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Processo n.º 276/03
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Em 14 de Junho de 2000 os peritos-avaliadores designados pelo Tribunal da
Relação do Porto para intervir nas arbitragens para fixação da indemnização
devida pela expropriação, a efectuar pelo ICOR – Instituto para a Construção
Rodoviária, de uma parcela com área de 2 548 m2, pertença de A., fixaram em 31
302 180$00 (trinta e um milhões, trezentos e dois mil cento e oitenta escudos) a
indemnização a atribuir a esta.
De tal decisão apresentaram recurso a expropriada e a entidade expropriante,
tendo o Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, em 9 de Julho de 2002,
aumentado a indemnização devida à expropriada para 43 475 250$00, ou seja, € 216
853,63. Discutindo a questão de constitucionalidade do artigo 25.º, n.º 3, do
Código das Expropriações de 1991, tal como interpretado pelo acórdão de fixação
de jurisprudência n.º 1/99, de 12 de Janeiro de 1999 (in Diário da República,
série I-A, n.º 37, de 13 de Fevereiro de 1999), a sentença concluiu pela falta
de razão dos argumentos da expropriada. Pode ler-se neste decisão (fls. 359-362
dos autos):
«(…)
Um outro aspecto a considerar no processo determinativo da indemnização, de
resto nuclear, reporta-se ao valor da construção a atender nos termos do art.º
25.º, n.º 1, do C.E. Segundo a expropriada o valor a considerar será o valor de
mercado da construção, defendendo a expropriante o custo da construção.
Vejamos então.
Conforme vem sido uniformemente defendido, nomeadamente no âmbito do C.E. de
1991, o critério da justa indemnização deve aferir-se pelo valor do bem no
mercado, valor este entendido no seu sentido normativo, ou seja, o valor do bem
no mercado ou valor venal do bens expropriado, o valor de mercado normal ou
habitual”, mas não especulativo – cfr. Fernando Alves Correia, in RLJ, ano 132,
p. 233. Se assim é, não se deve compreender que na determinação daquele
quantitativo se imponha e considere o valor do custo construção, sob pena de se
entrar à partida com uma quantia desajustada do mercado e que viciaria as contas
que se pretende revelem, precisamente, o valor de mercado – cfr. Osvaldo Gomes
in Expropriações (...), p. 194, quando refere: “o valor da construção, para
efeitos do art.º 25.º, deve calcular-se em função do 'valor de mercado de
construção e não apenas o seu custo provável”.
Mais, também com o devido respeito face à pretensão da expropriante, os preços
da construção para efeitos de cálculo da justa indemnização não se fixam por
portaria, tendo tais portarias outra função. Cfr. Ac. TRP de 13 de Fev. de 1997,
CJ, tomo I, p. 233 a 236
Dir-se-á mais: o código actual adoptou o custo da construção e a consideração
dos preços desta fixada administrativamente.
É um facto, todavia, não será por isso que no âmbito do C.E. de 1991 tal seja a
intenção legislativa. Com efeito, em primeiro lugar, como já vem sendo
suscitada, é duvidosa a constitucionalidade do disposto no art.º 26.º, n.º 4, do
C.E. de 1999 quando se refere ao custo de construção por violação do princípio
da igualdade no domínio da relação externa da expropriação. Por outro lado, não
se deve ignorar que o valor definido pelas portarias anualmente hão-de funcionar
como referenciais. 'Esta norma não impõe uma correspondência do preço por metro
quadrado da construção para efeitos de expropriação, ao preço do metro quadrado
de construção fixado administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes
de habitação a custo controlados ou renda condicionada, mas apenas uma obrigação
de consideração destes preços como padrão de referência ou como factor
indiciário do custo do metro quadrado de construção para o cálculo da
indemnização por expropriação' – cfr. F. Alves Correia, in RLJ, ano 133, p.51.
Quanto ao preço de construção, o tribunal atendeu ao apresentado pelos peritos
da expropriante e expropriada como supra se referiu e pelos motivos ali
considerados.
Assim sendo, por todo o exposto, o valor a considerar nos termos e para os
efeitos do art.º 25.º, n.º 1, eleva-se a 150.000$00 m2, valor este, de resto,
preconizado pela expropriada.
*
A não atendibilidade das benfeitorias agrícolas.
(…)
*
Atendibilidade da percentagem arbitrada pelos Sr. Peritos do Tribunal e
referente à cedência para construção de arruamentos e atendibilidade do índice
de ocupação de 65%.
(…)
*
Percentagem nos termos e para os efeitos do art.º 25.º, n.º 4, do C.E.
Consideram os Sr. peritos a percentagem de 30% nos termos e para os efeitos do
disposto no art.º 25.º, n.º 4, do C.E., tendo o perito da expropriada alvitrado
a percentagem de 10%.
Àquela percentagem reage a expropriada. Todavia, não obstante a divergência,
como noutras situações, cremos adequada a percentagem fixada, quando é certo que
se trata de questão técnica que aos peritos cabe apreciar e em melhor condições
se encontram para decidir. Na verdade, não se deve ignorar que, atenta a
natureza destes autos, a discordância do julgador (que eventualmente poderia
existir) exigiria uma apreciável motivação por parte do tribunal – cfr. Antunes
Varela e Pires de Lima, in CC anotado, comentário ao art.º 389.º do CC. –, o
que, com o devido respeito, não ocorre.
Quanto à divergência entre laudos, como é bom de ver, a opção terá de ser pelo
laudo maioritário quando é certo que o mesmo é subscrito pelo peritos indicados
pelo tribunal o que dá ainda maiores garantias de imparcialidade e
independência.
*
Os parâmetros a considerar na processo determinativo da indemnização.
Isto posto, tudo devidamente ajustado, considerando o somatório das percentagens
a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º 25.º, ou seja, conforme apuraram os Sr.
peritos do Tribunal, acesso – 10% ; pavimentação em betuminoso – 1% ; rede de
abastecimento de água – 1 %; rede de saneamento – 1,5%; rede de distribuição de
energia eléctrica – 1 %; rede de águas pluviais – 0,5%; localização e qualidade
ambiental – 10%., resulta um ratio a aplicar ao valor da construção de 25%.
Mais, resulta ainda que a área a expropriar é de 2.548m2, como resulta que o
índice de ocupação é de 0,65%, o valor da construção é de 150.000$00 m2.
Fixados os parâmetros, importa ainda considerar que não existem benfeitorias a
indemnizar como também não há qualquer depreciação da parte sobrante do prédio
nos termos e para efeitos do art.º 28.º, n.º 2, do C.E., e que a percentagem nos
termos e para os efeitos do disposto no art.º 25.º, n.º 4, do C.E. considerado
pelos peritos do Tribunal foi de 30%.
C) CALCULO DA INDEMNIZAÇÃO
De acordo com o que fica dito, está encontrado o valor da parcela expropriada,
procedendo-se à seguinte operação e em termos similares como o fizeram os
peritos no laudo maioritário:
a) 150.000$00 (valor m2 de construção) x 0,65 (índice de ocupação) x 25% (art.º
25.º, n.ºs 2 e 3, al. h), do CE) = 24.375$00
b) 24.375$00 x 0,70 (100-0.30 referente aos encargos previsto no art.º 25.º, n.º
4, do C.E.) = 17.062$50 m2
c) 17.062$50 x 2.548m2=43.475.250$00 (valor a indemnizar)
*
Destarte está assim achado o valor 43.475.250$00 a título de indemnização a
atribuir à expropriada.»
2.Recorreram de novo expropriada e expropriante.
A primeira concluiu da seguinte forma as alegações do seu recurso:
«1.º Os senhores peritos nomeados pelo Tribunal consideraram que o agravamento
dos custos de construção no local era de 3.250$00, valor superior ao indicado
pelo perito da expropriada.
2.º O senhor Juiz do processo alterou na douta sentença recorrida este valor
para 17.062$00.
3.º Fê-lo porque utilizou a mesma fórmula de cálculo dos senhores peritos, mas
substituindo o valor do custo da construção (90.000$00), pelo valor de mercado
da construção (150.000$00).
4.º O valor de mercado não tem uma relação directa com o custo da construção,
ele depende, para além deste último valor, do jogo da oferta e procura, da
situação do prédio em determinado local, etc., pelo que não pode servir de base
para o cálculo pretendido.
5.º Ao operar a referida alteração na fórmula do cálculo utilizada pelos
senhores peritos, o senhor Juiz recorrido agravou em 81% o valor obtido pelos
senhores peritos sem nenhum fundamento.
6.º Esta nova fórmula de cálculo, diminuindo artificialmente o valor da
indemnização, não colhe qualquer apoio na letra da lei, nem no seu espírito.
7.º A alínea h) do n.º 3 do artigo 25° do Código das Expropriações só pode ser
interpretada no sentido de que este factor é fixo.
8.º A interpretação dada pelo acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/99
viola o disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
9.º Ao pretender o referido aresto uma interpretação de acordo com a
Constituição, violou o princípio da exclusão da interpretação conforme com a
Constituição mas ‘contra legem’, porque acaba por alterar o único sentido
possível que nos é dado pela letra da lei.
10.º Interpretação que é violadora do princípio da separação de poderes; aos
Tribunais cabe julgar de acordo com a Lei (artigo 203.º da C.R.P. e ainda
artigos 114.º, 168.º, n.º 1, e 206.º da Lei Fundamental).
11.º Pelo que ter-se-á de aplicar a percentagem de 15%, como uma percentagem
fixa.
12.º De qualquer das formas, mesmo aceitando a doutrina do acórdão uniformizador
e uma vez que este considera como meramente referencial e não como ‘tecto’ a
percentagem de 15% e ainda dadas as condições excepcionais do local, deverá ser
sempre esta a percentagem a fixar pela localização e qualidade ambiental.
13.º Dá também como provado que o índice de edificabilidade da área envolvente
da parcela expropriada, de acordo com o único plano de ordenamento do território
válido e eficaz no momento da DUP, o PDM, era de 1,3/m2 .
14.º Porém, adopta o índice de 0,65/m2, que é o do Plano de Pormenor, para não
entrar em linha de conta com as cedências ao domínio público, o que se aceita se
também se considerar o terreno completamente infra-estruturado, como ficará após
a execução do plano de pormenor.
15.º Tanto mais que, a pedido do Senhor Juiz recorrido, já após as partes terem
alegado, o Município de Felgueiras veio esclarecer a fls. 278 destes autos que o
entendimento dos serviços da autarquia é no sentido de que no cálculo dos índice
de edificabilidade deverá ser contabilizada a área total do terreno urbanizável
objecto da intervenção, isto é, que não tinha fundamento retirar-se qualquer
área para arruamentos à parcela expropriada.
16.º Sendo certo que se utilizássemos o índice de construção máximo previsto
para a zona pelo PDM, 1.3 m2, e nenhum indício existe nos autos de que não o
poderíamos aplicar, e entrássemos em linha de conta apenas com as
infraestruturas existentes, diminuindo-lhe o valor indicado pelos senhores
peritos para infraestruturas, obteríamos o valor por metro quadrado de
35.760$00, superior àquele que a expropriada peticiona desde o início.
17.º Por todas estas razões e como a construção de infra-estruturas pertence, em
primeira linha, a entidades públicas, a sua inexistência não releva para efeitos
de classificação do solo e as respectivas percentagens devem ser acrescidas ao
valor do terreno sempre sob pena de se obter um valor inferior ao de mercado, e
assim de se violar, como o fez a douta sentença recorrida, o disposto no artigo
22.º e n.º 1 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991.
18.º A indemnização que deverá ser atribuída à expropriada deverá ser assim, a
seguinte:
Valor unitário do terreno: 0,65/m2 x 150.000$00x0.34 = 33 150$00.
Valor do terreno sem infraestruturas: 33.150$00-3.240$00 = 29.910$00.
Valor da parcela: 29.919$00x2 548 = 76.210.680$00 = 380.137,26 €.
18.º Esta é a indemnização que respeitará o princípio constitucional da
igualdade na sua vertente externa, ínsito no conceito indeterminado acolhido
pela Constituição da justa indemnização, no seu n.º 2 do artigo 62.º.
Assim,
Revogando a douta decisão recorrida e fixando a indemnização a atribuir à
expropriada em 380.137,26€, acrescida da actualização nos termos do artigo 23.º
do Código das Expropriações de 1991 (…).»
Quanto ao recurso da expropriante, dizia-se nas suas conclusões:
“1.º O «valor da construção» a que se alude no n.º 2 do art. 25.º do CE/91, para
efeitos do cálculo do valor do solo apto para construção, não se confunde com o
valor final, que se pretende atingir, ou seja, com o valor de mercado;
2.º É certo que o critério fixado no Código das Expropriações (tanto no de 1991
como no de 1999) para alcançar a compensação integral do sacrifício patrimonial
infligido aos expropriados e para garantir que estes, em comparação com outros
cidadãos, não sejam tratados de modo desigual e injusto, é o valor real e
corrente do bem também designado valor venal, valor comum ou valor de compra e
venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim
em sentido normativo;
3.º Esse valor de mercado normativamente entendido corresponde ao valor de
mercado normal e habitual, não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às
vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da
procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções, as quais são
ditadas por exigências da justiça.
4.º A justa indemnização tem que corresponder, no sentido exposto, ao valor de
mercado, mas tal desiderato nada acrescenta quanto ao valor a ter em conta para
aplicação das percentagens previstas nos n.ºs 2 e 3 do art. 25.º do CE/91.
5.º A única alteração introduzida pelo legislador do CE/99 no que diz respeito a
esta matéria foi, não a de considerar que o valor do solo apto para construção
deve corresponder a uma percentagem do custo da construção (art. 26.º/6), mas a
de considerar que na determinação desse custo da construção se atendesse, como
referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação
dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada (art.
26.º/5).
6.º Não é certo que o CE/99 tenha introduzido um novo critério e que, na
vigência do CE/91, o valor real e corrente ou valor de mercado da construção
(que se pretende alcançar a final) devesse calcular-se tomando por base esse
mesmo valor, para lhe aplicar as percentagens previstas nos n.ºs 2 e 3 do seu
art. 25.º.
7.º Não é esse, aliás, o entendimento que tem sido seguido nos tribunais.
8.º O valor de 150.000$00/m2 (constante da al. q) dos factos provados)
corresponde ao valor médio de mercado da comercialização da habitação, pelo que,
além do custo de construção do terreno, inclui o custo unitário de construção, o
custo dos projectos, taxas, licenças, o custo dos terrenos infra‑estruturados,
encargos com sisa, encargos financeiros, encargos com a promoção imobiliária e,
naturalmente, a margem de lucro do investidor .
9.º O valor de mercado de construção adoptado para efeitos de cálculo
corresponde, assim, ao valor de venda ao consumidor final.
10.º O valor da construção que deve ser considerado para determinação do cálculo
da indemnização devida não equivale ao preço de venda dos imóveis ao público:
este abrange – para além dos referidos custos com licenças, projectos e custos
financeiros – ainda as próprias margens de lucro dos promotores imobiliários.
11.º Esse valor de venda ao público reflecte, inclusive, o valor da especulação
imobiliária, as margens de lucro do promotor e mediadores imobiliários, pelo que
a sua aplicação para efeitos de cálculo da indemnização conduziria,
necessariamente, a distorções especulativas na fixação do valor da justa
indemnização.
12.º A valorização da construção possível deve processar-se multiplicando a área
de construção possível pelo somatório dos custos directos e indirectos da
construção (o mesmo é dizer o valor comercial da construção deduzido da margem
de lucro do promotor, encargos financeiros, projectos, taxas, promoção e venda
do empreendimento).
13.º Para determinar o valor do terreno deve multiplicar-se o valor da
construção possível pelo índice fundiário do terreno, e feita a correspondente
dedução dos custos de infra-estruturação, comprovada a real possibilidade de
edificação.
14.º O “valor de construção” a ter em conta para efeitos da aplicação do n.º 2
do art. 25.º do CE/91 deverá ser de 80.000$00, conforme defendeu –
fundamentadamente – o Sr. Perito indicado pelo expropriante/apelante ou, se
assm, não se entender, o de 90.000$00 indicado pelos restantes Srs. Peritos.
15.º A douta sentença em crise, salvo melhor opinião, violou os arts. 13.º e
62.º da Constituição da República, bem como os arts. 1.º, 2.º/2 e 25.º do
CE/91.»
A expropriada apresentou ainda contra-alegações no recurso interposto pela
expropriante, concluindo assim:
«1.º O “valor de construção” a que alude o n.º 2 do artigo 25.º do Código das
Expropriações de 1991 é sinónimo de valor de mercado do bem, só este
entendimento é conforme com o conceito de justa indemnização constante do n.º 2
do artigo 62.º do C.R.P.
2.º Se assim não fosse, o cálculo a realizar chegaria a resultados idênticos
para terrenos de valores completamente díspares, apesar de poderem ser
fisicamente próximos.
3.º O legislador mais não fez que adoptar a fórmula de cálculo normalmente
utilizada no negócio imobiliário.
4.º A interpretação proposta pela expropriante do referido normativo não permite
uma correspondência exacta do montante da indemnização e o valor do bem
expropriado, de forma a permitir que o valor total do património do expropriado
não sofra quebra em consequência desse acto.
5.º A ausência dessa correspondência leva a que a interpretação proposta pela
expropriante seja contrária ao direito à justa indemnização e ao princípio da
igualdade nos termos em que se encontram consagrados na Constituição (artigos
62.º, n.º 2, e 13.º).
6.º Ora, dentro das várias interpretações possíveis da norma cuja interpretação
se discute, terá de prevalecer a que for mais conforme com o texto e programa da
normas constitucionais já chamadas à colação, e essa é a que considera que valor
de construção significa valor de mercado de construção.
7.º Porque o lucro do promotor imobiliário não é mais que a sua remuneração, ele
deve ser tomado em conta no cálculo do valor da construção.
8.º Só se pode falar na existência de elementos especulativos no valor da
construção, quando por parte dos promotores imobiliários há manobras que se
destinam a aumentar ficticiamente o valor de mercado.
9.º Ora nenhum indício existe nos autos dessas manobras.
10.º O valor de construção para o perito indicado para a expropriante é inferior
ao valor do custo de construção, uma vez que lhe retira ainda factores que
sempre foram considerados como fazendo parte desse, uma vez que lhe retire o
custo, como as taxas e licenças de construção, bem como o custo do projecto.
11.º A expropriante pretende agora, de forma tardia, na fase de recurso que se
tenha em consideração o resultado das peritagens de outros processos em que a
expropriada não interveio, numa clara violação ao disposto no artigo 522.º do
Código de Processo Civil.
12.º Tais elementos que nenhum valor jurídico podem ter na decisão deste
processo, de acordo com o normativo citado na conclusão anterior, estão a ser
utilizados como uma forma de influenciar o tribunal, pondo em crise os
princípios processuais do contraditório e da igualdade.
13.º A forma como esses elementos surgem não permite sequer um debate sério em
torno da sua justeza, uma vez que a expropriante não esclarece a que parcelas se
referem essas diligências probatórias, nem indica sequer os fundamentos que
levaram os peritos a adoptar aqueles valores.
14.º Pelo que nunca poderiam sequer possibilitar uma análise crítica por parte
da expropriada nestas alegações ou posteriormente pelo Tribunal.»
Por acórdão de 12 de Fevereiro de 2003, do Tribunal da Relação de Guimarães, foi
julgada procedente a apelação da expropriante e parcialmente procedente a
apelação da expropriada, fixando-se a indemnização a atribuir a esta em € 140
514,79, a ser actualizada nos termos indicados pela sentença da 1ª instância,
mas omitindo-se qualquer juízo sobre as questões de constitucionalidade
suscitadas pela expropriada. Pode ler-se nesse aresto:
«Expostos estes princípios fundamentais, urge entrar, agora, na análise da
questão suscitada pelos apelantes, salientando, antes de mais, que constitui
entendimento unânime na nossa jurisprudência o de que, quando haja disparidade
entre os peritos, deve merecer a preferência do julgador o parecer maioritário
e, em caso de discordância entre os peritos do tribunal e os demais, há que dar
prevalência ao laudo dos primeiros, pela maior garantia de imparcialidade que
oferecem, aliada à competência técnica, de presumir, perante a sua inclusão na
respectiva lista oficial.
Mas, num e noutro caso, só assim deve suceder quando o parecer maioritário não
contraria as normas legais que delimitam o cálculo do montante indemnizatório.
A parcela expropriada está abrangida, de acordo com o PDM do Município de
Felgueiras, publicado no D.R., n.º 21, I Série, de 28 de Janeiro de 1994 (e, por
isso, em vigor à data da declaração de utilidade pública) pelo espaço canal da
via EN 101.
No caso dos autos, verifica-se que todos árbitros, todos peritos e o MM.º juiz a
quo estão de acordo na classificação da parcela expropriada como “solo apto para
a construção”, de harmonia com o disposto no art. 24.º, n.º 2, do C. das
Expropriações, a avaliar pela sua zona envolvente que, atenta a matéria de facto
provada, é caracterizada por construções, essencialmente do tipo moradias de R/C
e andar, nos termos do estabelecido nos arts. 26.º, n.º 2, e 25.º do C. das
Expropriações.
Discordam, porém, quanto aos factores a atender para efeitos de cálculo do valor
da parcela expropriada, pelo que se impõe analisar cada um deles.
Assim, quanto:
a) – ao de índice de ocupação, verifica-se que, enquanto os árbitros, o perito
nomeado pela expropriada, o perito nomeado pela entidade expropriante e o MM.º
juiz a quo estão de acordo que este é de 0,65, os peritos nomeados pelo tribunal
entendem que o mesmo deve ser fixado em 0,60.
A este respeito, diremos que, não obstante o Plano de Pormenor das Portas da
Cidade não ser plenamente eficaz à data de declaração de utilidade pública, pois
que o mesmo foi publicado alguns meses após tal declaração, a verdade é que a
parcela expropriada está inserida numa área por ele abrangida.
E, porque este mesmo plano define um índice de ocupação global médio de 0,65
(valor aliás inferior ao estabelecido no PDM de Felgueiras para as áreas
marginantes da via que motivou a presente expropriação), considera-se correcta a
adopção de tal indicador, que, também, se aceita.
b) – ao valor da construção por m2, entendem os árbitros, os peritos nomeados
pelo Tribunal e o perito nomeado pela expropriada que este valor deve ser fixado
em Esc. 90.000$00, enquanto o perito nomeado pela expropriante, fixou tal valor
em 80.000$00.
E o M.m.º juiz a quo tomou como bom o valor unitário de 150.000$00/m2 para o
custo de construção, por entender que o valor da construção a atender, nos
termos do art. 25.º, n.º 1, do C. das Expropriações será o valor de mercado da
construção.
Importa, porém, clarificar este conceito.
Na verdade, ainda que se entenda que a indemnização será tanto mais justa quanto
melhor corresponder ao valor do mercado, ou seja, ao valor normal que seria
alcançado em dado momento se, porventura, o bem expropriado fosse posto no
mercado, isso não significa uma total correspondência entre o valor de mercado
ou valor venal e o valor do bem expropriado.
É que, tal como ensina, Fernando Alves Correia, a propósito do critério
estabelecido no art. 28.º do C. das Expropriações de 1976, “Seria, porém,
erróneo pensar que o critério do valor de mercado, recebido implicitamente pelo
nosso Código das Expropriações, tem uma aplicação estrita ou rigorosa. De modo
algum. Funciona apenas como padrão geral ou como ponto de referência do cálculo
do montante da indemnização, estando sujeito, em alguns casos, a correcções, as
quais são ditadas por exigências de justiça. Uma boa parte delas, manifesta-se
em reduções, que são impostas pela especial ponderação do interesse público que
a expropriação serve... Mas, em alguns casos, são admitidas majorações, devido à
natureza dos danos provocados pelo acto expropriativo. Aquelas correcções ao
critério geral do valor de mercado, impostas pelo princípio da justiça, dão
origem àquilo que a doutrina alemã designa por modelo de indemnização de acordo
com o valor de mercado normativamente atendido (...), que se afasta, às vezes
substancialmente, do valor de mercado que resulta do jogo da oferta e da
procura”.
E, a propósito do Código das Expropriações de 1991, ensina Osvaldo Gomes que,
apesar de este código não usar a expressão valor real e corrente, referindo-se,
antes, a valor do bem expropriado, “esta modificação terminológica não alterou o
critério que vinha sendo adoptado, tanto mais que o valor do bem deve ser
determinado objectivamente, tendo em consideração as circunstâncias e as
condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública...”
Será, assim, de concluir que o valor de mercado normativamente entendido
corresponde ao valor de mercado normal, habitual, não especulativo e sujeito às
exigências da justiça.
No caso em apreço, verifica-se que o valor de 90.000$00 traduz o custo médio da
construção corrente à data de declaração de utilidade pública da parcela em
causa (Fevereiro de 1999), pelo que, na falta de outros indicadores, sendo certo
que o perito nomeado pela entidade expropriante nem sequer justificou a adopção
do valor de 80.000$00, cremos ser de aceitar aquele valor, que é, aliás, o
indicado pelos árbitros e pela maioria dos peritos.
c) – Quanto à percentagem para o encontro do valor do solo apto para construção,
nos termos do disposto no n.ºs 2 e 3, do art. 25.º do CE/91, diremos que foram
tidas em conta, por todos os árbitros, pelos peritos nomeados pelo Tribunal e
pelo perito nomeado pela expropriada, as seguintes percentagens: 10% para
[a]cesso rodoviário; 1% para pavimentação em betuminoso; 1% para rede de
abastecimento de água; 1,5% para rede de saneamento: 1% para rede de
distribuição de energia eléctrica; 0,5% para rede de drenagem de águas pluviais.
Mas, se estes seis factores de percentagens não levantam dúvidas, tendo sido
unanimemente adoptados em todos os laudos, com excepção do laudo do perito
nomeado pela entidade expropriante, que apenas tomou em consideração a
percentagem de 10% relativa ao acesso rodoviário, já a percentagem a considerar
para a localização e qualidade ambiental se nos afigura problemática.
Assim, enquanto os árbitros fixaram a percentagem de 15% para a valorização que
resulta da localização e qualidade ambiental da parcela, os peritos nomeados
pelo Tribunal fixaram tal percentagem em 10% e o perito indicado pela
expropriada bem como o perito nomeado pela entidade expropriante fixaram essa
mesma percentagem em 12%, sendo que o tribunal “a quo” seguiu a percentagem
indicada pelo laudo maioritário.
É consabido que o valor indemnizatório deve entender-se como flexível e variável
em função dos vários componentes que caracterizam o ambiente.
Da matéria de facto dada como assente resulta que a parcela expropriada está
situada no perímetro urbano de Felgueiras - dista 500 metros em linha recta do
centro cívico de Felgueiras - e está inserida numa área que, de acordo com o
Plano de Pormenor das Portas da Cidade, se prevê seja transformada numa zona
nobre da cidade, quer do ponto de vista habitacional, quer do ponto de vista de
serviços e equipamentos.
Este quadro factual permite, de alguma forma, retirar a conclusão que a sua
localização será privilegiada, pelo que nesta medida e dentro dos critérios que
adoptamos e que derivam do que vem fixado no citado Acórdão uniformizador do
STJ, cremos que existem razões para fixar essa percentagem, a servir de factor
de cálculo do valor do solo, no montante que foi atendido no laudo do perito
nomeado pela expropriada e no parecer do perito nomeado pela expropriante - 12%
- por se mostrar mais ajustado à situação factual e por outras razões não virem
invocadas no laudo dos árbitros e no laudo dos peritos nomeados pelo Tribunal
que justifiquem o seu aumento para 15% ou redução para 10%.
d) – Quanto ao factor de depreciação do valor do terreno por falta de
infraestruturas, só o parecer dos árbitros, dos peritos nomeados pelo Tribunal e
do perito nomeado pela expropriada levaram em conta este factor para efeitos de
cálculo de indemnização, atribuindo os primeiros e segundos uma redução de 30% e
o terceiro uma redução de 10%.
Resulta da matéria de facto assente que a parcela expropriada era inferior
relativamente às vias públicas circundantes, distando mais de 50 m dos
arruamentos que servem o prédio donde foi destacada.
Assim, entendemos ser de acolher a tese seguida na sentença recorrida e que
considerou o valor do respectivo terreno depreciado em 30%, para efeito de
realização das mesmas.
Acresce que, tendo em vista a finalidade da parcela expropriada, não se vê
motivo para entrarmos em linha de conta com quaisquer outros factores de
depreciação, nomeadamente com o valor das áreas de cedência ao domínio público,
tal como entenderam os peritos nomeados pelo tribunal.
Perante estes considerandos, há que referir que se aceitam as bases de cálculo
fixados na sentença em análise, apenas corrigindo o valor do custo da construção
por m2, que passará a ser de 90.000$00/m2, o índice de ocupação, que passará a
ser de 65% e a percentagem a que se deve atender para encontrar o valor do solo
expropriado, nos termos do disposto no art.º 25, n.ºs 2 e 3, do CE/91, que
passará dos 25% (10%; 1%; 1%; 1,5%; 1%; 0,5% e 12%) para 27% (10%; 1%; 1%; 1,5%;
1%; 0,5% e 12%).
Assim, seguindo-se o raciocínio de cálculo constante na decisão recorrida
teremos o seguinte:
a) 90.000$00 (valor m2 de construção) x 0,65 (índice de ocupação) x 27% (art.º
25.º, n.ºs 2 e 3, al. h), do CE) = 15.795$00
b) 15.795$00 x 0,70 (100-0,30 referente aos encargos previstos no art.º 25.º,
n.º 4, do C.E.) = 11.056$00 m2
c) 11.056$00 x 2.548m2= 28.170.688$00 (valor a indemnizar), ou seja, 140 514,79
€
Daí procederem as conclusões da expropriante/apelante, procedendo apenas
parcialmente as conclusões da expropriada/apelante.»
3.Trouxe então a expropriada recurso ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo a avaliação da
conformidade constitucional das normas do artigo 25.º, n.º 2 e n.º 3, alínea h),
do Código das Expropriações de 1991, considerando a primeira “violadora dos
princípios constitucionais da igualdade e do direito à propriedade privada,
consagrados respectivamente nos artigos 13.º e 62.º, n.º 1, da Constituição”, e
a segunda “violadora do princípio da separação de poderes e do princípio da
subordinação dos Tribunais à Lei, consagrados [nos artigos] 203.º, 14.º, 168.º e
206.º da Constituição”.
Admitido o recurso, a recorrente encerrou assim as suas alegações:
«1.º – O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de que se recorre
interpretou a expressão ‘valor de construção’, constante do n.º 2 do artigo 25.º
do Código das Expropriações, como equivalente a valor de custo da construção,
revogando nessa parte a douta sentença de primeira instância, que considerava
que essa expressão quer significar valor de mercado da construção.
2.º – Para a recorrente, o n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de
1991, na interpretação que dele faz o Tribunal da Ralação de Guimarães, é
materialmente inconstitucional, por violar o disposto no artigo 62.º, n.º 2, e
13.º da Lei Fundamental.
3.º – Na verdade, embora a Constituição não concretize o conceito de “justa
indemnização”, limita-o.
4.º – Justa indemnização não pode ser uma indemnização nominal, irrisória ou
simbólica.
5.º – Sob pena de violação da igualdade na sua vertente externa, a indemnização
tem de compensar plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de
tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente
repartida entre todos os cidadãos.
6.º – Também sob pena de violação do princípio da igualdade, mas agora na sua
vertente interna, não pode a lei fixar critérios diferentes, que conduzam à
atribuição de indemnizações desiguais e sem qualquer fundamento, relativamente
ao prejuízo sofrido por expropriados diversos, pela perda de bens de igual
valor.
7.º – O conceito de justa indemnização é concretizado no n.º 2 do artigo 22.º do
Código das Expropriações de 1991, e delimitado negativamente no n.º 3 do mesmo
preceito, dele se excluindo determinadas mais-valias.
8.º – O n.º 1 do artigo 25.º do Código das Expropriações estabelece para solo
apto para construção, como o que foi objecto da expropriação em causa, para
determinação da sua indemnização, como fórmula de cálculo o valor provável
daquela que nele seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em
vigor, num aproveitamento economicamente normal, à data da declaração de
utilidade pública.
9.º – Portanto, o valor economicamente normal a que se refere o n.º 2 do mesmo
preceito é o valor de mercado e não o valor de custo de construção, uma vez que
este conduziria a um resultado que nada tem a ver com o do valor de mercado do
solo e que é manifestamente inferior a este, na esmagadora maioria dos casos.
10.º – Coloca a norma em causa, na interpretação que lhe foi dada, a expropriada
numa posição de manifesta desigualdade relativamente aos expropriados que vejam
expropriados edifícios, uma vez que estes são indubitavelmente avaliados pelo
seu valor de mercado de acordo com o artigo 27.º do Código das Expropriações de
1991.
11.º – E numa posição de desigualdade a expropriada relativamente aos
proprietários confinantes não expropriados, detentores de solo de iguais
características, pois receberá de indemnização muito menor que o valor de
mercado do solo expropriado, colocando em crise o princípio da igualdade de
todos os cidadãos perante os encargos públicos.
12.º – Por último, a norma, na interpretação que lhe foi dada, viola o princípio
da igualdade porque não permite atribuir indemnizações desiguais, para solos
idênticos, quer no que respeita à qualidade ambiental, quer às infra‑estruturas,
quer quanto à capacidade edificativa, mas com valores de mercado diferentes, por
causa da sua localização.
13.º – Pelo exposto, é a norma constante do n.º 2 do artigo 25.º do Código das
Expropriações de 1991, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão do
Tribunal da Relação de Guimarães, inconstitucional, por violação do disposto nos
artigos 62.º, n.º 2, e 13.º da Constituição.»
Por sua vez, a entidade expropriante aduziu razões para que o “critério fixado
no Código das Expropriações para alcançar a compensação integral do sacrifício
patrimonial infligido aos expropriados” fosse o do “valor real e corrente do bem
(…) em sentido normativo”.
Cumpre apreciar e decidir, começando por delimitar o objecto do recurso.
II. Fundamentos
4.Decorre das conclusões das alegações da recorrente – e logo do próprio texto
das alegações – que esta deixa de invocar a questão da eventual
inconstitucionalidade do disposto na alínea h) do n.º 3 do artigo 25.º do Código
das Expropriações de 1991 (esta norma não é sequer referida em todas as
alegações). Tal limitação do objecto do recurso de constitucionalidade
previamente definido no requerimento de interposição do recurso é permitida pelo
n.º 3 do artigo 684.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo
69.º da Lei do Tribunal Constitucional – e é aliás frequente (cfr. v.g. acórdãos
n.ºs 180/97, 507/99 e 315/2002, todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, ao abandonar aquela questão de constitucionalidade, a recorrente deixou
apenas o n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991 como única
norma impugnada durante o processo cuja apreciação integra o objecto do presente
recurso de constitucionalidade. É o seguinte o texto dessa norma:
“Artigo 25.º
(Cálculo do valor do solo apto para a construção)
1 – (…).
2 – Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para
construção deverá corresponder a 10% do valor da construção, no caso de dispor
apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em calçada, betuminoso ou
equivalente.
3 – A percentagem a que se refere o número anterior será acrescida nos termos
seguintes:
a) Pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela – 1%;
b) Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela –
1%;
c) Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela – 1,5%;
d) Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, com serviço junto
da parcela – 1%;
e) Rede para drenagem de águas pluviais, com colector em serviço junto da
parcela – 0,5%;
f) Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento junto
da parcela – 2%;
g) Rede distribuidora de gás – 2%;
h) Localização e qualidade ambiental – 15%.
(…)”
(itálico aditado)
Como melhor se verá adiante, porém, o facto de a norma desse n.º 2 ser, em si,
incompleta, na medida em que o limite aí fixado é subsequentemente alterado
pelas diferentes alíneas do n.º 3 desse mesmo, não impõe o afastamento da sua
consideração.
5.Importa começar por perguntar se se verificam os requisitos para se poder
tomar conhecimento do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e tendo por objecto a apreciação
da constitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 25.º do Código das
Expropriações, na interpretação que faz equivaler a expressão “valor de
construção” ao custo da construção.
A resposta a esta questão é positiva. Na verdade, a expropriada, e ora
recorrente, viu ser-lhe concedida na 1.ª instância uma indemnização baseada,
além do mais, no entendimento de que o valor a considerar para a construção, nos
termos do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, era de 150
000$00 por m2 (correspondente ao valor de mercado da construção).
Perante o recurso da expropriante, a questão da inconstitucionalidade de uma
interpretação do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações que faz
equivaler a expressão “valor de construção” ao custo da construção foi suscitada
nas contra‑alegações apresentadas pela expropriada no recurso interposto pela
expropriante.
A decisão recorrida, porém, do Tribunal da Relação de Guimarães, reduziu o valor
da construção por m2 a 90 000$00, dizendo (parte final da alínea b), supra
transcrita):
“Será, assim, de concluir que o valor de mercado normativamente entendido
corresponde ao valor de mercado normal, habitual, não especulativo e sujeito às
exigências da justiça.
No caso em apreço, verifica-se que o valor de 90.000$00 traduz o custo médio da
construção corrente à data de declaração de utilidade pública da parcela em
causa (Fevereiro de 1999), pelo que, na falta de outros indicadores, sendo certo
que o perito nomeado pela entidade expropriante nem sequer justificou a adopção
do valor de 80.000$00, cremos ser de aceitar aquele valor, que é, aliás, o
indicado pelos árbitros e pela maioria dos peritos.”
A decisão recorrida, apesar de remeter para um “valor de mercado normativamente
entendido”, sustentou-se, pois, decisivamente, no custo médio da construção
corrente à data da declaração de utilidade pública, considerado relevante “na
falta de outros indicadores”.
6.A questão de constitucionalidade em apreciação diz respeito à forma de cálculo
do valor do solo expropriado que era apto para construção. Questiona-se, mais
precisamente, a constitucionalidade de uma determinação desse valor, na falta de
outros elementos, com base no custo da construção.
Convém recordar que o regime do cálculo do valor dos terrenos expropriados foi
sujeito a mais do que uma alteração, desde o Código das Expropriações de 1976
(aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro). Segundo o artigo
33.º, n.º 1, desse Código de 1976, o “valor dos terrenos situados em aglomerado
urbano” não poderia “exceder, em qualquer caso, o valor de 15% do custo provável
da construção que neles seja possível”, determinado nos termos seguintes:
“a) Calcula-se primeiramente o volume e o tipo de construção ou construções que
será possível erigir no terreno, num aproveitamento economicamente normal, no
estado actual, em face do desenvolvimento local e dos regulamentos em vigor, não
devendo ter‑se em conta, para o efeito, quaisquer projectos, planos ou estudos
que por alguma forma alterem essa possibilidade;
b) Apura-se em seguida o custo provável da construção, sem o terreno, pelo custo
médio correspondente ao tipo de construção e à região;
c) Se o custo da construção dever ser sensivelmente agravado pelas especiais
condições do local, a importância do acréscimo daí resultante será abatida ao
valor máximo a atribuir ao terreno.”
Esta norma foi julgada inconstitucional em vários acórdãos do Tribunal
Constitucional (v. os Acórdãos n.ºs 210/93, 264/93, publicados no Diário da
República, II Série, de, respectivamente, 28 de Maio de 1993 e 5 de Agosto de
1993, 167/94, 615/95, inéditos, 801/93, 455/94, 641/94, 150/95, 154/95, 755/95,
1096/96, 166/97, 219/97 e 637/97, estes disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
O Código das Expropriações de 1991 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9
de Novembro) veio alterar a matéria, dispondo (artigo 25.º, n.º 1) que o “valor
do solo apto para a construção” se calcula “em função do valor da construção
nele existente ou, quando for caso disso, do valor provável daquela que nele
seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor, num
aproveitamento economicamente normal, à data da declaração de utilidade pública,
devendo ter-se em conta a localização e a qualidade ambiental”. Por sua vez, o
n.º 2 do artigo 25.º, que está agora em causa, determina que, num aproveitamento
economicamente normal, “o valor do solo apto para a construção deverá
corresponder a 10% do valor da construção”. A percentagem referida poderia,
ainda, ser acrescida pela consideração dos factores referidos no n.º 3 do artigo
25.º – tendo, no presente caso, sido relevante a alínea h) desse n.º 3, que, de
acordo com a “localização e qualidade ambiental”, prevê um acréscimo de 15%. O
que está em causa no presente processo não é, porém, o acréscimo atribuído, mas
logo a base de cálculo do valor da construção, que foi vista como “o custo médio
da construção corrente à data de declaração de utilidade pública da parcela em
causa”. Esta solução, aliás, não se afasta substancialmente da prevista no
Código das Expropriações de 1999 (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de
Setembro), em cujo artigo 26.º, n.ºs 2, 4 e 5, se pode ler:
“(…)
2 – O valor do solo apto para construção será o resultante da média aritmética
actualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que
corrijam os valores declarados, efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias
limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais
elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos
parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por
ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz
respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10%.
(…)
4 – Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por
falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função
do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números
seguintes.
5 – Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos
montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de
habitação a custos controlados ou de renda condicionada.
(…)
O legislador teve, na verdade, “consciência” das dificuldades de aplicação do
critério que remete para a média de certos valores, previsto no n.º 2, e definiu
um segundo critério no n.º 5, que consiste no “custo da construção, em condições
normais de mercado” (sobre este sistema, v. Fernando Alves Correia, “A
jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de expropriações por
utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999”, separata da RLJ,
Coimbra, 2000, n.º 2.2, f), pp. 139 e ss.).
7.A desconformidade constitucional da única norma impugnada – a do n.º 2 do
artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991 – decorre, segundo a recorrente,
de o Tribunal da Relação de Guimarães fazer «equivaler o “valor de mercado
normativamente entendido” ao valor do custo de construção». No seu entendimento,
tal viola o princípio da justa indemnização constante do n.º 2 do artigo 62.º da
Constituição (por violar o respeito pelo princípio da igualdade de encargos e
porque conduz a uma indemnização que não traduz uma compensação adequada do dano
infligido ao expropriado), bem como o princípio da igualdade consagrado no
artigo 13.º da Lei Fundamental (por discriminar negativamente os expropriados
proprietários de edifícios e não permitir atribuir indemnizações diferenciadas
em face da localização dos imóveis).
Importa distinguir esta questão da da constitucionalidade de todo o sistema de
avaliação do “solo apto para construção” previsto no artigo 25.º do Código das
Expropriações de 1991, e, designadamente, quanto à possibilidade de adaptação da
avaliação às circunstâncias do caso concreto, superando a rigidez anteriormente
imposta. Este mesmo ponto já foi tratado por este Tribunal, designadamente no
Acórdão n.º 131/2001 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.
49.º, pp. 513‑525). Aí se escreveu o seguinte, dando conta das diferenças que
impediam que o juízo de inconstitucionalidade antes proferido a propósito do
artigo 33.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1976 (tanto no aí citado
Acórdão n.º 210/93, como no Acórdão n.º 264/93, publicado em Acórdãos do
Tribunal Constitucional, vol. 24.º, págs. 673-683) pudesse valer para a norma do
artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991:
«não pode deixar de se compaginar o regime previsto em 1991 para o cálculo do
valor dos solos aptos para construção com o que vigorava até então para o
cálculo do valor dos “terrenos situados em aglomerado urbano” (artigo 33.º do DL
n.º 845/76).
Aí era definido um limite máximo do valor dos terrenos em 15% do valor do custo
provável da construção que neles fosse possível efectuar (artigo 33.º, n.º 1).
Teve o Tribunal Constitucional oportunidade de se pronunciar sobre a
constitucionalidade desta norma que vinha, aliás, questionada, em termos
idênticos aos do presente recurso (acórdão n.º 210/93, in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 24.º vol., pp. 549 e segs.). Escreveu-se neste aresto:
“Alcançada a conclusão de que a ‘justa indemnização’ de que fala o artigo 62.º,
n.º 2, da Constituição implica a garantia ao expropriado de uma compensação
plena da perda patrimonial suportada, de modo que o sacrifício que lhe foi
imposto seja suportado por todos os cidadãos e não apenas por ele, está o
Tribunal em condições de afirmar que a norma do n.º 1 do artigo 33.º do Código
das Expropriações de 1976, ao dispor que o valor dos terrenos situados em
aglomerado urbano não poderá exceder em qualquer caso, o valor de 15% do custo
provável da construção que neles seja possível erigir, estabelece um limite tal
à indemnização que põe em causa, em algumas situações, o princípio da ‘justa
indemnização’. Com efeito, aquela norma, na medida em que fixa um tecto
percentual inultrapassável ao quantitativo da indemnização por expropriação de
terrenos situados em aglomerado urbano, impedirá algumas vezes que o dano
patrimonial infligido ao expropriado seja integralmente ressarcido, obstando,
assim, a que seja atingida a meta almejada de uma indemnização justa.
Deve, pois, concluir-se que a norma do n.º 1 do artigo 33.º do Código das
Expropriações infringe o conceito de justa indemnização inserto no artigo 62.º,
n.º 2, da Lei Fundamental – infracção esta, convém esclarecê‑lo, que encontra o
seu fundamento não na opção legislativa da referência do valor do terreno
situado em aglomerado urbano ao custo provável da construção que nele seja
impossível implantar, tendo em conta o seu normal destino edificativo, mas antes
na fixação do quantum da indemnização de um máximo percentual igual para todos
os casos, rigoroso e inultrapassável.”
É, aliás, nesta linha argumentativa que os recorrentes invocam a
inconstitucionalidade dos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º do Código de 1991.
Esquecem, porém, as profundas alterações que o novo Código introduziu no regime
do cálculo do solo apto para a construção, alterações essas que influem
decisivamente no juízo de constitucionalidade que sobre aquelas normas se deve
formular.
Na verdade, o que – como se viu – determinou o juízo de inconstitucionalidade
sobre a norma do artigo 33.º, n.º 1, do Código de 1976 foi a rigidez ou fixidez
de um limite máximo inultrapassável do valor do solo que impedia, ou podia
impedir, uma justa indemnização pela variedade de situações dos solos
expropriados com directa incidência no seu valor real.
Ora, tal já não se verifica no regime previsto no Código de 1991, passando a ser
flexível e ultrapassável o limite de 10% estabelecido pela norma do n.º 2 do
artigo 25.º, norma esta que não pode deixar de ser lida em conjugação com o que
consta das diversas alíneas do n.º 3 do mesmo artigo, ou seja, a previsão de
acréscimos percentuais em função dos factores ali elencados que compõem um
quadro suficientemente amplo de valoração da construção possível no solo
expropriado e, consequentemente, permitem uma indemnização justa.
Convém a propósito evocar que, no citado Acórdão n.º 210/93, depois de se ter
formulado o juízo de inconstitucionalidade e porque estava já em vigor o Código
de 1991, se acrescentou:
“Importa, por fim, salientar que o Código das Expropriações de 1976 foi
recentemente substituído por um novo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º
438/91, de 9 de Novembro, e dele já não consta uma norma de conteúdo idêntico à
do artigo 33.º, n.º 1, do Código anterior”.
Esta referência final do acórdão é, para nós, significativa no sentido de deixar
perceber que as mesmas considerações que fundamentavam o juízo de
inconstitucionalidade se não poderiam transpor para o Código de 1991. Isto mesmo
acaba por receber o conforto do estudo feito por Alves Correia (relator que foi
do Acórdão n.º 210/93) na Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.ºs 3094 e
segs., onde se escreveu (n.ºs 3905/3906, pp. 236 e segs.), depois de se precisar
o fundamento da inconstitucionalidade reconhecida no mesmo acórdão:
“Esta observação do Tribunal Constitucional teve como finalidade impedir uma
transposição de plano da doutrina do acórdão n.º 210/93 para a norma do artigo
25.º do Código das Expropriações de 1991, que, embora adoptasse o princípio da
referência do valor do solo apto para a construção nele existente ou, quando for
caso disso, ao valor provável daquela que nele seja possível efectuar de acordo
com as leis e regulamentos em vigor, num aproveitamento economicamente normal à
data da declaração de utilidade pública – valor esse que deveria corresponder a
10% do valor da construção, no caso de o solo dispor apenas de acesso rodoviário
sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente –, previa, porém, vários
acréscimos percentuais a este montante – que no seu total podiam ascender até
aos 34% – com base em determinados índices valorativos do terreno (reservando,
por exemplo, uma margem de 15% para a localização e qualidade ambiental) e tendo
em atenção as características específicas de cada caso concreto”.
Em suma, pois, as normas constantes dos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º estabelecem um
critério de avaliação de solos aptos para construção com a plasticidade bastante
para permitir que a indemnização garanta ao expropriado uma compensação integral
da perda patrimonial por aquele sofrida e em termos de o sacrifício suportado
pelo expropriado ser igualmente suportado por todos os cidadãos – e é isto o que
impõe o artigo 62.º, n.º 2, da CRP.
Por outro lado, não resulta das mesmas normas que os cidadãos colocados na mesma
situação recebam indemnizações diferentes, nem elas fixam critérios de
indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente do que outros,
com o que se não mostra violado o princípio da igualdade.»
Como se disse neste aresto, o princípio da igualdade de encargos não resulta
lesado por se fazer depender o valor da indemnização pela expropriação de um
terreno urbano do potencial edificativo desse terreno, desde que não haja um
limite previamente fixado que seja impeditivo de uma valorização adequada. Indo
tal limite até aos 34% do valor da construção e sendo a edificação o principal
valor fundiário das sociedades modernas, o regime de determinação do valor da
indemnização por expropriação de terreno que constava dos diversos números do
artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991 permitia compensar o dano dos
expropriados.
Por outro lado, como também se disse, não há violação do princípio da igualdade,
nem perante os não expropriados, nem perante os expropriados proprietários de
edifícios, nem perante outros expropriados proprietários de terrenos. Como,
retomando a argumentação do acórdão n.º 210/93 (publicado em Acórdãos do
Tribunal Constitucional, vol. 24.º, pp. 549-564), se escreveu no acórdão n.º
140/2003 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
«O artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, ao determinar que a expropriação por
utilidade pública implica o pagamento de justa indemnização, visa certamente
banir a arbitrariedade e a desproporção no cálculo do valor da indemnização, mas
não fixa qualquer critério rígido de cálculo do respectivo montante, cuja
aplicação possa ser sindicada pelo Tribunal Constitucional em qualquer processo
de expropriação.
Significa isto que de tal preceito constitucional não decorre a imposição, ao
legislador, do critério de todo e qualquer valor de mercado do bem expropriado
(ou o do valor de mercado da construção existente no bem expropriado), como
pretendem os recorrentes.
Não obstante na perspectiva dos recorrentes esse valor de mercado ser o critério
“mais justo”, a verdade é que ao Tribunal Constitucional não compete emitir um
juízo de censura sobre um critério que, podendo não ser o “mais justo”, ainda
assim se revela equitativo e, como tal, obedece aos parâmetros do artigo 62.º,
n.º 2, da Constituição. Por outras palavras, o Tribunal Constitucional não pode
ser chamado a pronunciar-se sobre o melhor método de cálculo do valor da
indemnização por expropriação por utilidade pública, pois que tal função compete
ao legislador ou aos peritos.
Seguindo esta ordem de ideias, nenhuma arbitrariedade ou desproporção se
vislumbra no entendimento acolhido na decisão recorrida, a que apenas esteve
subjacente a rejeição de elementos conjunturais de especulação e nunca a
aceitação de uma indemnização simbólica.
Por último, refira-se que, no acórdão n.º 210/93, de 16 de Março (publicado no
Diário da República, II Série, n.º 124, de 28 de Maio de 1993, p. 5609) – aliás
citado quer no acórdão recorrido quer nas alegações da recorrida – expressamente
se referiu que, não só a Constituição não fixa qualquer critério rígido de
cálculo do valor da indemnização por expropriação, como não impõe a consideração
do livre jogo da oferta e da procura no cálculo desse valor.
Escreveu-se, entre o mais, nesse acórdão:
“[...]
9. O artigo 62.º, n.º 2, da Lei Fundamental, ao estabelecer que a expropriação
por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o
pagamento de “justa indemnização”, consagra claramente o princípio da
indemnização como um pressuposto de legitimidade do acto expropriativo (cfr. F.
Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública,
Coimbra, 1982, p. 120-122 e 156‑162) ou, por outras palavras, como “um elemento
integrante do próprio acto de expropriação” (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2ª ed., Coimbra, Coimbra
Editora, 1984, p. 337. Cfr. também F. Alves Correia, Formas de Pagamento da
Indemnização na Expropriação por Utilidade Pública – Algumas Questões, Separata
do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, “Estudos em
Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia”, 1984, Coimbra,
1991, p. 15, 16, nota 4).
Aquele preceito constitucional determina que a indemnização por expropriação
deve ser justa, mas não define qualquer critério indemnizatório de aplicação
directa e objectiva, nem contém qualquer indicação sobre o método ou mecanismo
de avaliação do prejuízo derivado da expropriação. É este um problema de técnica
legislativa, cuja escolha foi deixada pela Constituição ao legislador ordinário
(cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra,
Almedina, 1990, p. 532,546).
Apesar disso, a expressão “justa indemnização”, inserta no artigo 62.º, n.º 2,
da Lei Fundamental, não pode ser considerada como uma fórmula vazia. É, antes,
uma fórmula carregada de sentido, na qual podem ser colhidos importantes limites
à discricionaridade do legislador ordinário.
10. Em obra recente, F. Alves Correia (cfr. O Plano Urbanístico e o Princípio da
Igualdade, cit., p. 532 e ss.) defende que o conceito constitucional de “justa
indemnização” leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização
meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da
igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação.
Atendo-nos apenas à primeira e à segunda dimensões – aquelas que têm a ver com o
princípio da justiça da indemnização visto na direcção do expropriado –,
dir-se-á, com o autor referido, que no conceito de justa indemnização vai
implícito o sentido de que devem ser rejeitados por inconstitucionais os
critérios conducentes a uma indemnização meramente nominal (blösse
Nominalentschädigung), a uma indemnização puramente irrisória ou simbólica ou a
uma indemnização simplesmente aparente. Estar-se-á perante uma indemnização
meramente simbólica quando, por exemplo, a lei, baseando-se num critério
abstracto, que não faça qualquer referência ao bem a expropriar e ao seu valor
segundo o seu destino económico, permite indemnizações que não se traduzem numa
compensação adequada do dano infligido ao expropriado.
Além disso, no conceito de justa indemnização vai implicada necessariamente a
observância do princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos
cidadãos perante os encargos públicos. Uma indemnização justa (na perspectiva do
expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade
violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado
pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja
equitativamente repartida entre todos os cidadãos.
Segundo o autor citado, o princípio da igualdade, como elemento normativo
inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por
expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de
comparação: o princípio da igualdade no âmbito relação interna e o princípio da
igualdade no domínio da relação externa da expropriação.
No campo da relação interna da expropriação, confrontam-se as regras de
indemnização aplicáveis às diferentes expropriações. Neste domínio, o princípio
da igualdade impõe ao legislador, na definição de regras de indemnização por
expropriação, um limite inderrogável: não pode fixar critérios de indemnização
que variem de acordo com os fins públicos específicos das expropriações (v.g.
critérios de indemnização diferentes para as expropriações de imóveis destinados
à abertura de vias férreas, ao rasgo de auto-estradas, à execução dos planos
urbanísticos, etc.), com os seus objectos (v.g. critérios diferenciados de
indemnização para as expropriações de imóveis e móveis, prédios rústicos e
prédios urbanos, solos agrícolas e solos urbanizados, etc.) e com o procedimento
a que elas se subordinam. O princípio da igualdade não permite que particulares
colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente
diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem
alguns expropriados mais favoravelmente do que outros grupos de expropriados.
Aquele princípio obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de
cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os
particulares sujeitos a expropriação.
No domínio da relação externa da expropriação, comparam-se os expropriados com
os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num
montante tal que impeça um tratamento desigual entre os dois grupos. A
observância do “princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos
públicos” na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada
de uma indemnização integral (volle Entschädigung) ou de uma compensação
integral do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a
indemnização por expropriação possua um “carácter reequilibrador” em benefício
do sujeito expropriado, objectivo que só será atingido se a indemnização se
traduzir numa “compensação séria e adequada” ou, noutros termos, numa
compensação integral do dano suportado pelo particular.
Na perspectiva de F. Alves Correia, o critério mais adequado ou mais apto para
alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao
expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não
expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o do valor de
mercado (Verkehrswert), também denominado valor venal, valor comum ou valor de
compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso,
mas sim em sentido normativo.
Com a expressão “valor de mercado normativamente entendido”, designa o autor que
se vem citando “o valor de mercado normal ou habitual”, não especulativo, isto
é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado
resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes
vezes, a correcções, as quais são ditadas por exigências da justiça. Uma boa
parte destas manifesta-se em reduções que são impostas pela especial ponderação
do interesse público que a expropriação serve, como a eliminação dos elementos
de valorização puramente especulativos e das mais-valias ou aumentos de valor
ocorridos no bem expropriado, em especial nos terrenos, que tenham a sua origem
em gastos ou em despesas feitas pela colectividade. Mas, noutros casos, aquelas
traduzem-se em majorações, devido à natureza dos danos provocados pelo acto
expropriativo (para mais desenvolvimentos, cfr. F. Alves Correia, O Plano
Urbanístico, cit., p. 550 e ss.).
[...]”»
8.Acompanhando-se estas considerações, dir-se-á que a Constituição não impõe, no
artigo 62.º, n.º 2, a consideração do valor de aquisição ou de venda no mercado
da construção existente no solo expropriado, como método de cálculo do valor da
construção. Isto, na medida em que nesse valor se incluam “elementos
conjunturais de especulação” ou custos de procura e intermediação do negócio. É
admissível, para apurar o valor da construção relevante, a “eliminação dos
elementos de valorização puramente especulativos e das mais-valias ou aumentos
de valor ocorridos no bem expropriado, em especial nos terrenos, que tenham a
sua origem em gastos ou em despesas feitas pela colectividade” (do facto de,
portanto, serem aceitáveis alterações no puro valor de mercado), sem que tal
viole o critério da justa indemnização (cf., alertando, em face do artigo 26.º,
n.º 5, do Código das Expropriações de 1999, para a necessidade de não
identificar o custo de construção com o custo directo de produção, mas antes o
considerar na perspectiva do adquirente final, isto é, incluindo, por exemplo, o
lucro do promotor, Luís Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações
anotado, 2.ª ed. Coimbra, Almedina, 2000, anot. 5 ao art. 26.º, pp. 101 e s.).
Mas daqui – isto é, do facto de a Constituição não impor a consideração do preço
de mercado – não se segue, porém, que a redução do valor da construção ao custo
da construção, mesmo na falta de outros elementos, seja bastante para assegurar
uma justa indemnização ao expropriado, isto é, uma indemnização que não seja
desproporcionada ao valor do solo expropriado. Isto é, não resulta que o valor
da construção possa ser determinado directamente pelo custo da construção. E é
justamente este ponto o que está em questão.
O valor de justa indemnização não tem de coincidir inteiramente com o valor de
mercado realmente atribuído a um prédio – sendo, antes, um “valor de mercado
normativamente entendido”, isto é, entendido, justamente, de acordo com os
parâmetros de uma justa indemnização. Assim, os custos de mediação imobiliária e
outros custos de transacção do prédio, bem como outros elementos puramente
especulativos, não têm de ser relevantes para efeitos dessa indemnização (muito
embora possa ser difícil distinguir claramente em concreto estes últimos,
“puramente especulativos”). Seja, porém, como for quanto ao exacto âmbito destes
elementos (puramente especulativos) integrados no preço que se forma no mercado
imobiliário, é certo que não pode reduzir-se o valor de mercado da construção,
mesmo “normativamente entendido”, apenas ao “custo da construção”, e mesmo que
este seja um custo concreto, e não apenas médio.
Por outras palavras: entende-se que não é constitucionalmente admissível, pois
afastaria o critério de determinação do valor da indemnização do critério de uma
“justa indemnização”, que o “valor da construção”, relevante nos termos do n.º 2
do artigo 25.º para efeitos do cálculo do “valor do solo apto para construção”,
seja reduzido apenas ao “custo da construção”, como fez o acórdão recorrido
(fls. 452), embora também se não imponha (nos termos referidos) a sua
equiparação exacta ao preço de venda de uma construção no mercado.
É, na verdade, evidente que uma construção pode ter um custo reduzido, mas
(mesmo independentemente de custos de mediação ou de elementos especulativos que
contribuem também para a determinação do preço no mercado imobiliário) possuir
logo um valor de mercado muito superior – e mesmo desproporcionadamente superior
– a esse custo: basta pensar, por exemplo, no valor de uma construção a realizar
num local onde esta não apresente custos especiais, mas que se situe numa zona
urbana (ou de expansão urbana) muito valorizada. Nesta medida, a determinação do
valor da construção, relevante para apurar o valor do solo apto para construção,
apenas a partir do custo (concreto ou médio) da construção afasta o valor da
indemnização a atribuir do padrão de uma justa indemnização constitucionalmente
imposto.
Isto, aliás, é assim mesmo considerando devidamente os elementos de
flexibilidade previstos no n.º 3 do artigo 25.º do Código das Expropriações de
1991, diversamente do que acontecia no Código de 1976, e que, como vimos,
levaram o Tribunal Constitucional a, neste aspecto, diferenciar (nos acórdão
citados) os juízos de constitucionalidade que mereciam as normas de ambos os
diplomas, ou considerando o n.º 8 do artigo 25.º do Código de 1991, nos termos
do qual, se “o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído
pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí
resultante será reduzido ou adicionado ao valor da edificação a considerar para
efeito da determinação do valor do terreno”.
Quanto a este último, a redução do custo de construção, e, sobretudo, a sua
disparidade em relação ao valor da construção, não têm de decorrer de quaisquer
“especiais condições do local”, antes podem mesmo ser a regra. E, quanto àqueles
elementos de flexibilização, recorde-se novamente que o que está em causa na
desconformidade com o padrão de justa indemnização referida não é a rigidez ou
falta de flexibilidade da indemnização perante as possíveis variações da
situação concreta dos prédios expropriados. Está, antes, em questão a relevância
directa do critério do custo da construção como forma de apuramento do valor da
construção (relevância, essa, que não é afectada pelo elementos de adequação à
situação concreta previstos no n.º 3 do artigo 25.º).
E, como se disse, tal redução do valor da construção ao custo desta, mesmo que
apenas para determinação do valor do solo com aptidão construtiva, afasta o
critério da indemnização da exigência de uma justa indemnização.
Tem, pois, de ser concedido provimento ao recurso, julgando inconstitucional,
por violação do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, a norma do artigo 25.º, n.º
2, do Código das Expropriações de 1991, na interpretação que equipara ao custo
da construção o “valor da construção” relevante para se determinar o “valor do
solo apto para construção”.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 62.º, n.º 2, da
Constituição da República, a norma do n.º 2 do artigo 25.º do Código das
Expropriações de 1991, interpretado no sentido de equiparar ao custo da
construção o “valor da construção” relevante para se determinar o “valor do solo
apto para construção”;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e determinar a
reformulação da decisão recorrida, em consonância com o presente juízo de
inconstitucionalidade.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos