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Processo n.º 372/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.O Ministério Público veio, “nos termos das disposições conjugadas dos artºs
70.º, n.º 1, a), e 72.º, n.ºs 1, a), e 3, 75.º, n.º 1, 75.º-A, n.º 1, e 78.º,
n.º 4, todos da Lei n.º 28/82, de 15.11, interpor recurso para o Tribunal
Constitucional do douto despacho proferido nos autos à margem referenciados, a
18.2.2006,
«1. Com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do art.º 20.º, n.º 4,
da Constituição (consagração de um processo equitativo, que assegure a igualdade
de armas na tramitação processual);
2. O douto despacho em apreço recusou a aplicação da disposição do art.º
146.º-B, n.º 3, do Código de Procedimento e Processo Tributário na parte em que,
prescrevendo que os meios de prova “devem revestir natureza exclusivamente
documental”, impede o recurso à prova testemunhal.»
O despacho recorrido assentou na seguinte fundamentação:
«Na parte final da douta P.I., Recorrentes arrolam uma testemunha.
Analisado o conteúdo do petitório, verifico que, efectivamente, se alegam nos
artigos 17.º a 30.º diversos factos. E que o meio idóneo para efectuar a prova
de alguns deles – em especial dos alegados nos artigos 29.º e 30.º ─ é,
efectivamente, a prova testemunhal.
Sucede que o artigo 146.º-B, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo
Tributário só admite meios de prova de natureza documental.
Deve, contudo, questionar-se a constitucionalidade desta disposição legal à luz
do princípio da tutela judicial efectiva, que emana do artigo 20.º da
Constituição da República Portuguesa. Tem-se entendido, na verdade, que a
efectividade da garantia de acesso à via judiciária implica a «consagração de um
verdadeiro “direito à prova”, facultando-se a proposição de todos os meios
probatórios potencialmente relevantes para a demonstração da realidade dos
factos que sirvam de base à acção ou à defesa» e «a eliminação das disposições
especiais que (...) limitassem o tipo de meios probatórios admissíveis».
É verdade que este princípio não pode ser interpretado como a consagração
constitucional da livre admissibilidade dos meios de prova. A lei ordinária
consagra múltiplas limitações ao exercício do direito de defesa no acesso aos
meios probatórios, algumas impostas por razões materiais, como são aquelas que
consagram a inadmissibilidade da prova testemunhal em contrário ou além de
documentos autênticos (ex.: artigos 364.º e 393.º, ambos do Código Civil),
outras servindo finalidades meramente adjectivas. Quanto a estas, pondere-se que
o livre e indisciplinado acesso aos meios de prova por uma parte pode servir
para condicionar ou até inviabilizar a tutela dos direitos e interesses da outra
parte. A Constituição não impõe um determinado modelo processual: delimita a
configuração desse modelo, por forma a que razões de eficácia, de celeridade, de
oportunidade não subvertam a finalidade última do processo, a realização da
justiça.
No caso, porém, não são razões de celeridade que justificam a limitação dos
meios de prova. A decisão no prazo de 90 dias não é incompatível com a prova
testemunhal e o processo judicial tributário contêm múltiplos exemplos de
processos urgentes que comportam prova testemunhal.
A eficácia da iniciativa da A.F. também não fica prejudicada pela inquirição das
testemunhas. Aliás, o esforço probatório desenvolvido até poderá auxiliar a
marcha do procedimento tributário em curso.
A oportunidade da admissão deste meio de prova é, no direito tributário,
concretamente avaliada pelo juiz, que poderá dispensar as provas desnecessárias,
impertinentes e inúteis, e é sindicada pelas partes, em via de recurso.
A restrição à prova documental só pode, assim, ter a sua razão de ser na
intenção legislativa de eleger um meio de prova mais exigente e,
tendencialmente, mais seguro.
Sucede que a A.F. não está, na proposta de derrogação do sigilo bancário,
condicionada por idênticos limites. No procedimento em que assenta a derrogação
do sigilo bancário, o órgão instrutor poderá utilizar todos os meios de prova
legalmente previstos que sejam necessários à decisão, nomeadamente tomar
declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas – artigos
72.º da Lei Geral Tributária e 50.º do Código de Procedimento e de Processo
Tributário. E, embora não possa renovar essa prova no presente processo, nada
impede que junte ao processo a transcrição dessas declarações e desses
depoimentos – artigo 55.º do Reg. Complementar do Procedimento de Inspecção
Tributária.
Ora, a tutela judicial efectiva passa também pela consagração de um processo
equitativo, que assegure a igualdade de armas na tramitação processual – n.º 4
do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Sem dificuldade se admitirá também que a prova testemunhal possa revelar‑se em
concreto o meio de prova mais adequado e até o único meio de prova ao alcance do
Recorrente quando – como é o caso – a decisão de levantamento do sigilo bancário
assenta na invocada necessidade do recurso à tributação indirecta.
Bem vejo que a necessidade de recurso a informações bancárias supõe justamente
que o procedimento de que constitui incidente não está concluído e que ainda não
há uma decisão final quanto à necessidade de tributação e quanto ao método de
tributação. Em teoria, o acesso à informação bancária pode até fazer retomar a
fiscalização à avaliação directa. Mas se o legislador entendeu condicionar o
acesso à informação bancária à demonstração de que é necessária para aceder à
verdade fiscal do contribuinte, não podia deixar de admitir também que o
contribuinte fizesse a demonstração do contrário pelos mesmos meios.
Assim sendo, julgando materialmente inconstitucional, à luz do artigo 20.º da
Constituição, a disposição do artigo 146.º-B, n.º 3, do Código de Procedimento e
de Processo Tributário, na parte em que, prescrevendo que os meios de prova
«devem revestir natureza exclusivamente documental», impede o recurso à prova
testemunhal, admito a inquirição da testemunha arrolada».
2.Determinada a produção de alegações, no Tribunal Constitucional o Ministério
Público defendeu que deve confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade
formulado na decisão recorrida, tendo concluído que:
“O segmento final da norma constante do artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, ao
restringir à prova documental o tipo de meios probatórios ao dispor do
contribuinte que pretenda recorrer da decisão da administração tributária que
determina o acesso directo à informação bancária – precludindo qualquer
apreciação ou valoração judicial, susceptível de permitir adequar os meios
probatórios requeridos à natureza dos factos controvertidos e à previsível
utilidade para a justa composição do litígio – viola o direito de acesso aos
tribunais, na dimensão do «direito à prova» por parte do litigante onerado com o
«ónus da prova».”
Também apresentou alegações o recorrido A., que concluiu dizendo:
“Nestes termos, e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de V.exas,
deve a norma do artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, na parte em que limita o recurso
interposto pelo contribuinte à prova documental, ser julgada inconstitucional
por violação dos artigos 2.º, 13.º, 18.º, 20.º e 26.º, todos da Constituição e,
em consequência, deve ser mantida a decisão recorrida que recusou a sua
aplicação”.
Cumpre decidir.
II. Fundamentos
3.A norma em causa, cuja aplicação foi recusada – e que o Tribunal
Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso, sem que se
detenha, como pretende o recorrido nos artigos 14.º a 22.º das suas
contra-alegações, em saber se estão ou não verificados os pressupostos para o
recurso à avaliação indirecta da matéria tributável – é o artigo 146.º-B, n.º 3,
parte final, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, artigo, este, introduzido no CPPT
pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e que tem o seguinte teor:
“Artigo 146.º-B
Tramitação do recurso interposto pelo contribuinte
(…)
3 – A petição referida no número anterior não obedece a formalidade especial,
não tem de ser subscrita por advogado e deve ser acompanhada dos respectivos
elementos de prova, que devem revestir natureza exclusivamente documental.
(…).”
A questão de saber se esta norma, no segmento final, em que veda a possibilidade
de o contribuinte produzir prova testemunhal no recurso da decisão da
administração tributária que determina o acesso à informação bancária para fins
fiscais, viola ou não o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo
20.º, n.º 1, da Constituição, não foi ainda apreciada por este Tribunal.
Não obstante, importa considerar o que no Acórdão n.º 209/95 (publicado no
Diário da República, II Série, 23 de Dezembro de 1995) o Tribunal Constitucional
afirmou já a respeito da norma do artigo 73.º, n.º 2, do Código das
Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 4 de Dezembro, que
apenas admitia prova testemunhal no processo especial de expropriação litigiosa
quando tal fosse considerado indispensável pelo juiz de primeira instância,
enquanto tribunal de recurso de arbitragem. Disse-se então:
“(...)
A norma transcrita não veda em absoluto a produção de prova testemunhal,
admitindo-a apenas quando tal for considerado indispensável pelo juiz de
primeira instância, enquanto tribunal de recurso da arbitragem. Confere ao juiz
o poder discricionário de ouvir certos depoimentos, não atribuindo nem ao
recorrente nem ao recorrido o direito de produzir prova testemunhal.
(...)
Não se vê que o art. 62.º, nº 2, da Constituição, ou os arts. 13.º e 20.º, n.º
1, desta, tornem inconstitucional o n.º 2 do art. 73.º do referido Código das
Expropriações. No processo de expropriação litigiosa, o legislador pretende que
seja determinada com rigor a justa indemnização devida ao expropriado. O meio de
prova por excelência para alcançar tal desiderato há-de ser a prova pericial, na
fase do recurso interposto da decisão arbitral, proferida antes da remessa dos
autos ao tribunal judicial. Como se exprime o art. 388.º, 1.ª parte, do Código
Civil, «[a] prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por
meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os
julgadores não possuem [...]».
(...)
Importa acentuar que o direito de acesso à justiça comporta indiscutivelmente o
direito à produção de prova (cfr. M. Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a
Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, págs. 228 e segs.). Tal não significa,
porém, que o direito subjectivo à prova implique a admissão de todos os meios de
prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a
qualquer objecto do litígio, ou que não sejam possíveis limitações quantitativas
na produção de certos meios de prova (por exemplo, limitação a um número máximo
de testemunhas arroladas por cada parte).
Bastará percorrer as normas de direito probatório constantes do Código Civil ou
do Código de Processo Civil para verificar que há diversas proibições de
utilização de certos meios de prova cuja constitucionalidade nunca foi posta em
causa. Assim, quanto à prova confessória, há casos em que a lei a considera
insuficiente para provar certos factos (por exemplo, um negócio jurídico solene
em que sejam exigidas formalidades ad substantiam) ou inadmissível (por exemplo,
por recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba ou sobre
factos respeitantes a direitos indisponíveis - art. 354.º do Código Civil).
Também quanto à prova testemunhal, a mesma é considerada inadmissível quando a
declaração negocial tiver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada
por escrito, ou ainda quando o facto probando estiver «plenamente provado por
documento ou outro meio com força probatória plena» (art. 393.º, n.º 2, do
Código Civil; vejam-se, porém, os arts. 393.º, n.º 3, e 394.º do mesmo diploma).
Especialmente impressivo é o caso da prova do acordo simulatório e do negócio
simulado: a prova testemunhal só é admissível se for um terceiro a arguir a
simulação, mas já não é admissível quando esse acordo ou o negócio simulado
forem invocados pelos próprios simuladores (art. 394.º, n.ºs 2 e 3, do Código
Civil).
Em muitos destes casos, a inadmissibilidade, estabelecida pela lei, de prova
testemunhal tem como fundamento o juízo do legislador sobre as graves
consequências de um testemunho inverídico, dada a especial falibilidade desse
meio probatório. Tais casos de inadmissibilidade têm, porém, natureza
excepcional e hão-de ter uma justificação racional.
Ora, no processo expropriativo, o legislador entende que, havendo uma decisão
arbitral que fixa o valor da indemnização, no recurso dela interposto a
impugnação do quantum indemnizatório implicará uma prova pericial exigente.
Estando em causa a fixação que começou por ser feita na fase arbitral, o juiz
há-de valorar em especial a prova pericial, visto que os peritos são
encarregados pelo tribunal de transmitir a este informações que devem colher,
nomeadamente utilizando certos conhecimentos de natureza técnica (art. 388.º do
Código Civil). Sabendo-se que as testemunhas transmitem conhecimentos
casualmente adquiridos, bem se compreende a enorme falibilidade do respectivo
testemunho, nomeadamente quando está em causa a transmissão ao tribunal de
informações sobre valores do mercado imobiliário, devendo a prova desses valores
assentar, por regra, em documentos autênticos (como as alienações dos bens
imóveis estão sujeitas a escritura pública, os valores dos preços constam desses
documentos; só quanto aos contratos preliminares falta, em regra, a publicidade
registral, podendo admitir-se a vantagem de produção de prova testemunhal, anda
que muito falível, dado o carácter reservado, ou mesmo confidencial, da
celebração de muitos contratos‑promessa).
(...) o legislador entendeu que, em vez da opinião do “homem comum” ou a do “bom
pai de família” - opiniões expressas em depoimentos de testemunhas – importava
privilegiar a intervenção de peritos, por estes disporem de conhecimentos
especiais que os julgadores não possuem por regra. Mas deixou, sempre, ao
critério do juiz a audição de prova testemunhal.
Acrescente-se que a prova testemunhal sobre o valor de mercado de um bem não
será susceptível, no comum dos casos, de esclarecer cabalmente o julgador,
atentos os outros meios probatórios a que pode recorrer (prova documental, prova
pericial e inspecção judicial). Seja como for, a lei não veda em absoluto a
prova testemunhal no processo expropriativo. Na verdade, a lei confere um poder
discricionário para ouvir o depoimento de pessoas que não sejam peritos, sempre
que o repute indispensável, podendo valorar livremente esses depoimentos, tal
como os laudos periciais (art. 389.º do Código Civil).
Globalmente considerada a regulamentação dos meios probatórios no processo de
expropriação, afigura-se que não é desproporcionada ou arbitrária a solução
limitativa constante do n.º 2 do art. 73.º do Código das Expropriações de 1976,
porque tem justificação material, atendendo à natureza do litígio em causa e à
fase processual de recurso em que ocorre a mesma limitação».
Apenas não se considerou, pois, que a norma em causa era desconforme com a
Constituição devido à sua “justificação material, atendendo à natureza do
litígio em causa e à fase processual de recurso em que ocorre a mesma
limitação”.
4.O parâmetro constitucional com o qual a norma em causa é confrontada – o
direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da
Constituição – tem sido objecto da jurisprudência deste Tribunal em numerosas
decisões, que precisaram o seu sentido e alcance.
Assim, pode ler-se no Acórdão n.º 934/96 (publicado no Diário da República, II
Série, de 10 de Dezembro de 1996):
“(…)
O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição estabelece que «a todos é assegurado o
acesso ao direito aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos».
Consagra este preceito dois direitos fundamentais distintos, embora
estreitamente conexos: o direito de acesso ao direito e o direito de acesso aos
tribunais – sendo o primeiro mais amplo e, muitas vezes, pressuposto do segundo,
na medida em que o recurso a um tribunal com a finalidade de obter dele uma
decisão jurídica sobre uma questão juridicamente relevante (direito de acesso
aos tribunais ou direito à protecção jurídica através dos tribunais) pressupõe
logicamente um correcto conhecimento dos direitos e deveres por parte dos seus
titulares (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 161
ss.).
O direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, condensado no
artigo 20.º, n.º 1, da Lei Fundamental, implica a garantia de uma protecção
jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva. Ele desdobra‑se, por
isso, em três momentos distintos: primeiro, no direito de acesso a «tribunais»
para defesa de um direito ou de um interesse legítimo, isto é, um direito de
acesso à «Justiça», a órgãos jurisdicionais, ou, o que é mesmo, a órgãos
independentes e imparciais (artigo 206.º da Constituição) e cujos titulares
gozam das prerrogativas da inamobilidade e da irresponsabilidade pelas suas
decisões (artigo 218.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Fundamental); segundo, uma vez
concretizado o acesso a um tribunal, no direito de obter uma solução num prazo
razoável; terceiro, uma vez ditada a sentença, no direito à execução das
decisões dos tribunais ou no direito à efectividade das sentenças (cfr., J.J.
Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 1991, pp.
666-668; J. González Pérez, El Derecho a la Tutela Jurisdiccional, Barcelona,
Civitas, 1984, pp. 40 e segs.; A. Cano Mata, «Declaraciones de inadmision de
recursos contencioso-administrativos y derecho de tutela judicial efectiva sin
indefension», in Revista de Derecho Publico, ano XIII, vol. II, pp. 293 e
segs.).”
Também a respeito do direito de acesso aos tribunais e do princípio do
contraditório, bem como da “igualdade de armas” processuais, disse também este
Tribunal, no Acórdão n.º 249/97 (publicado no Diário da República, II Série, de
17 de Maio de 1997):
“(…)
O direito de acesso aos tribunais é o «direito a ver solucionados os conflitos,
segundo a lei, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e
independência, e perante o qual as partes se encontrem em condições de plena
igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista» (cf.
acórdão n.º 346/92, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume
23.º, páginas 451 e seguintes).
O direito de acesso aos tribunais é, na verdade, dominado por uma ideia de
igualdade, uma vez que – como se sublinhou no acórdão n.º 147/92, publicado nos
Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 21.º, páginas 623 e seguintes – o
princípio da igualdade vincula todas as funções estaduais, jurisdição incluída.
A vinculação da jurisdição ao princípio da igualdade, a mais do que significar
igualdade de acesso à via judiciária, significa igualdade perante os tribunais,
de onde decorre que «as partes têm que dispor de idênticos meios processuais
para litigar, de idênticos direitos processuais» (cf. acórdão n.º. 223/95,
publicado no Diário da República, II série, de 27 de Junho de 1995). É o
princípio da igualdade de armas ou da igualdade das partes no processo, que
constitui um dos essentialia do direito a um processo equitativo (cf. citado
acórdão n.º 147/92).
O processo civil tem estrutura dialéctica ou polémica, pois que assume a
natureza de um debate ou discussão entre as partes. E estas – repete-se – devem
ser tratadas com igualdade. Para além do princípio do dispositivo ou da livre
iniciativa e do ditame da livre apreciação das provas pelo julgador, constituem,
assim, traves mestras do processo o princípio do contraditório e o da igualdade
das partes (igualdade de armas).
O princípio do contraditório (audiatur et altera pars), enquanto princípio
reitor do processo civil, exige que se dê a cada uma das partes a possibilidade
de «deduzir as suas razões (de facto e de direito)», de «oferecer as suas
provas», de «controlar as provas do adversário» e de «discretear sobre o valor e
resultados de umas e outras» (cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de
Processo Civil, I, Coimbra, 1956, página 364).
Tal princípio só está constitucionalmente consagrado, de forma expressa, para o
processo criminal (cf. artigo 32.º, n.º 5, da Constituição). Ele vale, no
entanto, também para o processo civil, como exigência que é do princípio do
Estado de Direito, que – insiste-se – reclama igualmente que, no processo, as
partes sejam tratadas com igualdade (princípio da igualdade de armas).
De facto, também este processo tem que ser, como se disse, um due process of
law, um processo equitativo e leal. E isso exige, não apenas um juiz
independente e imparcial – um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça
mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo
do que à lei e aos ditames da sua consciência – como também que as partes sejam
colocadas «em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas
possibilidades de obter a justiça que lhes é devida» (cf. MANUEL DE ANDRADE, ob.
cit., página 365).
Cada uma das partes há-de, pois, poder expor as suas razões perante o tribunal
(princípio do contraditório). E deve poder fazê-lo em condições que a não
desfavoreçam em confronto com a parte contrária (princípio da igualdade de
armas). (Sobre estes dois princípios, cf., por último, o acórdão n.º 1193/96,
por publicar).”
E pode recordar-se também o que, mais recentemente, se escreveu sobre o sigilo
bancário no Acórdão n.º 602/2005 (com texto integral disponível em
www.tribunalconstitucional.pt):
“(…) hipotiza-se que a matéria de sigilo bancário, no seu reflexo de apuramento
da realidade tributária dos contribuintes (e não olvidando que a obtenção de
dados por parte da administração fiscal também está coberta pelo dever de
reserva), possa ser perspectivada como sendo respeitante a direitos, liberdades
ou garantias, na medida em que, como tem sido sustentado por alguma doutrina, a
situação económica dos cidadãos espelhada nas respectivas contas bancárias, fará
parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada,
constituindo o segredo bancário um corolário dessa reserva, por constituir uma
súmula do relacionamento entre o banqueiro e o seu cliente e respectiva conta,
através da qual, em geral, são processados dados de onde se pode retirar boa
parte do giro económico do particular que, muitas vezes, reflecte dados
relacionados com a sua vida privada [cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pp. 181 e 182, ao
analisarem em que consiste e como se deve analisar o direito à intimidade da
vida privada; J. M. Serrano Alberca, Comentários a la Constituicion, Madrid,
Civitas, 1985, p. 353; Parecer n.º 138/83 do Conselho Consultivo da
Procuradoria-Geral da República, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 342,
p. 161; Alberto Luís, Direito Bancário, Coimbra, 1985; e, porventura com uma
posição um tanto divergente, Saldanha Sanches, “Segredo Bancário, segredo
fiscal: uma perspectiva funcional”, in Medidas de Combate à Criminalidade
Organizada e Económico-Financeira, Centro de Estudos Judiciários, 25 anos, 2004,
pp. 57 e seguintes, para quem, porque existe uma «proibição que incide sobre os
membros da Administração fiscal de dar conhecimento a terceiros da situação
fiscal (e por isso patrimonial)», o fundamento do segredo bancário, para os
efeitos em causa, residiria na esfera da privacidade e não da intimidade da vida
privada, pelo que não estaríamos «e isto deve ser afirmado com muita clareza,
perante uma norma destinada a tutelar a nossa intimidade: pela razão pura e
simples que num Estado‑de‑Direito a devassa da intimidade (buscas domiciliárias,
escutas telefónicas, filmagens ou gravações que registem todos os movimentos de
uma certa pessoa) só pode ter lugar para investigação de crimes graves e
mediante a devida decisão judicial (…). Se o segredo fiscal tutela a intimidade,
então parece que os cidadãos se encontram obrigados a entregar periodicamente à
Administração Fiscal e sempre que esta o exija – mediante qualquer acto
administrativo tributário que pode ser produzido por qualquer funcionário –
dados referentes à sua intimidade. Dados referentes à intimidade dos cidadãos
que estes estariam obrigados a facultar à Administração fiscal e cujo
conhecimento deveria ser confinado aos serviços de finanças e aos inúmeros
funcionários da Administração fiscal mas que estes não poderiam – fraco consolo
– partilhar com mais ninguém», e que o «controlo da conta bancária como poder
administrativo que constitui uma restrição ao direito do cidadão de manter longe
de vistas e curiosidades externas toda a sua situação pessoal (e qualquer
restrição a este direito exige uma específica legitimação) é uma decisão
secundária. Decisão secundária no preciso sentido de ser resultado de uma outra:
o dever das pessoas singulares de declarar anualmente os seus rendimentos e a
obrigação das pessoas colectivas de franquear permanentemente os seus registos
comerciais ao controlo da Administração fiscal.”]
De todo o modo, com este Tribunal já teve ocasião de discretear, tal como o
sigilo profissional, a reserva do sigilo bancário não tem carácter absoluto,
antes se admitindo excepções em situações em que avultam valores e interesses
que devem ser reputados como relevantes como, verbi gratia, a salvaguarda dos
interesses públicos ou colectivos (cfr. Acórdão n.º 278/95, publicado na II
série do Diário da República, de 28 de Julho de 1995, onde se disse que «o
segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições
impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos. Na verdade, a tutela de certos valores
constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, o acesso
aos dados e informações que os bancos possuem relativamente às suas relações com
os clientes. Assim sucede com os artigos 135.º, 181.º e 182.º do actual Código
de Processo Penal, os quais procuram consagrar uma articulação ponderada e
harmoniosa do sigilo bancário com o interesse constitucionalmente protegido da
investigação criminal, reservando ao juiz a competência para ordenar apreensões
e exames em estabelecimentos bancários».
Sendo o controlo administrativo das movimentações bancárias dos contribuintes,
como método de avaliação da sua situação fiscal, uma realidade recente (ou, como
diz Saldanha Sanches, ob. cit., que «são esses dados contidos nas contas
bancárias e nos seus movimentos (ou na aquisição de um bem sujeito a registo
como um prédio ou um automóvel) que permitem o controlo da declaração tributária
do sujeito passivo e que constituem a condição sine qua non de um controlo
eficaz, na fase actual da evolução da relação jurídico-tributária»), e
postando-se como necessário – e, quantas vezes para tanto como imprescindível –
o conhecimento das respectivas operações, não se poderá deixar de concluir que
se torna justificada, para proteger o bem constitucionalmente protegido da
distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever
fundamental de pagar os impostos, a procura da consagração de uma articulação
ponderada e harmoniosa da reserva (se não da intimidade da vida privada, ao
menos da reserva de uma parte do acervo patrimonial) acarretada pelo sigilo
bancário e dos interesses decorrentes dos citados dever e direito.”
Ora, importa justamente começar por salientar que, na averiguação da
conformidade constitucional da solução limitativa consagrada na norma em apreço,
o que está em causa não é a constitucionalidade da previsão de um acesso
directo, isto é, sem prévia autorização judicial, da administração tributária à
informação bancária para fins fiscais – não tendo este Tribunal de curar, por
exemplo, de distinguir entre clientes individuais e clientes profissionais de um
banco (como faz J. L. Saldanha Sanches, in «Segredo bancário e tributação do
lucro real», Estudos de Direito Contabilístico e Fiscal, Coimbra Editora, 2000,
pp. 102 e segs.), Está apenas em causa a eventual inconstitucionalidade da
solução normativa que se traduz na inadmissibilidade de o contribuinte produzir
prova testemunhal no recurso da decisão da administração tributária que
determina o acesso à informação bancária que lhe diz respeito.
Em particular, pergunta-se se tal substancial limitação probatória terá
justificação razoável nos poderes atribuídos à administração tributária como
concretização do interesse geral do acesso à informação bancária para fins
fiscais. Ou, ainda, na especial falibilidade da prova testemunhal e no carácter
mais exigente e seguro da prova documental, ou na respectiva ratio legis no
carácter urgente do recurso interposto pelo contribuinte (artigo 146.º-D do
CPPT).
Entende-se que a limitação em causa da norma em apreço importa uma lesão do
direito à produção de prova ou do “direito constitucional à prova” (J. J. Gomes
Canotilho, “O ónus da prova na jurisdição das liberdades – Para uma teoria do
direito constitucional à prova”, Estudos sobre direitos fundamentais, Coimbra
Editora, 2004, p. 170), ínsito na garantia de acesso aos tribunais e “entendido
como poder de uma parte (pessoa individual ou pessoa jurídica «representar ao
juiz a realidade dos factos que lhe é favorável» e de «exibir os meios
representativos desta realidade»”.
Recorde-se que, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, a restrição
de uma garantia fundamental exige que se encontre na própria Constituição (pelo
menos noutros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos) base para a
limitação do direito em causa, bem como que esta se limite “ao necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (não
podendo, por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “diminuir a
extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”).
Ora, como vimos, existe a possibilidade de o legislador introduzir limites ao
direito à produção de prova, ínsito no direito de acesso aos tribunais,
consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, que podem ir até à exclusão
de um meio de prova (não “pré-constituída”) como é o depoimento de testemunhas.
Mas é assim apenas desde que tal medida não exceda o necessário para a
salvaguarda do interesse geral do acesso à informação bancária para fins
fiscais, mantendo-se dentro do equilíbrio entre os poderes da administração
tributária e os direitos dos contribuintes, sem impedir desnecessariamente o
exercício de qualquer um deles.
É certo haver quem saliente (José Casalta Nabais, «Estado fiscal, cidadania
fiscal e alguns dos seus problemas», Separata do Boletim de Ciências Económicas,
vol. 45, 2002, pp. 611 e 609) que “o futuro provavelmente não nos reserva outro
caminho senão o da crescente abertura da informação bancária às administrações
tributárias dos Estados”, dizendo-se também (J. Silva Lopes, in «Acesso do Fisco
a informações protegidas pelo sigilo bancário», Forum Iustitiae – Direito e
Sociedade, Ano II, n.º 15, Setembro de 2000, p. 13) que “o direito à privacidade
não deve ser utilizado para que uns contribuintes pratiquem, ao abrigo do sigilo
bancário, delitos fiscais que, indirectamente, prejudicarão os demais
contribuintes. É, por essa razão, que em quase todos os países da OCDE – a
maioria dos quais com tradições democráticas bem mais sólidas do que Portugal –
o direito à privacidade não impede as autoridades de terem amplo acesso às
informações cobertas pelo sigilo bancário”.
No entanto, a abertura do segredo bancário – cuja constitucionalidade,
repete-se, não está, enquanto tal, agora em causa – há-de respeitar a
possibilidade da sua impugnação, e de produção de prova nesta impugnação,
estando, como está, em causa a comprovação e/ou valoração dos factos que
presidiram à emanação de um acto da administração tributária que contende com o
segredo bancário dos contribuintes, e devendo rejeitar-se, por outro lado, a
suficiência, para tal, de uma mera presunção de legalidade do acto
administrativo, bem como um entendimento favorável à ampliação, na fase da
instrução procedimental, dos poderes da administração tributária. Note-se,
aliás, que o próprio artigo 87.º, n.º 1, do Código do Procedimento
Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, afirma
que “o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo
conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento,
podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em
direito”.
De harmonia com o disposto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, “os órgãos e
agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem
actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da
igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé”.
Destes princípios decorre, para o nosso caso, que a prova a praticar, desde logo
no procedimento administrativo, é, em regra (apenas, mas toda), aquela que
contribua para aclarar os factos relevantes, de forma a saber se a administração
excedeu, ou não, os limites de legalidade e constitucionalidade a que se
encontra vinculada.
A garantia de um “processo leal”, da qual decorre a igualdade de armas –
aplicável também ao processo especial de derrogação do dever do sigilo bancário
previsto nos artigos 146.º-A a 146.º-D do CPPT (bem como a todo o procedimento e
processo tributários), como exigência que é do princípio do Estado de Direito,
como este Tribunal teve ocasião de afirmar –, implica um quadro razoável de
equilíbrio entre os poderes da administração tributária e os direitos dos
contribuinte, sem aniquilação no caso concreto destes últimos. Daí o sistema de
garantias dos contribuintes e os princípios do procedimento tributário
estabelecidos na Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º
398/98, de 17 de Dezembro.
Este Tribunal tem reconhecido a liberdade de conformação do legislador no
estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, e tem
admitido, por exemplo, o encurtamento de prazos processuais com fundamento em
objectivos de eficácia, celeridade e economia processual. Compreende-se, por
isso, a natureza urgente do recurso interposto pelo contribuinte ao abrigo do
disposto no artigo 146.º-B da CPPT, o qual tem efeito suspensivo nas situações
previstas no n.º 3 do artigo 63.º-B da LGT (artigo 63.º-B, n.º 5, da mesma LGT),
o que ocasiona uma paralisação temporária dos efeitos jurídicos da decisão de
acesso à informação bancária para fins fiscais, prolongando um estado de
incerteza que importa seja o mais breve possível, quer no interesse da
administração tributária, quer no dos contribuintes (dada a exigência ditada
pelo artigo 20.º, n.º 5, da CRP, de que “para defesa dos direitos, liberdades e
garantais pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais
caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e
em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”).
5.Já, porém, a impossibilidade decretada pela norma em sindicância –
concretamente, a impossibilidade de, em qualquer caso, o contribuinte contestar
através de prova testemunhal a veracidade da prova recolhida pela administração
tributária, e independentemente de se reconhecer a esta uma certa liberdade de
decisão sobre a pertinência de tal meio de prova apresentado pelo contribuinte –
não se encontra suficientemente ancorada com os referidos objectivos de
eficácia, celeridade e economia processual, afectando de forma
constitucionalmente censurável o direito à produção de prova, ínsito no direito
de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, em
conjugação com o princípio da proporcionalidade.
Na verdade, a norma em apreciação assenta na ideia de que, em sede de recurso de
decisão da administração tributária que determina o acesso directo à informação
bancária que diz respeito ao contribuinte, admitir-se ou valorar-se a prova
testemunhal permitiria que a verdade fosse atraiçoada, pela própria falibilidade
da prova, ou que o processo se protelasse excessivamente.
Todavia, não consentir o uso de prova testemunhal não é sempre o mesmo que
sugerir o(s) meio(s) de prova mais oportuno(s) ou idóneo(s) sem exclusão dos
demais meios de prova no caso concreto, significando antes vedar em abstracto um
meio de prova que, em concreto, se pode revelar adequado à aclaração dos factos
que fazem parte do objecto do processo especial de derrogação do dever de sigilo
bancário, e que pode mesmo ser o único meio de prova disponível. Esta exclusão
abstracta excede manifestamente o necessário para a prossecução dos interesses
que o levantamento do sigilo bancário visa prosseguir, cerceando uma dimensão
que pode ser essencial (o direito à produção de prova) da garantia de acesso ao
direito e aos tribunais.
Tendo de operar-se uma ponderação de interesses contrapostos constitucionalmente
reconhecidos, há que tomar em consideração que o princípio da proporcionalidade
implicará uma solução que admita a produção de prova testemunhal, pelo menos
quando esta na situação concreta não se revele contrária às finalidades tidas em
vista, competindo então ao juiz avaliar e decidir sobre a oportunidade de
admissão de tal meio de prova no caso concreto, considerando, também, os casos
em que o recurso à prova testemunhal seja mesmo (como acontece no presente caso)
o único meio de conhecer e/ou de comprovar factos e elementos materiais dos
quais dependa a subsistência da pretensão da administração tributária de
derrogação do dever de sigilo bancário. Noutros casos – pode admitir-se – será
já, possivelmente, de recusar fundadamente a prova testemunhal apresentada pelo
contribuinte, quando a considere impertinente ou desnecessária à luz do
interesse público que lhe compete prosseguir. Mas tratar-se-á, sempre, de uma
limitação em concreto, e não de uma exclusão absoluta, e em abstracto, de um
meio de prova que, repisa-se, pode bem ser o único de que é possível lançar mão
no caso concreto para concretização da garantia constitucional de acesso ao
direito e aos tribunais. Aliás, a eventual falibilidade da prova testemunhal
pode ser considerada no âmbito da livre valoração consentida ao julgador.
A norma em apreço, na medida em que prevê uma proibição absoluta, e em
abstracto, de o contribuinte produzir prova testemunhal no recurso da decisão da
administração tributária que determina o acesso à informação bancária que lhe
diz respeito, e em que, portanto, não permite em qualquer caso a autorização
dessa prova pelo juiz quando ela se revele indispensável, é, portanto,
inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, em
conjugação com o princípio da proporcionalidade.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais,
consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição, em conjugação com o princípio
da proporcionalidade, o artigo 146.º-B, n.º 3, do Código de Procedimento e
Processo Tributário, na parte em que veda em qualquer caso a possibilidade de o
contribuinte produzir prova testemunhal no recurso da decisão da administração
tributária que determina o acesso à informação bancária que lhe diz respeito;
b) Em consequência, confirmar a decisão recorrida no que ao juízo de
inconstitucionalidade diz respeito.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos