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Processo n.º 298/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo
78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, da Decisão Sumária de 31 de Maio de 2006, que decidiu negar
provimento ao recurso de constitucionalidade por ele interposto e condená-lo em
custas, com sete unidades de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o
seguinte teor:
«1. A., melhor identificado nos autos, deduziu, na acção de suprimento de
consentimento contra si intentada pela Fazenda Nacional, excepção de
incompetência material do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de
Lisboa por entender ser competente para conhecer da acção o Tribunal
Administrativo e Fiscal. Na 1.ª instância foi essa excepção julgada
improcedente, decisão que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, por acórdão proferido em 28 de Junho de 2005. Inconformado, o recorrente
interpôs então recurso para o Supremo Tribunal de Justiça suscitando a
inconstitucionalidade do artigo 63.º, n.º 5, da Lei Geral Tributária. Segundo o
recorrente “a Lei Geral Tributária – em que se insere o normativo em análise –
foi aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro, ao abrigo da autorização
legislativa concedida pela Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, que não satisfaz,
neste particular, as exigências constitucionalmente fixadas, pois não define
claramente ‘o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização’ (v.
art.º 165.º, n.º 2, da CRP; cfr. art.ºs 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 2, e 165.º, n.º
1, alíneas b), i), p) e s), da CRP)”, sendo que “a simples republicação da Lei
Geral Tributária, operada pela Lei n.º 151/2001, de 5 de Junho, sem manifestação
pela Assembleia da República de vontade política ou intenção legislativa de
novação de todo aquele diploma nunca determinaria a ratificação implícita ou
sanação da inconstitucionalidade orgânica de que enferma o art.º 63.º, n.º 5, da
LGT, unicamente aprovado pelo Governo, através do DL n.º 398/98 (cfr. art.º
169.º da CRP)”.
Por acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça –
afirmando quanto à alegada inconstitucionalidade do artigo 63.º, n.º 5, da Lei
Geral Tributária que “não há neste ponto qualquer vício de inconstitucionalidade
orgânica, ‘maxime’ a apontada pelo recorrente, e a admitir-se ter existido
algum, o mesmo estaria ultrapassado com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000”
– decidiu julgar competente para o conhecimento da acção o 2.º Juízo Cível do
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa
2. Desta decisão trouxe, então, o recorrente recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do
Tribunal Constitucional), dizendo no seu requerimento de recurso:
“(…)
O presente recurso fundamenta-se na inconstitucionalidade do art.º 63.º, n.º 5,
da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro, face às
normas e princípios constitucionais consagrados nos art.ºs 26.º, 103.º, n.º 2,
112.º, 166.º, n.º 2, 168.º, n.º 1, al.s b), i), p) e s), 169.º e 212.º da CRP.
A inconstitucionalidade da norma em análise foi suscitada, além do mais, nos
números 1 a 11 e conclusões 1.ª a 9.ª e 13.ª das alegações apresentadas pelo ora
recorrente, em 2005.10.21, tendo sido expressamente apreciada no douto aresto
recorrido. (…)”
Cumpre agora apreciar e decidir.
3. A única questão que o recorrente trouxe a este Tribunal foi já objecto de
anteriores decisões deste Tribunal e é, consequentemente, de considerar simples
para os efeitos do artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, pelo
que é caso de proferir decisão sumária.
4. Na verdade, o Tribunal Constitucional decidiu já, entre outros, pelo acórdão
n.º 602/2005, tirado na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional no processo n.º
514/05 (com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt), não
julgar inconstitucional a norma do artigo 63.º, n.º 5, da Lei Geral Tributária.
Pode ler-se nesse aresto:
«(…)
3. Em 4 de Agosto foi publicada a Lei n.º 41/98 que autorizou o Governo a
aprovar uma lei geral tributária de onde constassem os grandes princípios
substantivos que regem o direito fiscal português, a articulação dos poderes da
Administração e das garantias dos contribuintes, o aprofundamento das normas
constitucionais e com relevância no direito tributário, nomeadamente no que se
refere à relação tributária, ao procedimento e ao processo tributário, com
reforço das garantias dos contribuintes, da participação destes no procedimento,
da igualdade das partes no processo e da luta contra a evasão fiscal, definindo
os princípios fundamentais em sede de crime e de contra‑ordenações tributárias
(cfr. seu art.º 1.º).
Por entre o mais e para o que agora releva, estatui-se no seu art.º 2.º, ao se
indicar o sentido e extensão da autorização concedida, que o Governo ficava
autorizado a regular a simulação tributária, consagrando a norma de que o facto
tributário era aquele que foi efectivamente realizado pelas partes (cfr. n.º
11), a consagrar expressamente e aprofundar, em sede de procedimento, os
princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e
interesses dos cidadãos, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da
imparcialidade, da celeridade, da decisão e do inquisitório, da colaboração, da
boa fé e da tutela da confiança, da eficácia dos actos, da audiência dos
cidadãos, do dever de fundamentação, da confidencialidade, da iniciativa da
Administração e da cooperação dos particulares (cfr. n.º 22), a estabelecer
normas, de acordo com a Constituição e em atenção ao disposto no Código do
Procedimento Administrativo, sobre instrução do procedimento, meios de prova e
seu valor e fiscalização (cfr. n.º 23), a regular o procedimento da determinação
da matéria colectável em vista ao apuramento da matéria colectável real e do
combate à evasão fiscal, com possibilidade de recurso a métodos indirectos de
avaliação quando se verifiquem os pressupostos de impossibilidade de
determinação do valor real, e com respeito do princípio da audiência do
contribuinte (cfr. n.º 24) e a regular o processo tributário com vista não só a
uma maior igualdade entre as partes, mas também, e nomeadamente, à consagração
do princípio do inquisitório (cfr. n.º 28).
Por intermédio do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, foi aprovada a Lei
Geral Tributária, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999 (cfr. art.º 6.º
daquele diploma).
Na Lei Geral aprovada pelo dito Decreto-Lei n.º 398/98, ficou consagrado, no seu
art.º 63.º:
Artigo 63.º
Inspecção
1. Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as
diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes,
nomeadamente:
a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos
relacionados com a sua actividade ou com as dos demais obrigados fiscais;
b) Examinar e visar os seus livros e registos de contabilidade ou escrituração,
bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação
tributária;
c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a
documentação sobre a sua análise, programação e execução;
d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao
apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham
relações económicas;
e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades
oficiais;
f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício
da acção inspectiva.
2. O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou
qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização
judicial, nos termos da legislação aplicável.
3. O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e
proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais que um
procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou
obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão,
fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se
a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o
contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do
apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou
inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.
4. A falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 só
será legítima quando as mesmas impliquem:
a) O acesso à habitação do contribuinte;
b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou
qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvo consentimento do
titular;
c) O acesso a factos da vida íntima dos cidadãos;
d) A violação dos direitos de personalidade e outros direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos, nos termos e limites previstos na Constituição e na lei.
5. Em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias
referidas no número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante
autorização concedida pelo tribunal de comarca competente com base em pedido
fundamentado da administração tributária.
O artigo em causa veio a sofrer, por intermédio da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de
Dezembro, alteração de redacção dos seus números 2 e 4, alínea b), vindo a ser
aditados os números 6 e 7, passando eles a rezar assim:
2. O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou
qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização
judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em que a lei
admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária
sem dependência daquela autorização.
(…)
4. A falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 só
será legítima quando as mesmas impliquem:
(…)
b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou
qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvos os casos de
consentimento do titular ou de derrogação do dever de sigilo bancário pela
administração tributária legalmente admitidos;
(…)
6. A notificação das instituições de crédito e sociedades financeiras, para
efeitos de permitirem o acesso a elementos cobertos pelo sigilo bancário, nos
casos em que exista a possibilidade legal de a administração tributária exigir a
sua derrogação, deve ser instruído com os seguintes elementos:
a) Nos casos de acesso directo em que não é facultado ao contribuinte o direito
a recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação que lhe foi dirigida para
o efeito de assegurar a sua audição prévia;
b) Nos casos de acesso directo em que o contribuinte disponha do direito a
recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação referida na alínea anterior
e certidão emitida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das
Alfândegas e Impostos Especiais sobre o Consumo que ateste que o contribuinte
não interpôs recurso no prazo legal;
c) Nos casos em que o contribuinte tenha recorrido ao tribunal com efeito
suspensivo a ainda nos casos de acesso aos documentos relativos a familiares ou
a terceiros, certidão da decisão judicial transitada em julgado ou pendente de
recurso com efeito devolutivo.
7. As instituições de crédito e sociedades financeiras devem cumprir as
obrigações relativas ao acesso a elementos cobertos pelo sigilo bancário nos
termos e prazos previstos na legislação que regula o procedimento de inspecção
tributária.
Note-se, a título de mera informação, que aqueles números 6 e 7 viram a sua
redacção alterada por intermédio da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
Ainda a Lei n.º 30-G/2000 introduziu na Lei Geral Tributária um art.º 63.º‑B
(que também veio a sofrer alteração de redacção por via da mencionada Lei n.º
55-B/2004), que comportava, nos seus números 1, 2 e 10, o seguinte teor:
Artigo 63.º-B
Acesso a informações e documentos bancários
1. A administração tributária tem o poder de aceder directamente aos documentos
bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua
consulta:
a) Quando se trate de documentos de suporte de registos contabilísticos dos
sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade
organizada;
b) Quando o contribuinte usufrua de benefícios fiscais ou de regimes fiscais
privilegiados, havendo necessidade de controlar os respectivos pressupostos e
apenas para esse efeito.
2. A administração tributária tem o poder de aceder a todos os documentos
bancários, excepto as informações prestadas para justificar o recurso ao
crédito, nas situações de recusa de exibição daqueles documentos ou de
autorização para a sua consulta:
a) Quando se verificar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa
e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando
estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta;
b) Quando os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem
significativamente, para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento
que razoavelmente possam permitir as manifestações de riqueza evidenciadas pelo
sujeito passivo, nos termos do artigo 89.º-A;
c) Quando existam indícios da prática de crime doloso em matéria tributária,
designadamente nos casos de utilização de facturas falsas, e, em geral, nas
situações em que existam factos concretamente identificados gravemente
indiciadores de falta de veracidade do declarado;
d) Quando seja necessário, para fins fiscais, comprovar a aplicação de subsídios
públicos de qualquer natureza.
(…)
10. para os efeitos desta lei, considera-se documento bancário qualquer
documento ou registo, independentemente do respectivo suporte, em que se
titulem, comprovem ou registem operações praticadas por instituições de crédito
ou sociedades financeiras no âmbito da respectiva actividade, incluindo os
referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito.
3.1. Como se extrai da alegação produzida pelo recorrente, começa ele por
impostar a questão da inconstitucionalidade, que, na sua perspectiva, parece
apontar como sendo caracterizada no sentido de uma inconstitucionalidade
orgânica [pois só assim se compreendem as asserções, constantes daquela
alegação, segundo as quais “a exigência constitucional de autorização
legislativa específica (v. art.º 165.º/2 da CRP) surge reforçada no presente
caso”, “Dado que a norma do art.º 63.º/5 da LGT veio atribuir ex novo
competência aos Tribunais de Comarca para suprir eventual oposição do
contribuinte ao levantamento do sigilo bancário (cfr. art.º 212.º da CRP), é
manifesto que tal dispositivo legal só podia ser editado mediante prévia
autorização legislativa específica (v. art.º 165.º/1/p da CRP), o que não
aconteceu in casu (v. Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto) e “Na verdade, tratava-se
de uma distribuição de competências ratione materiae, que tinha de ser precedida
de autorização legislativa específica”], da norma ínsita no n.º 5 do art.º 63.º
da Lei Geral Tributária, sustentando, em síntese, que, não tendo a Lei n.º 41/98
conferido ao Governo poderes para regular a competência dos tribunais, não
poderia o Governo, em tal norma, atribuir ao «tribunal de comarca competente» os
poderes para autorizar, no caso de oposição do contribuinte, a consulta de
elementos abrangidos pelo segredo bancário.
Em primeiro lugar, há que anotar que, se, na tese do recorrente, decorria do
artigo 212.º (recte, do n.º 3 deste artigo) da Constituição (versão decorrente a
Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro) que esta é uma matéria que tinha
por objecto a dirimição dos litígios emergentes das relações jurídico-fiscais,
obviamente que a atribuição, levada a efeito pela norma em análise, de
competência aos tribunais de comarca, sem que existisse credencial parlamentar
para tanto, não seria configurável como algo subsumível a um vício de
inconstitucionalidade orgânica, mas sim a um vício de inconstitucionalidade
material.
Neste particular, sublinhe-se, desde logo, que uma tal questão não foi colocada
no recurso de revista.
Na verdade, naquele recurso, tão-só foi brandido – no que se conexionava com o
vício de desconformidade com a Lei Fundamental – o argumento segundo o qual,
estando em causa matéria (o levantamento do sigilo bancário) que se relacionava
directamente com as garantias dos contribuintes e com a reserva da intimidade da
vida privada, e porque da Lei nº 41/98 não constaria qualquer referência a
suprimento judicial de autorização por parte do contribuinte, a norma em causa
teria desbordado o objecto, sentido e extensão da autorização parlamentarmente
conferida, assim violando as normas dos artigos “26.º, 103.º/2, 112.º e
165.º/1/i” da Constituição.
Perante um tal contexto, seria sustentável dizer-se que, com referência à
aludida questão de inconstitucionalidade decorrente da atribuição de competência
aos tribunais de comarca, faltaria um dos pressupostos do recurso interposto ao
abrigo da alínea b) do nº 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82.
Efectivamente, como se disse no Acórdão deste Tribunal n.º 139/2003 (publicado
nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 55.º volume, págs. 669 a 682):
“(…)
Não pode, com efeito, conhecer-se do objecto do recurso na parte em que sustenta
a inconstitucionalidade daquela norma por violação do artigo 30.º, n.º 4, da
Constituição.
É que em parte alguma das alegações que produziu perante o tribunal recorrido, o
recorrente suscita esta questão de constitucionalidade (só o fez no requerimento
de interposição do presente recurso), razão até por que o STJ se não pronuncia
sobre ela – em sede de inconstitucionalidade material o recorrente limita-se a
suscitar a aludida questão da determinabilidade da norma, questão que nada tem a
ver com a primeira.
Dir-se-á, em contrário, que em termos de ónus de suscitação da questão, este se
deve ter por cumprido com a alegação de inconstitucionalidade da norma, ainda
que com outro fundamento, e isto até pelo poder que o artigo 79.º-C da LTC
confere ao Tribunal Constitucional – o de julgar inconstitucional a norma por
fundamentos diferentes dos que vêm alegados.
Mas a objecção não colhe.
Com efeito, tal construção anularia por completo o fim que se visa com o ónus de
suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida – o de permitir que este tribunal se aperceba da questão de
constitucionalidade e a aprecie e resolva – devendo ainda ter-se em conta o
rigor com que a lei define aquele ónus no artigo 72.º, n.º 2, da LTC (suscitação
‘de modo processualmente adequado’).
Por outro lado, o aludido poder do Tribunal Constitucional previsto no artigo
79.º-C da LTC apenas deve ser exercido – e aqui oficiosamente – quando o
Tribunal entender que se verifica inconstitucionalidade, embora por outro
fundamento, não tendo que hipotizar (ele próprio ou por ‘sugestão’ do
recorrente) todas as possíveis questões de inconstitucionalidade da norma em
causa, para lhe dar resposta negativa.
(…)
3.1.1. Mas, mesmo para quem não adopte um tal entendimento e, consequentemente,
perfilhasse a óptica de que caberia a este Tribunal analisar esta concreta
questão de inconstitucionalidade de que agora tratamos, a resposta a ela teria
de ser negativa.
De facto, não nos situamos ainda numa situação em que se depara a existência de
um litígio emergente de uma relação jurídico-fiscal.
A norma em apreço cura de um dos princípios do procedimento tributário – o da
inspecção – com vista, como no caso sucedeu, a apurar a situação tributária do
contribuinte (uma dada empresa e o seu representante). Nessa fase, ainda não
está, sequer, determinada qual seja essa situação e qual a projecção que poderá
ter na determinação da matéria sobre a qual virá a incidir a relação
jurídico-tributária.
Pode, pois, dizer-se que o suprimento de autorização previsto ainda se situa a
montante do estabelecimento daquela relação e, por isso, não será convocável o
artigo 212.º da Constituição (indicada versão), já que a referida relação ainda
se não encontra desenhada e, consequente e logicamente, ainda não surgiu
qualquer litígio que eventualmente reclame, por via daquele artigo, a
intervenção dos tribunais fiscais.
Se conflito existe na fase em presença, tem ele a ver com possíveis direitos,
liberdades ou garantias pessoais, conflito esse para cuja resolução são
competentes, em regra, os tribunais judiciais.
Não procede, pois, o vício que, repete-se, parece ser caracterizado pelo
recorrente como de inconstitucionalidade orgânica, por falta de autorização
legislativa para cometer aos tribunais judiciais a competência para suprimento
da autorização para consulta de elementos abrangidos pelo sigilo bancário.
3.2. É momento de equacionar a questão, suscitada pelo impugnante, ligada à
circunstância de, na sua tese, a Lei n.º 41/98 não ter conferido autorização
para serem regulamentados os termos em que o segredo bancário dos contribuintes
podia ser levantado.
Deverá, neste ponto, anotar-se que o que está em causa é, e tão-só, a norma do
n.º 5 do art.º 63.º da Lei Geral Tributária, que se limita a regular o
suprimento de autorização do contribuinte quanto à consulta de elementos
abrangidos pelo segredo bancário, e não, quer o n.º 2 desse artigo que, esse
sim, prevê o acesso à informação pelos órgãos competentes da administração
fiscal, para efeitos de apuramento da situação tributária dos contribuintes, à
informação protegida pelo sigilo bancário, acesso esse para o qual é exigida a
autorização judicial, quer o n.º 4, que só considera legítima a falta de
cooperação do contribuinte se a mesma implicar a consulta daqueles elementos,
quer o art.º 63.º-B da mesma Lei Geral, que confere à administração tributária o
poder de aceder directamente aos documentos bancários nas situações de recusa da
sua exibição ou de autorização para a sua consulta.
Concedendo-se, todavia, que o normativo sub iudicio não deixa de estar
relacionado com a derrogação do sigilo bancário, e atendendo às circunstâncias
de o impugnante ter efectivamente sustentado ser desarmónico com a Constituição
a norma do n.º 5 do art.º 63.º da Lei Geral Tributária, norma essa que veio a
ser objecto de aplicação no acórdão recorrido, não deixará o Tribunal de
enfrentar a questão de saber se o indicado normativo padece de
inconstitucionalidade orgânica.
E, no tocante a este problema, de um primeiro passo, hipotiza-se que a matéria
de sigilo bancário, no seu reflexo de apuramento da realidade tributária dos
contribuintes (e não olvidando que a obtenção de dados por parte da
administração fiscal também está coberta pelo dever de reserva), possa ser
perspectivada como sendo respeitante a direitos, liberdades ou garantias, na
medida em que, como tem sido sustentado por alguma doutrina, a situação
económica dos cidadãos espelhada nas respectivas contas bancárias fará parte do
âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada,
constituindo o segredo bancário um corolário dessa reserva, por constituir uma
súmula do relacionamento entre o banqueiro e o seu cliente e respectiva conta,
através da qual, em geral, são processados dados de onde se pode retirar boa
parte do giro económico do particular que, muitas vezes, reflecte dados
relacionados com a sua vida privada [cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pp. 181 e 182, ao
analisarem em que consiste e como se deve analisar o direito à intimidade da
vida privada; J. M. Serrano Alberca, Comentários a la Constituicion, Madrid,
Civitas, 1985, p.353; Parecer n.º 138/83 do Conselho Consultivo da
Procuradoria-Geral da República, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 342,
p. 161; Alberto Luís, Direito Bancário, Coimbra, 1985; e, porventura com uma
posição um tanto divergente, Saldanha Sanches, Segredo Bancário, segredo fiscal:
uma perspectiva funcional, in Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e
Económico-Financeira, Centro de Estudos Judiciários, 25 anos, 2004, p. 57 e
seguintes, para quem, porque existe uma “proibição que incide sobre os membros
da Administração fiscal de dar conhecimento a terceiros da situação fiscal (e
por isso patrimonial)”, o fundamento do segredo bancário, para os efeitos em
causa, residiria na esfera da privacidade e não da intimidade da vida privada,
pelo que não estaríamos “e isto deve ser afirmado com muita clareza, perante uma
norma destinada a tutelar a nossa intimidade: pela razão pura e simples que num
Estado‑de‑Direito a devassa da intimidade (buscas domiciliárias, escutas
telefónicas, filmagens ou gravações que registem todos os movimentos de uma
certa pessoa) só pode ter lugar para investigação de crimes graves e mediante a
devida decisão judicial (…). Se o segredo fiscal tutela a intimidade, então
parece que os cidadãos se encontram obrigados a entregar periodicamente à
Administração Fiscal e sempre que esta o exija – mediante qualquer acto
administrativo tributário que pode ser produzido por qualquer funcionário –
dados referentes à sua intimidade. Dados referentes à intimidade dos cidadãos
que estes estariam obrigados a facultar à Administração fiscal e cujo
conhecimento deveria ser confinado aos serviços de finanças e aos inúmeros
funcionários da Administração fiscal mas que estes não poderiam – fraco consolo
– partilhar com mais ninguém”, e que o “controlo da conta bancária como poder
administrativo que constitui uma restrição ao direito do cidadão de manter longe
de vistas e curiosidades externas toda a sua situação pessoal (e qualquer
restrição a este direito exige uma específica legitimação) é uma decisão
secundária. Decisão secundária no preciso sentido de ser resultado de uma outra:
o dever das pessoas singulares de declarar anualmente os seus rendimentos e a
obrigação das pessoas colectivas de franquear permanentemente os seus registos
comerciais ao controlo da Administração fiscal.”]
De todo o modo, como este Tribunal já teve ocasião de discretear, tal como o
sigilo profissional, a reserva do sigilo bancário não tem carácter absoluto,
antes se admitindo excepções em situações em que avultam valores e interesses
que devem ser reputados como relevantes como, verbi gratia, a salvaguarda dos
interesses públicos ou colectivos (cfr. Acórdão n.º 278/95, publicado na II
Série do Diário da República, de 28 de Julho de 1995, onde se disse que “o
segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições
impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos. Na verdade, a tutela de certos valores
constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, o acesso
aos dados e informações que os bancos possuem relativamente às suas relações com
os clientes. Assim sucede com os artigos 135.º, 181.º e 182.º do actual Código
de Processo Penal, os quais procuram consagrar uma articulação ponderada e
harmoniosa do sigilo bancário com o interesse constitucionalmente protegido da
investigação criminal, reservando ao juiz a competência para ordenar apreensões
e exames em estabelecimentos bancários”.
Sendo o controlo administrativo das movimentações bancárias dos contribuintes,
como método de avaliação da sua situação fiscal, uma realidade recente (ou, como
diz Saldanha Sanches, ob. cit., que “são esses dados contidos nas contas
bancárias e nos seus movimentos (ou na aquisição de um bem sujeito a registo
como um prédio ou um automóvel) que permitem o controlo da declaração tributária
do sujeito passivo e que constituem a condição sine qua non de um controlo
eficaz, na fase actual da evolução da relação jurídico-tributária”), e
postando-se como necessário – e, quantas vezes para tanto como imprescindível –
o conhecimento das respectivas operações, não se poderá deixar de concluir que
se torna justificada, para proteger o bem constitucionalmente protegido da
distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever
fundamental de pagar os impostos, a procura da consagração de uma articulação
ponderada e harmoniosa da reserva (se não da intimidade da vida privada, ao
menos da reserva de uma parte do acervo patrimonial) acarretada pelo sigilo
bancário e dos interesses decorrentes dos citados dever e direito.
3.2.1. Ora, mesmo numa parametrização assim delineada do sigilo bancário,
poderia sustentar-se que dos acima transcritos números do art.º 2.º da Lei n.º
41/98 sempre resultaria que o legislador parlamentar previu que na lei geral
tributária editanda pelo Governo se haveriam de gizar procedimentos de onde
resultasse o apuramento da real situação tributária do contribuinte, o combate à
simulação tributária e à evasão fiscal, a prossecução do interesse público e da
igualdade equitativa nos encargos tributários e ao estabelecimento do princípio
do inquisitório; e, desta sorte, não poderia deixar de ser cogitada por aquele
legislador, em face da indesmentível dificuldade de se obter uma visão da
realidade tributária sem o conhecimento dos dados resultantes das operações
bancárias dos contribuintes, a possibilidade de, no diploma credenciado, entre
os vários procedimentos a adoptar, se contarem os adequados à aquisição daquele
conhecimento que, em caso de recusa do visado, só seriam cognoscíveis por
determinação judicial.
Mas, mesmo para quem não perfilhe um tal entendimento da Lei n.º 41/98, uma
circunstância se depara e da qual resulta que, tendo em atenção os momentos em
que foi aplicada a norma sub specie – depois da entrada em vigor da Lei n.º
30-G/2000 – o eventual vício de inconstitucionalidade orgânica de que padeceria
se terá de ter como ultrapassado.
Na verdade, a Assembleia da República, ao editar aquela Lei, não só alterou a
redacção dos próprios números 2 e 4, alínea b), do art.º 63.º da Lei Geral
Tributária, como lhe aditou os números 6 e 7, indubitavelmente ligados ao
procedimento de suprimento judicial de autorização do contribuinte, como ainda
introduziu o art.º 63.º-B.
Isto vale por dizer, sem que dúvidas a esse respeito se suscitem, que assumiu o
competente órgão legislativo – o Parlamento – como válido aquele procedimento,
pois manteve inalterado o n.º 5 do aludido art.º 63.º (quando, com as alterações
que em tal artigo introduziu, se entendesse que esse preceito se não
justificava, bem o poderia alterar), o que revela, de forma inequívoca, uma
intenção de novar a fonte legislativa que o consagrou.
Como se referiu no Acórdão deste Tribunal n.º 321/2004 (in Diário da República,
II Série, de 20 de Julho de 2004) se a lei de alteração de um decreto‑lei vier a
reproduzir normas organicamente inconstitucionais, “é inegável que a Assembleia
da República assume ou adopta tais normas como suas ao mantê-las inalteradas de
forma expressa e inequívoca. E, assim sendo, tais normas não podem mais ser
arguidas de organicamente inconstitucionais, até porque se verifica, quanto a
elas, uma novação da respectiva fonte”.
A doutrina extraível daquele aresto é aplicável ao caso agora em apreço, pois
que, como resulta do seu próprio texto, no art.º 13.º da Lei n.º 30-G/2000, que
determinou, por entre outras, alteração ao artigo 63.º da Lei Geral Tributária,
consignou que este passaria a ter a seguinte redacção:
Artigo 63.º
Inspecção
1…………………………………………………………………………………
2 – O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou
qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização
judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em que a lei
admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária
sem dependência daquela autorização.
3…………………………………………………………………………………
4…………………………………………………………………………………
a)………………………………………………………………………………
b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou
qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvos os casos de
consentimento do titular ou de derrogação do dever de sigilo bancário pela
administração tributária legalmente admitidos;
c)………………………………………………………………………………
d)………………………………………………………………………………
5…………………………………………………………………………………
6 – A notificação das instituições de crédito e sociedades financeiras, para
efeitos de permitirem o acesso elementos cobertos pelo sigilo bancário, nos
casos em que exista a possibilidade legal de a administração tributária exigir a
sua derrogação, deve ser instruído com os seguintes elementos:
a) Nos casos de acesso directo em que não é facultado ao contribuinte o direito
a recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação que lhe foi dirigida para
o efeito de assegurar a sua audição prévia;
b) Nos casos de acesso directo em que o contribuinte disponha do direito a
recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação referida na alínea anterior
e certidão emitida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das
Alfândegas e Impostos Especiais sobre o Consumo que ateste que o contribuinte
não interpôs recurso no prazo legal;
c) Nos casos em que o contribuinte tenha recorrido ao tribunal com efeito
suspensivo a ainda nos casos de acesso aos documentos relativos a familiares ou
a terceiros, certidão da decisão judicial transitada em julgado ou pendente de
recurso com efeito devolutivo.
7. As instituições de crédito e sociedades financeiras devem cumprir as
obrigações relativas ao acesso a elementos cobertos pelo sigilo bancário nos
termos e prazos previstos na legislação que regula o procedimento de inspecção
tributária.
Vale isto por dizer que o órgão parlamentar, em face da forma como deu a nova
redacção ao art.º 63.º, de forma inequívoca «fez seu» (ou seja, assumiu como
manutenção inalterada), no que agora importa, o n.º 5, que, por isso, novou como
vontade legislativa.
O raciocínio agora efectuado não se ancora, pois, na mera republicação da Lei
Geral Tributária (a que o recorrente alude, mas visando a Lei n.º 15/2005)».
5. As considerações que antecedem podem ser reiteradas e aplicadas ao presente
caso. Não se suscitando qualquer questão nova, há apenas que reiterar o juízo de
não inconstitucionalidade a que se chegou, remetendo para os fundamentos do
citado aresto».
2.Pode ler-se na reclamação apresentada:
«1. No requerimento de interposição de recurso apresentado em 2006.03.08, o ora
recorrente invocou além do mais o seguinte:
“O presente recurso fundamenta-se na inconstitucionalidade do art.º 63°/5 da Lei
Geral Tributária, aprovada pelo DL 398/98, de 17 de Dezembro, face às normas e
princípios constitucionais consagrados nos art.ºs 26.°, 103.°/2, 112.°, 166.°/2,
168.°/1/b), i), p) e s), 169.°e 212.°da CRP.
A inconstitucionalidade da norma em análise foi suscitada, além do mais, nos
números 1 a 11 e conclusões 1.ª a 9.ª e 13.ª das alegações apresentadas pelo ora
recorrente, em 2005.10.21, tendo sido expressamente apreciada no douto aresto
recorrido”.
Na decisão sumária em análise, remetendo-se para os fundamentos do aliás douto
aresto n.º 602/2005, da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional proferido no
processo n.º 514/05, referiu-se, essencialmente, o seguinte:
“Mas, mesmo para quem não perfilhe um tal entendimento da Lei n.º 41/98, uma
circunstância se depara e da qual resulta que, tendo em atenção os momentos em
que foi aplicada a norma sub specie – depois da entrada em vigor da Lei n.º
30-G/2000 – o eventual vício de inconstitucionalidade orgânica de que padeceria
se terá de ter como ultrapassado.
Na verdade, a Assembleia da República, ao editar aquela Lei, não só alterou a
redacção dos próprios números 2 e 4, alínea b), do art.º 63.° da Lei Geral
Tributária, como lhe aditou os números 6 e 7, indubitavelmente ligados ao
procedimento de suprimento judicial de autorização do contribuinte, como ainda
introduziu o art.º 63.º-B.
Isto vale por dizer, sem que dúvidas a esse respeito se suscitem, que assumiu o
competente órgão legislativo – o Parlamento – como válido aquele procedimento,
pois manteve inalterado o n.º 5 do aludido art.º 63.° (quando, com as alterações
que em tal artigo introduziu, se entendesse que esse preceito se não
justificava, bem o poderia alterar), o que revela, de forma inequívoca, uma
intenção de novar a fonte legislativa que o consagrou.
Como se referiu no Acórdão deste Tribunal n.º 321/2004 (in Diário da República,
II Série, de 20 de Julho de 2004) se a lei de alteração e um decreto-lei vier a
reproduzir normas organicamente inconstitucionais, “é inegável que a Assembleia
da República assume ou adopta tais normas como suas ao mantê-las inalteradas de
forma expressa e inequívoca. E, assim sendo, tais normas não podem mais ser
arguidas de organicamente inconstitucionais, até porque se verifica, quanto a
elas, uma novação da respectiva fonte” (...).
Vale isto por dizer que o órgão parlamentar, em face da forma como deu a nova
redacção ao art.º 63.°, de forma inequívoca «fez seu» (ou seja, assumiu como
manutenção inalterada), no que agora importa, o n.º 5, que, por isso, novou como
vontade legislativa.
O raciocínio agora efectuado não se ancora, pois, na mera republicação da Lei
Geral Tributária (a que o recorrente alude, mas visando a Lei n.º 15/2005)” (v.
fls. 13 e 14 da decisão sumária)
E, mais adiante, conclui-se que “não se suscitando qualquer questão nova, há
apenas que reiterar o juízo de não inconstitucionalidade a que se chegou,
remetendo para os fundamentos do citado aresto” (v. fls. 14 e 15 da decisão
sumária).
Salvo o devido respeito – e é verdadeiramente muito –, cremos que a decisão
reclamada não pode manter-se.
2. Em primeiro lugar, a lei de autorização legislativa – Lei n.º 41/98, de 4 de
Agosto – não satisfaz as exigências constitucionais, pois não define claramente
“o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização” (v. art.º 112.° da
CRP).
A Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro,
veio regular matérias relativas à organização e competências dos Tribunais,
operando uma distribuição de competências ratione materiae e, ainda, matérias
relativas às garantias dos contribuintes e à reserva da intimidade da vida
privada, regulamentando o levantamento do sigilo bancário dos contribuintes em
determinadas situações.
Ora, as matérias directamente relacionadas com a organização e competência dos
Tribunais, com as garantias dos contribuintes e com a reserva da intimidade da
vida privada, integram-se na reserva de competência legislativa da Assembleia da
Republica, pelo que o Governo carece de autorização legislativa específica para
poder legislar sobre tais matérias (v. art.ºs 103.°/2, 165.°/1/b), i), p) e s),
204.° e 212.° da CRP).
Neste sentido, como bem salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira:
“No âmbito da reserva caberão as modificações de competência judiciárias
(competência material ou territorial) que não tenham carácter meramente
processual e também abrange toda a competência dos tribunais, incluindo as
competências não jurisdicionais” (v. Constituição da República Portuguesa
Anotada, 3.ª ed., pp. 675).
No douto acórdão do Venerando Tribunal Constitucional de 1992.07.14, decidiu-se
o seguinte, relativamente a situação idêntica à presente:
“A ‘organização e competência dos tribunais’ inscreve-se, pois, na reserva
legislativa parlamentar.
Por isso, para editar normas que visem modificar as regras de competência
judiciária material (ou seja: para modificar as regras atinentes à distribuição
das matérias pelas diversas espécies de tribunais – que o mesmo é dizer pelos
diferentes tribunais dispostos horizontalmente (no mesmo plano)), sem que, por
conseguinte, haja entre eles relação de supra-ordenação e subordinação, o
Governo tem que estar munido de autorização legislativa.
É que, seja qual for o alcance a atribuir à reserva legislativa, no ponto em que
ela tem por objecto a definição da “competência dos tribunais”, há-de
incluir-se, aí, sem dúvida, a definição da competência dos tribunais (maxime,
dos tribunais judiciais) ratione materiae” (cf., no Diário da República, I
Série, de, respectivamente, 4 de Março de 1987, 23 de Maio de 1989 e 2 Abril de
1990).
Por seu turno, no douto Acórdão do Venerando Tribunal Constitucional, de
1995.05.31, decidiu-se:
“Só que as restrições ao segredo bancário hão-de constar necessariamente de lei
da Assembleia da República ou de decreto-lei emitido no uso de autorização
legislativa [para além disso, essa lei ou decreto-lei autorizado há-de obedecer
aos requisitos que os n.ºs 2 e 3 do artigo 18.° da Lei Fundamental impõem às
leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias, quais sejam: só são
admissíveis nos casos expressamente previstos na Constituição, ou seja, quando o
diploma fundamental o autorizar explicitamente; devem limitar-se ao necessário
para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos,
isto é, devem obedecer ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou da
proibição do excesso, devendo ser, por isso, necessárias, adequadas e
proporcionais; e têm de revestir carácter geral e abstracto, não podem ter
efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial
dos preceitos constitucionais” (v. Ac. n.ºs 278/95, Proc. 510/91; cfr. Gomes
Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª
ed., pp. 458-459, nota V).
Em face do exposto, cremos que nunca se poderia concluir pela
constitucionalidade do art.º 63.º/5 da LGT, com base em simples considerações de
carácter genérico, entendendo-se a Lei de autorização legislativa como um cheque
em branco para a via legislativa do Governo, sendo exigível uma autorização
expressa e especificada para o Governo legislar sobre matérias integradas na
reserva relativa da Assembleia da Republica (cfr. art.º 112.° da CRP), o que não
se verificou in casu.
Nesta linha, escreveram Comes Canotilho e Vital Moreira:
“Salvo os casos em que a reserva de competência legislativa se limita às bases
gerais, a AR deve definir todo o regime legislativo da matéria, não podendo
limitar-se às bases gerais. A AR pode autorizar o Governo a legislar sobre todo
ou parte do regime jurídico de cada uma das matérias que constituem a sua
reserva relativa de competência legislativa; mas não pode abdicar de uma parte
dela, autolimitando o seu poder legislativo e remetendo para o Governo o
exercício dessa competência. Quando um domínio legislativo está reservado à AR,
não pode ele ser objecto de outro diploma legislativo, salvo decreto-lei
autorizado” (v. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., pp. 671,
nota V).
Ora, da Lei de Autorização Legislativa n.º 41/98, de 4 de Agosto, não resulta,
de forma expressa e especificada, qualquer referência relativamente à
autorização para se proceder à regulação da competência dos Tribunais Comuns e
do levantamento do sigilo bancário, nos termos que vieram a constar do art.º
63.°/5 da LGT, tendo-se limitado a conceder, de forma genérica e sem a mínima
concretização, autorização para o Governo “consagrar e aprofundar, em sede de
procedimento, os princípios da prossecução do interesse público e da protecção
dos direitos e interesses dos cidadãos”, o que, manifestamente, é insuficiente
para legitimar o Governo a proceder à regulamentação daquelas matérias.
Assim, ao legislar sobre as referidas matérias (concretamente as reguladas pelo
art.º 63.°/5 da LGT), o Governo excedeu o objecto, extensão e sentido da Lei de
Autorização Legislativa concedida pela Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, pelo que o
referido artigo integra uma norma formal e organicamente inconstitucional (v.
art.ºs 26.°, 103.°/2, 112.° e 165.°/1/i), da CRP).
3. Em segundo lugar, não cremos ser aceitável o entendimento da douta decisão em
análise, no sentido de que “se a lei de alteração a um decreto-lei vier a
reproduzir normas organicamente inconstitucionais, é inegável que a Assembleia
da República assume ou adopta tais normas como suas ao mantê‑las inalteradas de
forma expressa e inequívoca. E, assim sendo, tais normas não podem mais ser
arguidas de organicamente inconstitucionais, até porque se verifica, quanto a
elas, uma novação da respectiva fonte”.
Com efeito, a ratificação implícita, sanação ou novação da inconstitucionalidade
orgânica de que enferma o art.º 63.°/5 da LGT, unicamente aprovado pelo Governo,
através do Decreto-Lei n.º 398/98, nunca se poderia consubstanciar na mera
republicação da Lei Geral Tributária, operada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de
Junho, sem a prévia manifestação inequívoca pela Assembleia da República de
vontade política ou intenção legislativa de novação de todo aquele diploma,
referida concreta e expressamente às matérias em questão.
Nesta linha, refere Jorge Miranda:
“Tão-pouco a ratificação – ou, antes, a não recusa de ratificação – equivale à
confirmação, no sentido de tornar simplesmente insusceptível de arguição para o
futuro a inconstitucionalidade orgânica.
Como, não recusando a ratificação, a Assembleia da República não assume, nem
adopta o decreto-lei, mas apenas não veda a sua subsistência, daí não pode
decorrer qualquer consequência quanto ao destino do decreto-lei.
E não se diga que se encontra, pelo menos, uma vontade política concordante com
o conteúdo do decreto-lei por parte do órgão legislativo competente (a
Assembleia da República), pelo que se não perceberia que se não considerasse o
alcance útil dessa vontade.
É indiscutível que há essa vontade política, mas uma vontade política diferente
da vontade legislativa, uma vontade formada a posteriori perante situações
criadas ou factos consumados pelo decreto-lei e que a Assembleia, tudo
ponderado, poderá não querer ou sentirá não poder quebrar (...)
Isto vale igualmente para a lei emergente de alterações aprovadas. Porque, mesmo
se então um processo legislativo verdadeiro e próprio se enxerta no processo de
ratificação, certo é que se trata de um processo legislativo especial, reduzido
ou centrado nas emendas propostas e não em todo o decreto-lei na especialidade.
Ora, se quanto às emendas aprovadas, obviamente não poderá haver confirmação,
tão-pouco poderá ela dar-se quanto às disposições não alteradas (pelo menos,
quanto àquelas não objecto de propostas de alteração), por não terem sido sequer
objecto da decisão positiva da Assembleia da República.
Não se vê, portanto, como o facto de se chegar a uma lei com alterações ao
decreto-lei possa trazer qualquer coisa de diverso relativamente à apreciação
que antes se verifique. A única vontade legislativa que então se encontra é, não
no sentido de manter ou assumir o decreto-lei, mas de o alterar. No resto, a
situação é, mutatis mutandis, paralela à da antes chamada ratificação tácita:
assim como não pode haver confirmação de decretos-leis nem sequer discutidos na
Assembleia em processo de ratificação, também não pode haver confirmação de
preceitos legais nem sequer discutidos na Assembleia na fase complementar da
introdução de alterações” (v. Funções, Órgãos e Actos do Estado, 1990, pp.
518-521).
Não existindo qualquer referência, alteração ou ratificação ao art.º 63.°/5 da
LGT, objecto do presente recurso, tendo este sido simplesmente republicado,
inexiste qualquer manifestação de vontade política da Assembleia da República ou
novação do diploma, subsistindo a inconstitucionalidade originária, que não fica
sanada pela sua mera republicação.
A mera republicação de cento e cinco normativos, entre os quais se encontra o
normativo objecto do presente recurso e, em relação ao qual, não existe qualquer
referência, alteração ou emenda, não constitui nem poderia constituir a
manifestação de uma intenção legislativa expressa e inequívoca por parte da
Assembleia da Republica.
Nestes termos, teremos que concluir que, in casu inexistiu qualquer declaração
concreta, expressa e inequívoca de tal intenção.
A este propósito e pronunciando-se sobre o âmbito e efeitos da ratificação
parlamentar de diplomas do Governo, escreveu Rui Machete:
“Não seria curial imputar uma vontade normativa a um órgão colegial como a
Assembleia da República, cujo processo de deliberação foi rodeado pela
Constituição e pelo Regimento da Assembleia de regulamentação tão cautelosa, na
base de uma mera «fictio juris». Para a finalidade que se visava obter de
considerar como não realizada a condição resolutiva, são suficientes os efeitos
que a lei quis atribuir a certos factos jurídicos em sentido estrito. Por outra
parte, atribuir, ainda que em termos fictícios, uma vontade de ratificar à
Assembleia manifestada por forma omissiva envolveria, como consequência,
corresponsabilizar esta politicamente por todos os decretos-leis do Governo
sobre os quais não tivesse havido por parte dos deputados nenhuma iniciativa de
sujeição a ratificação. Emprestar tal significado à ratificação tácita exigiria
da Assembleia um esforço de ponderação sobre todos os decretos-leis saídos no
Diário da República por mais anódinos, sob pena de, sempre numa perspectiva
política, ser acusada de «venire contra factum suum», quando uma eventual lei
posterior, pouco tempo volvido, os pusesse em causa. Não havendo nenhum juízo
nem nenhuma manifestação da vontade da Assembleia de República nos casos de
ratificação tácita, tão pouco pode existir uma habilitação legislativa «a
posteriori»” (v. “Ratificação de Decretos-Leis Organicamente Inconstitucionais”,
in Estudos sobre a Constituição, I/289-290; Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP
Anotada, 3.ª ed., pp. 698; cfr. Luís Nunes de Almeida, “O Problema da
Ratificação Parlamentar de Decretos-Leis Organicamente Inconstitucionais”, in
Estudos sobre a Constituição, III, pp. 619 e segs.).
A Assembleia da Republica manteve-se absolutamente silente quanto ao artigo
63.°/5 da LGT, não o alterando ou ratificando, nem se pronunciando minimamente
sobre o mesmo. Nesta conformidade, não é suficiente invocar-se que existiu uma
ratificação ou uma novação da respectiva fonte quando o órgão em causa não se
pronunciou minimamente sobre o artigo em questão, ainda para mais quando tal
pronúncia teria de ser expressa e inequívoca.
4. Nesta conformidade, não tendo sido manifestada qualquer intenção política ou
vontade legislativa, não pode acolher-se o entendimento defendido na douta
decisão sumária, de se ter verificado sanação ou ratificação implícita da
inconstitucionalidade orgânica do art.º 63.°/5 da LGT, enfermando assim aquela
norma de inconstitucionalidade (v. art.ºs 26.°, 103.°/2, 112.°, 165.°/1/b), i),
p) e s), e 212.° da CRP).»
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu
à referida reclamação, dizendo:
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente, não logrando a
impugnação deduzida pelo reclamante pôr em causa a jurisprudência já firmada
pelo Tribunal Constitucional sobre a questão suscitada.
2 – A qual deverá ser, por inteiro, confirmada.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Na presente reclamação defende-se que “nunca se poderia concluir pela
constitucionalidade do art.º 63.º/5 da LGT, com base em simples considerações de
carácter genérico”, e contesta-se o entendimento “de se ter verificado sanação
ou ratificação implícita da inconstitucionalidade orgânica do art.º 63.°/5 da
LGT”. Não são avançados, porém, apesar das referências doutrinais efectuadas,
argumentos realmente novos – isto é, argumentos que não tenham sido já
ponderados na jurisprudência deste Tribunal sobre os pontos contestados, e que
não encontrem resposta na decisão reclamada –, que possam infirmar o sentido
daquela decisão.
Na verdade, o teor da norma impugnada foi expressamente recebido pela Lei n.º
30‑G/2000, de 29 de Dezembro, tendo-se verificado, assim, uma novação da
respectiva fonte. Como se escreveu também no Acórdão n.º 368/2002, publicado no
Diário da República, II série, de 25 de Outubro de 2002:
«(…)
O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre os efeitos
da aprovação de uma lei de emendas, naquele quadro, ou seja, no quadro
jurídico-constitucional anterior às alterações introduzidas pela Lei
Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, que determinaram a actual redacção
do actual artigo 169.º da CRP.
Fê-lo nos Acórdãos n.ºs 415/89 e 786/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional,
13.º vol., tomo I, pág. 507, e 34.º vol., pág. 23, respectivamente.
No primeiro, depois de se citar as diversas doutrinas defendidas sobre o
estatuto da ratificação de decretos-leis (na versão originária da Constituição)
na perspectiva do efeito da ratificação expressa de decretos-leis organicamente
inconstitucionais por invasão governamental das matérias de exclusiva
competência da Assembleia da República (Rui Machete, “Ratificação de
decretos-leis organicamente inconstitucionais”, in Estudos sobre a Constituição,
vol. I, pp. 281 e segs.; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Anotada, 1980, pp. 347/348; Jorge Miranda, “A ratificação no direito
constitucional português”, in Estudos sobre a Constituição, vol. III, pp. 547 e
segs.; Luís Nunes de Almeida, “O problema da ratificação parlamentar de
decretos-leis organicamente inconstitucionais”, in Estudos sobre a Constituição,
vol. III, pp. 619 e segs.), bem como a jurisprudência produzida quer pela
Comissão Constitucional (Parecer n.º 7/79, in Pareceres da Comissão
Constitucional, vol. 7.º, p. 308) quer pelo Tribunal Constitucional (Acórdãos
n.ºs 174/87 e 266/87 in Diário da República, II Série, de 14 de Julho de 1987, e
I Série, de 28 de Agosto de 1987, respectivamente) e de referidas as profundas
alterações introduzidas nos artigos 172.º e 165.º, alínea c), da Constituição,
com a revisão constitucional de 1982 – designadamente o facto de ter deixado de
existir um acto positivo de ratificação, pois apenas se passou a prever a recusa
de ratificação e a alteração do decreto-lei – dando lugar a uma orientação
doutrinal dominante no sentido da não convalidação de decretos-leis
organicamente inconstitucionais (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.ª
ed., p. 654; Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, pp. 231/232;
António Nadais, António Vitorino e Vitalino Canas, Constituição da República
Portuguesa, p. 203; Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 222 e Jorge
Simão, Da ratificação dos Decretos-Leis, p. 32), escreveu-se:
“Não se afigura indispensável para a solução do caso dos autos resolver
expressamente questões como a de saber se, face ao texto constitucional saído da
revisão de 1982, ainda se pode falar de ratificação expressa, ou, até, se no
caso de ser aprovada uma lei de alteração ao decreto-lei ratificando, tal lei
tem como efeito, genericamente, inviabilizar que, para o futuro possa ser
invocada a eventual inconstitucionalidade orgânica de qualquer das suas normas.
Na verdade, ainda que se admita que a figura da ratificação expressa deixou de
ter assento constitucional – como parece resultar do que se escreveu no citado
Acórdão n.º 266/87 – e que a mera aprovação de uma lei de alterações, na
sequência de um processo desencadeado ao abrigo do artigo 172.º da Constituição,
não pode ter como efeito impedir a invocação, a partir da entrada em vigor dessa
lei, de eventuais inconstitucionalidades orgânicas que afectassem
originariamente normas do decreto-lei ratificando, a questão não fica
inteiramente resolvida para todos os casos.
Com efeito, sempre será necessário ressalvar, pelo menos, a hipótese de a lei de
alterações reproduzir as normas organicamente inconstitucionais do decreto-lei
submetido à sua apreciação. Em tal caso, é inegável que a Assembleia da
República assume ou adopta tais normas como suas ao mantê-las inalteradas de
forma expressa e inequívoca. E, assim sendo, tais normas não podem mais ser
arguidas de organicamente inconstitucionais, até porque se verifica, quanto a
elas, uma novação da respectiva fonte».
E mais à frente tratou-se especificamente de hipótese semelhante à do presente
recurso:
“Da jurisprudência transcrita – que se não vê razão para inflectir e aqui se
reitera – retira-se que, tendo em conta “a função de controlo parlamentar da
decisão legislativa”, a aprovação de uma lei de emendas, ao abrigo do antigo
artigo 172.º da Constituição, tem como efeito a ininvocabilidade futura da
inconstitucionalidade orgânica de, pelo menos, as seguintes normas constantes do
decreto-lei alterado por essa mesma lei de emendas:
a) As normas reproduzidas na lei parlamentar;
b) As normas que a Assembleia da República não pode ter deixado de querer manter
inalteradas, porquanto constituem um pressuposto logicamente necessário e
indispensável de todas as restantes normas contidas no decreto-lei originário e
na própria lei de alteração;
c) As normas que, durante o especial processo legislativo parlamentar, foram
objecto de propostas de alteração rejeitadas.
À luz deste enquadramento jurídico, vejamos, agora, o que ocorreu relativamente
às normas impugnadas.
A norma do artigo 17.º, n.º 1, foi objecto de propostas de alteração
apresentadas por Deputados do Partido Socialista e do Partido Comunista
Português (cfr. Diário da Assembleia da República, II Série-B, de 19 de Julho de
1994, pp. 170 e 174 e separata n.º 23/VI do Diário da Assembleia da República,
de 12 de Agosto de 1994, dedicada ao Regime de Organização e Funcionamento das
Actividades de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho – Propostas de alteração
apresentadas pelo PSD, PS e PCP ao Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, no
seguimento do pedido de ratificação n.º 115/VI apresentado pelo PS).
Tais propostas de alteração foram discutidas e rejeitadas na votação na
especialidade efectuada na competente comissão parlamentar em 2 de Novembro de
1994 (cfr. n.º 15 do Relatório da Comissão de Trabalho, Segurança Social e
Família, publicado no Diário da Assembleia da República, II Série-B, n.º 4, de
11 de Novembro de 1994).
Deste modo e de acordo com a tese adoptada, entende-se que já não é invocável a
inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei
n.º 26/94.
A situação é diversa quanto à norma do artigo 16.º, nº 5.
O artigo 16º do Decreto-Lei nº 26/94 foi um dos que mereceu maior número de
propostas de alteração (cfr. Diário da Assembleia da República, II Série-B, de
19 de Julho de 1994, págs. 1170 e 1173), não deixando os proponentes, depois de
parcialmente vencidos na comissão especializada, de requerer a avocação pelo
Plenário da votação na especialidade (cfr. Diário da Assembleia da República, I
Série, n.º 22, de 15 de Dezembro de 1994, págs, 912/913.
As propostas de alteração traduziam-se em nova redacção dos n.ºs 2, alínea c), 3
e 4, e na introdução de novos n.ºs 6, 7, 8 e 9 (propostas do PS e PCP).
O n.º 5 do artigo em causa não foi objecto de qualquer proposta de alteração,
constando do texto entregue pelo PS, no artigo 16.º, n.º 5, a indicação (igual)
e no texto apresentado pelo PCP o preceito é substituído por um ponteado.
Ora, neste contexto, é evidente que foi assegurada a possibilidade de iniciativa
parlamentar quanto à alteração do preceito em causa e que se revelou uma clara
vontade política dos subscritores das propostas de alteração de manter
inalterado o n.º 5 do artigo 16.º, o que permite concluir no sentido de que essa
imutabilidade traduz – para usar a linguagem do Acórdão n.º 786/96 – a
“verdadeira intenção legislativa” da Assembleia da República, que acabou por
aprovar alterações à epígrafe e aos n.ºs 1, 2 e 3 do mesmo artigo, ao qual
também acrescentou um n.º 6.
Verifica-se, assim, que também quanto a esta norma se efectivou, de um ponto de
vista substancial, “a função de controlo parlamentar da decisão legislativa”,
pelo que constituiria puro formalismo, claramente contraditório com a razão de
ser da existência constitucional de uma reserva legislativa parlamentar e do
instituto previsto no antigo artigo 172.º da Constituição – cuja conjugação
inculca o intuito de assegurar que não possam subsistir opções
político-legislativas contrárias à vontade da Assembleia da República - vir
eventualmente a declarar a sua inconstitucionalidade orgânica.
Não é, pois, já invocável a inconstitucionalidade orgânica da norma constante do
artigo 16.º, n.º 5, do Decreto-Lei nº 26/94.»
É esta mesma orientação aquela que se seguiu na decisão sumária reclamada,
quando ao efeito sobre a inconstitucionalidade orgânica da reprodução de norma,
expressa ou substituída por um ponteado, em diploma aprovado pela Assembleia da
República (no caso, a Lei n.º 30‑G/2000, de 29 de Dezembro), atendendo ao
substancial preenchimento da função de controlo parlamentar da decisão
legislativa.
Assim sendo, apenas resta, reiterando as razões constantes da decisão reclamada
e da anterior jurisprudência deste Tribunal, que não são abaladas pela
reclamação apresentada, confirmar o julgamento que ali se formulou no sentido da
inexistência de inconstitucionalidade orgânica da norma do n.º 5 do artigo 63.º
da Lei Geral Tributária e de se ter como ultrapassado o eventual vício de
inconstitucionalidade orgânica de que poderia padecer a norma impugnada.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e
confirmar a decisão sumária reclamada e condenar o reclamante em custas, fixando
a taxa de justiça em 20 (vinte ) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos