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Processo nº 826/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 16 de Outubro de 2006 o relator proferiu a seguinte
decisão: –
1. Os arguidos A. e B., condenados por acórdão lavrado pelo
tribunal colectivo do 1º Juízo Criminal do Tribunal de comarca de Cascais em,
respectivamente, 10 anos de prisão e na coima de € 5486,78, e 9 anos de prisão,
pelo cometimento de factos que foram subsumidos ao cometimento, também
respectivamente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível
pelos artigos 21º e 24º, alínea b), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro,
com referência às Tabelas I-A e I-B a ele anexas, de uma contra-ordenação ao
disposto no artº 36º do Decreto-lei nº 13/90, de 8 de Janeiro, e de um crime de
tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelas citadas disposições do
Decreto-Lei nº 15/93, interpuseram recurso de tal decisão para o Tribunal da
Relação de Lisboa, com tal recurso vindo a «subir» um outro incidente sobre um
despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal e que indeferira a arguição
de nulidade atinente a acto de intercepção de comunicações telefónicas.
Tendo aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 21 de
Janeiro de 2004, negado provimento à totalidade dos recursos, requereu o arguido
A. a sua ‘correcção’, peticionando, a final, a respectiva aclaração,
esclarecimento e correcção de ambiguidades, pretensão que foi indeferida por
despacho proferido em 19 de Março de 2004 pelo Desembargador Relator do Tribunal
da Relação de Lisboa.
Posteriormente, o mesmo arguido A. arguiu a nulidade do
acórdão de 21 de Janeiro de 2004, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa, por
aresto de 15 de Dezembro de 2004, a decidir não tomar conhecimento da arguição,
já que, entendeu, a invocada nulidade haveria de ser invocada em recurso a
interpor daquele primeiro acórdão, recurso que nem sequer ainda havia sido
interposto.
Quanto ao acórdão de 15 de Dezembro de 2004, o arguido A.
solicitou a sua aclaração, tendo, no requerimento consubstanciador desse
desiderato, dito, a dado passo, que ‘Ao entender como entendeu o Tribunal da
Relação e Lisboa, fez interpretação inconstitucional da[s] disposições
conjugadas dos artº 425 n.º 4 e 379 n.º 1 c) do CPP por violação do disposto nos
artº 32 n.º 1 d[a] CRP, inconstitucionalidade que aqui se vem arguir’.
O Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, por
despacho de 5 de Março de 2005, indeferiu a requerida aclaração.
Do acórdão de 21 de Janeiro de 2004 recorreu, em 11 de
Fevereiro de 2004 para o Supremo Tribunal o arguido B., vindo também o arguido
A., em 12 de Janeiro de 2005, a interpor recurso para aquele Alto Tribunal.
Ainda este arguido A., por requerimento de 19 de Janeiro de
2005, ‘à cautela’, interpôs, ao abrigo, segundo disse, ‘do disposto no artº 75-A
da lei 28/82 de 15 de Novembro alterada pela lei 113/85 de 26 de Novembro, pela
lei orgânica nº 85/89 de 7 de Setembro e lei 13-A/95’, recurso para o Tribunal
Constitucional do indicado acórdão de 21 de Janeiro de 2004, e para a hipótese
de o Supremo Tribunal de Justiça vir a entender não ser admissível recurso para
ele das decisões interlocutórias, visando, com esse intentado recurso para o
Tribunal Constitucional, a apreciação do nº 1 do artº 188º do Código de Processo
Penal, numa interpretação que «defenda» ‘que as escutas telefónicas não têm que
ser imediatamente levadas ao conhecimento do juiz’ e que ‘as escutas telefónicas
podem ser utilizadas sem que haja motivo fundamentado para tal’.
Este recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido a
subir imediatamente e em separado, determinando-se a extracção da pertinente
certidão e envio imediato a este órgão de administração de justiça.
Na motivação produzida quanto ao recurso interposto para o
Supremo Tribunal de Justiça do acórdão de 21 de Janeiro de 2004, o arguido B.
formulou as seguintes «conclusões»: –
‘1. O artigo 127º do CPP padece de inconstitucionalidade material, por violação
do princ[í]pio constante do artº 32º nº 1 da Constituição da República
Portuguesa quando interpretado (como foi o caso dos autos), no sentido do
Tribunal ‘ a quo’ poder dar como provados factos delituosos a que ninguém
assistiu ou referiu ter assistido, factos esses nem sequer discutidos na
audiência [d]e julgamento (vd. Ac. recorrido – factos provados:
4,5,6,7,8,9,10,11,12, 23 a), 23 g), 28, 30, 47, 53, 80,)
2. O artigo 374º nº 2 do CPP é inconstitucional, por violação do disposto no
princ[í]pio constante no artº 32º da C.R.P. (revista), no sentido de que a
simples indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal
não é suficiente para que o Tribunal superior possa reapreciar a validade (ou
acerto) dessa valoração. Na verdade, essa simples ‘indicação’ não garante, nem
possibilita a existência de um duplo grau de jurisdição, agora consagrado no
texto constitucional.
3. No douto ac[ó]rdão recorrido, há nítida insuficiência para a decisão da
matéria de facto provada. Extravasando completamente o desejável limite legal de
interpretação, o douto ac[ó]rdão considera provada a existência de factos
ilícitos não debatidos na audiência de discussão e julgamento, embora constem
indiciariamente do douto despacho de pronúncia.
4. O legislador, no artº 374 do CPP, impõe ao julgador a obrigação de enumerar
especificamente os factos, provados e não provados, ou seja, o julgador tem que
expressar claramente, em relação a todos eles a sua convicção (quer no sentido
positivo quer no sentido negativo).
5. O incumprimento deste normativo consubstancia a nulidade prevista no artº
379º al. a) do CPP.
6. A detenção de estupefaciente e de tudo o mais que existia na Garagem, do seu
conhecimento ou não, só por si, não é suficiente para concluir pelo cometimento
do crime porque foi condenado (artº 21º e 24º al. c) DL 15/93). Não existem
factos demonstrativos e concretos do preenchimento do artº 24º alínea c).
7. Ao condenar o recorrente com a agravação do artº 24 al. c), o Tribunal ‘a
quo’ violou o principio in d [u]bio pro reo, uma vez que os elementos de prova
não eram suficientes para a condenação do arguido nos termos em que foi.
8. Não existe um único facto que possa sustentar a qualificação jurídica pela
al. c) do artº 24º do DL 15/93. Não existe ‘avultada compensação remuneratória’.
Vd. Ac. STJ de 05/12/2001 – Pº 3643
8. À imagem do recente Ac. Tribunal do C[í]rculo de Cascais, no proc. nº 969/99
TACSC, que correu pelo 2º Juízo Criminal e que se encontra junto a estes autos
pelo próprio Mº Pº., deverão ser consideradas juridicamente inexistentes os
autos de transcrição de gravações de intercepções telefónicas, não sendo
valoradas como elementos de prova.
10. O Tribunal 'a quo’ não valorou os Acórdãos n.º 407/97 e 299/01, que
decidiram que seria inconstitucional uma interpretação do disposto no nº 1 do
188º do CPP que não impusesse que o auto de intercepção e gravação de
conversações telefónicas fosse imediatamente lavrado após a escuta e levado ao
conhecimento do juiz, tendo interpretado de forma inconstitucional o preceituado
naquele dispositivo.
11. Resulta do texto da decisão recorrida e da experiência comum, que a matéria
provada, só por si, e sobretudo conjugada com os restantes elementos dos autos
se mostra insuficiente para fundamentar a referida condenação, verificando-se
ainda contradição insanável na fundamentação e nulidade do douto ac[ó]rdão.
12. Tais v[í]cios, referidos no artº 410º nº 2 al. a) e b) do CPP determinam o
reenvio do processo para novo julgamento, de acordo com o disposto no artº 426º
do CPP.
13. Sem conceder, em termos relativos e de Justiça equitativa a pena aplicada é
severa, além de imerecida. A pena a aplicar não deveria exceder os seis anos de
prisão para o arguido B. atenta a confissão, o tempo de prisão (4 anos)
ininterruptamente cumprido com exemplar comportamento, circunstancialismo
familiar (2 filhos menores), não possuir antecedentes criminais e fácil
reintegração na sociedade.
14. Mostram-se assim violados: artº 71º do C.P. e 21º e 24º al. ç) do DL 15/93
e, ainda, 125º, 127º, 374º nº 2, 379º al. a) do CPP.”.
Às motivações dos recursos interpostos pelos arguidos B. e A.
para o Supremo Tribunal de Justiça respondeu o Representante do Ministério
Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, nessa resposta, por um
lado, reportadamente à impugnação do primeiro, suscitado a questão de se dever
rejeitar o recurso, dado que teria sido «reeditada» toda a argumentação que já
fora expendida aquando do recurso para a 2ª instância; por outro, no que
concerne ao recurso do arguido A., suscitou a questão de dever ser tal recurso
rejeitado, por intempestivo.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25 de Janeiro
de 2006, rejeitou os recursos interpostos pelos arguidos A. e B..
A esse aresto foi carreada a seguinte fundamentação: –
‘(…)
VI –
Nos termos conjugados do disposto no
art.º 419.º, n.º 4 a), 420.º, n.º1 e 414.º, n.º 2 do CPP, importa, desde já,
tomar posição sobre se o recurso do A. é tempestivo.
Para t[a]nt[o], atentemos nos seguintes
elementos dos autos:
O acórdão da relação foi proferido em 21.1.2004
(folhas 2628);
Ainda nesse dia, foi expedida carta de
notificação ao Ex.mo Mandatário deste arguido (folhas 2632 e verso);
Em 5.2.2004, veio este ‘requerer a correcção da
sentença’, pedindo que o tribunal aclarasse, esclarecesse ou corrigisse as
ambiguidades que refere;
Este requerimento foi indeferido a folhas 2684;
Por despacho cuja notificação foi enviada a
29.3.2004 (folhas 2686);
Em 19.4.2004, veio este arguido arguir a
nulidade do acórdão da relação que conheceu dos recursos da 1.a instância,
invocando omissão de pronúncia;
Por despacho de folhas 2696 do Ex.mo Relator,
foi ordenada a remessa dos autos à conferência;
Nesta, decidiu-se não conhecer da arguição por a
sede própria desta ser o recurso (folhas 2702);
Em 20.12.04, foi expedida carta de notificação
desta deliberação;
Em 11.1.2005, veio o arguido requerer a
aclaração de tal deliberação (folhas 2710);
O que foi indeferido a folhas 2713;
Em 12.1.2005, o arguido interpôs recurso do
acórdão da relação que conheceu dos recursos vindos da 1.a instância.
VII –
Nos termos do disposto no art.º 411.º, n.º1 do
dito código, o prazo paro interposição de recurso é de 15 dias, contados nos
termos ali referidos.
Conta-se, assim, tal prazo, em princípio, desde
a notificação da decisão recorrendo (não afectando os dados necessários à nosso
tomado de posição os casos em que tal prazo se conto o partir do depósito na
secretaria de tal decisão);
Este ‘dies a quo’ pode, porém, ser outro.
O Código de Processo Penal não tem previsão
nesse sentido, mas pelo caminho do seu art.º 4.º, chegamos ao n.º1 do art.º
686.º do CPC, assim redigido:
Se alguma das partes requerer a rectificação,
aclaração ou reforma da sentença nos termos dos artigos 667.º e do n.º 1 do
art.º 669.º, o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a
decisão proferida sobre o requerimento.
VIII –
Temos aqui uma tipificação dos casos em que o
prazo não começa a correr com a notificação da decisão.
Trata-se dum regime excepcional relativamente ao
art.º 685.º, n.º1 do mesmo código e, no que tange ao processo penal,
relativamente ao mencionado art.º 411., n.º1.
O qual, tendo essa natureza, não comporta
interpretação analógica, atento o disposto no art.º 11.º do Código Civil. Mesmo
que – apenas por hipótese de raciocínio – se considerasse que a não alusão à
arguição de nulidade no apontado n.º 1do art.º 686.º deixava uma lacuna da lei
quanto ao começo do prazo de recurso no caso desta arguição, tal lacuna não
poderia ser preenchida com este regime excepcional, caindo assim, no regime
geral.
IX –
Mas não há qualquer lacuna.
O regime de arguição das nulidades da sentença
resulta, em processo penal, do art.º 414.º, n.º 2: devem ser arguidas em recurso
(Cfr-se, a este propósito, prof. Germano Marques do Silva, Curso de Processo
Penal, III, 304).
Mas, se se entender que, estando nós em processo
civil por razões de subsidiariedade, este deve ser tido em conta em bloco, nem
assim chegamos a regime diferente.
É certo que o n.º 3 do art.º 670.º estatui que
se alguma das partes tiver requerido a rectificação ou aclaração, o prazo para
arguir nulidades ou pedir a reforma só começa a correr depois de notificada a
decisão proferida sobre esse requerimento. Mas este preceito é inócuo no caso de
recursos, porquanto o art.º 668.º, n.º 3, com uma excepção que aqui não importa,
consigna que, então, as nulidades devem antes constituir fundamento de recurso.
Na verdade, são do prof. Lebre de Freitas, as
seguintes palavras (Código de Processo Civil Anotado, 3.º,40):
‘Note-se ainda que a parte pode arguir a
nulidade da sentença, após ter pedido a rectificação ou aclaração da mesma.
Simplesmente, como a arguição da nulidade da sentença se faz na alegação
apresentada nos recursos ordinários, quando os mesmos sejam admissíveis, a
aplicação, nesta parte, do art.º 670.º, n.º 3 não tem relevância em matéria de
recursos...’
X –
Daqui resulta que, no caso presente, o prazo
para interposição de recurso começou a correr com a notificação expedida em
29.3.04. O que a seguir se tramitou irreleva para tal começo de contagem (não se
colocando qualquer questão de suspensão ou de interrupção).
Deste modo, quando, em 12.1.2005, o arguido veio
interpor recurso, estava ultrapassado o prazo que tinha para o fazer.
Por isso, impõe-se a rejeição prevista no n.º 4
a) do art.º 419.º, n.º 1 do art.º 420.º e n.º 2 do art.º 414.º.
Com a consequência ainda, prevista no n.º 4
daquele art.º 420.º.
………………………….
Passemos agora ao recurso do arguido B..
XII –
Não é pacífico o entendimento sobre o objecto dos recursos, oscilando as
posições entre o entendimento de que tal objecto é a questão sobre que incidiu a
decisão recorrida e o entendimento de que é a própria decisão recorrida, como se
pode ver em Recursos, 24, do prof. Castro Mendes. Esta problemática estende-se
ao processo penal, conforme ensina o prof. Germano Marques da Silva (ob. cit.,
315).
A nossa lei não opta decisivamente para um dos lados, mas ‘inclina-se para a
segunda solução – objecto do recurso é a decisão’ (mesmo prof. ob. [e] loc.
acabados de citar).
A propósito precisamente dos casos de recurso da relação para este Tribunal,
tem-se aqui entendido precisamente que o objecto do recurso é o acórdão da 2.ª
instância, não se podendo ter como fundamentado um recuso que o não ataca
directamente, limitando-se a reequacionar as questões que levantara no recurso
para aquele tribunal.
Pode ler-se, efectivamente, no Ac. de 12.5.05 (transcrito em www.dqsi.pt) o
seguinte:
‘Quando a Relação nega provimento ao recurso, mantendo a decisão da 1.ª
Instância ao não acolher a argumentação do recorrente, compreende-se que o
recorrente retome as razões de crítica em relação ao acórdão do Tribunal
Colectivo por entender que mantém validade essas razões, mas não pode esquecer
que a decisão recorrida é a da Relação, pelo que deve ser essa a decisão a
impugnar, demonstrando como e porque errou esse Tribunal Superior, ao não
acolher a argumentação perante ele deduzida, o que tudo deve ser feito à luz da
decisão recorrida e não da decisão da 1.a Instância, sob pena de se estar
perante falta de motivação do recurso, toda a vez que não é verdadeiramente
impugnado o acórdão recorrido.
Com efeito, quem recorre de uma decisão da Relação para o Supremo Tribunal de
Justiça deve especificar os fundamentos desse recurso – como lhe impõe o
disposto no art. 412, n. 1, do CPP –, e não reeditar a motivação apresentada no
recurso para a Relação, esquecendo-se de desenvolver qualquer fundamento para
alicerçar a sua discordância com o ali decidido), confundindo a motivação do
recurso interposto para o STJ com a que apresentou perante o tribunal de 2a
instância, como se o acórdão da Relação não existisse. Não o fazendo, não existe
impugnação relevante, o que implica a rejeição dos recursos nos termos dos
art.ºs 412, n.º 1, 414, n.º 2, e 420, do CPP.’
Este entendimento tem sido reiterado como se pode ver nos arestos citados em
tal acórdão.
XIII –
No presente caso, o recorrente B. elaborou as conclusões da motivação – que
delimitam o âmbito do recurso conforme refere o prof. Germano Marques da Silva,
ob. cit., 335 – em termos quase totalmente decalcados das conclusões da
motivação que apresentara no recurso da 1.ª para a 2.ª instância.
Neste incluíra um n.º 4 que omitiu no recurso para o STJ, o ponto 8.º tem uma
redacção ligeiramente diferente e introduziu o n.º 10.
As duas primeiras alterações nada relevam para se entender que é atacado o
acórdão da relação.
Onde poderia haver dúvidas era na introdução deste n.º 10.
Ali se refere que o tribunal ‘a quo’ não valorou acórdãos do Tribunal
Constitucional que levavam a uma interpretação diferente do n.º 1 do art.º 188.º
do CPP (referente às intercepções telefónicas).
Poder-se-ia entender que estaria aqui um ataque à decisão recorrida embora não
fosse um entendimento pacífico.
XIV –
De qualquer modo, esta questão da intercepção e gravação de conversações
telefónicas tem uma particularidade no nosso processo.
Foi logo arguida pelo A. a respectiva nulidade.
O Sr. Juiz de Instrução indeferiu a arguição, considerando válidas tais escutas.
Deste despacho, interpôs recurso o A. a folhas 1756.
Que foi conhecido no acórdão de que agora se recorre para o STJ.
Ou seja, o acórdão recorrido – como se pode ver, além do mais, de folhas 2542 e
da parte decisória – é um acórdão bipartido com conhecimento de dois recursos
autónomos. O do dito despacho e o do acórdão condenatório da 1.ª instância.
Tudo se passa como se a relação tivesse proferido dois acórdãos distintos.
Assim sendo, como é, há que atentar no disposto no art.º 400. °, n.º1 c) do CPP.
A parte do acórdão que conheceu da nulidade das escutas telefónicas não pôs
termo à causa e não podia, por isso, ser objecto de recurso para este ST J.
Para aqui, o recurso tinha que ser circunscrito à parte do acórdão da relação
que conheceu do acórdão condenatório.
E, contra isto, não se argumente que foi o
arguido A. a recorrer.
Tratava-se de arguição de nulidade com o
argumento de não observância da lei no que respeita à intervenção do juiz de
instrução criminal. O mesmo argumento com que se pretendem agora atacar para o
ST J.
A decisão tomada, quer em primeira instância, quer em segunda, abrangeu a
totalidade da questão da intervenção do juiz nas intercepções telefónicas, não
se concebendo que, depois da decisão da reclamação levada a cabo por tal arguido
e do recurso que se lhe seguiu, possa ser, por outro arguido, com o mesmo
fundamento, posta em causa (‘O efeito extensivo do recurso...impedirá a
formação de caso julgado relativamente aos interessados não recorrentes...?
Parece que não.’ – Prof. Germano Marques da Silva, ob. cit., 335).
XV –
Não relevando aquele n.º10 das conclusões da motivação, temos de concluir que,
no que respeita à motivação do recurso da parte do acórdão de que este STJ
podia conhecer, não há ataque à decisão da 2.ª instância. O que equivale à
ausência de motivação e consequente rejeição, nos termos conjugados dos já
referidos art.ºs 412.º, n.º1, 414.º, n.º2 e 420.º, n.º1 ainda do CPP.
Também com as consequências previstas no n.º 4 deste último artigo.’
Tendo, deste acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal de
Justiça, requerido o arguido A. a respectiva ‘aclaração e/ou esclarecimento’ ‘no
que se refere à fundamentação da su[a] extemporaneidade’, e tendo também, por
seu turno, o arguido B. solicitado aclaração, veio aquele Alto Tribunal, por
aresto de 22 de Março de 2006, a desatender o solicitado.
O arguido B. arguiu a nulidade (presume-se que do acórdão de
25 de Janeiro de 2006), tendo, no requerimento consubstanciador da arguição,
escrito, em dados passos: –
‘1º
Em sede de conclusões 1 a 14 do recurso apresentado, o arguido suscita questões
relativamente
a) Inconstitucionalidade do art.º 127º do CPP
b) Inconstitucionalidade do art.º 374º n.º2 do CPP
c) Ausência de preenchimento, face aos factos provados, do art.º 24º al. c) do
DL 15/93
d) Inconstitucionalidade do art.º 188º do CPP
e) Vícios do art.º 410º n.º2 a1. a) e b) do CPP
f) Medida da pena
2º
É verdade que o recorrente, melhor ou pior já havia invocado estes argumentos no
recurso feito para o Tribunal da Relação de Lisboa.
3º
Porém o Tribunal da Relação e sa1vo o devido respeito por opinião diversa,
limitou-se a sufragar o que já havia sido pelo Tribunal de 1ª Instância. Ora,
4º
Se o arguido recorrente considera que o acórdão recorrido peca por omissão de
pronúncia e violação do dever de fundamentação (arts.º 374.º, n.º 2; 379.º, n.º
1, als. a) e c) e 425.º, n.º 4, todos do C.P.P.), não pode deixar de invocar as
mesmas questões que, no seu entendimento e salvo melhor opinião, não foram
apreciadas.
5º
Ou seja, entendendo o recorrente que tal decisão mantém os vícios que já vinham
da 1ª Instância, não podia, como não pode, o arguido deixar de alegar o que já
anteriormente fizera.
6º
Não se diga que é agora necessário dizer o mesmo por outras palavras para que um
recurso seja apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, depois de o ter sido
pelo Tribunal da Relação.
7º
Não existe qualquer normativo nesse sentido, e se o houvesse seria
inconstitucional.
8º
Ao fazê-lo e ao ter rejeitado o recurso nos termos do art.º 412º n.º1, 414º n.º
2 e 420º todos do CPP, o Tribunal fez interpretação inconstitucional de tais
artigos, por violação do disposto no art.º 32º n.º 1 da C.R.P..’
O arguido A. também arguiu nulidades referentemente ao
acórdão (presume-se igualmente que o proferido em 25 de Janeiro de 2006),
referindo, em determinado item do requerimento corporizador da arguição: –
‘17º
‘Mutatis, mutandis’, interpretação que se
faça do artº 412 nº 2 – no sentido de aí ver obstáculo a que primeiro se possa
arguir a nulidade de acórdão junto do Tribunal superior que a proferiu, faz
necessariamente padecer tal norma do v[í]cio de inconstitucionalidade material,
por violação da garantia constitucional do artº 32 nº 1 d[a] CRP.’
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 31 de
Maio de 2006, desatendido as arguições de nulidades, vieram os arguidos A. e B.
solicitar a aclaração desse aresto, pretensões que vieram a ser desatendidas por
acórdão de 6 de Setembro de 2006.
Fizeram então os arguidos A. e B. juntar aos autos
requerimentos com o seguinte teor: –
O do primeiro: –
‘A., arguido no processo à margem cotado, vem
interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
O presente recurso é interposto ao abrigo do
disposto nos artºs 70 nº 1 al b) e 75-A da lei 28/82 de 15 de Novembro pela lei
orgânica nº 85/89 de 7 de Setembro e lei 13-A/95, isto quanto à primeira
questão suscitada, e ao abrigo do disposto no artº 70 nº1 al b) da lei e de lei
orgânica atrás mencionada quanto à segunda.
Quanto à primeira questão, o seu fundamento
versa a análise da interpretação feita pelos vários tribunais (Tribunal de
Instrução Criminal de Cascais e Tribunal da Relação de Lisboa) onde o processo
correu termos, no que tange ao artº 188 nº 1 do CPP, quando põe em causa que
escutas telefónicas, tem imediatamente de ser levadas ao conhecimento do Juiz
(vide fls. 1734, linhas 16 a 20) posição sufragada pelo Tribunal da Relação de
Lisboa.
Tudo com violação das disposições conjugadas nos artºs 32 nº 8, 34 nº 1 e 18 nº
2 da Constituição. (Conferir acórdão do Tribunal Constitucional nº528/03 que
correu termos na 3[ª] secção e em que foi relator o Exmº Juiz Conselheiro Gil
Galvão).
Quanto à segunda, o seu fundamento tem a ver com a interpretação dada pelo
Supremo Tribunal de Justiça, do artº 414 nº 2 do CPP, isto por equiparação ao
disposto no art 400 nº 1 f) – no sentido de aí ver obstáculo a que primeiro se
possa arguir a nulidade do acórdão junto do Tribunal Superior que o proferiu –
fazendo padecer tal norma de vício de inconstitucionalidade material, por
violação da garantia constitucional do artº32 do CRP.
Tal questão foi levantada em sede de arguição de nulidade do acórdão proferido
pelo Supremo Tribunal de Justiça.’
O do segundo: –
‘B., com os sinais dos autos, vem
interpor recurso de constitucionalidade pela interpretação inconstitucional
levada a cabo pelo Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25 de Janeiro de
2006, que decidiu não conhecer o recurso interposto a fls., sob o n.º 3468/05-3,
nos termos da alínea b) do nº 1 e nº4 do artigo 70 da Lei do Tribunal
Constitucional.
As normas que se pretendem ver
apreciadas são as contidas nos artigos 127º, 374º n.º 2, 188º (invocadas em sede
de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça)
interpretadas no sentido de não abranger o recurso, e artigos 412, nº 1, 414º
n.º 2 e 420 todos do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido da
rejeição do recurso interposto a fls..
A normas constitucionais que se
consideram violadas são as contidas nos artigos 18º n.º 32º n.º 1 e n.º8 e 34
n.º1 da Constituição, porquanto considerar-se prejudicadas todas as questões
suscitadas em sede de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e,
posteriormente, para o Supremo Tribunal de Justiça com ilegal fundamento na
repetição das mesmas questões afecta as garantias de defesa e tutela efectiva
que, no presente momento processual, postula que o arguido possa ver apreciadas
tais questões que não o foram na decisão recorrida.
A questão da constitucionalidade
normativa dos artigos 412º, nº 1, 414º n.º 2 e 420º do Código de Processo Penal
não foi anteriormente suscitada, em virtude de não ser previsível que o Supremo
Tribunal de Justiça rejeitasse o recurso interposto.
Ou seja, o recorrente, em sede de
recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa invocou a inconstitucionalidade da
interpretação das normas 127º,374º n.º 2 e 188º do CPP realizada pelo Tribunal
que proferiu a decisão condenatória. Por sua vez, o Tribunal da Relação de
Lisboa nada acrescentou à decisão recorrida nem apreciou quaisquer das questões
ali suscitadas. O recorrente viu-se obrigado a repetir, quase na íntegra a sua
motivação e conclusões em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Não existe fundamentação legal para o recurso ser rejeitado por repetir, de
alguma forma, a motivação e as conclusões que apresentou no Tribunal recorrido.
Por isso, agora, invoca a interpretação
inconstitucional das normas 412º, nº1, 414º n.º 2 e 420º do Código de Processo
Penal, elaborada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
(…)’
Por despacho prolatado em 28 de Setembro de 2006 pelo
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, foi, referentemente ao
recurso interposto pelo arguido A., admitido o mesmo tão só na parte em que põe
em causa a decisão do acórdão de 25 de Janeiro de 2006; de outra banda, foi
admitido o recurso interposto pelo arguido B..
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal, entende-se
ser de proferir decisão ex vi do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro.
Assim:
2.1. Quanto ao recurso interposto pelo arguido A..
Em face do despacho tirado em 28 de Setembro de 2006 pelo
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça – despacho esse que não foi
objecto de impugnação – está somente em causa a pretendida apreciação da
harmonia constitucional do nº 2 do artº 414º do diploma adjectivo criminal,
quando comporte ele um sentido interpretativo de acordo com o qual se vê
‘obstáculo a que primeiro se possa arguir a nulidade do acórdão junto do
Tribunal Superior que o proferiu’ [não obstante a por demais acentuada
inteligibilidade e incorrecção dessa asserção, pensa-se que, com a mesma,
porventura (?) se pretenderia referir uma interpretação de tal preceito segundo
a qual a arguição de nulidade de uma decisão pretendida recorrer não acarreta a
suspensão do prazo de interposição do recurso].
Ora, tratando-se de um recurso ancorado na alínea b) do nº 1
do artº 70º da Lei nº 28/82, constitui seu pressuposto o equacionamento da
questão de inconstitucionalidade precedentemente ao proferimento da decisão a
impugnar perante o Tribunal Constitucional.
No caso sub specie, o arguido A. não impostou uma tal
questão, vindo, aliás, a expender no requerimento de interposição de recurso
para este órgão de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa que
unicamente o fez no requerimento de arguição de nulidade do acórdão que deseja
impugnar.
De outro lado, é certo que teve oportunidade de o fazer antes
de ser proferido o acórdão de 25 de Janeiro de 2006, justamente porque a questão
da intempestividade do recurso tinha sido colocada na resposta à motivação do
recurso apresentada pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal
da Relação de Lisboa.
Ora, face a um tal posicionamento, era perfeitamente
plausível que o Tribunal ad quem viesse a adoptar a solução preconizada nessa
resposta. E, assim sendo, impunha-se-lhe que, perante essa resposta, de que foi
notificado, viesse então colocar o problema de, a ser seguida orientação nesse
sentido, ela representar uma interpretação e aplicação de normas desconformes
com a Lei Fundamental.
Não tendo trilhado esse caminho – nada impedindo
processualmente que o fizesse – de concluir é que não suscitou atempadamente a
questão de constitucionalidade que pretende ser apreciada (e que se presume seja
a acima indiciariamente indicada), pelo que do objecto do seu recurso se não
conhecerá, o que desde logo precludirá uma apreciação do seu carácter
manifestamente infundado.
2.2. Quanto ao recurso do arguido B..
No que respeita aos artigos 412º, nº 1, 414º, nº 2 e 420º,
todos do Código de Processo Penal, identicamente se seguirá o raciocínio
formulado tocantemente ao recurso deduzido pelo arguido A., pois que, na já
mencionada reposta, apresentada pelo Representante do Ministério Público junto
do Tribunal da Relação à motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal
de Justiça, tinha sido levantado o específico problema da rejeição do recurso
por «reedição» da argumentação trazida ao tribunal da 2ª instância.
Não tem, pois, o mínimo cabimento aquilo que se contém no
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional no
particular em que se refere que a ‘questão da constitucionalidade normativa dos
artigos 412º, nº 1, 414º n.º 2 e 420º do Código de Processo Penal não foi
anteriormente suscitada, em virtude de não ser previsível que o Supremo Tribunal
de Justiça rejeitasse o recurso interposto’.
No que tange aos artigos 127º, 188º e 374º, nº 2, do mesmo
diploma, é por demais claro que elas não foram objecto de aplicação no aresto
intentado recorrer, visto que este rejeitou o recurso interposto da decisão
tomada no Tribunal da Relação de Lisboa com base no que se consigna nas
disposições conjugadas dos artigos 419º, nº 4, 420º, nº 1, e 414º, nº 2, do
Código de Processo Penal.
E, por esse motivo, quanto à matéria do recurso elegida no
que concerne àqueles artigos 127º, 188º e 374º, nº 3, falece o pressuposto da
aplicação, na decisão pretendida submeter à censura do Tribunal Constitucional,
da norma cuja inconstitucionalidade se deseja ver apreciada.
Em face do que se deixa dito, não se toma conhecimento do
objecto dos recursos, condenando-se os impugnantes nas custas processuais,
fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta, sem prejuízo de, não
havendo pagamento voluntário por parte do arguido B., se atentar no benefício de
apoio judiciário de que desfruta.”
Notificados da transcrita decisão, fez o arguido A. juntar ao
processo requerimento em que se escreveu: –
A., recorrente no processo à margem cotado, vem face à aliás douta decisão
sumária pedir aclaração da mesma:
a) Não é verdade que o despacho de 28 de Setembro não foi impugnado, visto estar
pendente uma reclamação para o Exmo Presidente do Tribunal Constitucional na
parte em que lhe não foi admitido o recurso para esse mesmo tribunal.
b) O arguido já havia arguido a inconstitucionalidade da interpretação da norma
aplicada, na decisão que verteu que a impugnação do acórdão do Tribunal da
Relação só era possível pela via do recurso e não pela arguição da nulidade do
acórdão, sendo que apenas e tão só entendeu serem outras as normas
inconstitucionalmente interpretada, tendo então até junto fotocópias de
requerimentos feitos em processo que havia corrido no Tribunal da Relação de
Coimbra e respectivos despachos, atinentes à prova da sua tese.
c) O recorrente, salvo o devido respeito, não podia saber anteriormente qual a
posição que o Supremo Tribunal de Justiça, tomaria sobre o seu recurso, mormente
que faria interpretação inconstitucional da norma cuja fiscalização se pediu.
d) Por outro lado, não se diga que tal podia ter ocorrido a quando do acórdão
proferido a 28 de Janeiro de 2006, por a questão da tempestividade do recurso
ter sido colocada na resposta à motivação de recurso apresentada pelo
Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
e) [É] que não era da interpretação do Mº Pº que havia que arguir a
interpretação inconstitucional da norma, mas sim da posição assumida
posteriormente pelo Supremo Tribunal de Justiça.
f) Acresce que não nos podemos olvidar que o recurso tinha sido admitido pelo
Relator do Processo junto do Tribunal da Relação de Lisboa sendo que entendia o
recorrente ser a posição do Meritíssimo Juiz Desembargador Relator a correcta e
não da do Exmº Procurador junto desse tribunal
Ora, perante as questões supra levantadas entende o recorrente pedir aclaração
do aliás douto acórdão no sentido de clarificar, como poderia o recorrente
arguir a interpretação inconstitucional da norma cuja fiscalização pediu,
anteriormente a saber com certeza ser era a interpretação do Tribunal que a
aplicou?”
Por seu lado, o arguido B. juntou requerimento em que disse:
–
B., com os sinais dos autos, vem pedir a aclaração, sobre eventual obscuridade
ou ambiguidade decorrente da decisão proferida na parte em que, faz prevalecer a
tese da rejeição do recurso com base nas disposições conjugadas dos artigos
419º, n.º 4, 420º, n.º 1, e 414º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo sido
atempadamente invocada pelo recorrente, porque verificada, a omissão de
pron[ú]ncia pelo Tribunal da Relação de Lisboa e, na sequência, pelo Supremo
Tribunal de Justiça, inviabiIizando assim, consequentemente, o duplo grau de
jurisdição.
Termos em requer, ex vi art.º 4º do CPP e al. a) do n.º 1 do art.º 669º do CPC,
o esclarecimento da eventual ambiguidade ou obscuridade conforme supra exposto”
Pronunciando-se sobre as pretensões, o Ex.mo Representante do
Ministério Público junto deste Tribunal veio sustentar que as mesmas careciam
“obviamente de fundamento”, já que a decisão em causa era “perfeitamente clara e
insusceptível de dúvida objectiva sobre o que nela se decidiu, referentemente à
manifesta inverificação dos pressupostos do recurso interposto para o Tribunal
Constitucional”.
Após o proferimento da decisão de 16 de Outubro de 2006, foi
remetido pelo Supremo Tribunal de Justiça um expediente do qual constava um
requerimento apresentado naquele órgão jurisdicional e que consubstanciava uma
reclamação para o Tribunal Constitucional do despacho proferido em 28 de
Setembro de 2006 pelo Conselheiro Relator do indicado Supremo Tribunal relativo
à parte em que não admitiu o recurso.
Determinou então o relator que os autos fossem enviados a
título devolutivo ao Supremo Tribunal de Justiça, a fim de aí ser levada a
efeito a tramitação atinente à reclamação.
Cumprido o determinado, o aludido Conselheiro Relator
proferiu o seguinte despacho: –
“I –
Do nosso despacho, cujo conteúdo abaixo se vai pormenorizar,
veio o arguido A. reclamar, pretendendo a sua alteração em ordem a ser admitido
o recurso para o Tribunal Constitucional também no que respeita às escutas
telefónicas.
II –
A decisão a tomar assenta factualmente no seguinte:
1. Proferido o Acórdão da Relação de Lisboa, veio o arguido:
Interpor recurso para este Supremo Tribunal;
Interpor recurso directamente para o Tribunal Constitucional
quanto às escutas telefónicas.
2. Foram ambos admitidos.
3. O interposto para este Supremo Tribunal de Justiça não foi
objecto de conhecimento aqui, decisão [de] que foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional e que foi admitido pelo despacho ora reclamado.
4. O interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
para o Tribunal Constitucional subiu em separado.
5. Ali, porém, foi proferido o Acórdão de 28.10.2005 em que
se entendeu que a pendência do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
precludia o conhecimento do mesmo.
6. Tendo-se mesmo consignado que ‘o não conhecimento do
recurso interposto não obsta a que o recorrente venha a repetir o acto, no caso
de rejeição do recurso interposto para o STJ, precisamente de acordo com o
disposto na parte final do referido n.º e o prescrito no n.º 2 do art. 75.º da
LTC’.
III –
Com esta decisão do Tribunal Constitucional, o arguido outro
caminho não tinha que, naufragado o seu recurso neste Supremo Tribunal de
Justiça, interpor recurso no prazo de recurso deste, daquele Acórdão da Relação,
na parte em que conheceu das escutas telefónicas.
Por outro lado, tratando-se de reclamação de não admissão do
recurso, vale, pelo caminho do artigo 69.º da LTC, a possibilidade de reparação
do nosso despacho prevista no artigo 688.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
IV –
Altero, assim, o despacho reclamado admitindo o recurso tal
como foi interposto a folhas 2921, ou seja, abrangendo, quer a nossa decisão de
folhas 2854 e seguintes [reporta-se ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
25 de Janeiro de 2006], quer a decisão do Tribunal da Relação no concernente às
escutas telefónicas.
Mantêm-se o regime e modo de subida e, bem assim, o efeito”.
Cumpre decidir.
2. Entendendo o Tribunal que aquilo que se contém nos
requerimentos acima transcritos, substancialmente, consubstancia, não a
exposição de uma dificuldade de entendimento do que foi dito na decisão de 16 de
Outubro de 2006 – em face de uma menos clara exposição ou o uso de asserções de
onde pudessem decorrer sentidos não imediatamente apreensíveis, por comportarem
mais do que um –, mas sim um desacordo relativamente ao decidido, irá este órgão
de administração de justiça curar de tais requerimentos como verdadeiras
reclamações dirigidas à mencionada decisão.
2.1. Nesta postura, e começando pelo
requerimento atinente ao arguido A., haverá desde já que sublinhar que, como
deflui do relato supra efectuado, aquando da prolação da decisão sub iudicio,
ainda os autos não continham o que quer que fosse que indiciasse que o despacho
de admissão de recurso proferido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de
Justiça tivesse sido, na parte em que essa admissão foi limitada, objecto de
impugnação.
E, igualmente como resulta de tal relato, já depois da
prolação da decisão de 16 de Outubro de 2006, surgiu neste Tribunal, remetido
pelo Supremo Tribunal de Justiça, o expediente a que acima se fez referência.
Ora, a decisão de 16 de Outubro de 2006 incidiu somente sobre
a parte do recurso que foi admitida, pelo que, mesmo que a reclamação de que
posteriormente se teve conhecimento viesse a ser decidida no sentido favorável
ao arguido A., isso não teria qualquer relevância naqueloutra parte do recurso
admitido e no juízo de não tomada de conhecimento do respectivo objecto
efectuado por tal decisão.
Assim, dever-se-á, agora, consignar que, referentemente à
decisão em crise, o passo intercalar do segundo parágrafo do seu ponto 2.1. – e
de onde decorre que o despacho de 28 de Setembro de 2006 exarado pelo
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça não foi objecto de impugnação
– deve ser entendido, afinal, como tendo tal despacho sido reclamado na parte em
que, a contrario, não admitiu o recurso no particular em que se não punha em
causa o decidido por aquele Supremo, tendo, perante tal reclamação, sido
proferido, pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, o despacho
de 8 de Novembro de 2006 e por via do qual o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional do acórdão exarado em 21 de Janeiro de 2004 pelo Tribunal da
Relação de Lisboa veio a ser admitido.
3. Curar-se-á, em primeiro lugar, da decisão de 16 de Outubro
de 2006, tal como proferida foi e com a consignação que acima se efectuou.
3.1. Essa decisão é suficientemente clara na demonstração de
que, tendo o Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de
Lisboa sustentado, na resposta à motivação do recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça – resposta essa da qual houve notificação ao arguidos –, dever ser
perfilhado um sentido interpretativo do nº 2 do artº 414º do Código de Processo
Penal segundo o qual a nulidade de um acórdão proferido num tribunal ad quem,
caso deste haja recurso, deve ser arguida na respectiva impugnação, impunha-se
aos mesmos arguidos que, perante uma tal postura, viessem argumentar que, a ser
perfilhado o entendimento defendido pelo Ministério Público, isso, na sua
óptica, redundaria numa interpretação contrária a normas ou princípios
constitucionais, sendo que, em tese, era plausível que a perspectiva sustentada
pelo Representante daquela Magistratura viesse a ser também acolhida no aresto a
proferir pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Nada tem, por isso, o Tribunal a censurar ao que se contem na
decisão ora entendida como reclamada, não se indo sem dizer que é
incompreensível defender-se que a admissão do recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça por parte do Desembargador Relator do Tribunal da Relação faz precludir
o ónus de suscitação de uma questão de inconstitucionalidade relativamente a uma
dimensão interpretativa que foi adoptada pelo Ministério Público ao responder à
motivação e, como se disse, seria plausível de vir a ser seguida pelo Tribunal a
quo.
3.2. No que tange à pretensão formulada pelo arguido B.,
muito embora seja de difícil compreensão o requerimento acima transcrito, sempre
se dirá que, como ficou consignado na decisão em análise, aquilo que,
concernentemente ao recurso do arguido A., foi dito nessa decisão, também é,
mutatis mutandis, aplicável ao recurso interposto pelo primeiro.
Isto é, como também o Representante do Ministério Público
junto do Tribunal da Relação de Lisboa, na resposta à motivação do recurso,
propugnou especificamente pela rejeição do recurso interposto para o Supremo
Tribunal de Justiça nos termos dos preceitos que nessa resposta eram citados,
impunha-se que o arguido B., caso entendesse que a via interpretativa seguida
por aquele Representante conduzia à uma normação inconstitucional, suscitasse
uma tal questão, sendo que facilmente o poderia fazer e não fez.
4. Efectuados os precedentes juízos, impõe-se analisar o
recurso que veio a ser admitido, pelo despacho lavrado pelo Conselheiro Relator
do Supremo Tribunal de Justiça em 8 de Novembro de 2006 na sequência da
reclamação endereçada ao Tribunal Constitucional e que, como se viu, se
reportava ao acórdão tirado no Tribunal da Relação de Lisboa.
É por demais claro que, sendo aquele aresto o intentado
recorrer para o Tribunal Constitucional, a respectiva admissão, no momento (isto
é, caso se entendesse ainda haver lugar a essa admissão após a prolação do
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e atenta decisão aí tomada), não poderia
ser levada a efeito pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça,
pois que se não tratava de uma decisão a impugnar proferida por este Alto
Tribunal.
Tratou-se, pois, de uma admissão de recurso efectuada por
entidade a non domino.
Aliás, o passo do aresto que teria sido proferido pelo
Tribunal Constitucional e que é transcrito no despacho de 8 de Novembro de 2006
do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de todo em todo, não
implica que o despacho de admissão haveria de ser exarado nesse mesmo Supremo.
A isto acresce que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 25 de Janeiro de 2006 não aplicou minimamente qualquer normativo conexionado
com as intercepções de comunicações telefónicas.
Em consequência, quanto a este particular do recurso agora
admitido pelo indicado despacho de 8 de Novembro de 2006, igualmente dele não
tomará conhecimento este Tribunal.
5. Em face do exposto, indeferem-se as pretensões dos
aludidos arguidos, entendidas que o são por este Tribunal como reclamações,
condenando-se os mesmos nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em
vinte unidades de conta, sem prejuízo de, não havendo pagamento voluntário por
banda do arguido B., se atentar no benefício de apoio judiciário de que goza.
Lisboa, 16 de Novembro de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício