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Processo n.º 989/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no
art.º 78.º-A, n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC), da decisão sumária, proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional,
que decidiu não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade, interposto
do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que julgou improcedente o seu
pedido de restituição imediata à liberdade, deduzido na providência excepcional
de habeas corpus, decretando, apenas, “determinar ao juiz da 1ª Vara Criminal de
Lisboa – 1ª secção, que proceda ao interrogatório do detido A., nos termos do
art. 254º nº 2 do Código de Processo Penal, mandando-o comparecer em juízo no
prazo de 24 horas”.
2 – Como fundamentos da sua reclamação, o reclamante aduz,
apenas, que “o recorrente mantém ipsis verbis tudo quanto alegou em sede de
recurso”.
3 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional,
respondeu do seguinte jeito:
«1 — A presente reclamação – deduzida sem que o reclamante trate sequer de
enunciar as razões por que discorda da decisão reclamada – carece manifestamente
de fundamento.
2 — Termos em que deverá confirmar-se por inteiro a decisão reclamada».
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b), g) e
i), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), pretendendo ver fiscalizada a
constitucionalidade das seguintes normas:
a) “dos artigos 223.º e 254.º do CPP, por violação dos artigos 28.º, n.º 1, e
31.º, n.º 1 da Lei Fundamental, quando entendidos que a não apresentação do Req.
ao MMº Juiz de Direito no prazo de 48 horas após a entrada em Portugal é
desnecessária e não impõe a sua imediata libertação”;
b) “dos artigos 191.º, 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1, alínea a) e 204.º, alíneas a)
e c) do CPP conjugados com o artigo 16.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto,
quando entendidos no sentido de que pode ser emitido mandado de detenção quando
o extraditando foi anteriormente detido por mandado emitido por diferente
tribunal e por factos diferentes, sem que seja interrogado nas 48 horas após a
entrega às autoridades portuguesas”, por violação do disposto nos artigos 29.º,
n.º 2, 32.º, n.º 1, e 33.º da Constituição da República.
c) do “artigo 222.º, n.º 2, alíneas a) b) e c) do CPP [por] viola[cão] dos
artigos 28.º, n.º 1 e 31.º, n.º 1, da Lei Fundamental, quando entendido que “não
obtendo Portugal resposta afirmativa até ao momento por parte de Espanha – que
recusou a extensão de competência e perseguição nestes autos.... – se permita
emitir novos mandados de detenção e novo pedido de extradição, desta vez ao
Brasil, sem atender à posição do Reino de Espanha”; e,
d) dos “artigos 224.º, n.º 3, alínea c), 254.º e 204.º a) do CPP, por violação
dos artigos 27.º, 28.º, 29.º, 31.º, 32.º, n.º 1, e 33.º da Lei Fundamental,
quando entendidos, que o arguido extraditado não sendo interrogado nas 48 horas
tal não constitui prisão ilegal ou excesso de prisão mas mera detenção e pode
ser sujeito a apresentação – art. 223-4-c) CPP – e a medida de coacção à ordem
de processo diferente daquele pelo qual o extraditando não renunciou ao
princípio da especialidade nem consentiu em ser perseguido por infracção
diferente foi submetido em outro processo a mandado de detenção, a extradição, a
prisão preventiva que se extinguiu e os autos que pedem a extradição, arquivados
por ausência de factos, ordenando-se a prisão sem o interrogar no prazo legal de
48 horas e sem existir decisão exequível”.
2 – Compulsados os autos, cumpre relatar com interesse para o
caso sub judicio:
2.1 – O recorrente requereu junto do Supremo Tribunal de Justiça
a providência de habeas corpus invocando que:
“(...)
Do EXCESSO de PRAZO:
6- O Req. foi detido no Brasil em 16 Março 2005 no âmbito de Mandado de Detenção
Internacional emitido pelo MMº Juiz de Direito nos autos supra id.
7- Em 18-Out-2006 o Req. foi removido para o EPL. e em 20-Out-2006 para o E. P.
LINHÓ.
8- Decorreram CINCO (5) DIAS - mais de CEM HORAS - desde que o Req. entrou em
Portugal.
9- Hoje, 23 Out. 2006 o arguido ainda não foi levado à presença do MMº Juiz de
Direito que emitiu o Mandado de Detenção Internacional.
10- O MMº Juiz de Direito que ordenou a prisão do arguido não deu a conhecer até
hoje, ao Requerente, de forma directa e pessoal, das razões e das causas que
determinaram a prisão – art. 28-1 Lei Fundamental
11- A não apresentação do Req. ao MMº Juiz de Direito no prazo de 48 horas após
a entrada em Portugal viola o art. 28-1 da Lei Fundamental e conforme Acórdão
“Winterwerp”, A 33 págs 19-20, do Tribunal Europeu Direitos do Homem.
12- Inexiste Sentença transitada em julgado ou Decisão exequível.
13- O art. 254 CPP estabelece o prazo máximo de 48 HORAS para aplicação da
medida de coacção, à semelhança do art. 28-1 da CRP.
- A NÃO AUDIÇÃO DO REQUERENTE DESDE QUE ENTROU EM PORTUGAL,
- A INEXISTÊNCIA DE DECISÃO EXEQUÍVEL e
- A NÃO APRESENTAÇÃO EM TRIBUNAL
CONDUZEM À ILEGALIDADE DA PRISÃO E A IMEDIATA RESTITUIÇÃO À LIBERDADE!
DA RE-PRISÃO ILEGAL:
14- Em 7 Outubro 2004 o Req. viu ser arquivado o processo que contra si pendia
no Proc. 581/04.0 TBSSB do Tribunal Judicial Sesimbra e extinta a medida de
coacção de prisão preventiva.
15- De imediato ficou preso à ordem dos presentes autos mas, por HABEAS CORPUS
nº 3767/04-5 deste Alto Tribunal de 21 Out. 2004 foi libertado face à violação
do PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE art. 7º da LEI 65/2003 de 23 de Agosto – Doc 1.
16- A apoiar a petição nesse HABEAS CORPUS 3767/04-5 o Req. invocara a:
- Decisão Condenatória proferida sem força executiva - art 467 C.P.P.
- EVASÂO em 16/10/99 - nunca julgada e com o procedimento criminal prescrito em
16 Out 2004;
- PENA de PRISÃO de 25 ANOS - por julgamento irregular, sem notificação, não
exequível
- violação do Tratado da União Europeia: art. 6º, 31- a) e b) e 34-2-b)
- violação do Princípio da Especialidade - arts. 13 e 27-2 da Decisão-Quadro de
13 Junho 2002
- julgamento irregular e sem notificação pessoal ao Req.
- julgamento e a pena constituem actos NULOS;
- Princípio da Especialidade impede a prossecução dos presentes autos pois o
Req. em Espanha não renunciou ao Princípio da Especialidade e apenas foi mandado
prender pelo Tribunal Sesimbra tendo os Mandados da 1ª Vara Criminal sido
certificados negativamente
17- Libertado em 21-Outubro-2004 pelo nosso mais Alto Tribunal....veio o MMº
Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal, após 45 DIAS, a reordenar a passagem de
Mandados de Detenção contra o Req. com os fundamentos constantes do Douto
Despacho de 6 Dez 2004 - Doc 2
Quid jurís ?
PRINCÍPIO da ESPECIALIDADE:
18- O Princípio da Especialidade in Decisão Quadro 2002/584/JAI do Conselho da
UNIÃO EUROPEIA de 13 Junho-2002 estabelece nos arts. 13º-1 e 27-2 cfr. LEI
65/2003 - art. 7º, respeito pelos Princípios basilares da Cooperação Judiciária
Europeia e que:
1- A pessoa entregue… não pode ser sujeita a procedimento penal, condenada ou
privada da liberdade por uma infracção praticada em momento anterior à sua
entrega e diferente daquela que motivou a emissão do mandado de detenção europeu
2- O disposto no número anterior não se aplica quando:
a) a pessoa entregue, tendo a possibilidade de abandonar o território do Estado
membro de emissão não o fizer num prazo de 45 dias a contar da extinção
definitiva da sua responsabilidade penal ou regressar a esse território após o
ter abandonado
…
e)-a pessoa tenha consentido na... entrega... renunciado à especialidade
f)- a pessoa, após ter sido entregue, tenha renunciado expressamente ao
benefício da regra da especialidade no que diz respeito a determinados factos
praticados em data anterior à sua entrega.
g) exista consentimento da Autoridade Judiciária de execução que proferiu a
decisão de entrega...
19- Não existem outras excepções para além das previstas na LEI 65/2003 e o
Requerente NÃO PODE SER PERSEGUIDO, PRESO, SUJEITO A PROCEDIMENTO CRIMINAL face
ao Princípio da Especialidade.
20- Ora:
- A. abandonou Portugal nos 45 dias;
- fixou-se no Brasil;
- tem um FILHO BRASILEIRO e fala a mesma Língua;
- não renunciou à regra da Especialidade
- nem consentiu na entrega;
- não regressou voluntariamente a Portugal
21- In casu consta dos autos que:
- o Req. foi solto pelo Habeas Corpus 3767/04-5 a 21 Out.2004;
- a 6-12-2004 o MMº Juiz de Direito a quo re-ordenou a prisão;
- no Brasil o Req. respondeu perante o Tribunal Regional Federal da Primeira
Região-Proc. 2005.34.00.014654-8 em que é Requerente o GOVERNO DE PORTUGAL /
Carta Rogatória Penal- 12ª VARA FEDERAL, que:
“...NÃO ABRE MÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE...”
Doc3
- não consentiu na ENTREGA;
- nem renunciou ao Principio da Especialidade
- o TRIBUNAL da RELAÇÃO LISBOA julgou em 1 Abril 2005 que” VEDADO ESTAVA SOB
PENA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE QUE RELATIVAMENTE AO ARGUIDO
FOSSE EFECTUADO QUALQUER ACTO PROCESSUAL“- Doc 4
22- Sendo o arguido perseguido por infracção diferente daquela por que foi
entregue pela Espanha a Portugal existe manifesta VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
ESPECIALIDADE - art. 27- 2 Decisão-Quadro de 13 Junho de 2002 e 70 da LEI
65/2003 !!!
Mais claro que isto só.... deitando-lhe água do Luso ou do Vimeiro (a Liberdade,
primeiro...)
23- Estão em causa os Princípios da Especialidade - art 27- 2, da
Territorialidade - art. 40 7 – a), do Reconhecimento Mútuo que o Conselho
Europeu classifica de “pedra angular” da cooperação judiciária - Decisão Quadro
2002 1 584 1 JAI e ainda dos Princípios do art. 6º do Tratado da União Europeia
24- Os arts. 191, 191, 193, 196, 202-1-a) e 204-a) e c) do C.P.P. conjugados com
o Artigo 16º - 1 da LEI 144/99 de 31 Agosto quando entendidos no sentido de que
pode ser emitido Mandado de Detenção quando o extraditando foi anteriormente
detido por Mandado emitido por diferente Tribunal e por factos diferentes, SEM
QUE SEJA INTERROGADO NAS 48 HORAS APÓS A ENTREGA AS AUTORIDADES PORTUGUESAS são
inconstitucionais: violam os arts. 6º, 31- a) e b) e o art. 34- 2- b) do Tratado
União Europeia, os arts. 29- 2, 32- 1 e 33 da Constituição da República
Portuguesa, o art. 7º da LEI 65/2003 de 23 Agosto e os arts. 27- 2 e 13 da
Decisão Quadro 2002/584/JAI de 13 de Junho
25- O Req. A. NÃO RENUNCIOU AO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE no acto da detenção em
Espanha e não consentiu no BRASIL nem consente, nem autorizará a que seja
sujeito a procedimento penal diferente do que motivou o Mandado de Detenção
Europeu de Sesimbra....
26- A sujeição do Req. A. a ser sujeito ao vexame nestes autos de ser preso
viola o Princípio da Especialidade e é ACTO INÚTIL- art. 27 - 2 da Decisão
Quadro 2002/584/JAI e art. 137 Código Processo Civil
27- No célebre caso do cidadão Italiano Emilio di Giovinni a Colenda Decisão
deste Alto Supremo Tribunal Justiça foi justamente idêntica, apesar das pressões
políticas e do Estado Italiano querer condená-lo ao ergástolo (=prisão
perpétua):
“... não se pode, porém esquecer a regra da especialidade estabelecida no artigo
16 do Decreto Lei 43/91 segundo o qual a pessoa que em consequência de um acto
de cooperação internacional (como é a extradição) comparecer perante uma
autoridade estrangeira não pode ser perseguida, detida, julgada ou sujeita a
qualquer outra restrição da liberdade por facto ou condenações anteriores à sua
saída do território português diferentes dos determinados no pedido de
cooperação....”
E por unanimidade veio este Alto Tribunal a concluir que:
“.....face a essa regra da especialidade o extraditando Emilio di Giovinni em
virtude da dita restrição imposta pelos factos que motivaram a extradição
concedida pela decisão revivenda NÃO PODE SER JULGADO E PUNIDO pelo mencionado
crime de homicídio com premeditação e, por essa forma sujeito a pena de prisão
perpétua...” - Ac. STJ de 11-7-96
28- Prisão aliás injustiçada e em local perigoso para a Saúde e para a Vida - a
DGSP colocou o cidadão A. numa jaula de condenados, encerrado 23 horas diárias,
obrigado a vestir farda de condenado-a-25-anos e vigiado sob fortes medidas de
segurança por razões que estão ainda por explicitar em concreto (assim vai a
“democracia” nesta Junta de Freguesia Europeia ainda chamada Portugal).
29- A prisão do Req. viola o Princípio da Especialidade o que consubstancia
ilegalidade da prisão-art.. 222- 2-A) e B) C.P.P.
30- Como decidiu este Alto Tribunal por Habeas Corpus de 4 Dezembro 1996:
“…consequentemente, como a prisão do Requerente foi ordenada por virtude dessa
decisão ainda não exequível, é de concluir que a prisão foi ordenada por facto
pelo qual a Lei a não permite - artigo 222 nº 2 -alínea b) do Código de Processo
Penal. Em razão disso a prisão é ilegítima.... “-Proc. 1301/9 6 - Habeas Corpus
- Relator: Sr. Juiz Consel. Augusto Alves
“...Cabendo ao Estado o direito de punir, indelegável e intransmissível, não
pode prescindir-se, no entanto, ao usá-lo, de uma boa consciência, devendo o
Estado manter em todo o processo punitivo uma superioridade ética...” Proc.
4509/03 - Habeas Corpus
31- Só estes argumentos bastariam por si para colocar em crise a manutenção do
Requerente numa jaula fria e húmida, isolado de tudo e de todos, 24 horas
diárias....mas há mais e muito mais grave que é a existência de um....
Conflito entre Estados Soberanos (?)
32- Conforme consta do Habeas Corpus 3767/04-5 o Req. foi objecto de Mandado de
detenção Internacional emanado pelo Tribunal Judicial de Sesimbra – Proc.
581/04.0 TBSSB - que foi cumprido.
33- Na Decisão Instrutória do supra id. Processo e após várias diligências
requeridas pelo Requerente, o Tribunal Sesimbra não pronunciou e arquivou os
autos em 7 Outubro 2004.
34- Este Alto STJ. soltou-o em 21-Out-2004 - Habeas Corpus 3767/04-5.
35- Em 27 ABRIL 2004 o Ministério Público promoveu a EMISSÃO E REMESSA A
AUDIÊNCIA NACIONAL DE ESPANHA de um Mandado de Detenção Europeu a funcionar como
“PEDIDO DE EXTENSAO DE COMPETÊNCIA POR FORMA A PERMITIR O JULGAMENTO DO ARGUIDO
PELOS FACTOS PELOS QUAIS SE ENCONTRA PRONUNCIADO” cfr. Lei 65/2003 de 23 Agosto
- Habeas Corpus 3767/04-5 folhas 5 in fine...
36- “Tal expediente não obteve resposta afirmativa até ao momento” - dixit S.T.J
- in folhas 6- Habeas Corpus 3667/04-5 deste Alto Tribunal!
37- O Requerente foi ouvido em ESPANHA e aí não renunciou ao Princípio da
Especialidade e foi “entregue” a PORTUGAL exclusivamente pelo caso de Sesimbra.
38- ESPANHA RECUSOU A EXTENSÃO DE COMPETÊNCIA E PERSEGUIÇÃO nestes autos pelo
que existe Decisão oposta entre ESPANHA e PORTUGAL, quiçá com o BRASIL!
39- ESPANHA deferiu a entrega ao Tribunal de SESIMBRA - e nada mais! Daí que o
TRL tenha VEDADO A PRÁTICA DE QUALQUER OUTRO ACTO PROCESSUAL... para além da
submissão à “domus justitiae” Sesimbrense !!!- Dcc 4
40- O pedido formulado a ESPANHA - “de extensão de competência por forma
permitir o julgamento ARGUIDO PELOS FACTOS PELOS QUAIS SE ENCONTRA PRONUNCIADO”
cfr. Lei 65/2003 de 23 Agosto” pelo Ministério Público junto da 1ªVara Criminal
Lisboa - foi formulado em primeiro lugar que a Extradição solicitada ao BRASIL e
foi RECUSADO!
41- Esta extensão ou extradição “supletiva” ou “complementar” é PROÍBIDA por
ESPANHA pois o Req. A. NÃO RENUNCIOU AO PRINCÍPIO da ESPECIALIDADE NEM CONSENTIU
EM SER PERSEGUIDO em PORTUGAL por outro PROCESSO diferente do de Sesimbra e que
veio a ser arquivado !!!!
42- Os Princípios da Reciprocidade e da Especialidade - em Espanha, em Portugal,
no Brasil e União Europeia in Decisão Quadro 2002/584/JAI e LEI 65/2003 de 23
Agosto, constituem obstáculo à perseguição, manutenção da prisão do Req. e
submissão a Julgamento nos autos 292/98 da 1ª Vara Criminal Lisboa.
43- ESPANHA assumiu o compromisso perante PORTUGAL de entregar, como entregou, o
Req. A. para ser perseguido pelo Proc. de Sesimbra e não por outro !!!!! Ou
seja: deferiu em parte o que PORTUGAL lhe pediu e nada mais!
44- Em ESPANHA o Req. A. não renunciou nem consentiu - tal e qual como no BRASIL
- a ser perseguido por factos diferentes do de Sesimbra....
45-O Req. esteve preso 19 MESES no BRASIL e está enjaulado há MAIS DE 150 HORAS
em PORTUGAL sem fundamento: foi entregue pelo BRASIL a PORTUGAL pelas 08 Horas
ao E:P.L. – LISBOA e daqui “removido” para o E P LINHÓ em 20 Out. 2006.
46- “Compreende-se” a intenção do Governo Português: uma das formas de “esquecer
o déficit” é entreter o “Pôvo” e criar parangonas nos jornais, anunciando
“milagres” como o da captura em neste mísero Planeta de uma personna non grata
(à semelhança de Bush com Sadam Hussein e dos voos secretos por todo o
Iado...sem regras nem rei nem roque...) mas, como dizia o moleiro Prussiano
quando ameaçado por Frederico II da expropriação do seu moinho “ ainda há Juízes
em Berlim”....
47- O Req. está ciente de que este Alto Tribunal irá contrariar a lição de Padre
António Vieira “...as injustiças da terra são as que abrem a porta à Justiça do
Céu... “- Sermões I - Sá de Castro, 90, fazendo a mais Lídima Justiça e abrindo
as portas da Secção de Segurança do Linhó à LIBERDADE do Requerente! (se assim
não acontecer foi por culpa da defesa que tentou peticionar o melhor que pôde)
Petitório:
Verificam-se os requisitos do Art. 222-2- A), B), C) do Código Processo Penal e
o Requerente A. deve ser libertado pois:
Questão Prévia:
Os autos regem-se pela LEI 59/98 de 25 Agosto que, ao abrigo do art. 335-3 CPP.,
implicavam a DECLARAÇÃO DE CONTUMÁCIA in casu. que da competência do Presidente
do Tribunal Colectivo de Julgamento, implica a suspensão dos termos ulteriores
do processo até à apresentação ou detenção do arguido – art. 335 - 3 CPP na
redacção da Lei 59198 de 25 Agosto.... Ao abrigo do art. 334 - 3 e 4 do CPP 1998
era fundamental a presença do arguido para exercício do contraditório e da
defesa, mas o MMº Juiz de Direito que presidiu ao Julgamento:
- não declarou a contumácia, não julgou imprescindível a presença do arguido,
não adiou a audiência e condenou o Req. em 25 anos de prisão pelo que os actos
praticados desde o início da audiência são nulos e nulo é todo o processado !!!
Acresce que,
A) - Em 27 ABRIL- 2004 o Ministério Público promoveu a EMISSÃO e REMESSA à
AUDIÊNCIA NACIONAL ESPANHA de Mandado de Detenção Europeu a funcionar como
“PEDIDO de EXTENSÃO de COMPETÊNCIA por forma a PERMITIR o JULGAMENTO do ARGUIDO
pelos FACTOS pelos quais de ENCONTRA PRONUNCIADO” cfr. Lei 65/2003 de 23 Agosto-
in Habeas Corpus 3767/04-5-D. 3 fls. 5.... que soltou o Req. face à violação do
Princípio da Especialidade
B) - ”Tal expediente não obteve resposta afirmativa até ao momento” dixit STJ -
in folhas 6- Habeas Corpus 3667/04-5.
C) - ESPANHA RECUSOU A EXTENSÃO DE COMPETÊNCIA E PERSEGUIÇÃO NESTES AUTOS, temos
Decisões opostas entre ESPANHA e BRASIL, quiçá com o BRASIL!
D) - ESPANHA não deferiu tal pedido pelo que está impedida a perseguição nestes
autos face ao PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE...
E) - O pedido a ESPANHA - “de extensão de competência por forma permitir o
julgamento ARGUIDO PELOS FACTOS PELOS QUAIS SE ENCONTRA PRONUNCIADO” cfr. Lei
65/ 2003 de 23 Agosto” pelo Ministério Público junto da 1ª Vara Criminal Lisboa
- foi formulado em primeiro lugar que a Extradição solicitada ao BRASIL e foi
RECUSADO
F )- Esta extradição “supletiva” ou “complementar” é PROÍBIDA pois o Req. A. NÂO
RENUNCIOU AO PRINCÍPIO da ESPECIALIDADE NEM CONSENTIU EM SER PERSEGUIDO em
PORTUGAL por outro PROCESSO diferente do de Sesimbra e que veio a ser
arquivado!!!!
daí que,
ÃG)- O TRIBUNAL da RELAÇÂO LISBOA tenha proferido Venerando Acórdão nos autos a
1 Abril 2005 julgando que “... VEDADO ESTAVA SOB PENA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO
DA ESPECIALIDADE QUE RELATIVAMENTE AO ARGUIDO FOSSE EFECTUADO QUALQUER ACTO
PROCESSUAL “- Doc 4
H)- Os Princípios da Reciprocidade e da Especialidade - existentes em Espanha,
em Portugal, no Brasil e na União Europeia in Decisão Quadro 2002/584/JA1 e LEI
65/2003 de 23 Agosto, constituem obstáculo à perseguição, manutenção da prisão
do Req. e submissão a Julgamento nos autos 292/98 da 1ª Vara Criminal Lisboa,
face às excepções contidas na Lei 65/2003 de 23/ Agosto – art. 7º
I) - ESPANHA assumiu o compromisso perante PORTUGAL de entregar, como entregou,
o Req. A. para ser perseguido apenas pelo caso de Sesimbra e não por outro!
J) - Em ESPANHA o Req. A. não renunciou nem consentiu - tal e qual como no
BRASIL - a ser perseguido por factos diferentes do de Sesimbra…
L) - O Req. esteve preso 19 MESES no BRASIL e está enjaulado há MAIS de 150
HORAS em PORTUGAL sem fundamento: foi entregue pelo BRASIL a PORTUGAL pelas 08
Horas ao E.P.L.- LISBOA e daqui “removido” para o E P LINHÓ a 20 Out. 2006: não
pode ser perseguido no P° 292/98 – 1ª Vara Criminal sob pena de violação da LEI
65/2003 de 23/8: Princípio da Especialidade e Reciprocidade!!!
M) O Req. não foi interrogado nem presente ao MMº Juiz de Direito desde 18 Out.
2006: foram violados os art°s 28- 1 Lei Fundamental e 254- CPP (Acórdão
“Wínterwerp”, A 33 págs 19-20, do Tribunal Europeu Direitos do Homem, entre
outros)
N)- O Req. abandonou Portugal nos 45 dias – art. 7º da Lei 65/2003 de 23/Agosto,
fixou-se no Brasil, tem um FILHO Brasileiro e fala a mesma Língua, não renunciou
à regra da Especialidade, não consentiu na entrega nem regressou voluntariamente
a Portugal pelo que a prisão “re-ordenada” pelo MMº Juiz de Direito da 1ª Vara
Criminal de Lisboa em 6-12-2004 atenta contra Princípios Comunitários e
Internacionais. Doc 2, 3 e 4
O)- O Req. no Brasil respondeu perante o Tribunal Regional Federal da Primeira
Região-Proc. 2005.34.00.014654-8 em que é Reqt. o GOVERNO de PORTUGAL / Carta
Rogatória Penal- 12ª VARA FEDERAL e aí declarou que:
“....NÃO ABRE MÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE...”
Doc3
P) Inexiste Sentença transitada ou Decisão exequível.
Urge assim que Vossas Excelências, COLENDOS JUÍZES CONSELHEIROS que têm aqui a
Nobre e Difícil Missão de apreciar da Vida de A. e do maior Bem deste - a
LIBERDADE - se dignem, com a máxima URGÊNCIA:
a) - declarar a nulidade do processado e da Detenção;
b) - declarar a violação do Princípio da Especialidade in art. 13º - 1 e 27º-2-
Decisão - Quadro 2002/584/JAI do Conselho União Europeia e 7º da LEI 65/2003 de
23/8;
c)- declarar a prisão ilegal - art. 222- 2-a),b) e c) CPP;
d)- declarar a inexistência de Decisão exequível, transitada em julgado que
imponha a prisão preventiva;
e) - declarar a inconstitucionalidade do art. 204 - A) C.P.P., por violação dos
arts. 13 e 27-2 da DECISÃO - QUADRO 2002/584/JAI de 13/6, art. 7 da LEI 65/2003,
arts 34- 2-b) do TRATADO UNIÃO EUROPEIA e arts. 27, 28, 29, 31, 32-1e 33 da LEI
FUNDAMENTAL, quando entendido, que pode ser aplicada a prisão preventiva à ordem
de processo diferente daquele pelo qual o extraditando que NÃO RENUNCIOU AO
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE NEM CONSENTIU EM SER PERSEGUIDO POR INFRACÇÃO
DIFERENTE foi submetido em outro Processo a Mandado de Detenção, a Extradição, a
prisão preventiva se extinguiu e os autos que pedem a Extradição, arquivados por
ausência de factos, ordenando-se a prisão por processo diferente sem o
interrogar no prazo legal de 48 Horas e sem existir Decisão exequível.
