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Processo nº 566/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que
figura como recorrente A. e como recorrido o Secretário de Estado dos Recursos
Humanos e da Modernização da Saúde, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu o
seguinte acórdão, datado de 16 de Fevereiro de 2006:
1 – RELATÓRIO
1.1 Na sequência do despacho do Sr. Presidente do STA, de 28-4-05, a fls.
412-417, foi admitido o recurso jurisdicional do Acórdão do TCA Sul, de
16-12-04, que julgou improcedente o recurso contencioso interposto pelo aqui
Recorrente A., do despacho do Secretário de Estado dos Recursos Humanos e
Modernização da Saúde, 15‑3‑01, que negou provimento ao recurso do acto de
homologação da lista de classificação final do concurso interno geral de
provimento na categoria de chefe de serviço na área de cardiologia da carreira
médica hospitalar do quadro de pessoal médico do Hospital Santo André – Leiria,
aberto pelo Aviso n° 1817/99, publicado no DR, II Série, de 27-7-99.
Nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
“A – Cabe primeiramente enunciar o que se entende, com o devido respeito,
constituir o núcleo essencial à arguição de nulidade: a omissão de pronúncia
consubstanciada na verdadeira denegação de justiça ao referir, constatando, a
violação de princípios fundamentais e todavia recusar-se a decidir, senão
atente-se no exarado a fls. 192: (...).
B – Deste modo se exige, no mesmo raciocínio, que indiciado fosse nos autos o
favorecimento, de facto, por parte de elementos de júri de um determinado
candidato, para logo a seguir se afirmar que a “demarche” documentalmente
demonstrada não deve constituir fundamento da anulação do acto, sendo certo que
no mesmo raciocínio se reconhece que tal fundamento poderá ter posto em causa a
salvaguarda objectiva dos princípios da transparência, justiça e imparcialidade.
C – O simples reconhecimento do fundamento constitutivo da violação dos
princípios que regem os procedimentos concursais, a simples dúvida sobre a sua
observância, determinariam a anulação do concurso, quanto mais o reconhecimento
da não salvaguarda de tais principias em face da prova documental junta aos
autos.
D – Neste sentido se refere o Ac. STA, de 16.04.98, 1ª Subsecção do contencioso
administrativo, quando considera (...).
E – Ora se alegada foi no pedido a violação do princípio da imparcialidade,
cumpria ao Tribunal “a quo” pronunciar-se, decidir a questão concreta e não
discuti-la em termos abstractos, pelo que a recusa em decidir sobre a
constatação que faz da forma como tal princípio foi posto em causa configura
verdadeira denegação de justiça.
F – Cumpria, em sede judicial, sancionar a falta grave da Administração quanto
ao dever de imparcialidade, tanto mais que este é, no dizer da Mário Esteves de
Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim – Código do Procedimento
Administrativo, comentado, Vol. 1, pág. 157, o princípio de eleição no seio dos
princípios gerais, sendo um meio para a realização de uma exigência de
objectividade final da actividade administrativa, tendo uma projecção essencial
na valoração dos factos, exigindo uma postura isenta na busca e ponderação da
decisão quanto aos diversos interessados.
G – Pelo que se revela obscura, contraditória e insuficiente a fundamentação e,
consequentemente, enferma de absoluta falta de fundamentação, por ofensa do
disposto nos artigos 268°, n° 3 da C.R.P., 660°, n° 2 e 668°, n° 1, alínea b) do
CPC.
H – Não se compreende afigurar-se temerária a anulação do acto sem que se
explicitem as razões que fundamentam tal afirmação, quando reconhecido é o
pressuposto daquela, é denegar justiça, é concluir num non liquet inadmissível
porque documentado o fundamento da alegação de um tal pressuposto.
I – E também violado o princípio da imparcialidade aquando da criação pelo júri
de sub-critérios, autonomamente pontuáveis, ainda que totalmente enquadrados nos
critérios definidos pelas regras do concurso, devendo ser qualificada como
alteração de regras do concurso a alteração de regras de classificação dos
candidatos.
J – O princípio da imparcialidade, consagrado no art. 266 n° 2 da Constituição e
no art. 6° do Código do Procedimento Administrativo, impõe que nos concursos
públicos o júri não possa alterar as regras que regem a classificação dos
candidatos a partir do momento em que puder dispor do conhecimento dos elementos
concretos em que a classificação se deve basear.
K – No caso de concursos públicos para empreitadas e fornecimentos, o princípio
da imparcialidade impede que o júri crie sub‑critérios a partir do momento em
que sejam conhecidas as propostas apresentadas.
L – No caso de concursos públicos para recrutamento, promoção ou provimento de
pessoal, em que as classificações se baseiam não em propostas, mas na própria
avaliação dos candidatos e do seu currículo, o princípio da imparcialidade
impede que o júri crie sub-critérios de classificação a partir do momento em que
seja conhecida a identidade dos candidatos.
M – No caso vertente, em que se trata de um concurso para provimento de pessoal
em que a classificação se baseia na avaliação dos candidatos e dos seus
currículos, o princípio da imparcialidade impede o júri de criar sub-critérios a
partir do momento em que sejam conhecidos os candidatos, tal como se encontra
aliás consagrado no n° 43, alínea b) da Portaria que rege o concurso.
N – O n° 61 da Portaria que rege o concurso, determinando que o júri exare em
acta, até serem conhecidos os currículos e iniciadas as provas, os sub-critérios
por si definidos, não pode ser interpretado em contradição com o n° 43, alínea
b) da Portaria, pois uma tal interpretação envolveria, não só a inutilização do
n° 43, alínea b), como a violação do princípio da imparcialidade, o que se não
deve presumir.
O – Daí que o n° 61 deva ser interpretado no entendimento de que os critérios
que o júri pode exarar em acta antes da entrega dos currículos e do início das
provas, devam reflectir os critérios deliberados anteriormente pelo júri ao
abrigo do n° 43, alínea b), ou seja, antes do termo do prazo para apresentação
das candidaturas.
P – A classificação dos candidatos no concurso, tendo-se baseado em
sub-critérios exarados pelo júri em acta que não se baseou em deliberação tomada
nos termos do n° 43, alínea b) da citada Portaria, é ilegal e juridicamente
inválida, devendo ser contenciosamente anulada, por violação directa deste n°
43, alínea b) e do princípio da imparcialidade da Administração Pública.
Normas violadas:
– Artigos 660º, n° 2, 668°, n° 1, do CPC, 262°,n° 2, 268°, n° 3, da CRP, 6° do
CPA
– n° 43, 59 e 61 do Regulamento dos Concursos de Provimento para Chefe de
Serviço da Carreira Médica Hospitalar aprovado pela Portaria n° 177/97, de
11.03.
Princípios violados: Imparcialidade, transparência, igualdade,
proporcionalidade, justiça e boa fé.
Termos em que deve julgar-se tempestivo o recurso interposto, nos termos e com
os fundamentos expostos, ou se assim se não entender o que não se concede ser
julgado procedente o invocado justo impedimento,
E nos termos constantes das proposições conclusivas supra deve ser reconhecida a
nulidade do acórdão recorrido, com os devidos efeitos, ou se assim se não
entender e na procedência da anulabilidade da decisão ser revogado e substituído
por outro que conhecendo dos vícios imputados ao concurso sub judice declare a
procedência do recurso contencioso de anulação, com as legais consequências.” –
cfr. fls. 458-463.
1.2 O Recorrido Particular nas suas contra-alegações enuncia as seguintes
conclusões:
“A – Não é legítimo ao recorrente concluir por denegação de justiça, por o
Tribunal “a quo”, ter apreciado um eventual contacto entre o Hospital de Santo
André (Leiria) e o recorrido particular, e ter considerado que o mesmo não teve
qualquer influência no resultado do concurso.
Não pode o recorrente querer limitar a valoração da prova, ao Tribunal “a quo”.
B – O facto do Tribunal “a quo”, especular que abstractamente a “demarche”, do
H. St° André, poderia inquinar a isenção do júri, não significa que tivesse de
assim concluir. E concluir que tal não teve relevância para o despacho concreto
do concurso.
C – O Tribunal” a quo”, não reconheceu que houvesse qualquer violação dos
princípios gerais dos concursos. Teve presente o particular do concurso sub
judice.
D – O Tribunal “a quo”, como vai dito logo na parte introdutória não violou
qualquer alínea do artigo 668° do C.P.C.
E – O Tribunal “a quo” decidiu concretamente pela improcedência da violação do
princípio da imparcialidade. Só não afeiçoou a sua decisão aos desígnios do
recorrente.
F – Ainda quanto à imparcialidade, o Tribunal “quo”, não podia ser mais
objectivo, ao invés do recorrente meramente especulativo, o Tribunal aplicou a
sua interpretação e decisão ao caso concreto. Não tendo navegado por concurso de
empreitada ou outros. Antes, e muito bem, se balizou num concurso para cargo
dirigente da administração, concretamente director dos serviços de cardiologia.
G – A decisão do Tribunal é completamente fundamentada, e bem, só que como não
pode deixar de ser não dá guarida às teses amplas e não concretas do recorrente.
H – A anulação do presente recurso seria realmente temerária e não levaria a
resultados diferentes do presente concurso, como já se disse estamos perante um
concurso que sofre limitações próprias da sua natureza, limitada a um pequeno
conjunto de concorrentes e um diminuto grupo de jurados. E esta realidade
subjacente que leva um – Tribunal a decidir, a suprir os diferendos, não
perdendo de vista a envolvência de todos os factos.
Não estamos a decidir na especulação pura e simples, mas no caso concreto.
1 – Os sub-critérios, filiados nos critérios base são até uma auto-limitação do
júri, e nunca por nunca ser uma alteração das regras do concurso. A sua não
definição é que largaria o júri ao vento da sua discricionariedade.
E não é por acaso que o recorrente não ataca qualquer valoração, sua, a esta
luz, pois bem sabe que no caso concreto nada foi incorrectamente apreciado.
J – O júri não alterou o que quer que seja após ter contactado com os curricula
dos candidatos, confiram-se as duas actas do júri, antes de abertos os
curricula.
K – Como já vai dito, escusamo-nos a repetirmo-nos, o concurso de empreitada tem
um outro substrato, que não é possível de comparação com um concurso para um
dirigente da Administração.
L/M – Na lógica vertida pelo recorrente neste particular, teríamos uma
impossibilidade factual de abrir concursos como o presente, de haver provas de
doutoramento, concurso para professor auxiliar, extraordinário ou
catedrático...!
N/O – O recorrente responde a si próprio pondo dois normativos em contradição.
“Tapando o Sol com a peneira”.
P – Não consegue o recorrente fazer vingar a sua tese subjectiva, e nada leva ao
caso concreto.
Inexistente a violação de qualquer norma ou regulamentos e muito menos foram
violados princípios, da imparcialidade, da transparência, da igualdade, da
proporcionalidade, da justiça e da boa fé.
Tanto quanto o “sistema” permite.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado improcedente, por não
concretizar qualquer desvantagem para o recorrente, por ausência de qualquer
vício de lei o de princípios.
Confirmado o acórdão recorrido com todas as legais consequências.” – cfr. fls.
509-510.
1.3 A Entidade Recorrida, tendo contra-alegado, apresenta as seguintes
conclusões:
– O presente recurso jurisdicional é intempestivo pelo que deverá ser
liminarmente rejeitado;
22 – Quando assim não se entendesse, o que só por mera cautela de patrocino se
está a admitir sempre deverá o recurso improceder na totalidade uma vez que o
acórdão recorrido não padece de quaisquer dos vícios que lhe são imputados.” –
cfr. fls. 522.
1.4 No seu Parecer de fls. 526, o Magistrado do M. Público, louvando-se na
argumentação aduzida no despacho do Relator do processo no TCA, de fls. 489/490,
considera ser extemporâneo o recurso jurisdicional.
1.5 Colhidos os vistos cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
2 – A MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto pertinente é a dada como provada no Acórdão recorrido, que
aqui consideramos reproduzida, como estabelece o n° 6, do artigo 713° do CPC.
3 – O DIREITO
3.1 Como já atrás se assinalou, o presente recurso jurisdicional foi admitido na
sequência do despacho do Sr. Presidente deste STA, que, assim, deferiu a
reclamação apresentada pelo Recorrente quanto ao despacho do Relator que não
tinha admitido o recurso, por o considerar intempestivo.
Porém, de acordo com o preceituado no n° 2, do artigo 689° do CPC tal decisão, a
mandar admitir o recurso, não obsta a que o Tribunal “ad quem” decida em sentido
contrário.
Sucede, precisamente, que, no caso dos autos e, contra o que defende o
Recorrente, o recurso jurisdicional é extemporâneo, como se demonstrará de
seguida.
Com efeito, o recurso jurisdicional em questão foi interposto de um Acórdão do
TCA proferido, em 16-12-04, no âmbito de um recurso contencioso interposto, na
vigência da LPTA, pelo Recorrente, em 9-4-01 (cfr. fls. 2).
Acontece que, por força do n° 1, do artigo 5° da Lei n° 15/2002, de 22-2, que
aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), as
disposições do CPTA não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à
data da sua entrada em vigor, apenas se exceptuando de tal regra as situações
contempladas nos n°s 2 e 4 do citado artigo 5º.
Vide, neste sentido os Acs. deste STA, de 3-6-04 – Rec. 0381/04 e de 26-10-04 –
Rec. 0379/04.
Ora, sendo patente que o processo onde foi proferido a já mencionado Acórdão se
encontrava pendente à data da entrada em vigor do CPTA e sendo também
inquestionável que nos não encontramos em face de um requerimento para o
decretamento de uma previdência cautelar ou perante um processo executivo, temos
que se terá de observar a regra contida no já referido n° i, do artigo 5°, a
isso não obviando o que se fez constar do n° 3, do dito preceito, onde o
Legislador se limita a reafirmar a não aplicação da lei nova (o CPTA), naquelas
situações em que esta exclua um recurso anteriormente admitido ou introduza um
novo recurso antes não previsto, deste modo reiterando a regra já contemplada na
dito n° 1.
Ou seja, no caso em análise, o recurso jurisdicional deveria ter sido interposto
no prazo de 10 dias, nos termos das disposições combinadas dos artigos 102° da
LPTA e do n° 1, do artigo 685° do CPC, não se aplicando, por isso, o prazo de 30
dias, a que alude o n° 1, do artigo 144° do CPTA.
Este entendimento, diversamente do que sustenta o Recorrente, em nada contende
com qualquer preceito ou garantia constitucional.
Na verdade, sendo líquido que a questão se não reconduz à existência ou
inexistência de recurso jurisdicional, – e, mesmo assim importa reter que a CRP,
fora da matéria penal ou naqueles casos em que se esteja perante uma decisão
judicial que afecte um direito fundamental, não consagra um direito, irrestrito
e genérico, ao duplo grau de jurisdição (ver neste linha, entro outros os Acs.
do TC nos 31/87 e 65/88) –, não se vê em que medida é que a aplicação da LPTA se
consubstancie na diminuição de qualquer garantia constitucional do Recorrente,
sendo que a fixação do prazo de 10 dias para a interposição de recurso, não se
reconduz numa qualquer restrição ao direito de recorrer, sabido que este direito
terá de ser exercido de acordo com os prazos previstos na lei processual, a
menos que estes, pela sua exiguidade, acabem, na prática, por conduzir à
eliminação ou seria obstaculização do direito ao recurso, o que, manifestamente,
não é o que se verifica no caso vertente, já que o dito prazo de 10 dias é
perfeitamente compatível com a possibilidade de o Recorrente analisar e avaliar
os fundamentos da decisão judicial, com vista ao exercício consciente, fundado e
eficaz do seu direito ao recurso jurisdicional, tanto mais que, neste fase, se
trata apenas de elaborar o requerimento de interposição de recurso e não de
alegar desde logo, não se vislumbrado qualquer apoio no texto constitucional
para a aplicação da lei nova (CPTA) ao prazo para interposição de recurso.
3.2 Por último, é, também, insubsistente a pretensão do Recorrente em ver
admitido o recurso por via da invocação de justo impedimento, na medida em que o
mesmo a pretende fazer radicar numa alegada incerteza ao nível do quadro legal
aplicável.
E, isto desde logo, por se não aplicar ao caso dos autos o disposto na alínea
b), do n°4, do artigo 58° do CPTA.
De facto, como já atrás se salientou, tal Diploma Legal não é aplicável à
situação em discussão, a isso se opondo o estipulado no n° 1, do artigo 50 da
Lei n° 15/2002, sendo que, de qualquer maneira o questionado preceito (mesmo que
aplicável fosse, e já vimos que não é), se reporta aos prazos para a impugnação
dos actos anuláveis, não estatuindo directamente quanto ao prazo para
interposição de recurso jurisdicional.
Acresce que a situação invocada pelo Recorrente também se não enquadra na
previsão do artigo 146° do CPC, uma vez que não deparamos com um qualquer evento
osbstaculizante da prática atempada do acto (interposição do recurso
jurisdicional) não imputável à Parte ou aos seus representantes ou Mandatários,
não ofendendo este entendimento qualquer garantia constitucional do Recorrente,
já que se o recurso não foi interposto em tempo tal não se ficou a dever à
aplicação de uma qualquer norma que inviabilizasse ao Recorrente o acesso ao
direito e aos tribunais, até porque, se na óptica do Recorrente, o quadro legal
aplicável era dúbio, então, por uma elementar regra de prudência, talvez devesse
ter interposto o recurso no prazo que julgasse ser o menor, deste modo se
precavendo contra qualquer tipo de “surpresa” quanto ao entendimento que o
Tribunal viesse a acolher.
3.3 E, assim, de concluir pela intempestividade na interposição do recurso
jurisdicional, não se podendo, consequentemente, conhecer do seu objecto.
O recorrente arguiu a nulidade do acórdão de 16 de Fevereiro de 2006
(requerimento de fls. 547 e ss.), arguição desatendida por acórdão de 16 de
Abril de 2006 (fls. 591 e ss.).
2. A. interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
A., recorrente nos autos em epígrafe, não obstante a nesta data arguida nulidade
do acórdão, vem, por cautela e desde já interpor recurso do mesmo para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art. 70º da Lei
Orgânica do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo que julgou findo o recurso por concluir pela intempestividade na
interposição do recurso jurisdicional. O acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo não admite (na versão aí colhida) já recurso ordinário.
O recurso é interposto para o Tribunal Constitucional
No âmbito do processo de fiscalização concreta ao abrigo do disposto na alínea
b) do n° 1 do art. 70° da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actual,
por
a) se encontrar em tempo, nos termos do disposto no art. 75°, n° 2, da citada
Lei do Tribunal Constitucional
b) ter legitimidade (art. 72°, n° 1, alínea b)), e
c) o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo ser recorrível, nos
termos do referido art. 70º e se haverem esgotado (na versão aí acolhida) os
recursos ordinários que no caso cabiam (art. 70°, n° 2).
Pretende-se, atento o disposto no art. 75°- A, n° 1, da Lei do Tribunal
Constitucional, que seja apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do
preceito do artigo 5°, n° 3, da Lei 15/2002, de 22.02, decorrente da
interpretação feita no acórdão recorrido, suscitada nas alegações de recurso
apresentadas ao abrigo do disposto nos arts. 140° e ss do CPTA e na reclamação
do despacho de não admissão do recurso jurisdicional interposto ao abrigo das
normas constantes dos arts. 1400 e ss do CPTA
Estabelece o artigo 5° da Lei 15/2002, de 22.02 que
Disposição transitória
1. As disposições do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não se
aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor.
2. Podem ser requeridas providências cautelares ao abrigo do novo Código, como
incidentes, de acções já pendentes à data da sua entrada em vigor.
3. Não são aplicáveis aos processos pendentes as disposições que excluem
recursos que eram admitidos na vigência da legislação anterior, tal como também
não o são as disposições que introduzem novos recursos que não eram admitidos na
vigência da legislação anterior.
4. As novas disposições respeitantes à execução das sentenças são aplicáveis aos
processos executivos que sejam instaurados após a entrada em vigor do novo
Código.
A interpretação da norma acolhida pelo acórdão recorrido reproduz o sentido
interpretativo do despacho reclamado e confirma o entendimento sufragado nos
arestos do STA (3-6-04 Rec. 0381/04 e de 26-10-04 Rec. 0379/04)
Pretende-se, por isso, que o Tribunal Constitucional aprecie da
inconstitucionalidade da norma retirada da conjugação do art. 50 n°s 1 e 3, da
Lei 15/2002, de 22.02, na interpretação acolhida no acórdão recorrido, ou seja,
a de que
a) na interposição de recurso jurisdicional em processo pendente terá de se
observar a regra do nº 1 do artigo 5°, a isso não obviando o que se fez constar
do n° 3 do dito preceito, onde o legislador se limita a reafirmar a não
aplicação da lei nova (o CPTA), naquelas situações em que esta exclua um recurso
anteriormente admitido ou introduza um novo recurso antes não previsto, deste
modo reiterando a regra já contemplada no dito n° 1.
E que
b) o estipulado no n° 1 do artigo 5° da Lei 15/2002, impede a aplicação ao caso
dos autos do disposto na alínea b) do n° 4 do artigo 58° do CPTA.
Sendo que
c) a incerteza ao nível do quadro legal aplicável não se enquadra na previsão do
artigo 146° do CPC, por não constituir evento obstaculizante da pratica atempada
do acto.
A norma complexa com a interpretação acolhida na decisão impugnada viola o
disposto nos arts. 2°, 13°, 17°, 20°, 202° e 268° da CRP, o princípio
constitucional da determinação das leis (pela ambiguidade que suscita ao
destinatário na sua interpretação), o princípio pro actione, o princípio geral
de direito adjectivo – aplicação imediata da lei de processo, o princípio
material da igualdade, princípio democrático e princípios gerais relativos à
interpretação jurídica.
A questão complexa de inconstitucionalidade foi suscitada na nota previa das
alegações de recurso e nos itens conclusivos V e 2° de I da reclamação
Por se entender desconforme à Lei Fundamental e por isso inconstitucional a
interpretação da norma constante do art. 5°, n° 1, da Lei 15/2002, de 22.02, nos
termos da qual seja literalmente aplicável aos recursos jurisdicionais em
processos pendentes, antes devendo interpretar-se, conjugadamente com o n° 3 da
mesma norma no sentido de não serem aplicáveis aos recursos interpostos as
disposições da LPTA por constituírem manifesta violação do princípio do acesso
ao direito, este enquanto direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.
De facto
A norma (cuja inconstitucionalidade deve ser declarada) retirada da conjugação
do art. 5°, n° 3, da Lei 15/2002, de 22.02 e do art. 146° do CPC, na
interpretação de inaplicabilidade ao caso concreto das disposições do CPTA
designadamente aquela constante do art. 58°, n° 4, alínea b) do CPTA, é
contrária aos princípios da determinação das leis, do acesso ao direito e da
confiança, este último ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático.
Tanto mais que as normas processuais que consagram os ónus e pressupostos
processuais hão-de ser interpretadas da forma mais favorável ao exercício do
direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva postergando-se
interpretações formalistas do quadro normativo que sobre os mesmos disponha.
Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente produziu alegações que concluiu
do seguinte modo:
A Norma em causa
1 – Do histórico supra enunciado retira-se uma interpretação da norma complexa
do art. 5° da Lei 15/2002, de 22.02, de sentido contrário aquela permitida pela
própria letra da Lei e das normas processuais de natureza transitória.
II – Na expressão de Robin de Andrade, quanto à aplicação da norma e à
interpretação que dela se fez no despacho de não admissão do recurso interposto,
a) O regime regra da aplicação no tempo das leis processuais é o da sua
aplicação imediata aos processos pendentes, conforme resulta dos princípios
gerais da aplicação da lei no tempo, e consta do art. 142° do Código de Processo
Civil.
Daí que seja excepcional a disposição do n° 1 do art. 5° da Lei 15/2002, de 22
de Fevereiro, que determina que as disposições do novo CPTA não se aplicam aos
processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor (01 de
Janeiro de 2004).
Face ao carácter excepcional desta norma, a mesma não pode ser objecto de
aplicação analógica, devendo pelo contrário as excepções à excepção ser
consideradas aflorações da regra geral.
O n° 2 do art. 5° manda aplicar a nova lei processual às novas providências
cautelares em processo pendentes e o n° 4 manda aplicar a nova lei processual às
novas execuções de decisões transitadas, apesar de umas e outras serem fases
novas de processos que estavam pendentes à data da entrada em vigor da Lei
15/2002. São pois excepções à excepção.
b) o n° 3 pressupõe que aos novos recursos jurisdicionais seja aplicável a lei
nova, pois recusa expressamente essa aplicação quando a lei nova crie novos
meios de recurso ou extinga meios de recursos existentes face à lei anterior, e
apenas nesses casos.
c) Ao reconhecer implicitamente que se deve aplicar a lei nova aos recursos
jurisdicionais instaurados após a entrada em vigor do CPTA, o n° 3 introduz ou
reconhece também uma excepção à excepção, fazendo ressurgir a regra de aplicação
imediata da nova lei processua4 ainda que se trate de processos pendentes.
O n° 3 do art. 5°, de facto, só faz sentido se aos recursos for, em regra,
aplicável a lei nova, à semelhança do que se passa com as novas providências
cautelares e as novas execuções, pois só então haverá que introduzir ressalvas
ou excepções a essa aplicação da lei nova, mandando, em certos casos restritos,
aplicar a lei antiga.
Mandar aplicar a lei antiga a todos os recursos interpostos após a entrada em
vigor significaria aliás afinal alargar o âmbito de aplicação da norma
excepcional do art. 5°, n°3, o que é vedado pelas regras de interpretação e
adaptação das leis e em especial pelo art. 11º do Código Civil.
d) Refere Robin de Andrade, quanto aos acórdãos citados no item conclusivo –
Jurisprudência que: em dois acórdãos recentes (de 26 de Outubro de 2004 – proc.
379/04) e de 03 de Junho de 2004 – proc. 390/04) o STA sustentou tese oposta,
interpretando o n° 3 do art. 5° da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, como se o
mesmo estabelecesse que “nem mesmo” nos casos de eliminação ou inclusão de novos
recursos a nova lei seria aplicável, confirmando assim para esses casos a regra
do n° 1, de que aos processos pendentes seria sempre aplicável a lei antiga.
Trata-se de uma interpretação que distorce deliberadamente a letra da lei; pois
o n° 3 não diz “nem mesmo” que retira qualquer efeito útil ao n° 3, pois se
limitaria a repetir o quejá consta do n° 1 – a aplicação da lei antiga; e que
nora a própria sistemática da lei; já que, quer o n° 2 que o antecede, quer o n°
4 que lhe sucede, exceptuaram da regra do n° 1 certas fases autónomas dos
processos pendentes – as providências cautelares e as execuções, pelo que foi
seguramente intenção do legislador consagrar também uma excepção ao n° 1 a
propósito desta outra fase autónoma dos processos pendentes – os recursos
jurisdicionais.
E finalmente não se apoia em qualquer elemento racional, já que não existe
qualquer fundamento material que justifique a necessidade de a lei contemplar
expressamente tais casos se o objecto for aplicar-lhes o mesmo regime que a
generalidade das normas sobre recursos.
Pelo contrário, a única utilidade racional do referido n° 3 é exceptuar
expressamente tais casos‑limite da aplicação da lei nova, pelas razões
indicadas.
e) Se porventura se vier a entender que a interpretação a adoptar para o art.
5°, n° 3 da Lei 15/2002 levaria a considerar decorrido o prazo da interposição
do recurso, deverá o Tribunal reconhecer existir, no caso, atraso desculpável
devido a uma verdadeira ambiguidade do quadro normativo aplicável, pelo que,
aplicando o princípio consagrado na nossa ordem jurídica no art. 58°, n° 4 al.
b) do novo CPTA, deverá o Tribunal reconhecer a existência da situação
equiparada a justo impedimento, e admitir o recurso ora interposto, por o mesmo
cumprir todas as normas aplicáveis do novo CPTA.
III – O regime regra da aplicação no tempo das leis processuais é o da sua
aplicação imediata aos processos pendentes, conforme resulta dos princípios
gerais da aplicação da lei no tempo, e consta do art. 142° do Código de Processo
Civil. É excepcional a disposição do n° 1 do art. 5° da Lei 15/2002, de 22 de
Fevereiro, que determina que as disposições do novo CPTA não se aplicam aos
processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor (01 de
Janeiro de 2004).
Face ao carácter excepcional desta norma, a mesma não pode ser objecto de
aplicação analógica, devendo pelo contrário as excepções à excepção ser
consideradas aflorações da regra geral.
O n° 2 do art. 5° manda aplicar a nova lei processual às novas providências
cautelares em processos pendentes e o n° 4 manda aplicar a nova lei processual
às novas execuções de decisões transitadas, apesar de umas e outras serem fases
novas de processos que estavam pendentes à data da entrada em vigor da Lei
15/2002. São pois excepções à excepção.
IV – O n° 3 pressupõe que aos novos recursos jurisdicionais seja aplicável a lei
nova, pois recusa expressamente essa aplicação quando a lei nova crie novos
meios de recurso ou extinga meios de recursos existentes face à lei anterior, e
apenas nesses casos.
Ao reconhecer implicitamente que se deve aplicar a lei nova aos recursos
jurisdicionais instaurados após a entrada em vigor do CPTA, o n° 3 introduz ou
reconhece também uma excepção à excepção, fazendo ressurgir a regra de aplicação
imediata da nova lei processual, ainda que se trate de processos pendentes.
O n° 3 do art. 5º, de facto, só faz sentido se aos recursos for, em regra,
aplicável a lei nova, à semelhança do que se passa com as novas providências
cautelares e as novas execuções, pois só então haverá que introduzir ressalvas
ou excepções a essa aplicação da lei nova, mandando, em certos casos restritos,
aplicar a lei antiga. Mandar aplicar a lei antiga a todos os recursos
interpostos após a entrada em vigor significaria aliás não alargar o âmbito de
aplicação da norma excepcional do art. 5°, n° 3, o que é vedado pelas regras de
interpretação e adaptação das leis e em especial pelo art. 1° do Código Civil.
Pelo que a única utilidade racional do referido n° 3 é exceptuar expressamente
tais casos-limite da aplicação da lei nova.
Sendo que o art. 5°/3 não se preocupa com a forma dos actos processuais,
limitando-se a formular, pela negativa, uma excepção, à norma geral do n.° 1
deste preceito.
Daí que
a) o art. 5°/3 se limita a prevenir duas hipóteses de inimpugnabilidade de
Decisões judiciais;
b) Fora dessas duas hipóteses a LN é de aplicação imediata por força de uma
singela interpretação à contrario”;
A interpretação sistemática dos n°s 2, 3 e 4 deste art. 5° face a tal regra do
n.° 1 significa que se quis excepcionar naqueles preceitos o que se consagrou
com a regra no n.° 1, senão vejamos:
A matéria das Providências Cautelares absorve imediatamente as profundas
alterações da LN, mesmo para os processos pendentes (n.° 2).
As execuções das Sentenças proferidas em processos pendentes tramitam segundo as
disposições da LN (n.°4).
A LN não se aplica aos processos pendentes, quando proíbe recursos que a LV
admitia, assim como não se aplica a tais processos pendentes quando admite novos
recursos que a LV não previa ou proibia.
Esta é, pois, a solução mais acertada e a que respeita a unidade do sistema
jurídico pois é a que é informada pela preocupação dominante do legislador, ao
consagrar uma lei Nova que mais não visa senão impedir que se perpetue o regime
vigente antes dela.
Se esta é a causa e a finalidade da sucessão de leis, por maioria de razão as
normas adjectivas de natureza puramente procedimental devem ser de imediata
aplicação.
V – «[...]Quer isto dizer que todas as normas que apenas visam o modo de
realização dos direitos, quer se reportem a vias de execução judicial quer não,
formam um grupo homogéneo de normas para fins de aplicação no tempo. Donde que a
categoria de normas sobre o modo de realização dos direitos» deva cobrir tanto
normas a que vulgarmente se não aplica a designação de normas processuais como
normas correntemente incluídas nesta designação. A todas elas poderíamos também
apor rótulo de «normas de processo».
Repare-se agora que também à luz do esquema traçado pelo n° 2 do art. 120º do
nosso Código estas normas, sendo normas que não afectam a validade ou a
valoração dos factos constitutivos dos direitos, hão-de por força ser
consideradas, normas de aplicação imediata - pois que, por definição, determinam
o «conteúdo» (os efeitos ou consequências) de relações jurídicas – «abstraindo
dos factos que lhes deram origem”.
VI – Como demonstra o Prof. Baptista Machado mesmo no que se reporta ao direito
substantivo que integra “normas que apenas visam o modo de realização de
direitos”, por maioria de razão, as normas puramente procedimentais, que se
incluem na categoria a que se refere o art. 142° do CPC (as que regulam a “forma
dos actos”), são de aplicação imediata.
VII – O Prof. Teixeira de Sousa diz que “a aplicação no tempo da lei processual
civil [...] obedece” “à regra que vale na teoria geral de direito (cfr. art.
12°, n. 01 do CC: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes,
mas não possui qualquer eficácia retroactiva [...J” (in Estudos sobre o novo
Processo Civil, pág.12)
VIII – É por via da interpretação e aplicação dos princípios gerais de
interpretação e sucessão das normas que se atinge claramente a conclusão acima
expressa que vai no sentido de atribuir à norma do art. 5°/3 da Lei 15/2002 de
22 de Fevereiro o conteúdo que é possível dela extrair, ou seja, a
identificação, pela negativa, da matéria excepcionada à imediata aplicabilidade
da LN.
É essa dicotomia, que se extrai da interpretação conjugada dos n.°s 1 e 3 do
art. 5° que permite afirmar que o legislador agiu em coerência com a doutrina
processualista sobre a matéria da aplicação das leis no tempo perante a delicada
questão da recorribilidade ou irrecorribilidade de decisões judiciais por
virtude do surgimento de uma LN face à mais singela questão da sucessão de
normas sobre a tramitação dos recursos.
IX – A este propósito ensina o Prof. Anselmo de Castro [...] Se uma lei nova
concede ou nega recurso que a anterior negava ou concedia, ou altera os trâmites
dos recursos, quid juris?
Quanto aos trâmites do recurso, deve aplicar-se imediatamente a lei nova, visto
tratar-se de puro formalismo processual.
Se a lei nova vem admitir recurso onde anteriormente o não havia, ela não se
aplicará às decisões anteriores que continuam irrecorríveis [...]“b (in “Lições
de processo Civil, 1 volume, pág. 109, Almedina, 1966).
X – A mera tramitação do Recurso fica subsumida à norma do art. 142° do CPC por
duas ordens de razões
• Dum lado, não foi excepcionada pelo n.° 3 do art. 5° a matéria relativa à
tramitação, mas, tão só, a inimpugnabilidade das decisões judiciais sob
invocação da LN.
• Doutro lado, o princípio geral sobre a aplicação das Leis no tempo
relativamente à forma dos actos processuais acha-se regulado, como princípio
geral no art. 142 do CPC e não foi expressamente contrariada, como podia e devia
ser, pelo art. 5º, n° 1 da Lei 15/2002 de 22.02.
XI – No que se refere à matéria da tramitação dos recursos será aplicável a LN,
ou seja, no caso em apreço, o novo CPTA.
XII – Partindo do pressuposto de que a Lei procede de um legislador que sabe
exprimir com suficiente correcção o seu pensamento e tendo em conta que o
interprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra
da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso –
art. 9°, n° 2, do CC, não há duvidas em afirmar que a redacção da norma do art.
5º n° 1, da Lei 15/2002, aponta claramente no sentido de que enquanto norma
excepcional o seu perímetro de aplicação não atinge a regra.
XIII – O sentido correcto da norma do n° 1 do art. 5 da Lei só pode ser um, o de
que sendo um desvio à regra não é aplicável aos recursos interpostos em
processos pendentes porquanto à tramitação se aplica a Lei Nova.
XIV – As normas processuais de natureza transitória procuram disciplinar a
questão de saber que norma se deve aplicar às situações processuais “que,
constituídas ou perdurando sob o império de determinada lei, se prendem no
entanto, por raízes mais ou menos profundas, ao domínio duma legislação
anterior” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra,
1979, revista pelo Dr. Herculano Esteves).
XV – E a doutrina procura afirmar critérios quanto a certos trâmites ou fases
processuais.
Assim, quanto às leis sobre o ou formalismo processual, sustenta-se usualmente
que a nova lei se aplica imediatamente aos actos a praticar em Juízo e aos
respectivos termos e formalidades. O art. 142.° CPC acolhe este princípio
(tempus regit actum).
Relativamente à matéria de recursos, doutrinalmente é usual afirmar-se como
princípios doutrinais idóneos os seguintes:
a. Aplicação imediata da nova leis aos trâmites do recurso (puro formalismo
processual);
b. Não aplicação da lei nova às decisões anteriores quando aquela admite recurso
onde anteriormente o não havia (sob pena de violação das fundadas expectativas
do caso julgado formado ao abrigo da lei antiga);
c. Aplicação imediata da nova lei a todas as decisões que venham a ser
proferidas nas causas pendentes.
XVI – Apesar do n.° 1 do art. 5° da Lei n.° 15/2002 estabelecer a regra da
aplicação da nova lei apenas para o futuro – isto é, não aplicação aos processos
pendentes à data da entrada em vigor do CPTA, o mesmo preceito estabelece regras
especiais sobre providências cautelares, recursos e execução de sentenças. O n.°
3, ao tratar de recursos, parece pressupor a aplicação da lei nova aos recursos
interpostos após a sua entrada em vigor, através de um raciocínio a contrario
sensu:
Não são aplicáveis aos processos pendentes as disposições que excluem recursos
que eram admitidos na vigência da lei anterior, tal com também não o são as
disposições que introduzem novos recursos que não eram admitidos na vigência da
legislação anterior”.
O JUSTO IMPEDIMENTO
XVII – Suscitado justo impedimento, enquanto situação equiparável aquela em que
a parte se encontra em virtude duma verdadeira ambiguidade do quadro normativo
aplicável, reconhecendo-se o mesmo enquanto “evento” de natureza intelectual que
impede a reacção ao acórdão proferido porque numa situação de dúvida jurídica se
entendeu aplicável o n° 3 da sobredita norma do art. 5° da Lei 15/2002 de 22.02,
Apesar da abertura da jurisdição administrativa expressa na Nova Lei o certo é
que a não aplicação desta tolhe o juízo decisório ao novo conceito, não se
afastando o acórdão proferido da decisão primeira que configura o justo
impedimento como evento ou facto material para efeitos do disposto no art. 146°
do CPC.
Ou seja, ignora-se a situação equiparável a justo impedimento e decorrente da
perspectiva enunciada – a dúvida jurídica sobre a determinação do prazo (que é
verdadeiramente material e não meramente processual).
A situação equiparável a justo impedimento, caso se entendesse inaplicável o
CPTA, consubstanciava o atraso desculpável decorrente da óbvia ambiguidade do
quadro normativo, ou seja, decorrente de opção processual legítima, fundamentada
e sustentada face à norma transitória do n.° 3 do art. 5º, e não um qualquer
facto material impeditivo da apresentação do requerimento de interposição de
recurso.
Acresce que o justo impedimento é um instituto de natureza geral, verdadeiro
imperativo ético-jurídico, correspondente a um princípio geral de Direito de que
ninguém pode estar obrigado a praticar actos impossíveis (nemo ad impossilia
tenetur). E como o mostra a Historia do Direito – tem de haver válvulas de
escape para os casos verdadeiramente excepcionais em que a rigidez do Direito
conduziria a uma terrível injustiça. O summum ius summa iniuria tem, através dos
tempos, levado a intervenções excepcionais, seja a do praetor romano que age
adjuvandi, supplendi vel corrigendi causa relativamente às regras rígidas do ius
civilis, seja a do chancellor inglês que afasta excepcionalmente as regras
formalistas e rígidas da common law, seja a das jurisdições supremas, incluindo
os tribunais constitucionais no presente, que operam interpretaçôes conformes à
lei e às Constituição e conferem relevância a certos factos impeditivos de uma
actuação judicial exigente
Implicações constitucionais da falta de determinação ou da ambiguidade das
disposições transitórias do CPTA
XVIII – O regime geral de aplicação no tempo das leis processuais é o da sua
aplicação imediata aos processos pendentes (CPC, art. 142°).
A aplicação retrospectiva do direito adjectivo, é, pois, um princípio jurídico
geral que não poderia, sem mais, ser neutralizado na totalidade pela lei
12/2002, de 22 de Fevereiro, art. 5° nº 1 (e não art. 41°, como por lapso é
referido no parecer).
Daí que se deve procurar uma interpretação racional e raoável para este
preceito. A norma em causa pretendeu certamente evitar o aumento da complexidade
processual, sobretudo quando a aplicação da lei nova obedece a novos esquemas
contraditórios com a lei processual antiga.
Já não nos parece que se deva afastar a lei nova quando ela procura ser uma
concretização dos preceitos constitucionais garantísticos do acesso à justiça e
ao direito.
Dentre esses preceitos contam-se os prazos materiais (e não meramente
processuais) cuja função é de permitir a realização efectiva da justiça muitas
vezes perturbada por prazos demasiado restritos e manifestamente insuficientes
para o exercício do direito de acção (e de recurso).
É essa a natureza do prazo em questão: não se trata de alargar um prazo
processual de 10 para 30 dias, mas de assegurar o direito ao direito em termos
temporalmente mais justos. Nesta perspectiva, o art. 5°/1 da Lei 15/2002 deve
interpretar-se restritivamente, devendo aplicar-se imediatamente as prescrições
que se traduzam num tratamento mais favorável aos direitos, liberdades e
garantias.
O direito de acesso ao direito é considerado pela doutrina e jurisprudência como
direito análogo a direitos, liberdades e garantias.
XIX – Afirma-se, consequentemente, a inconstitucionalidade da interpretação da
norma constante do art. 5º, n° 1, da Lei 15/2002, de 22.02, nos termos da qual
seja literalmente aplicável aos recursos jurisdicionais em processos pendentes,
devendo antes a mesma, em respeito pelos ditames da Lei interpretar-se,
conjugadamente como o n° 3 da mesma norma, no sentido de não serem aplicáveis
aos recursos interpostos as disposições da LPTA por constituírem manifesta
violação do princípio do acesso ao direito, este enquanto direito análogo aos
direitos, liberdades e garantias e aos princípios do acesso ao direito e da
confiança, este ultimo ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático.
XX – A norma (cuja inconstitucionalidade deve ser declarada) retirada da
conjugação dos arts. 5º n°3, da Lei 15/2002, de 22.02 e do art. 146º do CPC, na
interpretação de inaplicabilidade ao caso concreto das disposições do CPTA
designadamente aquela constante do art. 58°, n° 4, alínea b) do CPTA, é
contrária aos princípios do acesso ao direito e da confiança, este ultimo ínsito
no princípio do Estado de Direito Democrático.
A norma complexa com a interpretação acolhida na decisão reclamada viola o
disposto nos arts. 2°, 20° e 268°, n° 4 da Constituição.
XXI – A inconstitucionalidade, nas vertentes supra suscitadas, deriva dos
seguintes preceitos fundamentais arts 2°, 13°, 17°, 20° e 268°, n° 4 CRP.
XXII – Como princípio consagrado no art. 20° se conjuga o artigo 202° da CRP
precisando que aos tribunais compete «assegurar a defesa dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos cidadãos»
XXIV – A sindicabilidade dos actos administrativos segundo o art. 268°
apresenta- se pois como um corolário do princípio e mais amplamente, dos
princípios do Estado de Direito Democrático
XXV – Sendo que o direito de acesso ao direito é considerado pela doutrina e
jurisprudência como direito análogo a direitos liberdades e garantias.
XXVI – Razão pela qual se afirma ser a interpretação adoptada nesta sede uma
interpretação razoável no momento de entrada em vigor da lei, enquanto não havia
quaisquer decisões jurisdicionais sobre a matéria, dada a sua novidade.
XIX – Sendo, nos termos da norma constante do art. 20.°, n.° 1, da Constituição,
“a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus
direitos e interesses legalmente protegidos (...)”
XX – O direito de acesso aos tribunais é um direito subjectivo fundamental “de
levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional” (Ac TC
n.° 363/2004, in Ac TC, 59.° vol., n.° 438, pág. 84). Reconduz-se ao mesmo
direito fundamental o chamado direito ao processo, “traduzido na abertura de um
processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o
órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada.”
XXI – E é uma garantia que JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS caracterizam como uma
garantia plena (Constituição Portuguesa Anotada, tomo 1º, Coimbra, 2005, pág.
186).
Sendo que in casu está em causa uma questão de alteração no tempo do rito
processual dos recursos, a qual se traduz na ampliação do prazo de ponderação do
vencido sobre a eventual interposição de um recurso que já era previsto na LA
(LPTA) e é mantido na nova (CPTA).
Está, assim, em causa a garantia da efectividade do recurso jurisdicional
interposto pelo Administrado relativamente a uma decisão que lhe foi
desfavorável
XXII – O Supremo Tribunal Administrativo – adoptando tese divergente da
perfilhada pelo Senhor Presidente desse Supremo no despacho que proferiu sobre a
reclamação respeitante à não admissão do recurso – considerou que o recurso
jurisdicional interposto era extemporâneo – “sendo patente que o processo onde
foi proferido o já mencionado Acórdão [Tribunal Central Administrativo] se
encontrava pendente à data da entrada em vigor do CPTA e sendo também
inquestionável que nos não encontramos em face de um requerimento para o
decretamento de uma providência cautelar ou perante um processo executivo, temos
que se terá de observar a regra contida no já referido n.° 1 do artigo 5.°, a
isso não obviando o que se fez constar do n.° 3, do dito preceito, onde o
Legislador se limita a reafirmar a não aplicação da lei (o CPTA), naquelas
situações em que esta exclua um recurso anteriormente admitido ou introduza um
novo recurso antes não previsto, deste modo reiterando a regra já contemplada no
dito n.° 1” (a fls. )
XXIII – Entendimento sustentável e que se integra numa corrente jurisprudencial
(Acórdãos de 3-6-04, Rec 0381/04 e de 26-10-04 – Rec 0379/04) formada
posteriormente ao momento em que foi interposto o recurso jurisdicional dos
presentes autos, o qual começou por não ser admitido por intempestividade, foi
admitido pelo Exm° Presidente do STA e veio a ser indeferido por
intempestividade no douto Acórdão sob recurso.
XXIV – Bem conhece o Recorrente a posição de sempre do Tribunal Constitucional
que vai no sentido de que não cabe a este Tribunal dirimir interpretações
divergentes da lei ordinária, cabendo tal tarefa aos tribunais recorridos
segundo as regras de competência próprias das respectivas organizações
hierárquicas.
Todavia, o que se submete ao Tribunal Constitucional é uma questão de
constitucionalidade bem delimitada, a saber, a questão atinente à não
conformidade da norma retirada dos n°8 1 e 3 do art. 5.° da Lei n.° 15/2002, de
22 de Fevereiro, na interpretação acolhida no Acórdão recorrido, ou seja, a de
que:
d. Na interpretação de recurso jurisdicional em processo pendente terá de se
observar a regra do n.° 1 do art. 5.° do diploma preambular do CPTA, a isso não
obviando o que se fez constar do n.° 3 do dito preceito, onde o legislador se
limita a reafirmar a não aplicação da lei nova (o CPTA), naquelas situações em
que esta exclua um recurso anteriormente admitido ou introduzido um novo recurso
antes não previsto, deste modo reiterando a regra já contemplada no dito n.° 1.
E que
e. O estipulado no n.° 1 do artigo 5.° da Lei n.° 15/2002 impede a aplicação ao
caso dos autos do disposto na alínea b) do n.° 4 do artigo 58.° do CPTA:
Sendo que
f. A incerteza ao nível do quadro legal aplicável não se enquadra na previsão do
artigo 146.° do CPC, por não constituir evento obstaculizante da prática
atempada do acto.
XXV – Segundo o exposto o que se entende é que, perante uma lei nova com
disposições transitórias ambíguas, não pode antecipar-se com certeza a corrente
jurisprudencial que virá a triunfar em definitivo, bastando acentuar que três
jurisconsultos bem conhecidos e o próprio presidente do STA se pronunciaram no
sentido da admissão do recurso jurisdicional em causa.
XXVI – Além de que está bem arreigada na consciência dos juristas a regra da
aplicação imediata da lei nova nas disciplinas processuais, nomeadamente no que
toca ao rito dos recursos (basta citar as lições de ALBERTO DOS REIS, MANUEL DE
ANDRADE, ANTUNES VARELA e ANSELMO DE CASTRO).
XXVII – Sendo sustentável a interpretação que preconiza a aplicação da lei
antiga aos processos pendentes e a aplicação da lei nova às novas fases do
processo ou a tramitações autónomas (recursos, processos cautelares e execução
de sentença)
Atente-se no seguinte passo de ANSELMO DE CASTRO:
“Ora, se uma lei nova concede ou nega recurso que a anterior negava ou concedia,
quid juris? (...)
Está, como é óbvio, fora de causa o caso de alteração dos trâmites do recurso,
ao qual deve aplicar-se imediatamente a lei nova, visto tratar-se de puro
formalismo processual.
Se a lei nova vem admitir recurso onde anteriormente o não havia, ela não se
aplicará às decisões anteriores que continuam irrecorríveis (...)
Para a hipótese da lei nova proibir recurso antes admitido, tanto ligado à
natureza da decisão, como ao valor da causa, deve aplicar-se imediatamente a lei
nova, quer a decisão já tenha sido proferida no domínio da lei nova o que então
é óbvio, quer tenha sido proferido no domínio da lei antiga e, quer o recurso já
esteja interposto, quer ainda não esteja interposto mas se não tenha esgotado o
prazo para o requerer.
Nem toda a doutrina está de acordo com as soluções que acabamos de dar.
Tanto ANDRADE (...), como ALBERTO DOS REIS, concordam em que se aplique a lei
nova a todas as decisões proferidas já na sua vigência, não tendo, portanto, o
recurso cabimento.
Para o caso do recurso ainda não estar interposto quando a lei nova começa a
vigorar, ANDRADE começa por hesitar na solução a dar, mas acaba por preferir a
não aplicação da lei nova pois que, de outro modo, a decisão passaria a ter um
valor que não lhe competia pela lei do tempo em que foi pronunciada.
A. DOS REIS critica a solução de ANDRADE, dizendo ser ela uma solução de
compromisso, e que a doutrina rigorosa será antes esta: visto o recurso não
estar interposto, a parte já não poderá interpô-lo, porque a isso obsta a lei
nova (...)” (Direito Processual Civil Declaratório. vol. 1º, Coimbra, 1981,
págs. 60-62; sublinhados acrescentados).
XXVIII – Um jurista prudente e razoável considera que o legislador do CPTA
aceitou a regra da aplicação imediata da nova lei processual à tramitação dos
recursos – como é geralmente sustentado entre nós – e pretendeu resolver
legislativamente as duas situações mais complexas que suscitavam debate na
doutrina:
i. As disposições da lei nova que excluem recursos previstos na lei antiga não
são aplicáveis aos processos pendentes;
ii. As disposições da lei nova que introduzem novos recursos que não eram
admitidos na vigência da lei antiga não se aplicam aos processos pendentes.
XXIX – Há-de convir-se que esta é a interpretação lógico-sistemática mais
razoável. De outro modo, bastavam as regras dos nºs 1, 2 e 4 do referido art.
5.° da Lei n.° 15/2002 (note-se que, em rigor, a primeira regra constante do n.°
3 vai mais longe do que jurisprudência do Tribunal Constitucional: veja-se o
Acórdão n.° 71/87, in AcTC, 9º vol. págs. 567 e segs.: a situação em causa era a
de uma decisão do pleno da 2ª Secção do STA que entendeu que os recursos para o
pleno da secção que se encontrassem pendentes na data abaixo referida seriam ou
não julgados, consoante estivessem, ou não, inscritos para julgamento na data da
entrada em vigor do ETAF de 1984. Aí se entendeu que, pelo menos, quanto aos
direitos processuais já exercidos, os mesmo não poderiam ser retirados ex lege).
XXX – Na interpretação acolhida pelo Acórdão recorrido, o Recorrente vê-se
privado do seu direito ao recurso jurisdicional por ter interposto no prazo de
30 dias o mesmo recurso, já acompanhado da alegação, solução que é seguramente
mais expediente e só pode acarretar um ónus para o Recorrente (alegar em vão, se
o recurso não for admitido, como sucedeu in casu).
O recorrente, face à lei nova, é punido, apesar da diligência da(o)
Mandatária(o), só porque teve a infelicidade de perfilhar uma solução
interpretativa da Lei nova que é inteiramente razoável e adequada, mas diversa
da que veio a ser acolhida no STA.
Assim, adoptando uma postura não formalista, deveria o STA ter julgado
tempestivo o recurso, considerando que a errada interpretação da lei por parte
da(o) Mandatária(o) e quanto a uma Lei Nova levaria a uma situação de justo
impedimento que logo fora sanada, não podendo ser prejudicado o Recorrente pela
tese interpretativa razoável que adoptou face à lei nova.
XXXI – A interpretação da norma sufragada no acórdão recorrido é
inconstitucional por violação do princípio da igualdade condensado no artigo
13°, n° 1 da CRP.
Com efeito aquela norma na dimensão interpretativa do acórdão ofende claramente
o direito de acesso aos tribunais
XXXII – No plano processual a consagração do princípio da protecção judicial
efectiva implica que sejam ultrapassados os formalismos processuais que afectem
desrazoavelmente a protecção judicial dos cidadãos
O princípio do favorecimento do processo (princípio pro actione), enquanto
projecção do direito à tutela judicial efectiva, alem de apontar para uma
interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o
acesso ao tribunal, impede igualmente o legislador de criar obstáculos nesse
acesso (Dra. Fernanda Maçãs, in Reforma do Contencioso Administrativo –
Trabalhos Preparatórios, O Debate Universitário, Vol. 1, pág 360).
O princípio pro actione encontra o seu âmbito natural de aplicação no processo
civil, tendo sido “a garantia da prevalência do fundo sobre a forma e, portanto,
a orientação pela verdade material” uma das linhas‑mestras da reforma de 1995.
Este princípio, também denominado como “prevalência da decisão de mérito”,
encontra a sua consagração por excelência no art. 288°, n° 3, do CPC, preceito
que permite a emissão de uma decisão sobre o mérito da causa mesmo que, por
subsistir urna excepção dilatória, fosse possível a absolvição da instância. Em
causa está a superação do “dogma da prioridade da apreciação dos pressupostos
processuais” sobre as questões de mérito.
(...)
Além de que
No novo contencioso administrativo foram consagradas diversas soluções
inspiradas no princípio pro actione, como sucede no n° 3 do art. 12°, do CPTA.
Para mais, o Código dedicou o art. 7° a este princípio, erigindo-o em princípio
interpretativo: “as normas devem ser interpretadas no sentido de promover a
emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.
XXXIII – A ideia basilar do princípio processual pro actione é, pois, a de
favorecimento da tomada de decisões de mérito, contrariando o excessivo relevo
que possam apresentar as questões de outra índole (in anotação ao Ac. STA, 1ª
Secção, 22.1.2004, P. 2064/03, CJA, 44, 30 ss.).
XXXIV – Determina o princípio geral de direito processual que quando uma lei
nova aumenta as garantias jurisdicionais deve a mesma ter aplicação imediata.,
sendo que essa mesma peculiar regra do princípio estruturante impõe que a lei
nova se aplique a todos os actos que se realizem após a sua entrada em vigor.
XXXV – Acresce, quanto ao prazo aplicável, que, quando por força do disposto no
art. 1° do CPTA e do n° 2 do art. 18° do DL 329‑A/95 de 12.12, os prazos
processuais que, em processos pendentes, se iniciem no domínio da lei nova, é
aplicável o nela estabelecido quanto ao modo de contagem e à respectiva duração.
Tal disposição que nas circunstâncias contemplava directamente a ampliação dos
prazos da lei adjectiva resultante do art. 6° do citado diploma, não pode deixar
de ter aplicação no que respeita à ampliação de prazos estabelecida no actual
CPTA no concernente a recursos relativamente aos prazos da LPTA. O que vai de
encontro ao princípio geral de direito adjectivo de que quando uma lei nova
aumenta as garantias jurisdicionais deve a mesma ter aplicação imediata.
XXXVI – Tais garantias hão-de compaginar-se com o direito de acesso e à
protecção jurídica consagrado, respectivamente, nos arts. 7º do CPTA e 20° da
Constituição da Republica Portuguesa, sendo que na norma da Lei Fundamental se
encontra consagrado o acesso ao direito e aos tribunais, que, para alem de
instrumentos da defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, é
também elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio
princípio democrático, pois que este não pode deixar de exigir a democratização
do direito.
XXXVII – A norma contida no art. 58°, n° 4, al. b) do CPTA conjugada com as
normas dos arts. 1°, 7° e 140° do CPTA e da norma contida no art 20° da CRP,
há-de ser sempre interpretada e aplicada in casu, sem conceder, no sentido de
atenta a complexidade da questão (aplicação da LPTA ou do CPTA ao prazo de
interposição de recurso) o hipotético atraso (na tese do despacho reclamado) na
apresentação do recurso ser considerado desculpável, isto é, causalmente
justificado.
XXXVIII – O n° 1 do artigo 5° da Lei 15/2002, de 22.02, enferma de
inconstitucionalidade material, por violação do ‘princípio da segurança jurídica
e da protecção da confiança’, legalmente consagrado, designadamente nos artigos
2.°, 103.° e 268.° da Constituição da República Portuguesa.
Pelo que tendo o douto acórdão recorrido interpretado e aplicado aquela norma
com o sentido de que a Lei Nova não se aplica aos processos pendentes,
independentemente do disposto no n° 3 da mesma norma também o mesmo acórdão se
encontra enfermo de ilegalidade, por violação daquele ‘princípio da segurança
jurídica e da protecção da confiança’, constitucionalmente consagrado.
XXXIX – No cerne da questão está a extensão da garantia jurisdicional de tutela
efectiva, pois que os termos do seu assento constitucional – artigo 268°, n.° 4,
da CRP – apontam para a necessidade de no direito ao recurso (corolário dessa
garantia) e na protecção jurisdicional (outro corolário dessa garantia) ter o
particular direito de acesso a meios que o habilitem a chegar ao tribunal bem
como exercer o seu direito nas melhores condições.
XL – A interpretação e aplicação do artigo 5°, n° 1, da Lei 15/2002 reputa-se
inconstitucional à luz do artigo 268°, n°4, da CRP, artigo 20°, n°s 1 e 5, da
CRP e artigo 2° da CRP, para além do que se refere em textos internacionais com
alcance e efeitos idênticos, como seja na Convenção Europeia dos Direitos do
Homem.
De facto o art. 6°, n° 1, da CEDH consagra o direito a um processo equitativo,
sendo uma das suas faces o direito de acesso à justiça (ou a um tribunal). Este
direito de acesso pode ser violado, em especial, se as leis de processo que são
aplicadas carecem de clareza ou se o efeito delas é perverso do ponto de vista
dos particulares.
A aplicação do artigo 5° n° 1 da Lei 15/2002, de 22.02, no modo e sentido
constante do acórdão recorrido, afronta a garantia de tutela jurisdicional
efectiva (artigo 268°, n° 4, da CRP), o direito ao acesso aos tribunais, à
justiça e ao direito (artigo 20° da CRP) e, em consequência, o princípio do
Estado de Direito Democrático (artigo 2° da CRP), de que os sobreditos direitos
fundamentais são corolários.
A entidade recorrida não contra‑alegou (cf. cota de fls. 692).
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentação
3. O recorrente sustenta nos presentes autos a inconstitucionalidade do artigo
5º, nºs 1 e 3, da Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, interpretado no sentido de
ser aplicado no processo pretexto o prazo de interposição do recurso previsto na
Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (10 dias) e não o prazo de 30 dias
que o Código de Processo nos Tribunais Administrativos prevê.
O artigo 5º da Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, tem a seguinte redacção:
1. As disposições do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não se
aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor.
2. Podem ser requeridas providências cautelares ao abrigo do novo Código, como
incidentes, de acções já pendentes à data da sua entrada em vigor.
3. Não são aplicáveis aos processos pendentes as disposições que excluem
recursos que eram admitidos na vigência da legislação anterior, tal como também
não o são as disposições que introduzem novos recursos que não eram admitidos na
vigência da legislação anterior.
4. As novas disposições respeitantes à execução das sentenças são aplicáveis aos
processos executivos que sejam instaurados após a entrada em vigor do novo
Código.
4. O recorrente desenvolve, nas alegações de recurso apresentadas junto do
Tribunal Constitucional, extensas considerações sobre as regras e princípios
infraconstitucionais relativos à aplicação da lei processual no tempo.
Não cabe, porém, ao Tribunal Constitucional apreciar a bondade, no plano
infraconstitucional, da interpretação normativa que as instâncias realizam e
aplicam. Com efeito, ao Tribunal Constitucional apenas compete, no âmbito de um
recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto ao abrigo da
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, apreciar a
conformidade à Constituição da norma ou normas que o tribunal a quo aplicou.
Desse modo, a questão de constitucionalidade central nos presentes autos tem por
objecto a interpretação do artigo 5º da Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro,
segundo a qual o prazo para a interposição de um recurso num processo pendente à
data da entrada em vigor dessa Lei é o prazo previsto na Lei de Processo nos
Tribunais Administrativos (lei antiga) e não o prazo, mais alargado, do Código
de Processo nos Tribunais Administrativos (lei nova).
O recorrente sustenta que tal interpretação viola o direito de acesso aos
tribunais e à sindicabilidade dos actos administrativos, corolários da ideia de
Estado de Direito democrático (artigos 2º, 20º e 268º, nº 4, da Constituição).
Cabe salientar que nos presentes autos o Supremo Tribunal Administrativo não
negou a possibilidade de recurso, mas fundamentou o não conhecimento do objecto
do recurso interposto na intempestividade.
Não questionando o recorrente no presente recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade a eventual exiguidade ou inadequação do prazo previsto pelo
regime legal que o tribunal recorrido aplicou (artigos 102º da Lei de Processo
nos Tribunais Administrativos, e 685º, nº 1, do Código de Processo Civil), não
se coloca um problema de verdadeira negação do direito ao acesso aos tribunais e
à tutela jurisdicional efectiva. Na verdade, o recurso em causa (isto é, o
recurso que o recorrente pretende ver admitido) encontra‑se legalmente previsto;
só não foi interposto dentro do prazo legal – não tendo sido a
constitucionalidade desse prazo suscitada, como já se referiu. Ora, tal
circunstância desloca o fundamento da não admissão do recurso de uma eventual
inconstitucionalidade, por negação do direito ao recurso (como pretende o
recorrente), para um mero problema de aplicação da lei no tempo.
O recorrente sustenta, porém, que o regime legal em causa é pouco claro e
ambíguo, o que implicaria uma violação do princípio da confiança, ínsito no
princípio do Estado de Direito democrático. Para tanto, formula o recorrente uma
interpretação de dimensões normativas implícitas no nº 3 do artigo 5º da Lei nº
15/2002, de 22 de Fevereiro, segundo a qual daquele preceito decorreria a
aplicação do regime de recursos previsto no Código de Processo nos Tribunais
Administrativos aos recursos previstos na Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos.
Como já se referiu, ao Tribunal Constitucional não compete proceder à
interpretação do direito infraconstitucional. Desse modo, apenas se averiguará
se em face da norma em causa (ponderando o teor do preceito) será procedente
sustentar uma violação do princípio da confiança.
Na perspectiva do recorrente (tal resulta de modo claro das suas alegações), a
alegada ambiguidade traduzir‑se‑ia na dúvida decorrente do regime em causa sobre
a aplicação do prazo de interposição do recurso previsto na lei antiga e o prazo
de interposição do recurso previsto na lei nova.
A alegada falta de clareza da lei tem, portanto, dois pólos suficientemente
perceptíveis. Ora, se ao recorrente foram suscitadas dúvidas sobre a aplicação
de um ou outro regime, e não decorrendo inequivocamente do regime transitório a
solução da aplicação da lei nova (não pode deixar de se anotar que, numa
perspectiva puramente objectiva, é perfeitamente sustentável a interpretação
segundo a qual o regime transitório aponta, in casu, para uma aplicação da lei
antiga), a estratégia processual a seguir não poderia deixar de ponderar tais
dúvidas, ou seja, não poderia deixar de antecipar as consequências de qualquer
uma das opções. E, assim, a escolha da aplicação do regime novo (prazo mais
alargado) implicaria a possibilidade objectiva de o tribunal vir a considerar o
recurso intempestivo, por entender ser aplicável o regime antigo.
Não existe, pois, qualquer violação do princípio da confiança, já que não
existia nenhuma expectativa legítima, induzida ou não pelo regime legal em
questão, que tenha sido afectada ou frustrada de modo constitucionalmente
inadmissível. De facto, a decisão de intempestividade era previsível, já que se
afigurava objectivamente sustentável em face do regime transitório em causa,
pelo que mais uma vez o não conhecimento do objecto do recurso pelo tribunal
recorrido ficou a dever‑se à estratégia processual do recorrente.
O recorrente invoca ainda a violação do princípio da igualdade.
No entanto, não se reconhece em que medida se poderá afirmar de modo procedente
uma qualquer violação do princípio da igualdade, já que qualquer sujeito que se
encontre na situação do recorrente será confrontado com solução idêntica. Por
outro lado, a sucessão de leis importa naturalmente a sucessão de regimes
diferentes sem que tal facto, só por si, importe uma qualquer violação da
igualdade.
5. O recorrente autonomiza a questão da inconstitucionalidade da não aplicação
nos autos do disposto no artigo 58º, nº 4, alínea b), do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, pretendendo, por essa via, invocar justo impedimento.
O que se deixa dito no ponto anterior é aplicável, mutatis mutandis, a propósito
da alegada inconstitucionalidade da não aplicação nos processos pendentes à data
da entrada em vigor do diploma em questão do disposto no mencionado artigo 54º,
nº 1, alínea b). Com efeito, não decorre de nenhum dos princípios
constitucionais invocados pelo recorrente a obrigação da aplicação de tal
disposição no processo pretexto.
De resto, o tribunal a quo, no acórdão recorrido, considerou expressamente que
tal preceito não seria aplicável no caso dos autos, por não ser aplicável quando
está em causa o prazo para interposição do recurso jurisdicional, só o sendo
quando estão em questão os prazos para a impugnação dos actos anuláveis. Tal
fundamentação alternativa da decisão recorrida sempre tornaria inútil a
apreciação da questão concreta suscitada.
6. Por último, o recorrente sustenta a inconstitucionalidade da norma do artigo
146º do Código de Processo Civil, interpretado tal preceito no sentido de não
abranger as situações de ambiguidade do quadro legal aplicável.
Já se demonstrou que a alegada falta de clareza ou ambiguidade da lei não
impossibilitavam, no caso em discussão, a opção por uma estratégia de defesa
procedente (no que respeita à tempestividade do recurso). Assim, mais uma vez
não se apreende qualquer violação dos princípios constitucionais invocados pelo
recorrente.
Com efeito, o recorrente, entre duas possibilidades, optou por uma via, sendo
objectivamente previsível a solução que o tribunal a quo acolheu. Na perspectiva
do tribunal recorrido não existiu qualquer impedimento que fundamentasse a
prática do acto fora de prazo. A interpretação normativa subjacente a este
entendimento não viola qualquer princípio constitucional. Na verdade, da
Constituição não resulta a obrigatoriedade de aceitar como justo impedimento o
acolhimento pelo tribunal de uma interpretação da lei objectivamente sustentável
e previsível.
7. Improcede, portanto, o presente recurso.
III
Decisão
8. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao
presente recurso de constitucionalidade, confirmando consequentemente a decisão
recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos