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Processo n.º 204/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Notificado do acórdão n.º 566/2006, de 17 de Outubro de 2006, pelo qual se
decidiu desatender a reclamação para a conferência e confirmar a decisão sumária
de 22 de Junho de 2006, que decidira não tomar conhecimento do recurso de
constitucionalidade interposto por A. – ao abrigo das alíneas b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, visando a apreciação da constitucionalidade “das normas
constantes dos art.ºs 283.º, n.º 3, al. b), 308.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, por si
e quando conjugadas com as normas dos art.ºs 358.º, n.º 1, 359.º, n.º 1, e
368.º, n.º 2, al. a), todos do C.P.P., na interpretação de que a acusação, a
pronúncia e a sentença, em processo-crime, não necessitam de descrever todos os
factos relevantes, nomeadamente, sobre os elementos constitutivos do tipo de
crime e das circunstâncias relevantes para a determinação da sanção, desde que
estes constem dos autos”, e g) do mesmo dispositivo legal, agora com “fundamento
[n]o facto de o acórdão recorrido ter interpretado os art.ºs 358.º e 359.º do
CPP, em sentido contrário ao do Tribunal Constitucional no acórdão n.º 674/99,
de 15.12.1999, proc. 24/97 (DR, II S., de 25.02.2000), segundo o qual a
acusação, a pronúncia e a sentença não podem remeter para provas juntas aos
autos quanto aos factos atinentes ao modo de execução do crime” –, por não
estarem verificados os pressupostos indispensáveis para tal conhecimento, veio o
recorrente requerer a reforma do referido acórdão, dizendo:
«A., recorrente nos autos à margem referenciados, notificado do douto acórdão
proferido em 17.10.06, que indeferiu a reclamação por si deduzida para a
conferência, nos termos do n.º 3 do art.º 78.º-A da Lei do Tribunal
Constitucional, vem requerer a V.Ex.s a reforma do mesmo, nos termos e com os
fundamentos seguintes:
1 – A determinado passo do citado acórdão (fls. 15), quanto à violação dos
art.ºs 2.º e 29.º, n.º 1, da Constituição, o acórdão refere o seguinte: “Já em
momento posterior – requerimento de arguição de nulidade apresentado a fls. 1143
e segs dos autos –, o reclamante referiu uma violação da Constituição pela
decisão do Tribunal da Relação de Coimbra. Mas, além de não identificar uma
verdadeira questão de constitucionalidade normativa, e antes a referir à decisão
– ‘não constando nem da acusação nem da pronúncia nem dos factos provados na
sentença os valores mensais cuja falta de entrega à Segurança Social se atribui
ao arguido, isso seria inconstitucional por violação dos art.ºs 2.º e 29.º, n.º
1, da Constituição da República’ (itálico aditado) –, tal momento não era já
adequado à suscitação de uma tal questão de constitucionalidade, pois havia-se
já esgotado o poder jurisdicional do tribunal ‘a quo’. Assim, não se tendo
suscitado durante o processo uma verdadeira questão de constitucionalidade
normativa, não podia o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do
recurso...”.
2 – Ora, Excelentíssimos Juízes Conselheiros, a passagem do douto acórdão
acabada de descrever enferma de manifesto lapso, determinante para o
conhecimento do recurso, na parte afectada.
3 – É que, não corresponde à verdade que só após o acórdão da Relação de Lisboa
é que o recorrente alegou a violação dos art.ºs 2.º e 29.º, n.º 1, da
Constituição.
4 – Com efeito, e tal como já foi salientado na reclamação, quanto ao fundamento
do recurso com base na al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional – a violação do princípio da confiança e da segurança jurídica
ínsito ao Estado de Direito Democrático – art.ºs 2.º, 29.º, n.º 1, o arguido
suscitou tal questão de inconstitucionalidade de forma clara na motivação do
recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, nomeadamente nas
conclusões dessa motivação, n.ºs 6.ª, 7.ª, 8.ª, 9.ª e 10.ª.
5 – Designadamente, na conclusão 9.ª se refere que: “a aceitar-se o absurdo de
tal decisão, isso seria manifestamente inconstitucional, por violação ostensiva
do art.º 29.º, n.º 1, da Constituição, que foi violado, por se configurar um
crime sem que os pressupostos estejam previstos em lei anterior”.
6 – E na conclusão 10.ª, da mesma motivação de recurso, também de forma clara e
suficiente, se escreveu: “E a interpretar-se a lei no sentido de ela permitir a
consideração do somatório das contribuições devidas, sem consideração pelos
valores mensais, haveria igualmente inconstitucionalidade, por violação do
disposto no art.º 2.º da Constituição, na medida em que se cairia na
arbitrariedade absoluta e intolerável, dependente do maior ou menor período de
contribuições em falta, e apesar de se tratar de um crime continuado”.
7 – Tais conclusões são as da motivação no recurso para o Tribunal da Relação,
como os autos evidenciam, pelo que só por lapso manifesto se pode ter dito no
acórdão que só depois do acórdão da Relação, através do requerimento de fls.
1143, foram produzidas.
8 – Tal lapso, que de resto já constava do despacho do Exm.º Juiz
Conselheiro-Relator, e foi evidenciado na reclamação do mesmo, manteve-se no
acórdão, como se vê.
9 – Sendo certo que, tal lapso, foi determinante da decisão tomada quanto à
violação destes normativos constitucionais, dados os termos da decisão
proferida:
“Assim, não se tendo suscitado durante o processo uma verdadeira questão de
constitucionalidade normativa, não podia o Tribunal Constitucional tomar
conhecimento do recurso...”
10 – De resto, não tendo a 1.ª instância invocado como fundamento da decisão
qualquer normativo legal que sustentasse as suas decisões de validar a acusação,
a pronúncia ou a sentença, não podia o recorrente desde logo invocar a norma
aplicada pelo tribunal, ofensiva das normas e princípios constitucionais
invocados.
11 – O que deixaria sem recurso de constitucionalidade todas as decisões
judiciais que não invocam a lei em que se estribam, o que redundaria em grave
injustiça para os recorrentes, que, sem culpa sua, se veriam impossibilitados do
recurso por inconstitucionalidade.
12 – Sendo certo ainda que os normativos constitucionais violados são
directamente aplicáveis, vinculando as entidades públicas e privadas, nos termos
do art.º 18.º da Constituição.»
Por sua vez, o representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional disse:
«1 – O pedido de reforma deduzido é manifestamente infundado.
2 – Na verdade, o único “lapso” existente nos presentes autos é o do recorrente,
que não tem na devida conta as exigências indispensáveis ao adequado cumprimento
do ónus de suscitação processualmente adequada da questão de
inconstitucionalidade.
3 – Sendo óbvio que – na motivação do recurso e ao contrário do que pretende o
reclamante – não se mostra identificada qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso
interposto.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
2.Adianta-se, desde já, que o presente pedido de reforma da decisão (aliás,
deduzido sem invocação das disposições legais em que se fundamenta) carece de
fundamento, pois não se detecta na decisão reclamada qualquer lapso, nem existem
no processo elementos que, só por si, implicassem decisão diversa da proferida,
e que não hajam sido tomados em consideração. Antes o Acórdão reclamado, como já
antes a Decisão Sumária de não conhecimento do recurso, tomaram em conta, como
elementos decisivos existentes nos autos, o requerimento do recurso de
constitucionalidade e a decisão recorrida, do Tribunal da Relação de Lisboa, bem
como, em relação à questão da suscitação da inconstitucionalidade durante o
processo, as peças processuais apresentadas pelo recorrente perante aquele
Tribunal da Relação (indicando, mesmo, o local dos autos onde tais peças se
encontram).
A conclusão a que se chegou então foi a de que o recorrente não suscitara
durante o processo, de forma adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa idónea a constituir objecto do recurso constitucionalidade interposto,
ao abrigo da aliena b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, pelo que não se pôde dele conhecer.
Não existindo, pois, qualquer lapso na decisão recorrida a rectificar, e uma vez
que o recorrente não pode, a coberto de um pedido de reforma por existência de
um pretenso lapso, pretender uma alteração do já decidido, indefere-se o
presente pedido de reforma.
III. Decisão
Com estes fundamentos, decide-se desatender o presente pedido de reforma do
acórdão n.º 566/2006, e, por conseguinte, condenar o requerente em custas,
fixando a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos