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Processo n.º 6/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
  
 
  
 A., S.A. interpôs recurso de revista de um acórdão do Tribunal da Relação de 
 Lisboa que declarara que a autora, B., era trabalhadora por tempo indeterminado 
 da ré A., S.A. desde 3 de Janeiro de 2005, sendo ilícito, por não ter sido 
 precedido de processo disciplinar, o seu despedimento, tendo, consequentemente, 
 condenado a mesma ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho com as 
 funções e antiguidade que deteria se não tivesse ocorrido o despedimento e a 
 condená-la a pagar as retribuições vencidas até à decisão final e as vincendas 
 até à efectiva reintegração.
 
  
 Nas alegações da revista, concluiu assim A., S.A., para o que agora releva (cfr. 
 fls. 17 e seguintes):
 
  
 
 […]
 J – A consequência que em virtude do acórdão ora Recorrido se imputou à 
 Recorrente fixa-se muito para além de quaisquer limites admissíveis à luz dos 
 mais elementares princípios de direito, Visou-se e conseguiu-se efectivamente 
 imputar de forma inadmissível à ora Recorrente as vicissitudes de um contrato 
 que, intencional ou negligentemente, foram sem sombra de dúvidas provocadas por 
 um comportamento da R. C. SA que, a configurar-se como ilícito, não pode senão 
 responsabilizar ela própria. Desconhecem-se quaisquer razões de justiça que 
 desta forma injustificada permitam, conscientemente, punir uma entidade, uma 
 empresa, pelo comportamento ilícito intencional ou negligentemente assumido por 
 outra, mais a mais, quando a principal prejudicada nem sequer responsabilidade 
 fiscalizadora tinha, teve ou tem para neste domínio. Nas palavras do ilustre 
 Professor Dr. Pedro Romano Martinez se encontre melhor razão, quando refere, 
 
 ‘Não sendo observada a forma escrita ou faltando a indicação do motivo que 
 justifica a celebração do contrato, remete-se para a conversão em contrato sem 
 termo (...) não se esclarecendo contudo quem fica vinculado por este negócio 
 jurídico.” Mais adiantando que “Diferentemente do disposto nos artigos 11°, n.° 
 
 4, e 16°, n.° 3, da LCT, onde se comina que o contrato sem termo se considera 
 celebrado entre o trabalhador e o utilizador, no artigo 19°, n.° 2, da LCT fica 
 em aberto o sentido da estatuição legal, devendo entender-se que o vínculo se 
 consolida entre a ETT e o trabalhador, pois não seria curial responsabilizar o 
 utilizador por factos de que não é imputável.” 
 L – Não só pouco curial seria, como, segundo pensamos, se poderia até situar 
 para além dos limites da própria legalidade porquanto, não existindo expressão 
 legal claramente fixada nesse sentido, seria no mínimo controverso forçar uma 
 parte a ‘aderir” à manifestação de uma vontade contratual que não foi por si 
 emitida, recepcionada e até, por vezes, conhecida. Conforme refere o ilustre 
 Professor Dr. Monteiro Fernandes, 
 
 “A sanção mais significativa para a inobservância de tais condições é a que 
 corresponde à «atipiciade» do trabalho temporário, como esquema contratual de 
 utilização da força de trabalho, no quadro das valorações que continuam a 
 prevalecer no nosso ordenamento laboral. Essa sanção consiste na consideração 
 legal da existência de contrato de trabalho de duração indeterminada. 
 Na maioria das situações, esse contrato ligará o trabalhador à entidade 
 utilizadora: são os casos do prosseguimento do trabalho ao serviço desta, por 
 mais de dez dias além da cessação do contrato de utilização (art. 10°), da falta 
 de contrato de utilização escrito ou da omissão dos motivos da sua celebração 
 
 (art. 11°), da celebração de contrato de utilização com empresa de trabalho 
 temporário não autorizada (...) 
 O contrato sem termo considera-se existente entre o trabalhador e a empresa de 
 trabalho temporário quando a cedência é feita sem contrato de trabalho 
 temporário (art. 17º), ou quando este é celebrado sem indicação do motivo 
 justificativo (art. 19°)” 
 M – Não pode a Recorrente, neste domínio e considerado que seja tudo o que infra 
 se expôs, deixar de afirmar que a conversão do contrato de trabalho temporário, 
 porque de uma conversão se trata efectivamente, não pode deixar de se 
 estabelecer entre a empresa de trabalho temporário, aqui a R. C. SA e a 
 trabalhadora Recorrida, conforme suporta jurisprudência recente do próprio 
 Tribunal da Relação de Lisboa, acima claramente evidenciada”.
 
  
 A autora e então recorrida, B., contra-alegou (cfr. fls. 30 e seguintes), 
 formulando as seguintes conclusões:
 
  
 
 “1 Os motivos justificativos dos contratos de trabalho temporário celebrados 
 entre a recorrida e a C. são insuficientes, vagos e falsos.
 
 2. A motivação apresentada, além de falsa, omite os factos e circunstâncias 
 concretas que justificam o recurso à contratação excepcional de trabalhadores. 
 
 3. O contrato de trabalho temporário, datado de 3/01/2005, não respeitou os 
 formalismos exigidos pelo Decreto-Lei n.° 358/89, razão por que deve ser 
 considerado um contrato de trabalho por tempo indeterminado que vincula a 
 recorrida à recorrente. 
 
 4. A recorrente foi a responsável pela indicação dos motivos presentes naquele 
 clausulado, tentando iludir as disposições legais que regulam a contratação a 
 termo. 
 
 5. Só a recorrente tem meios, estrutura organizativa e funções compatíveis com a 
 categoria e natureza da actividade desempenhada pela recorrida que permite a 
 real efectivação do seu direito à reintegração. 
 
 6. A cessação do contrato sub judice configura um despedimento ilícito, porque 
 não foi precedido do necessário processo disciplinar. 
 
 7 A celebração abusiva de 101 contratos de trabalho a termo e temporário, no 
 período compreendido entre 17 de Maio de 1999 e 7 de Fevereiro de 2005 atenta, 
 gravemente, contra a dignidade da pessoa humana que é a trave mestra da 
 
 “Constituição do Trabalho” e do Estado de Direito Democrático (arts. 1º. e 2.° 
 da CRP)”. 
 
  
 Por acórdão de 17 de Outubro de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu a 
 revista e, em consequência, absolveu A., S.A. dos pedidos que haviam sido 
 formulados pela autora, pelos seguintes fundamentos (cfr. fls. 43 e seguintes):
 
  
 
 “[…]
 
 4. No caso sub specie, os diversos contratos a termo celebrados entre a 
 recorrida autora e a recorrente Empresa-A e, bem assim, os contratos de trabalho 
 temporário celebrados entre a primeira e as empresas de trabalho temporário 
 Empresa-C, S.A., e Empresa-B, S.A., encontram-se documentados nos autos, 
 constando da matéria de facto assente as cláusulas apostas nos primeiros, que 
 intentavam justificar os motivos da contratação a termo, e as menções exaradas 
 nos segundos, também apostas ao jeito de justificação dos motivos da respectiva 
 celebração.
 O que, talqualmente sucedia na situação apreciada pelo Acórdão de 6 de Dezembro 
 de 2006, não se encontra documentado são os contratos de utilização de trabalho 
 temporário celebrados entre as empresas de trabalho temporário e a ré.
 Como deflui da transcrição supra efectuada, naquele citado acórdão, este Supremo 
 Tribunal concluiu, a dado passo, que, embora a falta do motivo da contratação 
 determinasse que o contrato de trabalho temporário se considerasse por tempo 
 indeterminado, por força do n.º 2 do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 
 de Outubro, que remetia para o n.º 3 do artigo 42º do Regime Jurídico da 
 Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do 
 Contrato de Trabalho a Termo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de 
 Fevereiro, essa consequência não se repercutia directamente na relação jurídica 
 titulada pelos contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre a 
 empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora do trabalho; e isso 
 porque, não se encontrando esses contratos documentados nos autos nem sendo eles 
 referenciados na matéria de facto dada como assente, não se podia extrair, em 
 face da factualidade então assente, que os contratos de utilização de trabalho 
 temporário estavam, também eles, feridos de invalidade por falta de motivação.
 E isso, realçou-se no mesmo acórdão, conduzia a uma decisão diversa da tomada no 
 Acórdão de 13 de Julho de 2005, proferido na Revista n.º 1173/2005 (o qual se 
 encontra disponível em www.dsgi.pt sob o n.º de documento SJ200507130011734), 
 pois que, nos autos em que foi prolatada tal decisão, estavam documentados os 
 contratos de utilização de trabalho temporário, pelo que, acrescenta-se agora, 
 era possibilitada a aferição dos motivos que levaram especificamente ao negócio 
 jurídico celebrado entre duas das partes da «relação tripartida» do trabalho 
 temporário, justamente a empresa de trabalho temporário e o utilizador desse 
 trabalho.
 Ora, também aqui nos postamos em idêntica situação. E, não se lobrigando motivos 
 para dissentir do decidido nesse particular no Acórdão de 6 de Dezembro de 2006, 
 se concluirá de idêntico jeito, obviamente com referência aos contratos de 
 trabalho temporário invocados pela autora e enunciados na matéria fáctica tida 
 por demonstrada em que apenas se faz mera alusão a «acréscimo temporário ou 
 imprevisto de actividade», «acréscimo temporário de tráfego» ou «acréscimo 
 temporário de tráfego (pagamento de vales)», já que essas alusões são 
 manifestamente insuficientes para uma densificação ou menção concreta dos factos 
 e circunstâncias elencados no n.º 1 do artigo 41º da LCCT, e que, por via da Lei 
 n.º 38/96, de 31 de Agosto, se veio a interpretar autenticamente por sorte a que 
 as indicações dos motivos justificativos da celebração do contrato (a termo) só 
 serem atendíveis se se mencionassem concretamente os factos e circunstâncias 
 integradores desses motivos.
 
 5. O acórdão da Relação de Lisboa agora impugnado, entendeu, porém – após aferir 
 da validade dos contratos de trabalho temporário celebrados entre a autora e as 
 empresas de trabalho temporário, e concluindo pela não ocorrência dessa validade 
 em relação a muitos deles (precisamente com base na falta de indicação concreta 
 dos factos e circunstâncias integradores dos motivos da contratação da autora, 
 já que, ao fim e aos resto, se limitaram praticamente a fazer uma mera menção da 
 expressões utilizadas na lei) –, que a invalidade se havia de repercutir, não 
 nas empresas de trabalho temporário (mais concretamente na Empresa-B, aliás como 
 foi decidido na 1ª instância, em face de um dos pedidos formulados pela autora 
 na petição inicial) – repercussão essa em termos de vir a ser entendido haver um 
 contrato sem termo –, mas sim na ora recorrente Empresa-A. 
 Para tanto, o aresto recorrido, inter alia, socorreu-se do referido no acórdão 
 do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Setembro de 2006 (disponível em 
 
 www.dgsi.pt sob o n.º de documento RP2006091806612883), no qual se citaram, por 
 entre outros, os ensinamentos de Maria Regina Gomes Redinha em A Relação Laboral 
 Fragmentada, Estudo sobre o Trabalho Temporário, e Trabalho Temporário: 
 Apontamento sobre a Reforma do seu Regime Jurídico, in Volume I dos Estudos do 
 Instituto do Direito do Trabalho, 2001.
 
 É a essa postura que, na esteira do acórdão de que grande parte se encontra 
 extractada, se não anui, e isso, como deflui do acima exposto, porque não 
 disponibilizam os autos ou a matéria fáctica a eles trazida quaisquer elementos 
 de onde se possa extrair o que foi mencionado nos contratos de utilização do 
 trabalho temporário celebrados entre a Empresa-B e os Empresa-A.
 Anote-se aqui, todavia, que a autora citada no acórdão do Tribunal da Relação do 
 Porto, por seu turno citado pelo acórdão recorrido, refere que a “omissão dos 
 motivos que justificam a celebração do contrato de trabalho temporário que não 
 possa ser suprida pela correspondente menção do contrato de utilização, importa, 
 igualmente, a conversão do contrato de trabalho num contrato sem termo, mas, 
 desde que o trabalhador preste efectivamente a sua actividade à empresa 
 utilizadora, presumir-se-á a existência de um contrato de trabalho de duração 
 indeterminada com o utilizador, como resulta, algo contraditoriamente, da 
 conjugação do n.º 2 do artigo 11.º com o artigo 19.º, n.º 2”. 
 E é justamente a falta de dados de facto tocantes aos contratos de utilização do 
 trabalho temporário que levam ao juízo agora efectuado, no seguimento do que 
 veio a suceder no Acórdão de 6 de Dezembro de 2006. 
 
 6. Por outro lado, no vertente recurso de revista – aliás tão só interposto 
 pelos Empresa-A – não foi colocada a questão de dever ser operada a revogação do 
 acórdão recorrido em termos de vir a subsistir a decisão tomada na 1ª instância.
 Vem isto a propósito das considerações, ínsitas no Acórdão de 6 de Dezembro de 
 
 2006, no ponto em que nele é vincado que, tendo sido observado que vários dos 
 contratos de trabalho temporários não se encontravam suficientemente 
 justificados, o que teria determinado que a ali autora tivesse adquirido a 
 qualidade de trabalhadora permanente da empresa de trabalho temporário, nos 
 termos do artº 19º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 358/89, o que era facto era que o 
 reconhecimento jurisdicional desse direito apenas podia operar no âmbito da 
 acção judicial que viesse a ser intentada pela autora contra a empresa de 
 trabalho temporário que, então, nem sequer era parte no processo, sendo que a 
 invalidade cometida na outorga daqueles contratos (e que eventualmente também 
 resultasse da celebração de contratos sucessivos) não se reflectia directamente 
 na relação jurídica estabelecida entre a autora e a ré através dos 
 correspondentes contratos de utilização de trabalho temporário.
 Ora, no processo de onde emergiu o presente recurso, a empresa de trabalho 
 temporário Empresa-B foi também demandada, vindo até, como se viu, a ser 
 condenada na 1ª instância a reconhecer que a autora era sua trabalhadora 
 permanente, em virtude da invalidade dos contratos de trabalho firmados com 
 esta.
 Simplesmente, em face da apelação interposta da sentença tomada pela 1ª 
 instância, essa decisão foi revogada pelo acórdão agora em crítica, não vindo, 
 como se disse, impostada na revista a subsistência da decisão daquela primeira 
 instância, sendo certo que, nesse ponto, poderia ter havido recurso subordinado 
 por banda da autora.
 
 7. Dar-se-á, também, nota do seguinte: 
 Da matéria de facto tida por assente resulta que, após a entrada em vigor da Lei 
 nº 18/2001, de 3 de Julho, ocorrida 30 dias após a sua publicação (cfr. seu artº 
 
 4º), celebrou a ré Empresa-A, em 3 de Maio de 2004 e com a autora, o contrato a 
 termo certo, por cento e oitenta dias, sendo que os demais, a termo certo ou 
 incerto, outorgados entre ambas são datados antes da ocorrência da vigência 
 daquele diploma (reportamo-nos aos contratos de 19 de Maio de 1999, 29 de 
 Outubro de 1999, 3 de Maio de 2000 e 2 de Maio de 2001).
 Ora, de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, de que dá nota o 
 Acórdão de 6 de Dezembro de 2006, não contendo aquela Lei nº 18/2001 normativos 
 transitórios que delimitem a sua vigência quanto aos efeitos da nova regulação 
 
 às relações jurídicas que subsistiam aquando da sua entrada em vigor, haverá, 
 para se saber desses efeitos, que recorrer aos critérios de aplicação da lei no 
 tempo constantes do artº 12º do Código Civil; e, assim, à míngua de normação 
 consagradora de eficácia retroactiva, deverá entender-se que os efeitos da 
 regulação daquela Lei só se poderão aplicar para o futuro.
 Daí que o desencadeamento de efeitos do artº 41º-A (e, no que ora releva, do seu 
 nº 1) introduzido na LCCT pela dita Lei, só possa ser aplicado às relações 
 jurídicas constituídas após a entrada em vigor da Lei nº 18/2001. 
 Não tendo, pois, os contratos de 19 de Maio de 1999, 29 de Outubro de 1999, 3 de 
 Maio de 2000 e 2 de Maio de 2001, sido celebrados no domínio da Lei nº 18/2001, 
 não poderá cobrar âmbito de aplicação o citado artº 41º-A, já que, em tal 
 domínio, apenas foi outorgado o contrato datado de 3 de Maio de 2004, não dando 
 os autos qualquer notícia de outros contratos celebrados entre as mesmas partes 
 
 – autora e ré Empresa-A – após a vigência de tal Lei.
 
  […].
 
  
 Deste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça interpôs B. recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, nos seguintes termos (cfr. fls. 82 e seguintes):
 
  
 
 1. (…)
 
 1. Na fundamentação recorrida, o STJ afirma que: 
 
 “embora a falta do motivo da contratação determinasse que o contrato de trabalho 
 temporário se considerasse por tempo indeterminado, por força do n.º 2 do artigo 
 
 19.º do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, que remetia para o n.° 3 do 
 artigo 42º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e 
 da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a termo aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, essa consequência não se repercutia 
 directamente na relação jurídica titulada pelos contratos de utilização de 
 trabalho temporário celebrados entre a empresa de trabalho temporário e a 
 empresa utilizadora do trabalho
 
 2. Salvo o devido respeito, esta interpretação não se harmoniza com o princípio 
 da segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP), sendo, por isso, inconstitucional. 
 
 (…)
 
 3. Desde logo, foi a empresa utilizadora “CT’T” que comunicou à “C.” as 
 necessidades temporárias e transitórias que permitiam o recurso à contratação da 
 recorrente quando, na realidade, bem sabia que esta foi contratada para 
 satisfazer as suas necessidades permanentes e que aqueles motivos invocados para 
 a sua contratação são manifestamente falsos! 
 Neste caso, o STJ nem sequer colocou a hipótese da reintegração do trabalhador 
 na empresa de trabalho temporário uma vez que, obviamente, é a utilizadora quem 
 informa a empresa de trabalho temporário da necessidade da contratação e 
 respectiva justificação, devendo, por isso, aquela ser responsabilizada pelo 
 carácter vago, insuficiência ou falsidade dos motivos invocados.
 Acresce que nas situações de celebração de contratos de trabalho temporário com 
 fundamento na substituição de trabalhadores, a empresa utilizadora “A.” teve o 
 cuidado de indicar à “C.”, com rigor, quais os trabalhadores que a recorrente 
 iria substituir, bem como os motivos subjacentes a essa substituição Ao invés, 
 nas situações em que a apelante foi satisfazer necessidades permanentes da 
 empresa utilizadora “A.”, tendo perfeita consciência da falsidade do motivo 
 justificativo, limitou-se a informar a “C.” que se tratava de um “acréscimo 
 temporário de tráfego”.
 
 (…) 
 
 4. Se o STJ entende que o motivo que justifica a contratação é nulo, conforme se 
 verifica no caso sub judice, então estamos perante a celebração de um contrato 
 de trabalho temporário nulo, ao arrepio dos preceitos legais que regulamentam a 
 sua celebração. Por isso, esclarece o n.° 5 do artigo 18.° do referido diploma 
 legal que “o trabalhador cedido a um utilizador sem estar vinculado à empresa de 
 trabalho temporário por contrato celebrado nos termos do n.° 2 do artigo 17.º ou 
 por contrato de trabalho temporário considera-se vinculado àquela empresa 
 mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado”. 
 Como é óbvio, o legislador quando explicita “àquela empresa” pretende referir-se 
 
 à empresa utilizadora. 
 
 5. Mais ainda, na decisão recorrida, transcreve-se parcialmente um acórdão do 
 Tribunal da Relação do Porto, segundo o qual “a omissão dos motivos que 
 justificam a celebração do contrato de trabalho temporário que não possa ser 
 suprida pela correspondente menção do contrato de utilização, importa, 
 igualmente, a conversão do contrato de trabalho num contrato sem termo, mas 
 desde que o trabalhador preste efectivamente a sua actividade à empresa 
 utilizadora, presumir-se-á a existência de um contrato de trabalho de duração 
 indeterminada com o utilizador, como resulta, algo contraditoriamente, da 
 conjugação do n.° 2 do art. 11.° com o art. 19º, n. 2. Contudo, argumenta o STJ 
 que “não disponibilizam os autos ou a matéria fáctica a eles trazida quaisquer 
 elementos de onde se possa extrair o que foi mencionado nos contratos de 
 utilização do trabalho temporário celebrados entre a C. e os A.” para decidir a 
 não integração da apelante na empresa utilizadora. 
 Este entendimento viola o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva, 
 previsto no art. 20.° da CRP. 
 Com efeito, a recorrente fez prova plena da insuficiência dos motivos 
 justificativos que levaram à sua contratação. 
 De resto, a falsidade ou inexistência desses motivos deve ser imputável à 
 empresa utilizadora A., porquanto foi ela quem os indicou à empresa de trabalho 
 temporário C.. Por isso, é chocante afirmar-se que não foram juntos aos autos os 
 contratos de utilização e, por isso não ter sido decidida a reintegração da 
 recorrente na empresa utilizadora. Se alguém tinha interesse em demonstrar a 
 veracidade dos preditos motivos justificativos era a empresa utilizadora ou a 
 empresa de trabalho temporário. 
 Efectivamente, não se compreende a decisão de recusar a reintegração da 
 recorrente na empresa utilizadora, pelo facto de tais documentos não terem sido 
 juntos, uma vez que esta junção era um ónus das empresas. 
 Tal junção era um ónus das empresas e não da recorrente. Esta decisão, além de 
 chocantemente injusta, contraria o direito de acesso à tutela jurisdicional 
 efectiva, previsto no art. 20° da CRP, sendo por isso inconstitucional. 
 
 6. Por outro lado, a decisão recorrida atenta contra a dignidade da pessoa 
 humana, que é a trave mestra do nosso Estado de direito democrático (arts. 1.º 
 
 2.° da CRP). Ao longo de seis anos de exercido de funções, em exclusivo, para a 
 empresa utilizadora, a recorrente foi obrigada a celebrar 101 contratos de 
 trabalho, quer com esta, quer com várias empresas de trabalho temporário por si 
 indicadas!
 
 7. O Acórdão do STJ em apreço, desresponsabiliza as empresas utilizadoras, 
 permitindo a exteriorização do emprego de uma forma quase selvagem. Ao invés do 
 Acórdão recorrido, o legislador pretendeu responsabilizar ambas as empresas pelo 
 cumprimento rigoroso das formalidades previstas no diploma, com vista a reforçar 
 os objectivos de “clarificação e protecção social”, definidas no preâmbulo da 
 lei do trabalho temporário. De contrário, verificar-se-ia um vazio no tocante às 
 consequências previstas para a nulidade dos contratos de trabalho temporário. 
 
 8. De facto, a recorrida foi eximida de qualquer responsabilidade não obstante 
 ter beneficiado do trabalho da recorrente desde 1999. 
 No caso vertente, a empresa utilizadora “A.” teve uma atitude negligente face à 
 relação triangular que estabeleceu, procurando, apenas, usufruir das vantagens 
 retiradas a partis da utilização do trabalho temporário, sem, para tal, se 
 preocupar com as condições em que o mesmo era prestado, designadamente, com a 
 licitude do contrato de trabalho celebrado entre o trabalhador e a empresa de 
 trabalho temporário, por si contratada. 
 
 9. Este caso paradigmático não pode ser compreendido através da análise 
 casuística de cada contrato, antes deve ser interpretado à luz dos princípios 
 fundamentais da nossa constituição laboral, maxime a dignidade do trabalhador e 
 a segurança no emprego, conforme foi sucessivamente invocado nas alegações da 
 recorrente para o TRL e STJ. 
 Este Supremo Tribunal, não logrou descortinar a inaudita “floresta” dos 101 
 contratos, quedando-se pela análise de cada um... 
 
 10. Atentas as sobreditas inconstitucionalidades laborais, vem, ao abrigo do 
 disposto nos arts 280º, n.º 1 al. b) da Constituição da República, 70º, nº 1, 
 al. b), 72º, nºs 1 al. b( e 2 e 75ºA, estes da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 
 com a redacção introduzida pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, requerer a 
 V. Exª se digne admitir o presente recurso, seguindo-se a ulterior tramitação 
 prevista nos arts 76º e seguintes da mesma Lei.
 
  
 O recurso de constitucionalidade não foi, porém, admitido, por despacho de 9 de 
 Novembro de 2007, pelos seguintes fundamentos (cfr. fls. 89 e seguintes):
 
  
 
 […]
 Fundando-se o recurso na mencionada alínea b) do n.° 1 do art° 70° da Lei n° 
 
 28/82, de 15 de Novembro, mister é, inter alia, que quem nele se apresente como 
 impugnante tenha, precedentemente à prolação da decisão judicial querida colocar 
 sob a censura do Tribunal Constitucional, suscitado a questão da desarmonia 
 constitucional da norma ou das normas cuja sindicância pretende que seja 
 efectivada por aquele órgão de administração de justiça, sendo que, se essa 
 norma ou essas normas resultarem de um processo interpretativo incidente sobre 
 determinados preceitos, deverá ser indicado qual o sentido ou dimensão normativa 
 questionada. 
 Exige-se, outrossim, que a norma ou as normas sindicadas tenham, com esse 
 preciso sentido ou com essa precisa dimensão, sido objecto de aplicação na 
 decisão recorrenda. 
 Por outro lado, objecto dos recursos visando a fiscalização concreta da 
 constitucionalidade normativa são normas ínsitas no ordenamento jurídico 
 ordinário e não outros actos emanados do poder público como, verbi gratia, as 
 decisões judiciais qua tale consideradas. 
 No caso em apreço, não se lobriga, na resposta à alegação produzida na revista 
 pela recorrente A., SA., e resposta essa ao tempo apresentada pela agora 
 impugnante, a suscitação de qualquer questão de desarmonia constitucional 
 reportada a um qualquer sentido normativo de preceitos cuja violação era, 
 naquela alegação, sustentada pela então recorrente A.. 
 Ainda por outra banda, atentando-se no requerimento de interposição de recurso 
 em apreço, o que do mesmo resulta é que é o aresto de que se pretende fazer 
 impugnação que enferma do vício de desacordo com a Lei Fundamental, o que, 
 aliás, se torna nítido pelo que é escrito no segundo parágrafo do item 5 e no 
 item 6 daquele requerimento, como se verifica do extracto supra efectuado. 
 Anote-se, no que àquele último item 6. concerne, que aquilo que o acórdão agora 
 intentado recorrer sublinhou foi que não era possível impostar-se a questão de 
 saber se haveria de subsistir a decisão tomada pela sentença da lª instância - 
 isto é, ser a então ré C. (Empresa de Trabalho Temporário), SA., condenada a 
 reconhecer que a autora B. era sua trabalhadora permanente —, já que essa 
 sentença fora revogada pelo acórdão lavrado na 2.ª instância e deste não fora, 
 subordinadamente, interposto recurso de revista pela mesma autora, ora 
 recorrente. 
 Ora, como se viu acima, não podendo as decisões judiciais constituir objecto do 
 recurso de apreciação da constitucionalidade, também por aqui não é possível 
 concluir-se da propriedade da impugnação ora desejada. 
 Adite-se, ainda, que no requerimento de interposição de recurso agora em análise 
 não é feita a concretização dos sentidos normativos que se reputam insolventes 
 do ponto de vista da sua conformidade constitucional. 
 Obtemperar-se-ia a isso, que, lançando-se mão do prescrito no n.° 5 do artigo 
 
 75°-A da Lei n.º 28/82, poderia, porventura, a ora impugnante vir a clarificar 
 aquele específico aspecto. 
 Simplesmente, um tal convite representaria um acto inútil, pois que, pelos 
 motivos já indicados, o recurso querido interpor não é cabido; e, sendo assim, 
 ainda que viessem a ficar formalmente explicitados ou clarificados os sentidos 
 normativos, sempre o recurso, pelas avançadas razões, não seria admissível. Daí 
 a inutilidade da feitura do convite a que se reporta aquele n.° 5 do artigo 
 
 75°-A. 
 Em face do exposto, não admito o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 Notificada do despacho de 9 de Novembro de 2007, dele reclamou B. para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, pelos seguintes fundamentos (fls. 2 e seguintes):
 
  
 
 1. Pelo despacho reclamado, não foi admitido o recurso para o Tribunal 
 Constitucional, com o argumento de que se prendia impugnar o aresto, senda que 
 
 “as decisões judiciais não podem constituir objecto do recurso de apreciação da 
 constitucionalidade”. 
 Como é óbvio, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar o mérito de 
 determinada decisão judicial, ainda que chocantemente injusta. 
 
 2. Por isso, logo no ponto 1. do seu requerimento, a ora reclamante, após ter 
 citado parcialmente o douto Acórdão recorrido, designadamente, a interpretação 
 do “n.° 2 do artigo 19º do Decreto-Lei n.° 358/89, de 17 de Outubro (...) sobre 
 a conversão do contrato de trabalho temporário em contrato por tempo 
 indeterminado por falta do motivo da contratação e a sua alegada não 
 repercussão, “na relação jurídica titulada pelos contratos de utilização de 
 trabalho temporário celebrados entre a empresa de trabalho temporário e a 
 empresa utilizadora do trabalho”, invoca ‘expressis verbis” que esta 
 interpretação não se harmoniza com o princípio da segurança no emprego 
 consagrado no artigo 53.° da Constituição da República Portuguesa (CRP). sendo, 
 por isso, inconstitucional. 
 
 3. Deste modo, não há dúvida que a reclamante suscitou a questão da desarmonia 
 constitucional da interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no caso 
 sub judice, com a norma ínsita no artigo 53.° da CRP, recorrentemente, invocado 
 ao longo deste penoso e ziguezagueante processo judicial. 
 
 4. Assim sendo, forçoso será concluir que o despacho em apreço viola o disposto 
 no artigo 70°, n.° 1, alínea b), da LTC, segundo a qual cabe recurso para o 
 Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos Tribunais (...) que 
 apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo”. 
 
 5. Nos pontos subsequentes, a reclamante argumenta ainda que a sobredita 
 interposição do STJ não respeita o princípio matricial da dignidade da pessoa 
 humana, que é a trave mestra do nosso Estado de direito democrático (arts. 1º  
 
 2º da CRP). 
 Efectivamente, tal entendimento legitimaria a desresponsabilização das empresas 
 utilizadoras pela precarização selvagem do trabalho que, in casu, se traduziu na 
 celebração de 101 contratos de trabalho temporário e a termo, apenas, num 
 período de 6 anos.
 
 6. Ademais, a reclamante não considera que o convite previsto no n.° 5 do art. 
 
 75°-A da LTC seria inútil. Diferentemente, considera que o despacho reclamado 
 viola o disposto neste preceito, bem como o direito de acesso ao Tribunal 
 Constitucional. 
 In casu, a interpretação excessivamente formalista do STJ redundaria numa 
 gritante injustiça. Summum jus, suma injuria! 
 
 7. Pelo exposto, deve ser julgada procedente a presente reclamação, admitindo-se 
 o recurso, oportunamente, interposto para o Tribunal Constitucional, como é de 
 direito e de toda a Justiça!
 
  
 A., S.A. respondeu a esta reclamação, sustentando que a mesma devia ser 
 desatendida (cfr. fls. 7 e seguintes). 
 
  
 O representante do Ministério Público junto do Tribunal pronunciou-se no sentido 
 da improcedência da reclamação, nos seguintes termos (cfr. fls. 97 v.º e 
 seguinte):
 
  
 A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente, já que a ora reclamante não 
 suscitou, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade normativa que 
 só tentou delinear no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal 
 Constitucional.
 Na verdade, confrontada com a interposição de recurso de revista por parte da ré 
 A. – e tendo, aliás, produzido contra-alegações no âmbito de tal recurso – 
 cabia-lhe o ónus de nelas ter suscitado, a título cautelar, as questões de 
 constitucionalidade normativa que considerasse que inquinavam a argumentação 
 expendida pela entidade recorrente, levando a que o Tribunal sobre elas se 
 pronunciasse no acórdão em que, porventura, viesse a inflectir o sentido 
 decisório das instâncias. Note-se que a circunstância de a parte que pretende 
 aceder a este Tribunal Constitucional figurar como recorrida no recurso 
 interposto pela parte contrária para o Supremo não a dispensa do referido ónus, 
 que tem oportunidade processual para cumprir no momento em que pode 
 contra-alegar que tal recurso, confrontado, a título subsidiário, o Tribunal com 
 as questões de constitucionalidade que tenha por pertinente, face a uma eventual 
 procedência do recurso de revista.
 Deste modo, não sendo a interpretação acolhida pelo STJ qualificável como 
 
 “decisão-surpresa”, de conteúdo insólito ou imprevisível face ao objecto do 
 litígio, e tendo a ora reclamante plena oportunidade processual para confrontar 
 o Supremo com as invocadas inconstitucionalidades, antes de ser proferido o 
 acórdão recorrido, não se verificam efectivamente os pressupostos de 
 admissibilidade do recurso tipificado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 
 nº 28/82.
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
       
 Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto 
 processual a suscitação da questão de constitucionalidade, de modo 
 processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer (cfr., ainda, o disposto no 
 artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
 
  
 No caso vertente, tendo a recorrente invocado, no seu requerimento de 
 interposição de recurso, a violação do princípio da segurança no emprego 
 consagrado no artigo 53º da Constituição, bem como a violação do direito de 
 acesso à tutela jurisdicional efectiva, constante do artigo 20º, e a violação do 
 princípio da dignidade da pessoa humana, decorrente dos artigos 1 e 2º, todos da 
 Lei Fundamental, não suscitou, no entanto, designadamente nas contra-alegações 
 de recurso de revista que apresentou perante o Supremo Tribunal de Justiça, 
 qualquer dessas questões de constitucionalidade.
 
  
 Sendo certo que, tendo os A., S.A. defendido, nas alegações de revista, a 
 bondade da solução jurídica que veio a obter vencimento, era exigível que a ora 
 recorrente contrabatesse, na resposta, essa argumentação, aduzindo as 
 pertinentes considerações que permitissem evitar, com fundamento em 
 inconstitucionalidade, a prolação de uma decisão que lhe fosse desfavorável.
 
  
 Não podendo, por conseguinte, afirmar-se que a decisão proferida pelo tribunal 
 recorrido constitui uma decisão surpresa quanto ao mérito da causa, é 
 inteiramente irrelevante que o recorrente tenha vindo a aduzir as faladas 
 questões de constitucionalidade apenas no requerimento de interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional, quando podia e devia tê-lo feito, desde 
 logo, nas contra-alegações de recurso de revista.
 
  
 Poderá dizer-se que, no momento próprio, a recorrente invocou, pelo menos, a 
 violação do princípio da dignidade da pessoa humana, a que alude na conclusão 7º 
 daquela peça processual. Mas se bem se notar, a recorrente limita-se aí a 
 referir que «[A] celebração abusiva de 101 contratos de trabalho a termo e 
 temporário, no período compreendido entre 17 de Maio de 1999 e 7 de Fevereiro de 
 
 2005, atenta, gravemente, contra a dignidade da pessoa humana que é a trave 
 mestra da “Constituição do Trabalho” e do Estado de Direito Democrático (artigos 
 
 1º. e 2.° da CRP)», sem identificar a norma ou a interpretação normativa que, 
 tendo sido aplicada, pelo Tribunal da Relação, então recorrido, poderia 
 encontrar-se ferida do apontado vício de inconstitucionalidade. E, sendo assim, 
 não pode considerar-se como tendo sido devidamente suscitada a questão de 
 constitucionalidade.
 
  
 Nestes termos, por incumprimento do ónus de suscitação das questões de 
 constitucionalidade, não poderia admitir-se o recurso.
 
  
 Acresce que, como se depreende do teor do requerimento de interposição de 
 recurso, há pouco transcrito, em nenhum momento, a recorrente identifica norma 
 ou interpretação normativa, que, tendo sido aplicada pela decisão recorrida, 
 possa encontrar-se inquinada por  violação de qualquer dos princípios 
 constitucionais a que, nesse requerimento, se faz referência.
 
  
 Na verdade, a recorrente imputa a invocada violação do disposto no artigo 53º da 
 CRP a um certa interpretação adoptada pelo tribunal recorrido – aquela pela qual 
 se considera que a falta do motivo para a contratação  trabalho temporário não 
 se repercute directamente na relação jurídica existente entre a empresa de 
 trabalho temporário e a empresa utilizadora do trabalho –, sem indicar qual é a 
 norma a que se refere uma tal interpretação, limitando-se, como tal, a formular 
 uma crítica quanto à posição adoptada pelo Supremo relativamente a este aspecto 
 da apreciação da causa (n.ºs 1 a 4 do requerimento).
 
  
 Do mesmo modo, a recorrente correlaciona a pretendida violação do direito de 
 acesso à tutela jurisdicional efectiva com um certo entendimento formulado pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça na parte em que considera que “não disponibilizam os 
 autos ou a matéria fáctica a eles trazida quaisquer elementos de onde se possa 
 extrair o que foi mencionado nos contratos de utilização do trabalho temporário 
 celebrados entre a C. e os A.” para decidir a não integração da interessada na 
 empresa utilizadora (n.º 5 do requerimento). 
 
  
 Por fim, alega-se que a «decisão recorrida atenta contra a dignidade da pessoa 
 humana» no ponto em que desconsiderou o facto de a recorrente, ao longo de seis 
 anos de exercido de funções, em exclusivo, para a empresa utilizadora, ter sido 
 obrigada a celebrar 101 contratos de trabalho, quer com esta, quer com várias 
 empresas de trabalho temporário por si indicadas (n.ºs 6 a 9 do requerimento).
 
  
 Como bem se vê, em qualquer dos casos, a recorrente dirige o recurso contra a 
 própria decisão recorrida, a quem imputa as referidas inconstitucionalidades, e 
 não contra uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada nessa 
 decisão.
 
  
 Sabe-se, no entanto, que o Tribunal Constitucional não possui competência para 
 apreciar a própria decisão recorrida, em si mesma considerada, mas apenas para 
 apreciar a questão jurídico-constitucional relativa à aplicação ou recusa de 
 aplicação de uma norma ou interpretação normativa, que, para esse efeito, carece 
 de ser adequadamente identificada (cfr. as várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º 
 da Lei do Tribunal Constitucional).
 
  
 Não se verificam, por conseguinte, dois dos pressupostos do recurso de 
 constitucionalidade.
 
  
 E no ponto em que a falta de um desses pressupostos não é sequer passível de ser 
 suprida, visto que se refere à oportuna suscitação da questão de 
 constitucionalidade, que necessariamente apenas poderia ocorrer no decurso do 
 processo - e, por isso, antes da prolação da decisão recorrida -, não tem 
 qualquer utilidade o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição 
 de recurso, a que alude o artigo 75º-A, n.º 5, da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 Não havendo, por conseguinte, motivo para alterar o despacho de não admissão do 
 recurso, cuja fundamentação é de acolher. 
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere a reclamação.
 
  
 
  
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC. 
 Lisboa, 31 de Janeiro de 2008
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão