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Processo n.º 16/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
  
 
               Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 11 de Janeiro de 2008, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não tomar 
 conhecimento do recurso.
 
  
 
                         1.1. A decisão sumária reclamada tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 24 de Outubro 
 de 2007, que julgou improcedente recurso pelo mesmo deduzido contra o acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Fevereiro de 2007, que confirmara a sua 
 condenação, decretada pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca 
 de Oeiras, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, 
 previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de 
 Janeiro, com referência à Tabela I‑B e C, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
 
             De acordo com o requerimento de interposição de recurso, o 
 recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie «a questão da 
 inconstitucionalidade dos artigos 187.º e 188.º do Código [de Processo] Penal, 
 por violação, entre outros, dos n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição da 
 República Portuguesa», questão essa que «já foi anteriormente suscitada pelo 
 recorrente», sem, contudo, identificar a peça processual em que teria sido 
 suscitada a questão da inconstitucionalidade, como é exigido pelo n.º 2 do 
 artigo 75.º‑A da LTC.
 
             O recurso foi admitido por despacho do Conselheiro Relator do STJ, 
 decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (n.º 3 do 
 artigo 76.º da LTC); e, de facto, no presente caso, o recurso surge como 
 inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de não 
 conhecimento do objecto do recurso, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
             2. Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 
 
 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 
             Ora, nas peças processuais endereçadas ao STJ – a motivação do 
 recurso constante de fls. 2849 a 2876 e as alegações escritas constantes de 
 fls. 2931 a 2934 – nunca o recorrente suscitou qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, designadamente tendo por objecto qualquer 
 norma reportada aos artigos 187.º e 188.º do Código de Processo Penal (CPP).
 
             O aduzido pelo recorrente naquela motivação foi sintetizado nas 
 seguintes conclusões:
 
  
 
             «1.ª – Muito embora seja jurisprudência assente que a matéria de 
 facto considerada assente é, em princípio, insindicável perante o STJ, o facto 
 
 é que tal regra não tem aplicação, caso se verifiquem, no texto da decisão 
 recorrida, os vícios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do 
 CPP.
 
             2.ª – Na decisão recorrida, embora o Tribunal a quo se tenha 
 debruçado sobre o recurso da matéria de facto, fê‑lo ao arrepio das regras da 
 experiência comum, e bem assim sem examinar de forma crítica a prova.
 
             3.ª – Pois caso o Tribunal tivesse analisado criticamente as 
 questões que em matéria de facto lhe foram colocadas, estamos convictos que a 
 decisão passaria lógica e necessariamente pela alteração dos factos 
 considerados provados, tal como pretendido pelo recorrente, no que tange aos 
 pontos B) e E) da decisão da primeira instância.
 
             4.ª – Ao manter a decisão da primeira instância, de cujo texto 
 consta que nos casos em que apenas existiam intercepções sem outro suporte 
 probatório, os factos foram considerados não provados, e ao mesmo tempo 
 alicerçando a prova desses factos nas intercepções telefónicas, incorre no erro 
 de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (alínea b) do n.º 2 
 do artigo 410.º do CPP).
 
             5.ª – Nem se diga que tais factos foram correctamente julgados 
 provados com base no depoimento das testemunhas de acusação, dado que caso o 
 Tribunal tivesse, como a lei impõe, procedido ao exame crítico do depoimento 
 destas testemunhas, atentas as múltiplas contradições que flúem do respectivo 
 confronto, facilmente concluiria que o mesmo não foi sério, foi inseguro e 
 parcial.
 
             6.ª – Face a tão gritantes discrepâncias, não poderemos deixar de 
 considerar como instalada a dúvida determinante da actuação do princípio in 
 dubio pro reo, através de cujo funcionamento deverão os factos ora referidos 
 ser considerados como não provados.
 
             7.ª – A não aplicação deste princípio consubstancia um vício de erro 
 notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do 
 CPP.
 
             8.ª – Devendo tal vício ser declarado e o arguido ser absolvido da 
 prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 
 
 21.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
 
             9.ª – Cumulativamente, em sede de exame crítico da prova, uma 
 decisão deve basear‑se num processo lógico coerente e racional, sendo que a 
 decisão recorrida, neste particular, ao considerar os factos provados, 
 alicerçando‑se para tal no depoimento das testemunhas de acusação, que referiu 
 ser ‘sério, seguro e isento ...’, quando, na realidade, não foi sério, foi 
 inseguro e parcial, manifestamente violou o disposto no n.º 2 do artigo 374.º, 
 
 última parte, do CPP.
 
             10.ª – Assim, no que tange a estes factos, a decisão recorrida 
 surge como uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória e materialmente 
 violadora das regras de experiência comum, sendo a decisão nula, nos termos da 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, nulidade que ora se argúi.
 
             Subsidiariamente:
 
             11.ª – Na hipótese de V.as Ex.as considerarem não verificado o 
 vício invocado na alínea anterior e a arguida nulidade, o recorrente considera 
 que a subsunção dos factos ao ilícito previsto no n.º 1 do artigo 21.º do 
 Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não foi correcta desde logo porque o 
 
 ‘valor de mercado’ dos produtos estupefacientes ronda os 800 €.
 
             12.ª – Além disso, a propósito do haxixe convém referir que, 
 conforme repetidamente tem decidido o Supremo Tribunal, pese embora a quantidade 
 seja importante, não é, em muitos casos, o aspecto decisivo da valoração.
 
             13.ª – Na verdade o legislador, nomeadamente através da Portaria n.º 
 
 94/96, de 26 de Março, visa punir o princípio activo, ou seja, o grau de pureza 
 da droga detida e não os diversos ‘cortes’ operados nas diversas fases do 
 percurso, sendo que ao consumidor final pouco terá chegado do respectivo 
 princípio activo.
 
             14 – A jurisprudência do STJ, nomeadamente processo n.º 2940/05‑5, 
 de 29 de Novembro de 2005, entende que o grau de pureza é de cerca de 20%, ou 
 seja, o princípio activo detido e a punir é inferior a 100 gr, no caso do 
 haxixe, e da cocaína é inferior a l gr!...
 
             15.ª – Em face do exposto, entendemos que a correcta subsunção dos 
 factos ao direito deverá fazer com que os mesmos recaiam na previsão da 
 alínea a) do artigo 25.º do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, para o 
 qual deverão ser convolados.
 
             16.ª – Devendo ser‑lhe aplicada pena de prisão não superior a 3 
 anos de prisão, suspensa na respectiva execução por 5 anos, com sujeição a 
 regime de prova.
 
             Caso assim se não entenda, o que se admite embora sem conceder, 
 sempre se dirá que o recorrente discorda:
 
             17.ª – Considerando os seguintes factos provados, mantidos pelo 
 tribunal recorrido:
 
             a) Designadamente o recorrente ser oriundo de uma família numerosa 
 de estrato sócio‑económico baixo, tendo feito o seu processo de socialização num 
 bairro degradado do concelho de Oeiras, sempre ter trabalhado;
 
             b) À data transportava vendedoras de peixe para a Docapesca, ter 
 filhos menores a seu cargo, o bairro onde vive é, porém, conotado com a 
 marginalidade e a delinquência, tem oferta de emprego no ramo da construção 
 civil;
 
             c) A que acresce, ao contrário do que consta dos factos provados, a 
 quantidade de estupefaciente alegadamente apreendida em casa do arguido não é 
 
 4,176 gr, mas sim de 3,958 gr, tal como consta da decisão instrutória a fl. 16, 
 portanto trata‑se de uma reduzida quantidade de estupefaciente;
 
             d) Quanto ao estupefaciente alegadamente entregue ao arguido Ricardo 
 Coelho, o mesmo é haxixe, logo uma droga leve, cujos efeitos perniciosos são 
 substancialmente menos graves que os das restantes substâncias.
 
             18.ª – Em face de todo o exposto, a correcta e ponderada apreciação 
 de todas as circunstâncias atenuantes que militam a favor do recorrente, à luz e 
 atentos os critérios referidos nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, deverá 
 conduzir à aplicação de pena não superior a 4 anos e 6 meses de prisão.
 
             19.ª – O tribunal a quo violou o disposto nos artigos 410.º, n.º 2, 
 alíneas b) e c), do CPP, artigos 70.º e 71.º do Código Penal, alínea c) do n.º 1 
 do artigo 379.º do CPP e alínea a) do artigo 25.º do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 
 
 22 de Janeiro.»
 
  
 
             Conforte se constata, nenhuma questão de inconstitucionalidade 
 normativa foi suscitada nesta peça processual, mormente reportada aos artigos 
 
 187.º e 188.º do CPP. E o mesmo ocorre com as alegações escritas apresentadas 
 pelo recorrente no STJ, em que, após sintetizar as posições já defendidas na 
 motivação do recurso, concluiu em termos idênticos aos da conclusão 19.ª desta 
 motivação.
 
             Não tendo o recorrente suscitado, perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, antes da prolação desta, a questão de inconstitucionalidade 
 que pretende ver apreciada, o presente recurso surge como inadmissível, o que 
 determina o não conhecimento do seu objecto.
 
             A isto acresce que nem no pedido de aclaração do acórdão recorrido 
 
 (fls. 3046), apesar de tal não constituir momento oportuno para o levantamento 
 de questões de inconstitucionalidade de normas aplicadas na decisão aclaranda, o 
 recorrente suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. E nem 
 sequer no requerimento de interposição de recurso (apesar da tal ser igualmente 
 momento inoportuno para o efeito) a questão de inconstitucionalidade foi 
 adequadamente identificada, pois como tal não se pode considerar a mera 
 afirmação de que os artigos 187.º e 188.º do CPP violam, entre outros, os n.ºs 1 
 e 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pois, contendo 
 aqueles preceitos, cada um deles desdobrado em diversos números, uma 
 multiplicidade de normas, não especifica o recorrente qual ou quais normas 
 contidas nesses preceitos reputa inconstitucionais nem substancia as razões 
 pelas quais entende que as mesmas violam os n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º da CRP.
 
  
 
             3. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 
 
 78.º‑A da LTC, não conhecer do objecto do presente recurso.
 
             Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 7 (sete) 
 unidades de conta.”
 
             
 
                         1.2. A reclamação para a conferência apresentada pelo 
 recorrente é do seguinte teor:
 
  
 
             “A decisão sumária da qual ora se reclama considerou que nenhuma 
 questão de inconstitucionalidade normativa havia sido suscitada anteriormente, 
 nomeadamente a reportada aos artigos 187.º e 188.º do CPP, pelo que o recurso é 
 inadmissível, determinando‑se o não conhecimento do respectivo objecto.
 
             O recorrente jamais pode concordar com tal argumentação, dado que a 
 mesma não espelha o que consta dos autos.
 
             Senão vejamos:
 
             No requerimento de abertura de instrução a fls. 1312 a 1325 foi 
 suscitada a questão da inconstitucionalidade dos artigos 187.º e 188.º do CPP.
 
             Na decisão instrutória proferida a fls. …, datada de 6 de Abril de 
 
 2005, foi a questão apreciada pela 1.ª Instância e indeferidas as nulidades 
 arguidas.
 
             De tal decisão interpôs o recorrente o competente recurso para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, a fls. 1523 e seguintes, o qual foi admitido a 
 fls. 1550.
 
             Através de acórdão da Relação, proferido a 12 de Outubro de 2005, no 
 proc. n.º 6814/05, foi o recurso da decisão instrutória julgado improcedente, 
 sendo que de resto o apenso de tal decisão consta do presente processo.
 
             Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional, entre 
 outros, de decisões «… que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido 
 suscitada durante o processo…».
 
             Foi manifestamente o que aconteceu in casu, pelo que, sob pena de 
 violação flagrante do n.º 1 do artigo 32.º da CRP, deveria o objecto do recurso 
 ter sido julgado.
 
             Termos em que deve a presente reclamação ser julgada procedente e, 
 em consequência, deverá ser ordenado o prosseguimento dos autos, com julgamento 
 do objecto do recurso e declaração de inconstitucionalidade normativa, tal como 
 requerido.”
 
  
 
                         1.3. O representante do Ministério Público junto deste 
 Tribunal, notificado da reclamação deduzida, apresentou resposta considerando a 
 reclamação “manifestamente improcedente”, pois, “na verdade, a argumentação do 
 reclamante em nada abala os fundamentos da decisão reclamada, no que toca è 
 evidente inverificação dos pressupostos do recurso interposto”. 
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Como se salientou na decisão sumária ora reclamada, 
 sendo objecto do presente recurso uma decisão proferida pelo STJ, só são 
 relevantes para apuramento do cumprimento, pelo recorrente, do requisito da 
 prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, as peças processuais por ele endereçadas ao STJ ou 
 nele produzidas. Ora, como se demonstrou na decisão sumária – neste ponto, sem 
 contestação do recorrente –, nessas peças (motivação do recurso e alegações 
 escritas) não foi suscitada nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, 
 designadamente reportada aos artigos 187.º e 188.º do CPP.
 
                         A isto acresce que, como na mesma decisão sumária se 
 sublinhou, “nem sequer no requerimento de interposição de recurso (apesar da 
 tal ser igualmente momento inoportuno para o efeito) a questão de 
 inconstitucionalidade foi adequadamente identificada, pois como tal não se pode 
 considerar a mera afirmação de que os artigos 187.º e 188.º do CPP violam, entre 
 outros, os n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa 
 
 (CRP), pois, contendo aqueles preceitos, cada um deles desdobrado em diversos 
 números, uma multiplicidade de normas, não especifica o recorrente qual ou 
 quais normas contidas nesses preceitos reputa inconstitucionais nem substancia 
 as razões pelas quais entende que as mesmas violam os n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º 
 da CRP”. Também este fundamento da decisão sumária não foi objecto de 
 contestação por parte do recorrente.
 
  
 
                         3. Em face do exposto, acorda‑se em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 
 
 Lisboa, 31 de Janeiro de 2008.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos