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Processo n.º 479/06
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional.
1. Notificado do Acórdão n.º 552/2006, de 11 de Outubro de 2006, pelo qual se
decidiu indeferir a reclamação respeitante à Decisão Sumária que, a fls.6792 a
6820 dos autos, concluíra pelo não conhecimento do objecto do recurso pretendido
interpor, veio o recorrente A. requerer a respectiva aclaração, o que fez sob
invocação dos arts. 69º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional) e 669º do Código de
Processo Civil e mediante a argumentação que seguidamente se transcreve:
«1. Foi nos autos proferida decisão sumária, que está citada nas páginas 2-9 da
decisão em apreço, decisões cada vez mais frequentes na prática do TC.
2. O ora requerente reclamou, nos termos do artigo 78°-A, n.° 3 da Lei do TC,
sistematizando o objecto da mesma no que se refere a duas situações que enunciou
de modo distinto e com autonomia: (i) a primeira citada na página 10 e 11 (ii) a
segunda citada desde a última linha da página 11 até quase ao final da página
12. O aresto em análise compreendeu que havia assim duas questões em apreço,
entre si diferenciadas.
3. Ora o acórdão em apreço desenvolve todo um douto esforço argumentativo quanto
à primeira situação [até à página 17], mas remata quanto à segunda situação por
esta expressão de um impressionante laconismo: «também no que diz respeito à
apelidada “segunda situação”, nada da reclamação resulta, em suma, capaz de
abalar o entendimento expresso na decisão sob censura».
4. Esta fórmula, salvo o devido respeito, é ambígua, pois traduz dois modos
possíveis de agir processual.
5. No essencial ela traduz uma total desconsideração do esforço argumentativo do
reclamante, que é reduzido à condição de quem alinhou razões que «em nada»
contradizem uma decisão prévia sob sindicância: é a nota zero na valoração do
que foi dito!
6. Mas o problema objectivo e jurídico consiste em saber se tal modo sucinto de
decidir significa (i) a pura e simples omissão pelo acórdão do conhecimento da
questão controvertida, que teria sido, assim, de facto ignorada (ii) a total
falta de fundamentação do dito acórdão, por não explicitar, afinal, quais as
razões que em «nada» levam a «abalar o entendimento expresso na decisão sob
censura» (iii) ou o acolhimento por remissão das razões da decisão
argumentativa, sem consideração do suscitado em contrário da mesma.
7. As consequências jurídicas, que a seu tempo se poderão extrair, são diversas:
num caso trata-se de uma omissão de pronúncia pura e simples, nos outros de um
vício de falta de fundamentação. Mas para tanto importa clarificar o teor do
decidido.
8. Pois que o requerente tem legitimidade para questionar este modo de decidir,
requer a Vossa Excelência seja aclarada a decisão prolatada, para que explicite
o sentido do decidido precisamente neste passo, pois pode até haver, ao limite
erro material de escrita e ter sido o texto amputado de algum trecho de onde
constasse um elaborado raciocínio de réplica face aos argumentos, ainda que
pobres, alinhavados pelo então reclamante».
Ao pedido de aclaração assim formulado apenas o Ministério Público respondeu,
tendo-o feito nos termos seguintes:
«1 — A pretensão deduzida é manifestamente improcedente, já que não se vislumbra
qualquer obscuridade ou ambiguidade na douta decisão reclamada.
2 — Na verdade, a afirmação de que a argumentação do reclamante não abala
minimamente os fundamentos da decisão sumária reclamada só pode naturalmente
significar que a conferência aderiu inteiramente — em decisão definitiva — ao
entendimento expresso pelo relator na referida decisão, no que respeita à
inverificação dos pressupostos do recurso de fiscalização concreta interposto».
2. Cumpre apreciar e decidir.
Conforme resulta do disposto no art. 669º, n.º1, al.a), do Código de Processo
Civil, e sem controvérsia é apontado pela doutrina, o exercício da faculdade de
reclamação apenas tem cabimento processual quando se destine a reagir contra uma
decisão que contenha algum passo cujo sentido seja ininteligível – caso em que
será obscura – ou encerre alguma passagem susceptível de diferentes
interpretações – hipótese em que padecerá de ambiguidade (neste sentido, J.
Alberto dos Reis – Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão,
Coimbra, 1981, pág. 151).
O pedido de aclaração não serve, consequentemente, para obter a alteração do
julgado, tornando-o conforme à posição reivindicada, nem tão pouco para facultar
ao reclamante a manifestação da sua discordância relativamente ao decidido.
Quando assim, porém, suceda, ter-se-á feito um uso indevido do instituto, o que
comprometerá em definitivo a atendibilidade do pedido de aclaração.
Ora, decorre da exposição apresentada pelo recorrente que a acusação de
ambiguidade dirigida agora contra o Acórdão proferido nos autos se relaciona
apenas com o excerto aí reservado à consideração da critica que, sob o
qualificativo de “segunda situação”, na reclamação se havia apontado à decisão
sumária que a precedeu e motivou.
Tal crítica – resulta dos pontos 10 a 16 do próprio articulado de reclamação –
dizia, por seu turno, respeito aos termos em que a decisão sumária rejeitara a
possibilidade de, para condenar o arguido pela prática de um falsificação de
documento a partir do contrato tido como pretensamente celebrado entre a
sociedade holandesa B. e o assistente C., haverem as instâncias feito uso da
dimensão normativa acusada de ser inconstitucional.
De acordo com o recorrente, a circunstância de no Acórdão se haver a tal
propósito escrito - em jeito, diga-se desde já, que o próprio reconhece de
remate - que «também no que diz respeito à apelidada “segunda situação”, nada
da reclamação resulta, em suma, capaz de abalar o entendimento expresso na
decisão sob censura» só poderá querer significar: «(i) a pura e simples omissão
pelo acórdão do conhecimento da questão controvertida, que teria sido, assim, de
facto ignorada»; «(ii) a total falta de fundamentação do dito acórdão, por não
explicitar, afinal, quais as razões que em “nada” levam a “abalar o entendimento
expresso na decisão sob censura”»; «(iii) ou o acolhimento por remissão das
razões da decisão argumentativa, sem consideração do suscitado em contrário da
mesma».
A nenhuma das elencadas das categorias se pode reconduzir, contudo, a asserção
que vem isolada.
E isto, desde logo pelo facto – que o recorrente, de resto, não pode
razoavelmente ignorar – de, na economia do discurso argumentativo seguido no
Acórdão, tal asserção constituir e se apresentar como o desenlace conclusivo e
lógico da ideia desenvolvida no parágrafo que imediatamente a precedeu e do qual
não pode naturalmente desligar-se.
No referido parágrafo escreveu-se o seguinte:
«No que finalmente concerne aos termos em que a decisão reclamada refutou a
possibilidade de, relativamente já ao crime de falsificação de documento
imputado a partir do contrato tido como pretensamente celebrado entre a
sociedade holandesa B. e o assistente C., haver o tribunal recorrido
implicitamente validado a aplicação do art. 256º, n.º1, do Código Penal com o
sentido pretendido confortar com a Constituição, o reclamante limita-se à
manifestação do seu discordante posicionamento perante a questão, nenhum
concreto argumento introduzindo justificativo de novo debate».
Assim sendo, parece evidente que, ao invés do que vem sustentado, o Acórdão que
se pretende ver aclarado não só não ignorou a questão suscitada na reclamação
sob a epígrafe «segunda situação», como mencionou as razões que em nada levavam
a abalar o entendimento expresso na decisão sob censura – a circunstância de não
existirem argumentos inovadores relativamente aos já desenvolvidos nos autos e
analisados na decisão reclamada –, sem deixar de considerar o suscitado em
contrário da mesma na reclamação - para dizer, justamente, que se tratava de uma
mera repetição do que havia sido já alegado e apreciado.
O Acórdão não sofre, portanto, de qualquer ambiguidade, razão pela qual o pedido
de aclaração deverá ser desatendido.
3. Termos em que, por carecer de fundamento, se indefere-se o pedido de
aclaração apresentado pelo recorrente.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de
conta.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2006
Rui Manuel Moura Ramos
Maria João Antunes
Artur Maurício