Imprimir acórdão
Processo n.º 1021/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal
Constitucional
1. A., requerente de prestação de caução em execução que lhe
move a Caixa Geral de Depósitos, reclama para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto nos artigos 76.º, n.º 4, e 77.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, do despacho de 9 de Outubro de 2006 que, com fundamento em não ter
sido suscitada a questão de constitucionalidade de quaisquer normas aplicadas
pela decisão recorrida, não lhe admitiu o recurso que interpôs, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da referida Lei, do acórdão de 12 de Setembro
de 2006 do Supremo Tribunal de Justiça,
A reclamante, depois de invocar jurisprudência e doutrina no
sentido de que o recurso de constitucionalidade deve ser admitido, apesar de a
questão não ter sido colocada perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, quando a aplicação ou interpretação da norma sujeita a apreciação
assuma um carácter objectivamente insólito, inesperado ou imprevisível, alega o
seguinte:
“(…)
8º
No caso sub-judice, existe de facto uma decisão inesperada, quando se comete uma
ilegalidade, quer ou não conhecer das Alegações produzidas
9º
Quer, quando, ao confirmar-se a sentença recorrida, comete-se verdadeira
denegação de justiça, ferindo-se, por esse motivo imperativos constitucionais
como os prescritos nos art.º 20.º e 205.º da CRP, que desde já se invoca.”
2. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento, já que – ponderadas
as alegações apresentadas na acção pelo ora reclamante, o teor do requerimento
de interposição do recurso de constitucionalidade e os termos em que é deduzida
a presente reclamação – é evidente que se não mostra colocada qualquer questão
de inconstitucionalidade normativa, susceptível de integrar objecto idóneo de um
recurso para este Tribunal.”
3. Para decisão da reclamação relevam as ocorrências processuais seguintes:
a) A ora reclamante requereu a prestação de caução como incidente numa
execução, tendo a garantia sido julgada inidónea pelo tribunal de 1ª instância,
decisão que o Tribunal da Relação manteve;
b) A ora reclamante interpôs recurso do acórdão da Relação para o Supremo
Tribunal de Justiça, alegando e concluindo da forma seguinte:
“QUANTO à NULIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS
Continua-se a afirmar, como em sede da Apelação já se fez, que a Sentença
Recorrida é NULA. Na verdade, não se concorda que ela apenas seja meramente
precipitada. Pois repita-se o seu texto
1ª Que as acções dadas em caução são da sociedade executada
2ª e face ao valor da execução
(sic)
e. nem sequer se invoca a seu favor qualquer fundamentação legal para a sua
decisão. Ora parece-nos que qualquer aresto decisório tem duas componentes a
parte factual e a parte do Direito. Julga-se que é assim que as sentenças ainda
são ensinadas a fazer. Mas no caso sub judie nada disso existe. Que factos são
dados como provados?. Não se vislumbra tal.
Será que os factos dados como provados foram aqueles que a Recorrida disse.
Parece‑nos Exmos Julgadores que as partes em confronto são “inter pares”, ora,
não tem fé diferente das afirmadas pela Recorrente as suas Alegações. Não houve
sequer produção de prova. A Ema Senhor Juiz deu como certo que:
1º o valor das acções eram de 100 000 euros.
2° Que existem valores reclamados em mais de 700 000 euros.
Quanto a o caucionamento com acções da própria executada, salvo melhor opinião
tal não é ilegal. É aliás prática corrente pelas instituições bancárias o penhor
de participações das próprias empresa quando efectuam os seus créditos. Ora
mutatis mutandis se é possível o penhor de quotas ou acções, porque razão não se
pode dar as mesmas em caução. Por muito que se procure nas leis da Republica não
se vê qualquer disposição que o impeça.
Tudo somado leva inevitavelmente a existência da NULIDADE pois, na dita nem
sequer se refere quais factos provados que sustentam a subsunção ao Direito, que
curiosamente também inexiste. Por mais que se leia a Sentença não se vislumbra
um único artigo, porque como bem consta da NOTIFICACÃO a SENHORA JUIZ trata este
assunto, como se fosse um DESPACHO, qualidade que foi inscrita na NOTIFICAÇÃO
QUE O MANDATÁRIO RECEBEU. E nenhum dos procedimentos previstos entre os art°
981° do CPC foi cumprido, tudo feito à revelia dos mínimos ditames LEGAIS o QUE
IMPLICA ÓBVIA nulidade COMO PREVISTO NO ART° 688° do CPC
MAS TAMBÉM QUANTO À CLASSIFICADA NULIDADE DE SEGUNDO GRAU também discorda a
Recorrente dos Senhores Desembargadores no que concerne à obrigatoriedade de se
deslocar à Secretaria do Tribunal onde correm os Autos, para pessoalmente
verificar da existência de oposição. Também neste caso a Recorrente desconhece
qual o impositivo legal que exige tal atitude. De facto, não cabe às partes
senão seguir os formalismos de comunicação dos Actos que se faz pelas
notificações, tal como previsto os art° 150° a 153°, e 176° e 253° a 256° do
C.P.C.. Não cabe às ditas aferir se houve ou não a prática de um determinado
acto, seja em que causa for. Os actos processuais são formais e são comunicados
às partes nos termos dos artigos anteriormente citados do CPC. Também não lhes
cabe ou aos seus mandatários a aquilatar se a contraparte deixou correr um
prazo, se contestou ou não. No caso em apreço só se soube da “oposição” em sede
das Contra-Alegações, não e tendo a recorrente o ónus legal afirmado a fls 3 do
Acórdão, e disso não decorre do art° 988°, 3 do CPC. Tal ocorrência, a existir
teria de ser da mesma notificada, pois não tendo o poder de advinhação, terá de
aguardar pela comunicação formal do Tribunal da verificação dessa ocorrência.
Aliás de que data se deveriam contar os dias referidos no Acórdão?
Assim também foi mal o Acórdão em crise. E forçosamente Ilustres Senhores
Conselheiros sem mais considerandos, continua-se a CONCLUIR, que,
1º
Existe uma Sentença Nula
2º
Que não há nenhuma sanação de uma NULIDADE de SEGUNDO GRAU
Persistindo o Acórdão na perfeição adjectiva não teve em consideração o previsto
nos, art.ºs 150º a 153.º, e 176.º e 253.º a 256.º do C.P.C, 981° e 668°, 1 al.
B) do CPC, e art° 9° e 623° de CC.
c) Por acórdão de 12 de Setembro de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça
julgou improcedente o recurso, com a seguinte fundamentação, na parte que pode
ter interesse:
“3. – Mérito do recurso.
3.1. – Ao que parece poder concluir-se do conteúdo da alegação da Recorrente,
pelo menos a aferir pelas conclusões, nelas se reflecte confusão entre nulidades
das decisões judiciais e nulidades processuais.
As primeiras, com previsão e sanções previstas e tipificadas no art. 668° CPC,
são vícios formais da decisão, enquanto peça processual.
As segundas consistem em irregularidades de actos processuais, acções ou
omissões praticadas na tramitação do processo, a que a lei atribui diversa
relevância consoante a sua gravidade e repercussão, podendo conduzir à anulação
de actos processuais e, eventualmente, da parte do processo que se lhe segue. Do
respectivo regime se ocupa o mesmo Código nos artigos 193° a 206°.
Feita esta precisão, vejamos o objecto do recurso.
3.2. – A nulidade da sentença.
A Recorrente continua a insistir na nulidade da decisão da 1.ª Instância,
acusando-a de falta de fundamentação, pedindo a sua anulação.
Ora, a decisão recorrida é, agora, o acórdão da Relação e não a sentença.
Os vícios formais desta última peça, a existirem, estarão cobertos pela decisão
que foi chamada a sobre ela exercer censura, encontrando-se necessariamente
sanados, desde logo por via da regra da substituição que o art. 715° CPC
contempla.
Reflectindo-o, o acórdão impugnado julgou «improcedente a apelação, confirmando
a decisão recorrida».
Quer isto dizer que, como é lógico e óbvio, se vícios formais há, da previsão do
art.º 668°, passíveis de serem arguidos perante o STJ — seja ao abrigo do art.
722°-1, seja do art. 755°-l – só poderão ser os do acórdão da Relação.
No caso, concretiza-se exemplificando, haveria de se arguir de nulo o acórdão
por, ele mesmo, por exemplo, omitir os fundamentos de facto ou de direito em que
assentou a decisão confirmatória.
Consequentemente, o recurso carece, nesta parte, de objecto.
3.3. – A nulidade secundária.
A irregularidade invocada — omissão de acto imposto por lei – é susceptível de
integrar nulidade secundária, como vem declarado (art. 201° CPC).
A regra é que tais nulidades devem ser arguidas nos dez dias subsequentes àquele
em que a Parte interveio em algum acto no processo ou foi notificada para
qualquer termo dele (art. 205°- 1).
No caso presente, como bem se refere na decisão impugnada, a ora Recorrida
deveria reclamar da nulidade no indicado prazo, contado da notificação da
sentença, data em que, necessariamente, teria de tomar conhecimento da omissão
da notificação da resposta.
Ao fazê-lo – e mesmo assim imperfeitamente – apenas nas alegações do recurso de
apelação, que apresentou cinco meses depois daquela notificação operante, o
prazo estava há muito esgotado, não tendo aplicação ao caso a previsão do n.° 3
do art. 205°.
Assim, esgotado o prazo preclusivo, por via das enunciadas regras,
consubstanciadas na máxima “dos despachos recorre-se; contra as nulidades
reclama-se”, a irregularidade arguida encontrava-se sanada.
(…).”
d) A ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional
mediante requerimento do seguinte teor:
“O termos do art° 70°, 1 al b) e 2 da da LTC, para declaração da ilegalidade da
inconstitucionalidade e ilegalidade dos artigos 732°-A , 1, 2, do C.P.C. 668° e
669 1 do C.P.C., por violação dos art° 20° e 62° da C.R.P.”.
e) O recurso não foi admitido por despacho de 9 de Outubro de 2006, do
seguinte teor:
“Requerimento a fls. 109.
A recorrente interpõe recurso para o Tribunal Constitucional da decisão que,
neste Tribunal, negou a revista pedida, invocando o disposto no art.º 70.º - 1 –
b) da Lei n.º 28/82, de 15/11.
Percorrido o processo, designadamente as peças oferecidas pela recorrente, não
encontro, em parte alguma, suscitada a questão da inconstitucionalidade de
qualquer norma aplicada nas decisões proferidas.
Consequentemente, inverificada a invocada condição de irrecorribilidade, ou
qualquer outra, não se admite o recurso interposto.”
4. Cumpre apreciar se estão reunidos os pressupostos e requisitos de
admissibilidade do recurso, o que compete ao Tribunal decidir definitivamente
(n.º 4 do artigo 77.º da LTC) e, consequentemente, sem limitação dos seus
poderes cognitivos pelos fundamentos do despacho reclamado.
Ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC cabe recurso para o
Tribunal Constitucional das decisões dos demais tribunais que apliquem norma
cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada, de modo processualmente
adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
A reclamante reconhece que não suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade, como no despacho reclamado se refere, mas pretende que
não lhe era exigível que o tivesse feito porque a decisão recorrida constitui
uma “decisão‑surpresa”. Sucede que só tem sentido averiguar se a decisão
recorrida assume esta natureza relativamente a normas que tenha efectivamente
aplicado e integrem o objecto do recurso de constitucionalidade. Se a decisão
recorrida não aplicou as normas que o recorrente indica, é irrelevante que possa
assumir um carácter objectivamente insólito, inesperado ou imprevisível quanto a
eventual aplicação ou interpretação de outras normas. A definição do objecto do
recurso é ónus do recorrente, que o tem de satisfazer no requerimento de
interposição do recurso (artigo 75.º-A da LTC), e é relativamente a esse objecto
que há-de averiguar-se a ocorrência dos respectivos pressupostos.
Ora, desde logo se verifica, sem necessidade de particular esforço de análise,
que o acórdão recorrido não aplicou norma extraída de qualquer dos preceitos que
a recorrente indica no requerimento de interposição do recurso.
Quanto a norma ou normas do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil não se
descortina o que pode ter levado a recorrente a indicá-las. Nesse preceito o que
se disciplina é o julgamento ampliado da revista, hipótese que o acórdão não
aborda e que, tanto quanto os autos revelam, também ninguém colocou.
O mesmo sucede quanto à norma do n.º 1 do artigo 669.º do Código de Processo
Civil que versa sobre o esclarecimento ou reforma da sentença. Com efeito, o
acórdão recorrido não versa sobre qualquer pedido desta natureza, nem aprecia o
que qualquer outro tribunal tenha decidido ou praticado por aplicação de tal
norma.
E, finalmente, o acórdão recorrido também não aplicou o artigo 668.º do dito
Código. O Supremo Tribunal de Justiça considerou que a recorrente colocava duas
questões de nulidade, de distinta natureza: uma relativa à estrutura da sentença
de 1ª instância e outra processual. Da primeira, entendeu o acórdão recorrido
que não lhe competia conhecer no recurso de revista, em que só poderiam
apreciar-se vícios do acórdão da Relação. Os vícios formais da sentença, a
existirem, encontram-se sanados, desde logo pela regra da substituição que o
artigo 715.º do Código de Processo Civil consagra. Quanto à segunda confirmou o
entendimento de que estava sanada nos termos do n.º 1 do artigo 205.º do Código
de Processo Civil.
Assim, nenhuma das questões apreciadas no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
foi decidida por aplicação das normas que a recorrente indica, sendo destituído
de fundamento sério afirmar que o acórdão recorrido fez uma interpretação
insólita ou imprevisível de normas que nem sequer implicitamente aplicou na
decisão do caso.
Tanto basta, sem necessidade de referir outras razões, para que
o recurso interposto não seja admissível e a reclamação improceda.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a reclamante nas
custas, com vinte unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício