E certo que no auto de notícia constam alguns 
 factos. 
 Todavia, tais factos, por si só não constituem qualquer crime, …/... — o dolo — 
 constitui elemento típico dos ilícitos criminais, …/... O mesmo sucede quanto à 
 negligência, … /… .
 Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do auto de notícia — 
 
 …./... .
 Do expediente ora em análise não consta qualquer um desses elementos (dolo ou 
 negligência). 
 De tal expediente também não se retira a indicação das disposições legais 
 aplicáveis a chamada qualificação jurídica dos factos, …/…” (sic), concluindo 
 com a alegação de que “Está em causa a natureza acusatória do processo penal, 
 além das garantias de defesa do arguido e o princípio da vinculação temática do 
 tribunal.” (sic). 
 Ora, não sendo obviamente de exigir fórmulas sacramentais para afirmar 
 princípios, parece-nos que outra coisa não fez o/a Mmo/a Juiz a quo que não 
 tenha sido recusar a aplicação, in casu, da norma legal expressamente invocada 
 pelo MP, (n.º 2, do art. 389.º, do CPP), por entender que tal aplicação, 
 faltando no auto de notícia, “o elemento subjectivo” e “a chamada qualificação 
 jurídica dos factos”, seria inconstitucional, por violação dos, aliás 
 expressamente citados e assim invocados, princípios constitucionais da 
 estrutura/natureza acusatória do processo penal e das garantias de defesa do 
 arguido — art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP — e/ou ilegal, por violação do, 
 igualmente expressamente citado e invocado, princípio da vinculação temática do 
 tribunal — art.ºs 358º, 359º e 379º, n.º 1, al. b), do CPP. 
 Mais alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, “Requisito de 
 admissibilidade do recurso, nos termos do art. 70.º ali a), é a da existência da 
 recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. 
 Ora, isso não acontece, nem explicita nem implicitamente no despacho em causa 
 nos autos, …/... .”. 
 De facto, nos termos da citada al. a), do n.º 1, do art. 70.º, da Lei 28/82, de 
 
 15 de Novembro, ao abrigo da qual, também, mas não só, foi interposto o recurso 
 ora indeferido, o requisito de admissibilidade do recurso é efectivamente a 
 existência de recusa de aplicação de qualquer norma, com fundamento em 
 inconstitucionalidade. 
 Contudo, nos termos da al. c), do n.º 1, do mesmo preceito legal, ao abrigo da 
 qual foi ainda, interposto o recurso em causa, o requisito de admissibilidade do 
 recurso é a existência de recusa de aplicação de norma constante de acto 
 legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado. 
 Ora, a expressa invocação, no despacho recorrido, dos supra referenciados 
 princípios constitucionais da estrutura/natureza acusatória do processo penal e 
 das garantias de defesa do arguido e do princípio legal da vinculação temática 
 do tribunal, resulta inequívoca e inegavelmente do respectivo texto, supra 
 transcrito, mormente do supra citado segmento da respectiva parte final —“Está 
 em causa a natureza acusatória do processo penal, além das garantias de defesa 
 do arguido e o princípio da vinculação temática do tribunal.” (sic, com 
 sublinhado nosso). 
 Face ao exposto, não pode naturalmente concordar-se com a, além de 
 infundamentada, estranha conclusão, constante do despacho em reclamação, no 
 sentido de que, no mesmo “.../... não acontece, nem explicita nem 
 implicitamente…/ /...” (sic) a recusa de aplicação de uma norma com fundamento 
 na sua inconstitucionalidade, pois que, manifestamente tal acontece, 
 relativamente à norma constante do n.º 2, do art. 389.º, do CPP, com fundamento, 
 aliás explícito, e portanto, claro e inegável, na respectiva 
 inconstitucionalidade e/ou, na respectiva ilegalidade, por violação dos 
 princípios citados, o que, sendo certo que a norma em referência consta de acto 
 legislativo, também pode fundamentar a admissibilidade do recurso, ora 
 indeferido. 
 Assim sendo, parece-nos forçoso concluir que a decisão em referência não só 
 admite recurso, para o Tribunal Constitucional, nos termos das supra citadas 
 al.s a) e/ou c). do n.º 1, do art. 70.º, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, como é 
 o mesmo, aliás, para o MP, atento o prescrito no n.º 3, do art. 72º, da citada 
 Lei, até obrigatório, por a norma cuja aplicação se mostra recusada, constar de 
 acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto, conforme supra já referido). 
 Concluindo, o que o/a Mmo/a Juiz fez, no/a douto/a despacho/decisão recorrido/a, 
 ao decidir “.../..., determino a remessa dos presentes autos ao Ministério 
 Público para tramitação sob outra forma processual.” (sic), não realizando o 
 requerido pelo MP, nos termos legais e aliás, anteriormente, judicialmente 
 determinado, — tendo sido o/a arguido/a e o/ais agente/s autuante/s de tal 
 despacho notificado/a/s (cfr. fls. 7) — julgamento do/a arguido/a, em processo 
 sumário e nem sequer iniciando a audiência, cujo início, note-se, havia sido, 
 oportuna e anteriormente, judicialmente adiado, nos termos do disposto na al. 
 a), do n.º 2, do art. 387.º, do CPP, — sem cuidar aqui sequer da questão da 
 eventual violação do princípio do caso julgado formal, na medida em que se 
 pronunciou o/a Mmo/a juiz a quo, sobre questão já ultrapassada/processualmente 
 precludida e relativamente à qual se encontrava esgotado o poder jurisdicional 
 com a prolacção do anterior despacho judicial, supra citado, que procedeu ao 
 adiamento do início da audiência de julgamento em processo sumário — foi 
 manifestamente recusar a aplicação da norma constante do n.º 2, do art. 389.º, 
 do CPP, com fundamento em inconstitucionalidade e/ou na sua ilegalidade, por 
 permitir a realização do julgamento em processo sumário, nos casos em que o MP, 
 não tendo deduzido acusação, reserva para o início da audiência, a faculdade de 
 substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da 
 autoridade que tiver procedido à detenção, quando deste “…/… não consta qualquer 
 um desse elementos (dolo ou negligência,).” (sic) e “…/... não se retira a 
 indicação das disposições legais aplicáveis, a chamada qualificação jurídica dos 
 factos, /....” (sic). 
 Face ao exposto, o interposto recurso, requerendo a apreciação da 
 constitucionalidade e legalidade da norma constante do n.º 2 do art. 389º, do 
 CPP, deveria ter sido admitido (…)”.
 
  
 
 3.2.  Notificado da apresentação desta reclamação, o arguido respondeu (fls. 40 
 e ss.), preconizando o seu indeferimento, porquanto:
 
  
 
 1.º
 O Mmo/a Juiz a quo, no Despacho de fls. 11 e 12 dos autos, não se recusa aplicar 
 o nº 2 do art. 389º do C.P.P. 
 
 2.º
 Nem põe em causa a constitucionalidade desse preceito; 
 
 3.º
 Nem a sua legalidade; 
 
 4.º
 Tão-só convida o Reclamante a fixar o objecto do processo. 
 
 5.º
 Uma vez que do Auto de Notícia não consta um elemento constitutivo do crime — o 
 elemento subjectivo; 
 
 6.º
 Nem constam as disposições legais aplicáveis, ou seja, a qualificação jurídica 
 dos factos; 
 
 7.º
 Não se recusa a aplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade 
 e, portanto, 
 
 8.º
 Não haverá lugar à aplicação da al. a) do nº 1 do art. 70.º da Lei 28/82, de 
 
 15/11; 
 
 9.º
 Nem se aplicará aqui a al. c) do n.º 1 do art. 70.º da Lei 28/82, de 15/11, uma 
 vez que o Mmo/a Juiz não considera ilegal o art. 389.º do C.P.P., por hipotética 
 violação de lei com valor reforçado (a Constituição da República Portuguesa) 
 
 10.º
 O Mmo/a Juiz não invoca, nem explicita nem implicitamente, os princípios 
 constitucionais das garantias de defesa do arguido e/ou a estrutura acusatória 
 do processo penal; 
 
 11º
 Não se poderá subsumir a decisão recorrida às alíneas a) e/ou c) do n.º 1 do 
 art. 70.º da já citada Lei: 
 
 12º
 O Mmo Juiz a quo, ao decidir a remessa dos autos ao Reclamante para tramitação 
 sob outra forma processual, não está a pôr em causa o Douto Despacho do Mmo. 
 Juiz de turno; 
 
 13º
 O Mmo. Juiz a quo está apenas a aplicar o art. 311.º, n.º 3, al. d) do C.P.P. 
 que prevê um dos casos em considera manifestamente infundada (…)”.
 
  
 
  
 
 3.3.  Neste Tribunal, o representante do Ministério Público emitiu o seguinte 
 parecer:
 
  
 
 “Importa notar liminarmente que — sendo o recurso, interposto pelo Ministério 
 Público e rejeitado no Tribunal “a quo”, — exclusivamente fundado na alínea a) 
 do nº 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, apenas poderá reportar-se à recusa de 
 aplicação da norma identificada no respectivo requerimento de interposição — e 
 não a quaisquer outros preceitos legais, eventualmente aplicados no despacho 
 reclamado, já que tal implicaria a ampliação do respectivo objecto de modo a 
 incluir estes últimos, bem como a invocação, como base recursória, da alínea b) 
 daquele artigo 70.º, nº 1, o que se afigura inviável face à regra de que a 
 delimitação do objecto do recurso decorre irremediavelmente (no que se refere ao 
 seu máximo âmbito) do teor daquele requerimento. 
 A sorte da presente reclamação dependerá, deste modo, da determinação da 
 existência de uma “verdadeira” recusa de aplicação normativa, reportada ao 
 artigo 389º, nº 2, do Código de Processo Penal fundada em violação dos 
 princípios constitucionais da estrutura acusatória do processo penal e das 
 garantias de defesa. 
 Qual a interpretação normativa feita pelo juiz “a quo” de tal preceito legal? 
 A nosso ver, considerou-se ser inviável a substituição da apresentação de 
 acusação pelo Ministério Público em processo sumário pela simples leitura do 
 auto de noticia, no início da audiência, sem qualquer “aditamento”, num caso em 
 que o referido auto omitiria elementos essenciais a qualquer acusação, nos 
 planos fáctico (estruturantes do elemento subjectivo do crime imputado ao 
 arguido), da qualificação jurídica (especificação das disposições legais 
 aplicáveis) e probatório (indicação das provas que fundamentam tal imputação ao 
 arguido). 
 
 É feita, no despacho reclamado, a seguinte leitura da norma constante do artigo 
 
 389º, nº 2, do Código de Processo Penal: 
 Em processo sumário, pode o Ministério Público substituir a apresentação da 
 acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à 
 detenção, salvo se de tal auto não constarem todos os elementos — fácticos, de 
 qualificação jurídica e probatório — que obrigatoriamente — por força das 
 disposições gerais — devem constar de qualquer acusação. 
 Ou seja: não se considerou inviável, de modo genérico, a actuação processual ali 
 consentida ao Ministério Público, procedendo-se antes a uma leitura conjugada de 
 tal preceito legal com as disposições que regulam os requisitos da acusação, só 
 consentindo a “substituição” da acusação pela leitura do auto quando este 
 satisfaça minimamente tais requisitos gerais. 
 Procedeu, deste modo, o despacho recorrido a uma leitura conjugada da norma que 
 integra o objecto do presente recurso (a do artigo 389º, nº 2, do Código de 
 Processo Penal) com outras disposições que regem sobre os requisitos da acusação 
 
 (artigo 283º, nº 3, e 311.º, nº 2 e 3 do Código de Processo Penal) para concluir 
 que a possibilidade de mera leitura do auto de notícia, no início da audiência, 
 pressupõe a suficiência deste, na óptica das exigências formuladas por aqueles 
 preceitos legais. 
 Sendo duvidosa a definição da precisa “linha de fronteira” entre a verdadeira 
 
 “recusa de aplicação” normativa, enquadrável na alínea a) do nº 1 do artigo 70.º 
 da Lei do Tribunal Constitucional, e a mera interpretação de preceitos legais 
 
 “em conformidade com a Constituição” (cf., v.g., os Acórdãos n.ºs 170/85, 
 
 425/89, 137/89, 636/94 e 1020/96) afigura-se que — no caso dos autos — o juízo 
 de inaplicabilidade de certa interpretação que — a ser feito — violaria 
 determinados princípios constitucionais se não fundou “única ou primacialmente” 
 
 (para utilizar a expressão de Rui Medeiros — A Decisão de Inconstitucionalidade, 
 pg. 331 e segs) no princípio da interpretação conforme à Lei Fundamental, mas 
 não desempenhando “o apelo à Constituição (princípio do acusatório e das 
 garantias de defesa) em sede hermenêutica, uma função de apoio ou de confirmação 
 de um sentido da norma já sugerido pelos restantes elementos de interpretação” 
 
 (cf. ainda o Acórdão nº 285/02) 
 Assim, por se afigurar que o Tribunal “a quo”, no despacho recorrido, se limitou 
 a proceder a uma leitura conjugada de diversos regimes processuais penais, 
 referentes aos requisitos da acusação, articulando-os com a possibilidade de 
 mera “leitura” pelo Ministério Público do auto de notícia no início da audiência 
 em processo sumário, não será a circunstância de se considerar que a 
 imperatividade de tal aplicação conjugada dos regimes legais decorre dos 
 princípios constitucionais do acusatório e das garantias de defesa que traduz a 
 ocorrência de uma verdadeira “recusa de aplicação normativa”, enquadrável no 
 tipo recursório previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 70.º da Lei 28/82. “
 
  
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir:
 
  
 II.
 Fundamentação
 
  
 
 4.  A presente reclamação tem como objecto o despacho que não admitiu o recurso 
 de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea 
 a) do nº 1 do artigo 70º da LTC, com fundamento na não verificação de um dos 
 seus requisitos, a recusa de aplicação de norma por violação da Constituição. No 
 caso, por se ter entendido que não ocorrera desaplicação, expressa ou implícita, 
 do artigo 389º nº 2 do Código de Processo Penal.
 
  
 Em autos em tudo idênticos aos presentes, o Tribunal Constitucional decidiu 
 indeferir a reclamação (Acórdão nº 8/2008, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), com os fundamentos seguintes:
 
  
 
 «(…) resulta da leitura da decisão recorrida que o elemento primordial e 
 determinante do entendimento da inadmissibilidade, no caso, de o Ministério 
 Público “substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia 
 da autoridade que tiver procedido à detenção”, prevista no n.º 2 do artigo 389.º 
 do CPP, resultou da leitura conjugada desse preceito com as disposições dos 
 artigos 283.º, n.º 3, alíneas b) a d), e 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alíneas 
 b), c) e d), do mesmo Código, que, respectivamente, determinam que a acusação do 
 Ministério Público, sob pena de nulidade, deve conter a narração dos factos, a 
 indicação das disposições legais aplicáveis e a prova, e que o presidente do 
 tribunal, se o processo tiver sido remetido para julgamento, sem ter havido 
 instrução, deve rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada, 
 sendo tida como tal a acusação que não contenha a narração dos factos, a 
 indicação das disposições legais aplicáveis ou das provas que a fundamentam, ou 
 se os factos não constituírem crime.
 Isto é: foi com base na interpretação do direito ordinário que a decisão 
 recorrida entendeu só ser admissível a substituição da acusação pela leitura do 
 auto de notícia quando este auto contenha todos os elementos legalmente 
 exigíveis para a validade de qualquer acusação.
 A posterior referência a que violaria a estrutura acusatória do processo 
 criminal e poria em causa as garantias de defesa do arguido a realização da 
 audiência, em processo sumário, tendo por acusação apenas o que consta de um 
 auto de notícia, que não possibilitava ao arguido a conhecimento da totalidade 
 dos factos necessários ao preenchimento do tipo legal, a sua qualificação 
 jurídica e a prova, constituiu um mero argumento de conforto da justeza do 
 entendimento a que anteriormente se chegou quanto à interpretação tida por 
 correcta, ao nível da interpretação do direito ordinário aplicável, da 
 possibilidade de substituição da acusação pelo Ministério Público pela leitura 
 do auto de notícia.
 Só existiria recusa de aplicação de norma com fundamento em 
 inconstitucionalidade se o tribunal tivesse interpretado o artigo 389.º, n.º 2, 
 do CPP no sentido de permitir essa substituição mesmo quando o auto de notícia 
 não contivesse os elementos exigidos para a validade da acusação, e, depois, 
 sustentasse que, assim interpretada, tal norma violaria princípios 
 constitucionais. Mas não foi esse, como se evidenciou, o caminho seguido pela 
 decisão recorrida.
 Não encerrando esta, sequer implicitamente, uma recusa de aplicação de norma com 
 fundamento em inconstitucionalidade, o presente recurso surge como inadmissível, 
 sendo de todo irrelevante, para o efeito, a menção a eventual violação de caso 
 julgado».
 
  
 Também no Acórdão n.º 48/2008 o Tribunal tomou idêntica posição, jurisprudência 
 a que se adere no caso presente, razão pela qual se decide indeferir a 
 reclamação formulada.
 
  
 III. Decisão
 
 5.  Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
 
             Sem custas.
 Lisboa, 12 de Fevereiro de 2008
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Gil Galvão