 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 240/2007
 Plenário
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A., Ld.ª, instaurou no Tribunal Cível do Porto acção declarativa de 
 condenação, sob a forma de processo sumário, contra B., Ld.ª, pedindo que a ré 
 fosse “condenada a pagar à autora a quantia de 14.000,00 euros, acrescida de 
 juros, à taxa de 9,25%, desde a citação, e no mais legal”. 
 Por despacho de 13 de Dezembro de 2006, a 1.ª Secção do 3.º Juízo Cível do Porto 
 decidiu que “a presente acção declarativa passa a seguir os termos do processo 
 comum sumário, em conformidade com a indicação feita pela autora na petição 
 inicial e o disposto nos arts. 462.º e 783.º e segs. do CPC, devendo submeter-se 
 os autos a nova distribuição, agora sob a 2.ª espécie, dando-se baixa da 
 anterior (cfr. arts. 220.º, a), 221.º e 222.º, todos do CPC).”
 Para assim concluir, a decisão recorrida recusou “a aplicação do artigo único da 
 Portaria n.º 955/2006, de 13 de Setembro, assim como a norma correspondente ao 
 art. 21.º do DL n.º 108/2006, de 08/06, na interpretação de que constitui 
 autorização suficiente para implementação da medida acolhida pelo Ministro da 
 Justiça através da dita Portaria, por se considerar que ambas as normas violam o 
 princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP e, consequentemente, não 
 aplicar a esta acção o regime processual civil experimental aprovado pelo cit. 
 Decreto-Lei.”
 Nos termos da respectiva fundamentação, “a questão que necessariamente se impõe 
 
 é a de saber se há ou não razões juridicamente válidas que justifiquem a 
 imposição e, simultaneamente, limitação da aplicação a um tão escasso número de 
 tribunais com competência cível, o mesmo é dizer, em função das regras da 
 competência territorial previstas nos artigos 73.º, 74.º, 76.º, 85.º a 87.º e 
 
 89.º, todos do CPC, a um tão escasso número de cidadãos e empresas de um Estado 
 de Direito democrático como é a República Portuguesa (art. 2.º da CRP).” O 
 tribunal a quo confessa a sua “total perplexidade perante o elenco e natureza 
 dos argumentos utilizados para fundamentar a desigualdade de tratamento de 
 cidadãos e empresas no plano do exercício de direitos e interesses subjectivos 
 através do recurso aos tribunais. Julgamos mesmo que tais argumentos, assentes 
 em meras considerações de natureza abstracta, vaga e imprecisa, estão muito 
 longe de constituir justificação objectiva e racional para o que quer que seja.” 
 
 “Antes de mais, temos por historicamente adquirida a ideia de que a mera 
 localização territorial das causas, que por sua vez é consequência da 
 localização das pessoas, das coisas ou dos interesses considerados relevantes, 
 não poderá nunca constituir critério legítimo, ao menos num Estado de Direito 
 Democrático e Unitário, para fundamentar a aplicação de diferentes formas de 
 processo ao mesmo tipo de causas, o mesmo é dizer de diferentes conjuntos de 
 actos estruturados, fundados em concepções diversas quanto aos meios mais 
 adequados para alcançar a justa composição jurisdicional de conflitos de 
 interesses de igual natureza.” Pelo que questiona: “Na verdade, como poderá 
 entender-se que uma acção de despejo, pelo simples facto de ter por objecto um 
 imóvel situado no Porto, assuma necessariamente tramitação diversa da assumida 
 por uma acção de despejo que tenha por objecto um imóvel situado em Vila Nova de 
 Gaia, ou Vila Velha de Ródão, ou Vila Flor?!”
 O tribunal a quo acrescenta: “Mas, mesmo à luz dos critérios de selecção 
 alinhados na portaria em análise, a eleição dos quatro únicos referidos 
 tribunais com competência para aplicação obrigatória do RPCE não pode deixar de 
 merecer a qualificação de acto destituído de justificação racional e objectiva 
 e, por isso, arbitrário.” E mais adiante na fundamentação questiona: “À luz dos 
 critérios tidos pela portaria como legítimos para justificar a diferença de 
 tratamento de cidadãos e empresas no processo de obtenção de resolução de um 
 litígio de interesses particulares através dos tribunais, como compreender 
 racionalmente que 
 na área metropolitana do Porto apenas os juízos cíveis e os juízos de pequena 
 instância cível reúnam os requisitos indispensáveis ao merecimento da aplicação 
 do novo regime processual?” “E que dizer, no que respeita à área metropolitana 
 de Lisboa, quando se considera que apenas os juízos cíveis de Almada e Seixal 
 merecem ter papel activo em tão maravilhosa experiência legislativa dos tempos 
 modernos?!” 
 Ainda segundo a decisão recorrida, “está bom de ver que o carácter experimental 
 do regime em causa não tem qualquer virtualidade para fundamentar objectiva e 
 racionalmente uma resposta positiva à questão enunciada em III).” “Na verdade, o 
 regime em causa não é nem mais nem menos experimental do que qualquer outro 
 regime, no sentido de que enquanto vigorar no ordenamento jurídico nacional, 
 produzirá inevitavelmente efeitos jurídicos concretos, afectando, 
 consequentemente, o equilíbrio das relações jurídicas de toda a comunidade. Como 
 qualquer outro regime legal em vigor, estará inevitavelmente sujeito a 
 permanente juízo de avaliação de conformidade político-legislativa, podendo ser 
 objecto de revisão ou revogação a todo o tempo por órgão constitucionalmente 
 competente para o efeito.” “A originalidade da experimentação está, afinal, tão 
 só, no facto de se aplicar apenas a algumas causas em tribunal, deixando de fora 
 causas do mesmo tipo.” “Assim sendo, é o próprio carácter experimental do novo 
 regime, na definição que ele mesmo apresenta, que se assume como razão de ser da 
 desigualdade de tratamento materialmente infundada que vimos evidenciando. 
 Dizendo de outro modo, fundamentar a discriminação de tratamento no seu carácter 
 experimental significa qualificar tal experiência como discriminatória e, por 
 isso, intolerável.” “Aplicar ao caso dos autos o RPCE, ou o regime do processo 
 sumário previsto no CPC (aplicável a iguais causas nas demais comarcas do país, 
 com excepção das comarcas de Almada e Seixal), não será com certeza indiferente 
 
 à solução do mesmo (ou não estivéssemos, nas palavras do próprio legislador, 
 perante «uma alteração de vulto num domínio sensível».” 
 
  
 
 2.  Deste despacho interpôs recurso o Ministério Público, ao abrigo do disposto 
 no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 
 
 28/82), “para apreciação da declarada inconstitucionalidade do artigo único da 
 Portaria n.º 955/2006, de 13 de Setembro, e a norma correspondente ao art. 21.º 
 do Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho”.
 Neste Tribunal, o Ministério Público apresentou as suas alegações, 
 concluindo:
 
  
 
 1º
 As normas constantes do artigo 21º do Decreto Lei n° 108/2006, de 8 de Junho, e 
 do artigo único da Portaria n° 955/2006, de 13 de Setembro, enquanto delimitam a 
 apenas determinadas circunscrições judiciais a aplicabilidade do “regime 
 processual experimental”, ali previsto, não ofendem o princípio constitucional 
 da igualdade.
 
 2°
 Na verdade, a diversidade de tratamento processual que se verifica entre as 
 partes que litiguem nesses tribunais, onde já vigora o dito regime, e as que 
 litigam nos tribunais sediados nas restantes circunscrições, decorre da 
 prossecução de um interesse relevante na administração da justiça, evitando os 
 inconvenientes que inevitavelmente decorreriam da aplicação generalizada de 
 soluções discutíveis, drasticamente inovatórias e insuficientemente testadas 
 pela prática judiciária. 
 
 3º
 Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com um juízo 
 de não inconstitucionalidade das normas desaplicadas na decisão recorrida.
 
  
 A., Ld.ª não alegou.
 Tendo havido redistribuição, em virtude de nova composição do Tribunal 
 Constitucional, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 A)
 A questão de constitucionalidade
 
  
 
 3.  As normas sob juízo
 Estão sob juízo, no presente recurso de constitucionalidade, as normas contidas 
 no artigo 21º do Decreto-Lei nº 108/2006 e no artigo único da Portaria nº 
 
 955/2006. 
 
 É a seguinte, a redacção do artigo 21º do Decreto-Lei nº 108/2006: 
 
  
 Artigo 21º
 Aplicação no espaço
 
 1 – O presente decreto-lei aplica-se nos tribunais a determinar por portaria do 
 Ministério da Justiça.
 
 2 – Os tribunais a que se refere o número anterior devem ser escolhidos de entre 
 os que apresentem elevada movimentação processual, atendendo aos objectos de 
 acção predominantes e actividades económicas dos litigantes. 
 
  
 Determina por seu turno o artigo único da Portaria nº 955/2006
 
  
 Artigo único
 Aplicação no espaço
 O regime processual experimental, aprovado pelo Decreto-Lei nº 108/2006, de 8 de 
 Junho, aplica-se aos seguintes tribunais: 
 a)  Juízos de Competência Especializada Cível do Tribunal de Comarca de Almada;
 b)  Juízos Cíveis do Tribunal de Comarca do Porto;
 c)  Juízos de Pequena Instância Cível do Tribunal de Comarca do Porto;
 d)  Juízos de Competência Especializada Cível do Tribunal de Comarca do Seixal.
 
  
 A decisão de que interpôs recurso, para o Tribunal Constitucional, o Ministério 
 Público (desde logo ao abrigo da alínea a) do artigo 280º da Constituição) 
 recusou a aplicação destas normas com fundamento em violação do princípio da 
 igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP. 
 
 É no entanto impossível compreender o sentido e o alcance da questão de 
 constitucionalidade que, por este modo, é colocada ao Tribunal se as normas sob 
 juízo não forem antes do mais lidas no contexto da regulação em que se inserem. 
 
  
 
  
 
 4.  O regime de processo civil experimental
 Partindo do princípio – expresso na sua exposição de motivos – segundo o qual 
 
 «[a] realidade económico-social actual é consideravelmente diferente da que viu 
 nascer o Código de Processo Civil», o Decreto-Lei nº 108/2006 aprovou, para ser 
 aplicado às acções declarativas cíveis a que não corresponda processo especial e 
 
 às acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de 
 contratos, um regime autodesignado como regime processual experimental (artigo 
 
 1º). Desenhado (ainda de acordo com a referida exposição de motivos) sob o signo 
 da «simplicidade», da «flexibilidade» e da confiança «na capacidade e no 
 interesse dos intervenientes forenses em resolver com rapidez, eficiência e 
 justiça os litígios em tribunal», este regime processual experimental 
 estrutura-se em torno de algumas regras e princípios essenciais, bem 
 caracterizados de resto no texto da decisão de que interpôs recurso o Ministério 
 Público. Assim, e inter alia, enfatiza-se o dever de gestão processual (artigo 
 
 2º); possibilita-se que os actos processuais venham a ser praticados por forma 
 electrónica (artigo 3º); prevê-se que haja distribuição diária (artigo 4º) e que 
 a citação edital seja feita através de anúncios em página informática de acesso 
 público (artigo 5º); cria-se a figura da ‘agregação de acções’ e admite-se a 
 
 ‘prática de actos em separado’ (artigos 6º e 7º); como se permite que a matéria 
 de facto seja decidida na sentença, podendo esta limitar-se à parte decisória 
 
 (artigo 15º); que, no âmbito de procedimentos cautelares, se antecipe o juízo 
 sobre a causa principal (artigo 16º) e que, em regra, se limitem a dois os 
 articulados (artigo 8º). 
 A ‘alma’ do sistema parece estar, porém, no dever de gestão processual, 
 consagrado no artigo 2º, e que impende naturalmente sobre o juiz. Não discutindo 
 agora – por inútil – a questão de saber em que medida será novo um tal dever, 
 face ao já fixado nos artigos 265º e 265º-A do Código de Processo Civil, a 
 verdade é que a amplitude com que agora ele vem reafirmado (no artigo 2º do RPE) 
 parece fazer crer que, aqui, foi clara a intenção do legislador ordinário. Por 
 um lado, o regime processual experimental fixa um paradigma de tramitação 
 processual, assaz simplificado, e que é aplicável a todas as acções declarativas 
 cíveis, qualquer que seja o seu valor; mas por outro lado – e justamente porque 
 existe agora um amplo dever judicial de gestão processual, entendido como «dever 
 de adoptar a tramitação processual às especificidades da causa» – tal paradigma 
 simplificado de tramitação parece não ser mais do que um ‘modelo-padrão’, ao 
 qual o juiz pode aderir, mas a partir do qual pode também ele próprio vir a 
 
 ‘construir’ a tramitação (mais complexa) que seja adequada ao caso. A ser assim, 
 o abandono do princípio da legalidade e da tipicidade das formas processuais – 
 em benefício de um princípio novo, o da possibilidade de construção casuística, 
 pelo juiz, dessas mesmas formas –, parece ser a matriz essencial do regime 
 processual experimental (assim, Luís Filipe Brites Lameiras, Comentário ao 
 Regime Processual Experimental, Coimbra, Almedina, 2007, p. 31.)
 Foi o próprio legislador que qualificou este regime como sendo experimental 
 
 (artigo 1º do Decreto-Lei nº 108/2006). E como toda a «experimentação» implica a 
 existência de um «teste, ou de um «ensaio», antes da adopção de uma qualquer 
 solução ‘definitiva’, o legislador, em coerência com a qualificação por ele 
 mesmo feita, resolveu limitar no tempo e no espaço a vigência do regime, a fim 
 de poder avaliar os seus efeitos antes que se se dispusesse pela ‘vigência 
 plena’ do novo paradigma. Por isso, determinou, no artigo 20º, que o Decreto-Lei 
 nº 108/2006 fosse revisto no prazo de dois anos a contar da sua entrada em vigor 
 
 – que foi a 16 de Outubro de 2006; e que, durante todo este período de vigência, 
 se garantisse a «respectiva avaliação legislativa através dos serviços do 
 Ministério da Justiça competentes para o efeito.» Como dispôs que, durante o 
 tempo da «experimentação», o novo modelo de processo civil fosse só aplicado a 
 certos tribunais «a determinar por portaria do Ministério da Justiça» (artigo 
 
 21º).  
 
  
 
 5.  O objecto do recurso
 
 É exactamente sobre esta última disposição legislativa – e sobre a sua 
 concretização através de portaria – que incide a questão de constitucionalidade 
 posta ao Tribunal no presente recurso. 
 Com efeito, e como o sublinha, nas suas alegações, o representante do Ministério 
 Público no Tribunal, não se inclui no objecto do recurso a questão de saber se 
 serão ou não conformes à Constituição alguma ou algumas das normas da nova 
 tramitação processual instituída, individualmente tomadas. O que antes se 
 procura saber é se será ou não conforme à Constituição – mais precisamente, ao 
 princípio da igualdade – a decisão legislativa de aplicar todo este sistema de 
 normas apenas a certas circunscrições judiciais e não a outras, decisão essa 
 desde logo tomada no artigo 21º do Decreto-Lei nº 108/2006 e concretizada pelo 
 artigo único da Portaria nº 255/2006.
 Uma tal decisão é, como já se viu, ‘explicada’ pela «natureza experimental» que 
 confessadamente se conferiu ao modelo instituído. O legislador não quis que tal 
 modelo fosse tido como ‘definitivo’, ou capaz de substituir imediatamente o 
 regime processual vigente. Ao invés, o que pretendeu foi «testar e aperfeiçoar 
 os dispositivos de aceleração, simplificação e flexibilização processuais 
 consagrados, antes de alargar o seu âmbito de aplicação» (exposição de motivos 
 do Decreto-Lei nº 108/2006, itálico nosso). Semelhante intuito de 
 
 «experimentação» levou a que não apenas se limitasse no tempo a vigência do 
 decreto-lei, determinando a sua revisão obrigatória no prazo de dois anos, como 
 também a que se «opta[sse], num primeiro momento, por circunscrever a aplicação 
 deste regime a um conjunto de tribunais a determinar pela elevada movimentação 
 processual que apresentem…» (exposição de motivos do decreto-lei). 
 Estão assim estreitamente associadas a questão da «natureza experimental» do 
 regime e a questão da sua limitação no espaço (apenas ao número contado de 
 tribunais identificados pela norma da portaria). Dessa estreita associação tem 
 aliás perfeita consciência a decisão recorrida, quando sustenta que «é o próprio 
 carácter experimental do novo regime, na definição que ele mesmo apresenta, que 
 se assume como a razão de ser da desigualdade de tratamento materialmente 
 infundada que vimos evidenciando» (fls. 32 dos autos).
 A ser deste modo, deve a questão de constitucionalidade que o presente recurso 
 coloca ao Tribunal equacionar-se como segue: é constitucionalmente tolerável – 
 desde logo face ao princípio da igualdade – que o regime processual civil 
 instaurado pelo Decreto-Lei nº 108/2006, por ser um regime «experimental», seja 
 apenas aplicável às circunscrições judiciais identificadas (por autoridade da 
 lei) no artigo único da Portaria nº 255/2006? Nesta questão vão incluídos dois 
 problemas que, por razões de método, devem ser distinguidos: (i) o problema de 
 saber se é ou não conforme à Constituição a aplicação do regime processual civil 
 
 àquelas, e apenas àquelas, circunscrições judiciais que foram identificadas, por 
 autoridade da lei, pelas normas regulamentares em questão; (ii) o problema de 
 saber se é a própria «experimentação legislativa» constitucionalmente 
 censurável. Como já se viu – e como se confirmará pela exposição subsequente – 
 os dois problemas estão estreitamente associados: a sua distinção é apenas 
 operativa sob o ponto de vista metodológico. 
 
  
 
  
 B)
 Regime Processual Civil Experimental e Princípio da Igualdade
 
  
 
 6.  O parâmetro constitucional
 
 É antiga, e firme, a jurisprudência constitucional que vem densificando o 
 conteúdo do princípio da igualdade contido no artigo 13º da CRP, naquela 
 vertente que, aqui, exclusivamente nos interessa – como vínculo específico do 
 legislador e não como princípio aplicável ao poder administrativo e, ou, ao 
 poder judicial. É sabido que o Tribunal tem sempre dito que, nessa sua vertente, 
 
 «igualdade» não significa proibição de tratamentos jurídicos diferenciados; 
 significa antes a proibição de diferenças que afectem as pessoas e que não sejam 
 fundamentadas à luz do próprio sistema constitucional. No dizer de Dworkin, não 
 está – não pode estar – aqui em causa um «direito» das pessoas a um tratamento 
 em todos os casos iguais; o que está em causa é o «direito» a ser-se tratado 
 como um igual. (Ronald Dworkin, Sovereign Virtue, The Theory and Practice of 
 Equality, Harvard University Press, 2000, p. 11). 
 Esta orientação foi sempre sufragada pelo Tribunal, num lastro de jurisprudência 
 que, por ser vasto, não pode agora vir a ser integralmente convocado: basta que 
 se recorde, por exemplo, a sua continuação recente nos Acórdãos nºs 442/2007 e 
 
 620/2007 e no Acórdão nº 232/2003 – que faz neste domínio uma síntese expressiva 
 de todo o acervo jurisprudencial anterior (todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt)
 No entanto, e ainda neste campo, é por demais vago identificar o conteúdo do 
 princípio da igualdade com recurso, apenas, à ‘categoria’ da proibição de 
 diferenças [de tratamento legislativo] que não sejam fundamentadas à luz do 
 sistema constitucional. 
 Com efeito, e como se disse no Acórdão nº 412/2002 (também referido pelo Acórdão 
 nº 232/2003), «o princípio da igualdade abrange fundamentalmente três dimensões 
 ou vertentes: a proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a 
 obrigação de diferenciação, significando a primeira a imposição da igualdade de 
 tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para 
 situações manifestamente desiguais (...); a segunda, a ilegitimidade de qualquer 
 diferenciação de tratamento baseada em critérios subjectivos (v.g., ascendência, 
 raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou 
 ideológicas, instrução, situação económica ou condição social) e, a última surge 
 como forma de compensar as desigualdades de oportunidades.» (Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 54º vol.,  p. 417)
 Significa isto que – e se deixarmos por agora de lado a última destas três 
 
 «dimensões», que coloca o problema complexo, e neste momento de abordagem 
 inútil, das chamadas «discriminações positivas» –, se deve introduzir um 
 distinguo nessa classe ampla das «diferenças não [constitucionalmente] 
 fundamentadas» cuja imposição é proibida pelo princípio da igualdade, quando 
 dirigido ao legislador. Uma coisa é a proibição do arbítrio, ou de diferenças 
 legislativamente impostas e que não tenham a justificá-las um qualquer 
 fundamento racional bastante; outra, a proibição de discriminação, ou de 
 diferenças que encontrem o seu fundamento em certos ‘critérios subjectivos’ que, 
 pela sua estreita relação com a dignidade das pessoas, a Constituição entendeu 
 serem à partida insusceptíveis de justificar a existência de regimes jurídicos 
 distintos. A utilidade do ‘distinguo’ – disse-o o Tribunal, por exemplo, no 
 Acórdão nº 191/88 (DR, Iª série, nº 231, p. 4080) – não está apenas no facto de 
 ele ter acolhimento no próprio texto da Constituição, que reserva o nº 2 do 
 artigo 13º à enunciação separada da proibição de discriminação; está ainda, e 
 sobretudo, no facto de às duas ‘dimensões da igualdade’ corresponderem testes de 
 constitucionalidade dotados de diversa ‘densidade’. É que «quando ao nível 
 normativo se estabelece uma diferenciação que se escora em um desses factores» 
 
 [os tais ‘critérios subjectivos’ que se mostram à partida como insusceptíveis de 
 fundamentar diferenças de trato entre as pessoas], então, «será de presumir, ao 
 menos à partida, que se está perante uma discriminação constitucionalmente 
 inadmissível», sendo que «se posterior investigação revelar que tal factor é a 
 
 única e exclusiva causa da diferenciação, então será certo e seguro que se 
 registará infracção ao princípio constitucional da igualdade» (Acórdão nº 
 
 191/88, loc. cit.). Mas se forem outros e diferentes os motivos que fundaram a 
 diferença diverso terá que ser, também, o teste de constitucionalidade que se 
 lhes aplicará. A instância que for competente para a realização de um tal 
 
 ‘teste’ terá nessa altura que averiguar da racionalidade e da objectividade dos 
 motivos que fundaram a diferença, merecendo o legislador  censura quando, e 
 apenas quando, se mostrar que foram arbitrárias ou absurdas 
 as suas ‘razões’, por não haver motivo ‘racional’ e ‘objectivo’ – ou que seja 
 intersubjectivamente apreensível como tal – que as possa justificar. 
 Sustenta a decisão recorrida que as normas sob juízo violam o artigo 13º da 
 Constituição. E, embora identifique por diversas vezes tal lesão como relevando 
 do «arbítrio legislativo» – por entender que é destituída de qualquer 
 justificação racional e objectiva a decisão do legislador de aplicar o regime 
 processual experimental apenas aos tribunais identificados pela Portaria nº 
 
 955/2006 –, não deixa de convocar também, e noutros momentos, aquela lesão do 
 princípio que se identifica com a proibição de discriminação. Fá-lo não apenas 
 quando se abona num tratamento doutrinário do parâmetro constitucional que não 
 exclui nenhuma das suas duas dimensões (fls. 25 dos autos); mas também quando 
 afirma a natureza intolerável, porque discriminatória, da própria 
 
 «experimentação» legislativa, em si mesma considerada (fls. 32). Importa, no 
 entanto – e pelas razões já aduzidas – distinguir. 
 
 7.  As normas sob juízo e a proibição de discriminação
 A proibição de discriminação, contida no artigo 13º, nº 2, da CRP – e entendida, 
 no presente contexto, enquanto vínculo do legislador – corresponde a uma 
 tradição funda do constitucionalismo que pode ser compreendida por intermédio do 
 recurso a três elementos fundamentais, todos eles interrelacionados. Primeiro, 
 pela particular ‘densidade’ do controlo que se faz das escolhas do legislador, 
 sempre que este institua diferenças de regime jurídico que se possam incluir no 
 
 âmbito da referida proibição. Segundo, pela particular natureza dos motivos que, 
 neste domínio, fundamentam a proibição das diferenças legislativas. Terceiro, 
 pelo próprio conteúdo do acto legislativo discriminatório, ou seja, pela 
 intensidade e espécie de diferenças que, a serem acolhidas pelo legislador, 
 devam ser entendidas como discriminação. Ao primeiro elemento, relativo à 
 
 ‘densidade’ do controlo, já nos referimos antes, pelo que a ele não voltaremos. 
 Fixemo-nos agora na análise do segundo e terceiro elementos. 
 O nº 2 do artigo 13º da CRP enumera os motivos que fundamentam a proibição de 
 discriminação, em consonância, aliás, com o que se passa em ordens 
 constitucionais próximas da nossa (veja-se, a título de exemplo, o artigo 3º, nº 
 
 3, da Constituição alemã e o artigo 14º da Constituição espanhola). No entanto, 
 e como nenhuma destas ‘enumerações’ pode ser entendida como um elenco fechado – 
 mas apenas como uma ‘definição’ enunciativa: quanto a este ponto, e por exemplo, 
 veja‑se o Acórdão nº 191/88, loc.cit. –, a técnica da enumeração, presente na 
 nossa ordem e ordens constitucionais próximas da nossa, não dispensa neste 
 domínio o esforço de abstracção e de conceitualização. Alguma natureza especial 
 terão que ter estes motivos, que fundamentam em qualquer caso a proibição 
 constitucional de discriminação. Tem entendido normalmente a doutrina que tal 
 natureza especial deve ser achada a partir do valor constitucional da igual 
 dignidade das pessoas – ou, no dizer de Dworkin, no «direito» que elas têm a ser 
 tratadas como iguais – de forma a que se considerem motivos ou factores 
 discriminatórios todos aqueles «que se baseiem exclusivamente em atributos 
 
 [subjectivos] sobre os quais as pessoas não têm qualquer possibilidade de 
 controlo, ou em opções de vida (…) que as pessoas são livres de formar» (assim, 
 Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República 
 Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 110). No mesmo sentido, o direito 
 norte-americano, que conta neste domínio com uma rica elaboração doutrinária, 
 atribui a estes ‘factores’ ou ‘motivos’ discriminatórios – que aí não são sequer 
 enunciados na lei positiva – a designação plástica de «categorias suspeitas» 
 
 [suspect categories]. (Assim, Lawrence H. Tribe, American Constitutional Law, 
 The Foundation Press, 1988, 2ª ed., p. 1465.) 
 Quanto ao terceiro elemento – qual o conteúdo das diferenças que, a serem 
 acolhidas pelo legislador, são de espécie e intensidade suficientes para serem 
 tidas como discriminatórias – deve dizer-se que o direito português, pela sua 
 formulação positiva, confere ao intérprete orientações mais claras do que 
 aquelas que são concedidas por outros ordenamentos. Com efeito – e vejam-se uma 
 vez mais os exemplos já citados do artigo 3º, nº 3, da Lei Fundamental de Bona e 
 do artigo 14º da Constituição espanhola –, normalmente os textos constitucionais 
 não explicitam o conteúdo típico do acto discriminatório. Ao invés, diz o nº 2 
 do artigo 13º da CRP que «[n]inguém pode ser privilegiado, beneficiado, 
 prejudicado, privado de um direito ou isento de qualquer dever em razão de (…)». 
 A explicitação confere, como se vê, orientações claras ao intérprete quanto à 
 consistência da própria ‘discriminação’. 
 
 É bem evidente que das normas sob juízo decorrem diferenças de tratamento entre 
 as pessoas. Como resulta das disposições conjugadas dos artigos 21º do 
 Decreto-Lei nº 108/2006 e do artigo único da Portaria nº 955/2006 que o regime 
 processual experimental só será aplicável às acções declarativas cíveis a que 
 não corresponda processo especial e às acções especiais para o cumprimento de 
 obrigações pecuniárias emergentes de contratos cujos termos correrem em certos 
 tribunais e não noutros, é claro que quem for parte num desses processos terá, 
 por meras razões de localização territorial das causas, «tratamento diverso» 
 daquele que valerá para os outros casos, em que permanecerá aplicável o regime 
 processual comum. Mas o que não é de modo algum claro é que tal «diversidade de 
 tratamento» consubstancie uma discriminação constitucionalmente proibida, no 
 sentido exacto que deve ser dado a tal «proibição» e que acabou de se 
 identificar. 
 Com efeito, é desde logo assaz duvidoso que a «mera razão de localização 
 territorial» – critério decisivo, in casu, para a aplicação da diferença de 
 regimes – possa ser vista como um ‘critério’ ou ‘motivo’ discriminatório, 
 análogo, pela sua natureza, aos enunciados no elenco aberto do nº 2 do artigo 
 
 13º. É certo que se trata aqui de um «motivo» em relação ao qual – e para usar 
 os termos da orientação atrás esboçada – «as pessoas não têm qualquer 
 possibilidade de controlo»; mas também é certo que se não confunde ele com 
 nenhum «atributo subjectivo» que, pela sua relação com o princípio da igual 
 dignidade das pessoas, deva logo à partida ser desconsiderado como fundamento de 
 diferenciações constitucionalmente admissíveis. 
 Por outro lado, do conteúdo da diferença – ou da diversidade de tratamento, 
 resultante da aplicação de diferentes regimes processuais – não resulta que 
 
 [alguém] seja «privilegiado, beneficiado (…) ou privado de qualquer direito», 
 nos termos do nº 2 do artigo 13º da CRP. Na verdade – e ao contrário do que 
 parece decorrer, a certo passo, do entendimento perfilhado pela decisão 
 recorrida (fls. 22 dos autos) – não se retira de nenhuma disposição 
 constitucional a existência de um qualquer direito dos particulares a uma certa 
 e determinada conformação do processo [civil], que se imponha ao legislador 
 ordinário como um standard fixo de tramitação processual que deva ser adoptada 
 ne varietur. Como o Tribunal tem sempre dito – e vejam-se, a este propósito, os 
 Acórdãos nºs 960/96, 222/90, 86/88 e 404/87 – a conformação legislativa do 
 processo civil está vinculada ao princípio do due process of law, consagrado 
 desde logo no artigo 2º e decorrente do artigo 20º da CRP. O que decorre deste 
 princípio é o direito a uma solução jurídica dos conflitos que seja obtida em 
 prazo razoável, dispensada com a observância das garantias de imparcialidade e 
 independência e com um correcto funcionamento do princípio do contraditório. 
 Sendo estas as vinculações constitucionais do processo civil, para além delas 
 situa‑se o espaço de liberdade conformadora do legislador, que não é portanto 
 previamente limitado pela existência de um direito a uma certa e determinada 
 tramitação processual.
 
 É certo que – e a decisão recorrida di-lo, a fls. 23 – juízo e modo de 
 instauração do juízo não são nunca variáveis independentes, pelo que a 
 existência de processos diferentes pode conduzir à existência de ‘juízos’ 
 diferentes. Tal não chega, porém, para que se qualifique como discriminatória a 
 
 ‘diferença’ que, indiscutivelmente, o regime agora em causa possibilita. Resta 
 por isso apenas saber se não será ela arbitrária. 
 
  
 
  
 
 8.  As normas sob juízo e a proibição do arbítrio  
 Como já se viu, o artigo único da Portaria nº 955/2006 determina que o regime 
 processual experimental seja aplicado, apenas, nos Juízos de Competência 
 Especializada Cível do Tribunal da Comarca de Almada; nos Juízos Cíveis do 
 Tribunal da Comarca do Porto; nos Juízos de Pequena Instância Cível do Tribunal 
 de Comarca do Porto e nos Juízos de Competência Especializada Cível do Tribunal 
 da Comarca do Seixal. Fá-lo, como também já se sabe, por determinação do artigo 
 
 21º do Decreto-Lei nº 108/2006.
 Sustenta a decisão recorrida que os «argumentos» utilizados para fundamentar 
 esta restrição da aplicação no espaço do regime experimental, «assentes em meras 
 considerações de natureza abstracta, vaga e imprecisa», «estão muito longe de 
 constituir justificação objectiva e racional para o que quer que seja» (fls. 27 
 dos autos). Em seguida, aduz a decisão algumas razões que, no seu entendimento, 
 ilustrariam a natureza ‘arbitrária’ – isto é, nem ‘racional’ nem ‘objectiva’ – 
 das escolhas feitas, neste domínio, pelo legislador. 
 Em primeiro lugar, o ‘facto’ de se ter eleito, como critério determinante da 
 aplicação das normas do RPE, «a mera localização territorial das causas» (fls. 
 
 28 dos autos): a este respeito diz a decisão recorrida que, em Estado de direito 
 democrático e unitário, tal nunca poderá constituir critério legítimo para 
 
 «fundamentar a aplicação de diferentes formas de processo ao mesmo tipo de 
 causas» (ibidem). Depois, alega-se a discrepância existente entre os motivos que 
 teriam levado o legislador a fixar um novo modelo processual e o seu âmbito de 
 aplicação: «[i]nicialmente projectado para responder a necessidades particulares 
 de certo tipo de litigância, a protagonizada pelos chamados ‘litigantes de 
 massa’ (…), o novo regime processual acaba afinal por ter aplicação a todas as 
 acções declarativas cíveis (comuns) que corram nos referidos tribunais» (fls. 
 
 29). Finalmente, questionam-se, à luz desses mesmos motivos, as escolhas 
 concretas de aplicação territorial que foram feitas, perguntando-se, a fls. 30: 
 
 «como compreender racionalmente que na área metropolitana do Porto apenas os 
 juízos de pequena instância cível reúnam os requisitos indispensáveis ao 
 merecimento da aplicação do novo regime processual? (.) E que dizer, no que 
 respeita à área metropolitana de Lisboa, quando se considera (...) apenas os 
 juízos cíveis de Almada e Seixal?» 
 Foram pois estas as «perplexidades» que levaram o tribunal a quo a recusar a 
 aplicação in casu do regime experimental aprovado pelo Decreto-Lei nº 108/2006, 
 com fundamento no carácter arbitrário da desigualdade de tratamento que dele 
 decorreria para cidadãos e empresas «no plano do exercício de direitos e 
 interesses subjectivos através do recurso aos tribunais». 
 No entanto, e a propósito do princípio da proibição do arbítrio, decorrente do 
 nº 1 do artigo 13º da CRP, tem sempre sublinhado o Tribunal duas ideias 
 essenciais que importa agora recordar. Antes do mais, que não estão aqui em 
 causa – que não podem estar aqui em causa – ‘juízos’ sobre a bondade das 
 soluções legislativas; depois, que proibindo a Constituição neste domínio apenas 
 
 «as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é 
 dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor 
 constitucionalmente relevantes» (Acórdão nº 39/88, in AcTC, 11º vol., pp. 233 e 
 ss.), deve descobrir-se a ratio das disposições em causa, para, a partir dessa 
 mesma ratio, se poder avaliar se as mesmas possuem ou não uma «fundamentação 
 razoável» (Acórdão nº 232/2003 e doutrina aí citada: AcTC, 56º vol., p. 39). 
 Ora a ratio das disposições em juízo encontra-se, como já se viu, na natureza 
 
 «experimental» deste regime processual novo, assente nos princípios da 
 
 «simplicidade», da «flexibilidade» e da confiança «na capacidade e no interesse 
 dos intervenientes forenses em resolver com rapidez, eficiência e justiça os 
 litígios em tribunal». Justamente porque o legislador quis «testar» e 
 
 «aperfeiçoar» um regime assim desenhado antes de alargar o seu âmbito de 
 aplicação, é que – e recorde-se a exposição de motivos do decreto-lei – se 
 optou, num primeiro momento, por circunscrever a aplicação deste regime a «um 
 conjunto de tribunais a determinar pela elevada movimentação processual que 
 apresentem».  
 Compreende-se que, à luz desta razão, se não pudessem escolher todos os 
 tribunais que apresentassem elevada movimentação processual, mas apenas alguns 
 deles (a questão colocada pela decisão recorrida quanto à eleição, nas áreas 
 metropolitanas de Lisboa e do Porto, de ‘apenas’ aqueles juízos e não de outros 
 tem assim alguma resposta razoável). Como se compreende, ainda à luz da mesma 
 razão, que, no número contado de tribunais escolhidos para «testar» o regime, se 
 decidisse que, neles – num universo já por si limitado –, se aplicasse o novo 
 modelo processual a todas as acções declarativas cíveis. Como se compreende 
 finalmente que, a aceitar‑se a razoabilidade do «teste» e do «ensaio», ele não 
 poderia ser feito com outro critério que não o da «mera localização territorial 
 das causas».  
 
 É certo que desta ratio resultam diferenças de tratamento entre as pessoas. Como 
 afirma o tribunal a quo, por causa dela «uma acção destinada a efectivar a 
 responsabilidade civil emergente de acidente de viação» pode assumir «um ou 
 outro regime processual consoante o acidente tenha ocorrido num ou noutro lado 
 
 (…)». Mas certo é também que tais diferenças não são nem absurdas nem 
 arbitrárias: encontrou-se para elas uma razão de ser, um fundamento inteligível, 
 e esse não foi outro que a natureza «experimental» do novo regime de processo 
 civil. 
 Justamente por concordar que assim é – que a desigualdade de tratamento é 
 razoavelmente fundada na natureza experimental do regime – é que a decisão de 
 que se interpôs recurso acaba por contestar a «experimentação» em si mesmo 
 considerada: «aqui chegados, é tempo de chamar à discussão o autoproclamado 
 carácter ‘experimental’ do regime processual em causa por forma a saber se o 
 mesmo poderá ou não constituir razão objectiva (…) para justificar a 
 discriminação (..)» (fls. 30-1 dos autos). A questão, diga-se desde já, tem toda 
 a pertinência. Como tem dito o Tribunal, não é uma qualquer «razão» que pode 
 justificar as diferenças de tratamento entre as pessoas. Idóneos para libertar o 
 legislador de um juízo de censura – quando está em causa a proibição do arbítrio 
 
 – serão apenas aquelas «razões» ou «fundamentos materiais bastantes» que 
 correspondam a critérios de valor constitucionalmente relevantes. Resta por isso 
 saber se se inclui na categoria o fenómeno da «experimentação legislativa», em 
 si mesmo tomado. 
 
  
 
  
 C)
 Fundamentos constitucionais da experimentação legislativa
 
  
 
 9.  O regime processual instituído pelo Decreto-Lei nº 108/2006 é, de acordo com 
 a qualificação que lhe foi dada pelo próprio legislador, um «regime 
 experimental» Tal significa – como já se viu – que, antes que o regime fosse 
 adoptado como modelo definitivo de regulação, se procurou testar ou ensaiar a 
 aplicação das suas normas, limitando tal aplicação no tempo e no espaço de modo 
 a melhor poder avaliar os efeitos dela decorrentes. 
 Como salienta, nas suas alegações, o representante do Ministério Público no 
 Tribunal, não é novo entre nós um tal «método» de legislação, que aliás tem sido 
 densamente discutido em direito comparado (veja-se, por todos, Charles-Albert 
 Morand (org.), Évaluation Législative et Lois Expérimentales, Presses 
 Universitaires d’Aix-Marseille, 1993). O que o caracteriza é a indecisão do 
 legislador. 
 Com efeito, a «normação experimental» pressupõe antes do mais um legislador 
 indeciso, ou ao qual faltam certezas quanto à regulação definitiva a adoptar 
 para o cumprimento de certas políticas públicas ou para a disciplina de certos 
 domínios da vida colectiva. Ao invés, por isso, de esperar que a adequação do 
 Direito às realidades se faça, na continuidade, pela jurisprudência, ou na 
 descontinuidade, por reformas legislativas sucessivas – como sucede com o 
 método, chamemos-lhe assim, ‘clássico’ de normação –, o «legislador 
 experimental» testa ou ensaia primeiro, num espaço e num tempo limitados, a 
 aplicação e os efeitos da aplicação das suas normas, a fim de evitar os riscos 
 que, em situações de elevado grau de incerteza quanto aos efeitos de certa 
 regulação, geraria porventura a adopção de sistemas normativos ‘definitivos’. 
 
 (Pierre-Henri Bolle, «Lois Expérimentales et Droit Pénal», em Boletim da 
 Faculdade de Direito, vol. LXX, 1994, pp. 321-335). Assim, o legislador que 
 
 «experimenta» – tal como o legislador que toma ‘medidas’ para situações que não 
 são nem gerais nem abstractas – parece ser movido por uma racionalidade 
 técnico‑económica que será diversa daquela que orienta os métodos ‘comuns’ de 
 legiferação. 
 Sustenta a decisão recorrida que merecem censura constitucional estes métodos 
 
 «experimentais», em si mesmo considerados, por serem eles desde logo 
 discriminatórios. 
 Já vimos, porém, que, no caso dos autos, assim não é. E, sendo certo que ao 
 Tribunal não está vedado a formulação de juízos com fundamentos diversos dos que 
 foram, no recurso, invocados (artigo 79º‑C da Lei do Tribunal Constitucional), a 
 verdade é que também se não vê que outras regras e princípios constitucionais 
 poderiam sustentar a censura da adopção, pelo legislador, do método 
 
 «experimental», em si mesmo tomado. 
 Com efeito – e o Tribunal já o tem dito por diversas vezes: veja-se, a título de 
 exemplo, o Acórdão nº 1/97 –, não decorre de nenhuma norma da Constituição que, 
 entre nós, a função legislativa deva ser entendida de modo a excluir, de forma 
 apriorística, certos e determinados conteúdos em detrimento de outros. Como se 
 afirmou no Acórdão atrás citado, nem a ordenação constitucional do princípio da 
 separação dos poderes (artigo 111º da CRP) nem as regras de distribuição da 
 função legislativa pela Assembleia da República e pelo Governo (artigos 161º, 
 
 164º, 165º e 198º da CRP) comportam semelhante exclusão.
 Algo diverso se poderá passar em outros ordenamentos jurídicos, em que, ao 
 invés, se terá sedimentado um certo conceito constitucional de lei que, pelo seu 
 conteúdo, será avesso à racionalidade técnico-económica que é própria da 
 
 «legislação experimental». Parece ser esse o caso do direito francês. Com efeito 
 
 – e após uma pronúncia por parte do Conselho Constitucional – a Constituição 
 francesa teve que ser revista, de forma a comportar hoje, no seu artigo 37-1, 
 uma autorização expressa, endereçada ao legislador, para a emissão de 
 
 «legislação experimental» (Sobre o assunto: Florence Crouzatier-Durand, 
 
 «Reflexões sobre o Conceito de Experimentação Legislativa», in Legislação, 
 Cadernos de Ciência de Legislação, nº 39, Janeiro-Março 2005, pp. 5-29). Pelo 
 contrário, e em direito português, não é necessária uma tal autorização 
 constitucional expressa. Semelhante autorização vai implícita no conceito aberto 
 de lei que a CRP alberga. 
 
 É claro que, sendo entre nós a «lei experimental» uma lei como as outras – ou 
 seja, expressão da actividade constitucionalmente permitida do legislador –, não 
 poderá ela em caso algum furtar-se à obediência dos princípios constitucionais 
 
 (orgânicos, procedimentais e materiais) que regem toda a função legislativa. 
 Nessa medida, haverá desde logo que ter em conta que o legislador de um Estado 
 de direito não poderá nunca desonerar-se do dever, que é o seu, de procurar 
 criar um Direito que seja, tanto quanto possível, estável; que poderá haver 
 certos domínios da ordem jurídica que, pela natureza, intensidade e relevo dos 
 bens jurídicos neles protegidos, sejam pelo seu conteúdo hostis ao uso da 
 técnica da «experimentação»; que, sempre que de uma tal técnica resultarem 
 encargos especiais para as pessoas, deverão eles ser reduzidos ao mínimo 
 possível de acordo com o princípio da proporcionalidade. Que, finalmente e por 
 razões de segurança, deve em qualquer caso o legislador que «experimenta» dizer 
 que o faz: deixar claro quais são os limites, temporais e espaciais, de 
 aplicação das normas que ficam sujeitas à avaliação do ‘ensaio’ ou da 
 
 ‘experiência’.
 Como, no caso sob juízo, se perfazem todas estas condições ou limites, por 
 nenhuma razão merece ele qualquer censura constitucional. 
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Por estes motivos, decide-se conceder provimento ao recurso, reformando‑se a 
 decisão recorrida de acordo com o presente juízo sobre a questão de 
 constitucionalidade.
 
  
 Lisboa, 31 de Janeiro de 2008
 Maria Lúcia Amaral
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 João Cura Mariano
 Vítor Gomes
 José Borges Soeiro
 Ana Maria Guerra Martins
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Carlos Fernandes Cadilha
 Rui Manuel Moura Ramos