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Processo n.º 47/2007
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (LTC), do despacho de 27 de Novembro de 2006, que não admitiu recurso
para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de
4 de Outubro de 2006. Este acórdão negou provimento a recurso de acórdão do
Tribunal Central Administrativo, o qual rejeitara o recurso contencioso
interposto pelo recorrente de despacho do Ministro da Educação, despacho este
que indeferiu o recurso hierárquico do despacho do Secretário de Estado da
Administração Educativa que lhe impôs a sanção disciplinar de demissão.
Sustenta o reclamante que, contra o decidido pelo despacho
reclamado, deve entender-se que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo se
fundou numa norma determinante da irrecorribilidade do acto confirmativo,
devendo ser admitido a fazer sindicar pelo Tribunal Constitucional se essa
utilização se baseou num sentido inconstitucional dessa norma, como invocou nas
suas alegações de recurso para aquele Supremo Tribunal.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nos seguintes
termos:
“A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente.
Na verdade, o reclamante não delineou, com a precisão e clareza indispensáveis,
a questão de constitucionalidade que pretendia submeter à apreciação deste
Tribunal – especificando qual a base legal ou jurídica da interpretação
normativa que refutava de inconstitucional e fazendo-a coincidir inteiramente
com a aplicação normativa que constitui “ratio decidendi” do acórdão proferido
pelo STA. Ora, como se demonstra inteiramente no despacho reclamado, a “ratio
decidiendi” em que assentou o acórdão impugnado é diversa da interpretação
normativa, aliás insuficientemente densificada, que o ora reclamante delineou –
o que conduz naturalmente à inverificação dos pressupostos do recurso.”
2. Relevam para apreciação da reclamação as ocorrências processuais
seguintes:
a) Por acórdão de 30 de Novembro de 2005, o Tribunal Central
Administrativo Sul rejeitou o recurso contencioso que o ora reclamante interpôs
do despacho do Ministro da Educação que indeferiu recurso hierárquico que o
recorrente interpusera de despacho do Secretário de Estado da Administração
Educativa que lhe aplicara a pena disciplinar de demissão.
b) O ora reclamante recorreu deste acórdão para o Supremo Tribunal
Administrativo, tendo sustentado nas respectivas alegações, além do mais, que
“utilizando o conceito de ‘acto confirmativo’ que utilizou, o Acórdão recorrido
inviabiliza o direito de acesso à Justiça do Recorrente, para reagir contra as
imputações que lhe são feitas, nomeadamente as que constam das alíneas a) e b)
da Conclusão IV, e contra a falta de fundamento dessas imputações (Conclusões V
e VI).
Aplicou, assim, o mesmo Acórdão, norma (a definidora de acto aconfirmativo
irrecorrível, com sentido com que a aplicou) violadora do art. 20, n.º 1, da
Constituição”.
c) Por acórdão de 4 de Outubro de 2006, o Supremo Tribunal
Administrativo negou provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:
“3. Vejamos então. Resulta claramente do exposto que o despacho ministerial aqui
impugnado limitou-se a confirmar o acto punitivo, o despacho do Secretário de
Estado da Administração Educativa de 21.8.01, pois outra coisa não pode
extrair‑se do respectivo conteúdo: “Concordo pelo que confirmo o despacho de
21-08-01 do Secretário de Estado da Administração Educativa”. Ora, nestas
circunstâncias, é inquestionável que o acto impugnado não é um acto lesivo
passível de impugnação nos tribunais.
Com efeito, o acto punitivo, do SEAE, foi proferido ao abrigo da delegação de
poderes contida no despacho n.° 16.805/2001 (2.ª série), de 13 de Julho de 2001,
conferida pelo Ministro da Educação, despacho esse publicado no Diário da
República n° 185, II série de 10 de Agosto de 2001. Assim, o recurso contencioso
de acto praticado no uso de delegação ou subdelegação de poderes deve ser
interposto contra o acto do delegado ou subdelegado, que age em nome próprio mas
como se estivesse posicionado na escala hierárquica ao nível do delegante ou
subdelegante, isto é, sem necessidade de recurso hierárquico - art.°s 7 e 51,
n.° 1, alínea a), do ETAF e art.° 56 da LPTA, a contrario (acórdão STA de
21.1.03, no recurso 910/02). Trata-se de jurisprudência uniforme, podendo ver-se
ainda, como meros exemplos, os acórdãos STA de 13.5.04 no recurso 48143, de
25.9.03 no recurso 120/03 e de 15.5.03 no recurso 1802/02. Por outro lado, no
recurso contencioso, o recorrente não questionou a legalidade do acto de
delegação, nem tão pouco que nele não estivessem contidos os poderes para
praticar o acto primário (art.° 56 da LPTA), que, de resto, os abarcava como
pode ver-se da sua publicação. Se o acto do delegado é imediatamente impugnável
nos tribunais o recurso hierárquico dele interposto é meramente facultativo
(art.° 167, n.°s 1 e 2 do CPA). O que sucederá, todavia, é que se esse recurso
for facultativo o acto de indeferimento não será contenciosamente impugnável,
por falta de lesividade (art.° 268, n.° 4, da CRP). Nesta conformidade o recurso
contencioso deveria ter sido rejeitado, tal como se decidiu (art.° 57 do RSTA),
por falta de lesividade do acto recorrido.
O facto de o recorrente haver sido notificado do acto punitivo com a advertência
de que dele cabia “nos termos do art.° 75º do estatuto disciplinar recurso
hierárquico necessário, a interpor para o Secretário de Estado da Administração
Educativa no prazo de dez dias úteis” em nada altera a sua natureza e a sua
lesividade imediata. Por outro lado, a notificação ao referir que o recurso
hierárquico deveria ser interposto para a própria entidade decidente e ao
mencionar o art.° 75 do ED deixava perceber a incongruência do seu conteúdo,
primeiro porque não há lugar a recurso hierárquico para o próprio, e depois
porque o Secretário de Estado, face à delegação de competências, já era a
entidade a que se refere esse preceito. Portanto, tal como se decidiu, essa
conduta administrativa, a ter alguma relevância, só poderá ser ponderada no
âmbito da responsabilidade civil da Administração ou da responsabilidade
disciplinar de quem prestou tal informação.
Finalmente, também não havia que apreciar (nem pode apreciar-se) a legalidade, e
a eventual nulidade, do despacho do SEAE, de 21.8.O1, já que esse acto não era
objecto do recurso contencioso. Se é verdade que, nos termos do n.° 2 do art.°
134 do CPA, “A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e
pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou
por qualquer tribunal” não é menos verdade que, neste último caso, no âmbito do
contencioso administrativo, tal nulidade só poderia ser apreciada se o tribunal
conhecesse do mérito e já não se o processo terminasse em momento anterior,
designadamente com a rejeição do recurso contencioso, como sucedeu no caso dos
autos.
Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação do recorrente.”
d) Tendo o recorrente interposto recurso deste acórdão para o Tribunal
Constitucional, por requerimento em que se limitou a manifestar essa vontade,
foi convidado pelo relator do processo no Supremo Tribunal Administrativo a
“fundamentar o requerimento de interposição do recurso, referindo o preceito ou
preceitos que lhe servem de suporte”.
e) Tendo respondido nos seguintes termos:
“1 - O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo
70° da Lei n° 28/82 de 15 de Setembro.
2 - A norma cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver declarada, pelo
Tribunal Constitucional, é a que define o que é um acto administrativo
irrecorrível, por ser confirmativo, com o sentido com que foi utilizada pelo
Tribunal a quo.
Como se sabe, esta norma é de origem pretoriana ou jurisprudencial, pois que
nenhuma norma legislativa define esse conceito.
Tanto na decisão proferida em primeiro grau de jurisdição, como na decisão ora
recorrida, essa norma foi interpretada e aplicada no sentido que basta a
manutenção – pelo acto pretensamente confirmativo – da decisão em si mesma, sem
atenção à possível invalidade absoluta do acto pretensamente confirmado (o
recorrente invocou a sua nulidade) e sem atenção ao facto de o acto dito
confirmativo ter inovado e alterado os pressupostos da decisão e o recorrente
alegou que, precisamente, essa inovação atinge gravemente a sua honra e
dignidade.
Com esse sentido, essa norma inviabiliza qualquer possibilidade de o recorrente
ver limpa a sua honra e a sua dignidade, conduzindo a uma frontal denegação de
Justiça.
3 – Esta questão foi suscitada nos artigos 6°, 15°, 16° e 20º das alegações
produzidas no âmbito do recurso jurisdicional para o S.T.A. bem como na
Conclusão VII dessas alegações”.
f) Em 27 de Novembro de 2006, foi proferido despacho de não admissão do
recurso [despacho reclamado], com a seguinte fundamentação:
“2. Os recursos para o Tribunal Constitucional têm que se fundar ou na recusa em
aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou na aplicação de
preceitos que violem a Constituição. O recorrente invoca, como fundamento do seu
recurso, a alínea b) do n.° 1 do artigo 70 da Lei do Tribunal Constitucional,
segundo a qual cabe recurso para o TC das decisões que “Apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.”
O objecto de um recurso jurisdicional, qualquer que ele seja, é a decisão
recorrida e os respectivos fundamentos (art.° 676, n.° 1, do CPC). No caso em
apreço, o alvo do recurso é o acórdão deste Tribunal de fls. 164/173, que
apreciou um outro do TCA. A mera leitura do aresto mostra que o fundamento
exclusivo da improcedência do recurso foi a falta de lesividade do acto
administrativo impugnado, invocando-se para a fundamentar, apenas, uma norma
constitucional, o art.° 268, n.° 4, da CRP. De resto, em parte alguma do
decidido se fala em acto confirmativo, em sentido jurídico, não se indo além, aí
(parte inicial do ponto 3), de constatar uma realidade factual consistente na
circunstância de existir uma decisão que se limita a confirmar outra, realidade
factual que decorre textualmente do acto ministerial impugnado, de 13.3.02,
“Concordo pelo que confirmo o despacho de 21.08.01 do Secretário de Estado da
Administração Educativa”. A fundamentação jurídica do acórdão encontra-se no 2,°
parágrafo do ponto 3, e consiste, essencialmente, no seguinte “o recurso
contencioso de acto praticado no uso de delegação ou subdelegação de poderes
deve ser interposto contra o acto do delegado ou subdelegado ...“
identificando‑se de seguida o quadro jurídico aplicável, onde se não inclui
nenhum preceito ou princípio que diga respeito à confirmatividade.
Como se não aplicou nenhuma das normas e princípios referidos pelo recorrente o
recurso para o Tribunal Constitucional não é admissível.
Assim, nos termos do art.° 76, n.°s 1 e 2, da Lei n.° 28/82, de 15.11, (Lei do
TC) não admito o recurso.”
3. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC, das decisões dos demais tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo, de modo
processualmente adequado, em termos de o tribunal que proferiu a decisão
recorrida estar obrigado a conhecer dessa questão de constitucionalidade. E
incumbe sempre ao recorrente o ónus de indicar, logo no respectivo requerimento
de interposição, além do mais, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende
que o Tribunal aprecie (n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC).
No despacho sob reclamação entendeu-se que o acórdão recorrido não fez aplicação
da norma que o recorrente indicara no requerimento de interposição e que
consiste na “norma que define o que é um acto administrativo irrecorrível, por
ser confirmativo […] interpretada e aplicada no sentido que basta a manutenção –
pelo acto pretensamente confirmativo – da decisão em si mesma, sem atenção à
possível invalidade absoluta do acto pretensamente confirmado (o recorrente
invocou a sua nulidade) e sem atenção ao facto de o acto dito confirmativo ter
inovado e alterado os pressupostos da decisão”. Considerou-se que a
irrecorribilidade do acto impugnado foi fundamentada directamente do preceito
constitucional (n.º 4 do artigo 268.º da CRP) e que nunca o acórdão, nas normas
de direito ordinário que aplica, utiliza o conceito jurídico de acto
confirmativo.
Efectivamente, o acórdão não faz referência expressa à natureza meramente
confirmativa do acto recorrido para fundamentar a irrecorribilidade. Nega-lhe
lesividade com directa invocação do n.º 4 do artigo 268.º da Constituição. Ora,
esta directa subsunção da situação concreta que ao tribunal competia qualificar
ao preceito constitucional não pode constituir objecto de apreciação em recurso
para o Tribunal Constitucional, que só aprecia a conformidade à Constituição de
normas que as decisões dos demais tribunais tenham aplicado (ou a que tenham
recusado aplicação) e não dessas mesmas decisões, em sim mesmas consideradas. E
quanto ao direito ordinário, a fundamentação jurídica do acórdão, assenta nas
normas que se referem à natureza do recurso hierárquico como facultativo ou
necessário (artigo 167.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo) e
àquelas de que retira que o recurso contencioso de acto praticado no uso de
delegação ou subdelegação de poderes deve ser interposto contra o acto do
delegado ou subdelegado (artigos 7.º e 51.º, n.º 1, alínea a), do ETAF e artigo
56.º da LPTA) e à que prevê a rejeição do recurso contencioso em caso de
ilegalidade da sua interposição (artigo 57.º do RSTA).
É certo que pode sustentar-se que este entendimento redunda ou pressupõe uma
aplicação da noção de acto administrativo confirmativo de que este tipo de acto
seria uma subespécie. E que a própria referência directa ao preceito
constitucional implica a utilização de uma premissa intermédia implícita que
comporta esse conceito, porque o que está em causa é saber por que razão não se
reconhece lesividade ao acto proferido pelo delegante, naquelas circunstâncias
de relação entre os dois actos, para efeitos da garantia constitucional de
recurso contencioso. O facto de a decisão recorrida não referir expressamente
uma determinada norma (mediante a citação do preceito legal ou do nomen juris)
não a subtrai ao recurso de constitucionalidade, colocando apenas um problema
acrescido de interpretação da decisão para determinar se a norma em causa
integra ou não a sua ratio decidendi.
Sucede que uma proposição como a enunciada – que não emerge de um poder de
criação do direito “dentro do espírito do sistema” (cfr. acórdão n.º 264/98,
ATC, 39.º vol., pág. 551), mas que também não é uma mera criação jurisprudencial
ou doutrinal com função classificatória ou explicativa, porque o conceito de
acto confirmativo tem afloramentos positivos que lhe reconhecem valor
prescritivo (cfr. artigo 55.º da LPTA, artigo 53.º do CPTA e da alínea d) do n.º
1 do artigo 150.º do CPA) –, para que pudesse ser objecto do recurso de
constitucionalidade, teria de ser referida à fonte normativa de que o acórdão,
implícita ou explicitamente, a teria extraído. Não foi o que o recorrente fez,
mesmo agora na reclamação, insistindo na indicação da norma “de origem
pretoriana ou jurisprudencial” relativa ao conceito de acto confirmativo,
abstraindo da base legal de que o acórdão recorrido se serviu para concluir pela
irrecorribilidade dos actos do delegante que confirme (hoc sensu mantenha a
decisão) o acto do delegado. Ao proceder deste modo, o recorrente não propõe à
fiscalização de constitucionalidade a norma efectivamente aplicada pelo acórdão
recorrido.
Assim, sendo certo que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar se com a
fundamentação adoptada o acórdão recorrido deu resposta acertada, ou sequer
suficiente, às questões que efectivamente lhe eram colocadas, o recurso de
constitucionalidade não podia ser admitido porque a ratio decidendi do acórdão
recorrido contém elementos normativos que não são incluídos na proposição que o
recorrente delineou e o Tribunal não pode substituir-se ao recorrente nessa
indicação.
Consequentemente, a reclamação do despacho que não admitiu o recurso de
constitucionalidade tem de ser indeferida.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas
custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2007
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício