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Processo n.º 1077/07 
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 A fls. 2127 foi preferida a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
 
  
 A REN - Rede Eléctrica Nacional pretende, ao abrigo do disposto na alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), impugnar no 
 Tribunal Constitucional o acórdão de 18 de Setembro de 2007 da 1ª Secção do 
 Supremo Tribunal Administrativo, pelo qual não foi admitido, com fundamento no 
 artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o recurso 
 interposto pela recorrente do acórdão proferido em 11 de Julho de 2007 no 
 Tribunal Central Administrativo Sul que concedeu provimento ao recurso 
 jurisdicional interposto pela Freguesia de Monte Abraão, revogou a sentença 
 emitida em 16 de Março de 2007 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, e 
 ordenou a suspensão de eficácia do despacho do Director-Geral de Geologia e 
 Energia que deferira o pedido de licenciamento do projecto 'Linha 
 Fanhões-Trajouce,  a 220 kv, no troço compreendido entre o apoio n.º 46 e a 
 subestação de Trajouce'.
 Sustenta que o aludido artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais 
 Administrativos, entendido num sentido que não permita 'discutir no quadro do 
 recurso de revista uma questão de direito que tenha como pressuposto necessário 
 matéria de facto não aceite no acórdão recorrido' – tal como terá sido 
 interpretado e aplicado na decisão recorrida – comprime intoleravelmente o 
 direito a uma tutela jurisdicional efectiva, violando por isso o n.º 1 do artigo 
 
 20º e o n.º 4 do artigo 268º, ambos da Constituição.
 Ora, independentemente de saber se ocorrem no caso os requisitos que condicionam 
 a admissibilidade do recurso, o certo é que, assim colocada, a questão comporta 
 uma solução 'simples' (cfr. n.º 1 do artigo 78-A da LTC), por já ter sido 
 repetidamente objecto de decisões anteriores do Tribunal.
 Com efeito, a solução do problema que é concretamente aqui equacionado passa por 
 se saber se a Constituição impõe (designadamente através dos seus artigos 20º 
 n.º 1 e 268º  n.º 4) que a recorrente beneficie de dois graus de recurso 
 jurisdicional, discutindo a causa de que é parte em três instâncias.
 Todavia, conforme tem sido entendimento firme e constante deste Tribunal, a 
 Constituição não impõe que o legislador ordinário garanta sempre aos 
 interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus 
 direitos.
 No Acórdão nº 149/99, de 9 de Março (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) disse-se:
 
  
 
 «De resto e já em termos gerais, na interpretação do disposto no artigo 20º, nº 
 
 1 da C.R.P., o Tribunal Constitucional vem reiteradamente entendendo que a 
 Constituição não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais, 
 afora aquelas de natureza criminal condenatória e, aqui, por força do artigo 
 
 32º, nº 1 da Lei Fundamental (cfr., por todos, Acórdão nº 673/95 in DR, II 
 Série, de 20/3/96); e no mesmo sentido aponta a maioria da doutrina (cfr. 
 Ribeiro Mendes “Direito Processual Civil” AAFDL, vol. III pp. 124 e 125 e Vieira 
 de Andrade “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976” pp. 332 
 e 333)».
 
  
 
  E, entre muitos outros, no Acórdão nº 431/02 de 22 de Outubro de 2002, 
 disponível no mesmo sitio, reitera-se: 
 
  
 
 'De facto, é jurisprudência firme deste Tribunal que a Constituição, maxime, o 
 direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta 
 sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa 
 dos seus direitos, destacando-se os Pareceres da Comissão Constitucional nºs. 
 
 8/78 (5º vol.) e 9/82 (19º vol.) e o Acórdão nº 65/88, de 23 de Março, in 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 653 a 670.' 
 
  
 Em suma, uma vez que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador 
 ordinário que garanta aos interessados o acesso a três diferentes graus de 
 jurisdição para defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, 
 antes lhe assiste uma ampla margem de liberdade na conformação do direito ao 
 recurso, importa, reafirmando a jurisprudência acima referida, concluir pela não 
 inconstitucionalidade da norma sindicada.
 
 É, por isso, possível desde já adoptar o julgamento de que o artigo 150º do 
 Código de Processo nos Tribunais Administrativos, entendido no sentido que não 
 admitir o recurso 'excepcional' de revista para análise de questões de direito 
 que apresentem 'como pressuposto necessário matéria de facto não aceite no 
 acórdão recorrido', não ofende a Constituição. 
 Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, julga-se, 
 sumariamente, o recurso improcedente.
 
  
 
  
 Inconformada, a recorrente reclama desta decisão, dizendo:
 
  
 
  
 
 1.º A decisão sumária ora reclamada é nula. 
 
 2.º O artigo 668º/1 d) do CPC, aplicável ex vi do artigo 67º da LTC determina 
 que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que 
 devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. 
 
 3.º A alínea c) do mesmo artigo 668.º/1 do CPC tem por nula a sentença em que a 
 decisão colida com os fundamentos em que se baseia. 
 
 4.º O Venerando Juiz Conselheiro Relator não podia tomar conhecimento de um 
 problema que não foi colocado pela recorrente: “saber se a Constituição impõe 
 
 (designadamente através dos seus artigos 20º n.º 1 e 268º n.º 4) que a 
 recorrente beneficie de dois graus de recurso jurisdicional, discutindo a causa 
 de que é parte em três instâncias” (cf. fls. 2 da douta decisão sumária ora 
 reclamada). 
 
 5.º E deixou por conhecer a questão que lhe foi colocada que era a de saber, 
 como de resto se regista na parte introdutória da douta decisão sob censura, se 
 
 “o artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, entendido 
 num sentido que não permita «discutir no quadro do recurso de revista uma 
 questão de direito que tenha como pressuposto necessário matéria de facto não 
 aceite no acórdão recorrido» — tal como terá sido interpretado e aplicado na 
 decisão recorrida — comprime intoleravelmente o direito a uma tutela 
 jurisdicional efectiva, violando por isso o n.º 1 do artigo 20.º e n.º 4 do 
 artigo 268.º, ambos da Constituição” (Cf. fls. 1 da douta decisão sumária). 
 
 6º Acresce que, tendo-se sustentado a decisão na jurisprudência (pacífica, de 
 resto) de que o direito de recurso não exige, à luz da Constituição, a 
 existência de três instâncias jurisdicionais, concluiu algo que manifestamente 
 não tem que ver com essa premissa, isto é, decidiu “adoptar o julgamento de que 
 o artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, entendido no 
 sentido que não admitir o recurso «excepcional» de revista para análise de 
 questões de direito que apresentem «como pressuposto necessário matéria de facto 
 não aceite no acórdão recorrido» não ofende a Constituição” 
 A questão que a decisão ilegalmente conheceu
 
 7º Considerou o Venerando Juiz Conselheiro Relator que a questão era “simples” 
 porque recondutível à jurisprudência estável deste Tribunal Constitucional no 
 sentido de que não é condição de cumprimento do princípio invocado pela 
 recorrente a existência de três instâncias. 
 
 8º Nessa base, considerou que tal questão, por ser “simples” e se poder apoiar 
 em jurisprudência firme e constante do Tribunal, admitia, à luz do artigo 
 
 78º-A/1 da LTC, a decisão sumária que foi prolactada. 
 
 9º Porém, basta ler os termos da petição de recurso e a resposta da aqui 
 reclamante ao douto despacho prolactado nestes autos pelo Ilustre Conselheiro 
 Relator em 26 de Novembro de 2007, para imediatamente se perceber que não foi 
 este o fundamento da impugnação da decisão do STA. 
 
 10.º Nem o poderia ter sido na medida em que a existência de uma terceira 
 instância não é algo que a recorrente reivindique por apelo à Constituição; é, 
 neste caso, uma realidade inequivocamente consagrada na lei! 
 
 11.º Na verdade, o artigo 150º do CPTA prevê expressamente a existência de uma 
 segunda instância de recurso, ainda que restrito e excepcional, pelo que não 
 poderia a ora reclamante solicitar a este Colendo Tribunal que sob a luz da 
 Constituição achasse na lei aquilo que a lei expressamente consagra! 
 
 12.º Não se questionou por isso, ao invés do que se extrai da douta decisão ora 
 censurada, que o STA julgou em desconformidade com a Constituição porque 
 entendeu que a Constituição “não consagra um direito geral de recurso das 
 decisões judiciais” e nessa medida — ressalvado o devido respeito, que é muito — 
 carece de sentido a chamada à colação o Acórdão nº 149/99, de 9 de Março para 
 motivação da decisão sob censura. 
 
 13.º Como também não se pediu a este Venerando Tribunal que contrariasse o 
 entendimento, por ser desconforme com o princípio que se desprende v.g. dos 
 artigos 200/1 e 2680/4 da Constituição, segundo o qual “o direito de acesso aos 
 tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados 
 o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos”, pelo 
 que exorbita do objecto do presente recurso, e conduz a uma conclusão 
 jurisdicional nula a invocação da doutrina do Acórdão no 431/02, de 22 de 
 Outubro. 
 
 14.º Ora, como decorre do disposto no artigo 660.º/2 do CPC, e constitui 
 princípio aplicável a todos os processos, são os termos e fundamentos do recurso 
 que delimitam objectivamente o thema decidendum, não podendo o julgador 
 
 “ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes”, salvo no caso de a lei 
 permitir ou obrigar ao conhecimento oficioso de outras questões. 
 A questão que o Tribunal ilegalmente deixou por conhecer
 
 15.º A aqui reclamante, não se conformando com o douto acórdão do Tribunal 
 Central Administrativo Sul que revogou a decisão de 1.ª instância que houvera 
 recusado uma providência cautelar no sentido de suspender os efeitos de acto de 
 licenciamento de uma linha de transporte de electricidade em muito alta tensão, 
 adoptando providência de efeito equivalente, dele interpôs recurso de revista ao 
 abrigo do artigo 150.º do CPTA. 
 
 16.º Nesse recurso, consciente do carácter excepcional da intervenção do STA, a 
 ora reclamante alegou e procurou comprovar a verificação dos critérios de que a 
 lei faz depender a sua admissão. 
 
 17.º Compulsando os autos do recurso de revista, imediatamente se percebe que a 
 REN, face ao impacto que o decretado desligamento da linha, ainda que 
 provisório, poderia vir a ter nas famílias, nas empresas, nas instituições de 
 interesse geral primário (como são hospitais, centros de saúde, transportes 
 públicos de massas movidos a electricidade, sedes de instituições públicas...) 
 de uma zona vastamente povoada como o é a área ocidental da Grande Lisboa 
 
 (abrangendo parte da Cidade de Lisboa e os Concelhos de Oeiras, Sintra e 
 Cascais), tornava a questão trazida ao conhecimento do STA por esta via, numa 
 questão que pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância 
 fundamental (Cf. 1500/1 do CPTA). 
 
 18.º A Ilustre formação de julgamento do STA, constituída nos termos e para os 
 efeitos do artigo 150º/5 do CPTA, decidiu-se pela não admissão do recurso, por 
 entender, em essência, que “se não pode discutir no quadro do recurso de revista 
 uma questão de direito que tenha pressuposto necessário matéria de facto não 
 aceite no acórdão recorrido” (Cf. Ac. de 18 de Setembro do STA, proferido n.º 
 
 718/07-11, a fls...). 
 
 19.º Entendimento que renovou na decisão que recaiu sobre a Reclamação para a 
 Conferência deduzida pela aqui reclamante contra aquele acórdão, proferida em 25 
 de Outubro, a fls. … do Pº 718/07-11. 
 
 20.º Ora, foi esta dimensão normativa dada pela Ilustre Formação de Julgamento 
 do STA ao artigo 150.º/1 do CPTA, rectius aos critérios de que a lei faz 
 depender a admissão do recurso excepcional de revista, que a reclamante REN 
 considerou, e continua convictamente a considerar desconforme com princípio 
 basilar da nossa ordem jurídica, consagrado nos artigos 20.º/1 e 268.º/4 da Lei 
 Fundamental. 
 
 21.º É que, como se alegou perante o STA para demonstrar o erro de julgamento e 
 a infracção ao princípio da tutela jurisdicional efectiva em que a sua decisão 
 incorre, para além de serem muito poucas as situações em que a boa aplicação de 
 lei substantiva não obrigue o Julgador a olhar para as concretas circunstâncias 
 de facto de modo a verificar a sua inclusão no Tatbestand da norma — pois é 
 nisso que consistem as operações intelectuais de interpretação e aplicação do 
 Direito —, um dos pressupostos da admissibilidade do recurso de revista apela 
 claramente ao conhecimento pelo STA de matéria de facto — quando em causa esteja 
 questão de importância fundamental de relevância social. 
 
 22.º Alegou-se ainda que, face à lei interpretada à luz dos princípios da tutela 
 jurisdicional efectiva e pro accione, não é pensável aquilatar da 
 fundamentalidade e da essencialidade de uma “questão social” sem descer ao plano 
 dos factos, sem verificar os impactos que o julgado nas instâncias tem na 
 sociedade. 
 
 23.º E recordou-se aí o sábio ensinamento do Professor Antunes Varela sobre esta 
 matéria, palavras que se ajustam ao propósito de demonstrar a desconformidade da 
 decisão baseada na premissa em que se baseou: 
 
 “Há que distinguir nesses juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de 
 facto) entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples 
 critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum e 
 aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelam essencialmente para a 
 sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. 
 
 
 Os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto e a última 
 palavra acerca deles, por isso mesmo, deve caber à Relação. Os segundos estão 
 mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei 
 e, por isso, o Supremo pode e deve, como tribunal de revista, controlar a sua 
 aplicação” (Destacado nosso. Cfr. Anotação ao Acórdão do STJ de 8 de Outubro de 
 
 1984, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122.º, n.º 3784, p. 220). 
 
 24.º Tudo para concluir que a correcta interpretação do artigo 150.º/1, aferida 
 
 à luz da Constituição, deveria levar os Venerandos Conselheiros do STA a 
 julgarem que a qualificação da questão como de importância fundamental e de 
 essencial relevância social, é inquestionavelmente uma questão de direito, ainda 
 que implique aferir da ponderação dos factos realizada (ou omitida) pelo 
 Tribunal Central Administrativo, chamando à colação acórdãos daquele tribunal 
 superior em que esse julgamento foi assim feito. 
 
 25.º Já na petição de recurso por inconstitucionalidade a aqui reclamante 
 desenvolveu a argumentação visando demonstrar a violação, pela decisão 
 confirmada pelo acórdão que pôs termo à reclamação para a conferência, do 
 princípio ínsito nos artigos 20º/1 e 268º/4 da Constituição. 
 
 26º Com efeito, nesse requerimento alegou-se e concluiu-se em síntese o 
 seguinte: 
 
 “(A) A fiscalização concreta da constitucionalidade da interpretação feita pela 
 Ilustre Formação do STA que proferiu a decisão de rejeitar o recurso de revista 
 
 é meio indispensável para salvaguardar a inviolabilidade, no caso concreto, dos 
 artigos 20.º e 268.º n.º 4 da Constituição. 
 
 (B) O presente recurso da inconstitucionalidade é ainda o único meio processual 
 para, atenta a importância fundamental das questões que motivam o recurso de 
 revista, sindicar a legalidade e constitucionalidade do acórdão do TCA Sul que, 
 ao revogar a decisão da 1. instância, determinou a suspensão da eficácia de 
 decisão que licenciou à aqui recorrente uma linha de transporte em muito alta 
 tensão de energia eléctrica, essencial para garantir a segurança e continuidade 
 do abastecimento da electricidade a uma parte da região de Lisboa. 
 
 (C) Ao entender que o recurso de revista apelava ao julgamento de matéria de 
 facto, considerando vedado ao STA esse julgamento no recurso de revista, a douta 
 decisão recorrida ofende o principio da tutela jurisdicional efectiva consagrado 
 nos artigos 20.º n.º 1 e 268.º n.º 4 da Constituição por reduzir 
 intoleravelmente face a este princípio o alcance do artigo 150.º n.º 1 do CPTA. 
 
 (D) A recorrente e ora requerente sustenta o presente recurso no artigo 70.º n.º 
 
 1 al. a) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro e o presente requerimento preenche 
 os demais requisitos de admissibilidade previstos no artigo 75.º -A da mesma 
 lei. 
 
 (E) A recorrente e ora requerente suscitou expressamente a questão da 
 inconstitucionalidade na Reclamação para a Conferência que deduziu da decisão de 
 rejeição, em sede de análise preliminar, do recurso de revista. 
 
 (F) Para o caso — improvável mas que aqui se hipotisa por cautela de patrocínio 
 
 — de se ver rejeitada a Reclamação para a Conferência, deve considerar-se 
 oportuna a alegação de inconstitucionalidade feita no presente requerimento por 
 ser logicamente impossível à recorrente invocar, com anterioridade, a 
 desconformidade da interpretação e aplicação do artigo 150.º n.º 1 do CPTA com 
 os citados princípio e normas da Constituição, vez que a decisão ora impugnada 
 tem o carácter de uma decisão-surpresa, encontrando-se outrossim esgotado o 
 poder jurisdicional no âmbito da jurisdição administrativa” (a fls. ...). 
 
 27.º Pese embora o facto de o STA ter sustentado as suas decisões, admitiu o 
 presente recurso de inconstitucionalidade, fazendo-o subir a este Venerando 
 Tribunal Constitucional. 
 
 28.º Nesta instância, teve a ora reclamante oportunidade de voltar a colocar a 
 questão da inconstitucionalidade nos precisos termos que motivam o presente 
 recurso, desta feita em resposta ao despacho do Ex.mo Juiz Conselheiro Relator 
 que, por despacho de 26 de Novembro p.p. prolactado ao abrigo do artigo 75-A/5 
 do LTC, convidou a REN a “enunciar o exacto sentido da interpretação normativa 
 cuja conformidade constitucionalidade pretende questionar, indicando a peça 
 processual em que suscitou a questão da inconstitucionalidade” (a fls. ...). 
 
 29.º Assim, em resposta, a aqui reclamante esclareceu que: 
 
 (i) A Ilustre Formação de Julgamento do STA que decidiu rejeitar o recurso de 
 revista fundou esta decisão com base num pretenso axioma, assente na 
 interpretação do artigo 150.º/1 do CPTA, segundo a qual “não se pode discutir no 
 quadro do recurso de revista uma questão de direito que tenha como pressuposto 
 necessário matéria de facto não aceite no acórdão recorrido”. 
 
 (ii) É esta dimensão dada à norma do artigo 150.º/1 do CPTA que se considera não 
 tolerável pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva, coevo do princípio do 
 Estado de Direito, e expressamente consagrado pelas normas do n.º 4 do artigo 
 
 268.º e n.º 1 do artigo 20.º da Lei Fundamental. 
 
 30.º A despeito de sempre ter sido esta a questão da inconstitucionalidade 
 colocada nos autos e reiterada na resposta ao despacho do Venerando Conselheiro 
 Relator, a decisão sumária de que ora se reclama para a Conferência não lhe 
 corresponde, dando resposta a questão distinta como é a de saber se vigora ou 
 não obrigação constitucional de existência, em geral, de três instâncias de 
 apreciação jurisdicional. 
 
 31.º Certo é que, a REN, ainda que consciente da excepcionalidade do recurso de 
 revista, não pode aceitar que a interpretação feita na decisão recorrida dos 
 conceitos abertos do artigo 150.º/1 do CPTA que funcionam como critérios de 
 admissão das decisões de 2.ª instância se conformem com o princípio afirmado 
 pelos artigos 20.º/1 e 268.º/4 da Lei Fundamental. 
 
 32.º Aí se afirma o princípio pro accione que deve orientar o legislador, mas 
 também o Julgador na integração e aplicação ao caso concreto de conceitos 
 indeterminados como são os que constam do artigo 150.º/1 do CTPA. 
 
 33.º Apesar de o direito de acesso aos tribunais e à justiça implicar clareza e 
 certeza no modo da sua efectiva concretização legal (Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 6.ª ed., 2002, p. 493) não se 
 questiona a constitucionalidade da utilização pelo legislador desses conceitos 
 abertos que fazem apelo a discricionariedade prudente do Julgador, com a 
 garantia de o Julgador ser aqui um Colectivo constituído por Juízes Conselheiros 
 experientes e sabedores de acordo com o n.º 5 do artigo 150.º do CPTA. 
 
 34.º Mas a constitucionalidade in concreto só será assegurada se o preenchimento 
 desses conceitos for feita com respeito pelos princípios da proporcionalidade 
 
 (Cf. Miguel Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Coimbra, 
 
 2007, pp. 233 e ss), e pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva. 
 
 35.º Em especial este último princípio implica, tal como se alegou, que na 
 aplicação dos critérios de admissão do recurso de revista não prevaleça uma 
 formulação que contrarie a dimensão constitucional do direito de acesso à 
 justiça. 
 
 36.º Ora, julgar-se que o artigo 150.º/1 do CPTA veda ao STA o conhecimento de 
 matéria de facto não é, como se pretende, concretizar a excepcionalidade deste 
 tipo de recurso; é reduzir a intensidade do direito que o artigo 150.º/1 
 consagra de sindicar as decisões de 2 instância quando em causa estejam questões 
 fundamentais decorrentes da sua relevância jurídica ou social. 
 
 37.º Para a ora reclamante, a questão da justa ponderação de interesses 
 presentes na providência cautelar é, em si mesma, uma questão de relevância 
 jurídica evidente e quase intuitiva porquanto essa ponderação mais não é do que 
 o cumprimento do princípio da proporcionalidade nas suas diferentes vertentes. 
 
 38.º Mas mesmo que assim não se entendesse, é evidente que a questão tem na sua 
 base algo cuja relevância social é manifesta, para não dizer, pública e notória: 
 as implicações na sociedade (nas famílias, nas empresas, nas instituições, no 
 funcionamento da economia, na qualidade de vida das pessoas) do desligamento de 
 uma linha que transporta energia eléctrica, em sede de acção cautelar. 
 
 39.º Se uma questão deste jaez e com estas potenciais implicações não tem 
 relevância social para os efeitos do artigo 150.º/1 do CPTA, dificilmente se 
 adivinha qual é a questão que a possa ter... 
 
 40.º Porque, pela natureza das coisas, aquilatar da importância fundamental pela 
 relevância social de uma questão, obriga necessariamente a sindicar a ponderação 
 que dos factos foi feita na instância recorrida. 
 
 41.º Sob pena de se anular parte do alcance e utilidade do instituto consagrado 
 no artigo 150º/1 do CPTA. 
 
 42.º Ora, é esta dimensão normativa, restritiva do alcance da revista, que se 
 entende manifestamente contrária aos princípios que se extraem dos invocados 
 artigos da Lei Fundamental. 
 
 43.º Como escreve Miguel Crespo num notável trabalho monográfico sobre este meio 
 de impugnação “a efectividade da tutela jurisdicional traduz-se numa 
 materialidade da garantia de que emana uma prevalência da justiça material sobre 
 a formal apresentando dois âmbitos diversos de aplicação: em primeiro lugar 
 dirige-se ao legislador processual, com a capacidade de cominar com 
 inconstitucionalidade as normas que, por exemplo, comportassem limitações 
 desproporcionadas aos poderes de cognição do tribunal; depois, num outro 
 patamar, essa garantia foi consubstanciada como uma “directiva constitucional 
 sobre o juiz” por via da imposição de uma interpretação das normas jurídicas 
 processuais preferentes à pronúncia de uma decisão de mérito” (Cf. O Recurso de 
 Revista no Contencioso Administrativo, Coimbra, 2007, p. 240). 
 
 44.º Ora, foi neste âmbito que a questão da constitucionalidade da decisão do 
 STA foi colocada e tem de ser neste âmbito que a mesma deve ser julgada por este 
 Venerando Tribunal, como o não foi na decisão sumária de que ora se reclama. 
 Da contradição entre os fundamentos e a decisão
 
 45.º Ao que antecede, acresce que a conclusão a que se chegou na decisão sumária 
 ora reclamada não é coerente com as premissas de que partiu. 
 
 46º Partiu-se da premissa de que a decisão era “simples” porque correspondia a 
 saber se sim ou se não, o direito de acesso aos tribunais exige a existência de 
 uma tripla instância de conhecimento jurisdicional. 
 
 47.º E chegou-se à conclusão que nada tem que ver com aquele ponto de partida — 
 e cita-se com a devida vénia — segundo a qual “o artigo 150º do Código de 
 Processo nos Tribunais Administrativos, entendido no sentido de não admitir o 
 recurso “excepcional” de revista para análise de questões de direito que 
 apresentem “como pressuposto necessário matéria de facto não aceite no acórdão 
 recorrido” não ofende a Constituição” (fls. 3 da douta decisão aqui reclamada). 
 
 48.º A sentença — toda a sentença — tem de consubstanciar um silogismo lógico, e 
 
 é por isso que o artigo 668º/1 c) do CPC comina de nulidade aquelas em que, como 
 no presente caso, os fundamentos estejam em contradição com as conclusões. 
 Termos em que, e nos demais de Direito que resultem do muito douto e sábio 
 suprimento de V.Ex.as Venerandos Conselheiros, se deve conceder provimento à 
 presente reclamação, julgando nula a decisão sumária de 13 de Dezembro de 2007, 
 substituindo-a por outra que conceda provimento ao recurso de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
  
 A recorrida respondeu, entendendo que deverá manter-se a decisão reclamada.
 
  
 
 2.         Cumpre decidir.
 
  
 Recorde-se que o recurso interposto pela reclamante tem natureza puramente 
 normativa, pelo que não é possível, através dele, sindicar directamente a 
 decisão recorrida ou os juízos jurisdicionais nela contidos.
 A questão colocada ao Tribunal deverá, por isso, traduzir-se na acusação de 
 inconstitucionalidade de norma efectivamente aplicada como ratio decidendi na 
 decisão recorrida, o que implica, desde logo, que haja um nexo de identidade 
 formal entre a determinação legal e a norma que dela é retirada e definida pelo 
 recorrente como objecto do seu recurso.
 
  
 Ora, salta à vista que ao enunciar como norma pretensamente retirada do artigo 
 
 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 'um sentido que não 
 permita discutir no quadro do recurso de revista uma questão de direito que 
 tenha como pressuposto necessário matéria de facto não aceite no acórdão 
 recorrido', a reclamante está a pretender questionar outra realidade, que não 
 uma regra jurídica contida no aludido preceito que, literalmente, afirma o 
 seguinte:
 
  
 Artigo 150º
 Recurso de revista
 
 1 — Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central 
 Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal 
 Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua 
 relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a 
 admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do 
 direito.
 
 2 — A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou 
 processual.
 
 3 — Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista 
 aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
 
 4 — O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa 
 não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa 
 de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a 
 força de determinado meio de prova.
 
 5 — A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os 
 pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser 
 objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo da formação de três juízes à 
 qual caiba o julgamento da revista. 
 
  
 
  
 Com efeito, a reclamação vem relaçar que a reclamante pretende, essencialmente, 
 contestar a solução que o Supremo Tribunal Administrativo adoptou no âmbito do 
 recurso previsto pela norma, ao julgar que o regime do recurso previsto no 
 aludido artigo 150º não permite discutir no quadro do recurso de revista uma 
 questão de direito que tenha como pressuposto necessário matéria de facto não 
 aceite no acórdão recorrido. Ou seja: aquilo a que a reclamante erradamente 
 chama 'dimensão normativa' adoptada pelo Tribunal recorrido é, e sem sombra de 
 dúvida, a própria decisão recorrida, que, no entender da interessada, padece de 
 
 'erro de julgamento' por infringir o 'princípio da tutela jurisdicional 
 efectiva'. E acrescenta: 'face à lei interpretada à luz dos princípios da tutela 
 jurisdicional efectiva e pro accione, não é pensável aquilatar da 
 fundamentalidade e da essencialidade de uma “questão social” sem descer ao plano 
 dos factos, sem verificar os impactos que o julgado nas instâncias tem na 
 sociedade', razão pela qual alega que 'a correcta interpretação do artigo 
 
 150.º/1, aferida à luz da Constituição, deveria levar os Venerandos Conselheiros 
 do STA a julgarem que a qualificação da questão como de importância fundamental 
 e de essencial relevância social, é inquestionavelmente uma questão de direito, 
 ainda que implique aferir da ponderação dos factos realizada (ou omitida) pelo 
 Tribunal Central Administrativo, chamando à colação acórdãos daquele tribunal 
 superior em que esse julgamento foi assim feito.'
 
  
 Ora, ciente de que não é possível ao Tribunal, no âmbito do recurso previsto na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, sindicar o julgamento do tribunal 
 recorrido, apurando se ele é de molde a infringir a Constituição, a decisão 
 sumária em análise entendeu desvalorizar essa pretensão claramente proibida pela 
 citada disposição legal, procurando todavia descortinar um possível entendimento 
 normativo, condizente – por manifesta deficiência de enunciação de qualquer 
 outra com igual natureza – com o sentido literal da norma. Também por isso se 
 afirmou, no exercício de uma prática pouco inclinada a tentar demonstrar aquilo 
 que é óbvio, que 'independentemente de saber se ocorrem no caso os requisitos 
 que condicionam a admissibilidade do recurso, o certo é que, assim colocada, a 
 questão comporta uma solução 'simples' (cfr. n.º 1 do artigo 78º-A da LTC), por 
 já ter sido repetidamente objecto de decisões anteriores do Tribunal'. Com 
 efeito, a discussão do problema numa base puramente normativa sempre passaria 
 
 'por se saber se a Constituição impõe (designadamente através dos seus artigos 
 
 20º n.º 1 e 268º  n.º 4) que a recorrente beneficie de dois graus de recurso 
 jurisdicional, discutindo a causa de que é parte em três instâncias', solução 
 repetidamente afastada pelo Tribunal.
 
 É, por isso, inexistente o vício apontado à decisão sumária. 
 
  
 
 3.         Decide-se, por isso, indeferir a reclamação.
 Custas pela reclamante, fixando a taxa de justiça em 25 UC.
 
 
 Lisboa, 31 de Janeiro de 2008
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Gil Galvão