f) ordenar a LIBERTAÇÃO de A. detido na Secção de Segurança do cárcere do Linhó;
g) ordenar a cessação da perseguição criminal ao Requerente face ao arquivamento
do Proc. 581/04.0 TBSSB do Tribunal Sesimbra e
h) impor à 1ª VARA CRIMINAL LISBOA a observância e o respeito pelo Princípio da
Especialidade vedando qualquer forma de perseguição criminal in casu”.
2.2 – Por Acórdão de 2 de Novembro de 2006, o Supremo Tribunal
de Justiça determinou, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 4 do artigo
223.º do CPP “mandar apresentar o detido no tribunal competente e no prazo de 24
horas, a fim de ser dado cumprimento ao disposto no art. 254.º n.º 2 do Código
de Processo Penal”.
Esta decisão estribou-se nos seguintes fundamentos:
“(...)
O requerente, arguido no proc. 292/98 da 1ª Vara Criminal de Lisboa, lança mão
da providência de habeas corpus também com vista a alcançar finalidades que a
providência não visa.
Conforme tem sido afirmado por este Supremo Tribunal de Justiça e o requerente
bem sabe, já que fez uso, por duas vezes, do habeas corpus, esta constitui uma
“providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o
direito à liberdade constitucionalmente garantido. O seu fim exclusivo e último
é, assim, estancar casos de detenção ou de prisão ilegais”.
5. Previsto nas Constituições de 1911 e de 1933, que remetiam para a lei
ordinária a respectiva regulamentação, o instituto do habeas corpus apenas foi
introduzido no ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei 45.033, de 20 de
Outubro de 1945. Conforme a respectiva exposição de motivos “a providência do
habeas corpus consiste na intervenção do poder judicial para fazer cessar as
ofensas do direito de liberdade pelos abusos da autoridade. Providência de
carácter extraordinário... é um remédio excepcional para proteger a liberdade
individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a
ofensa ilegítima dessa liberdade”.
Na Constituição de 1976, estabeleceu-se, no art. 31º, que haverá habeas corpus
contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer
perante o tribunal competente. Em anotação a esta norma referem os Profs. Comes
Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa – Anotada, 3ª
edição revista, pág. 199) que, “a prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora
dos casos previstos no art. 27º, quando efectuada ou ordenada por autoridade
incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos
de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da
prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção
ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc.”.
O habeus corpus “não é um recurso, é uma providência extraordinária com a
natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito
curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade” (Germano
Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág. 321), sendo certo que “a
qualificação como providência extraordinária será de assumir no seu
descomprometido significado literal de providência para além (e nesse sentido
fora – extra) da ordem de garantias constituída pela validação judicial de
detenções e pelo direito ao recurso de decisões sobre a liberdade pessoal”
(Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, pág.
343).
Por isso, não pode o requerente pretender que o Supremo Tribunal, no âmbito
desta providência se pronuncie acerca de matérias como as constantes do ponto
que designou como “questão prévia”, designadamente sobre a alegada falta de
declaração da contumácia, ou sobre o despacho que não julgou imprescindível a
presença do arguido na audiência, nem ainda quanto ao não adiamento do
julgamento ou relativamente à condenação do arguido na pena de 25 anos de prisão
ainda não transitada. São questões que eventualmente poderão ser discutidas e
apreciadas num recurso ordinário, mas, nunca por nunca, na providência de habeas
corpus.
Nesta, o Supremo Tribunal de Justiça tem apenas de verificar se a prisão do
arguido se encontra inquinada por algum dos fundamentos das als. a), b) e c) do
nº 1 do art. 222º do Código de Processo Penal, que o requerente, apesar da
patente diferença entre as situações constantes de cada uma das mencionadas
alíneas, considera violadas na sua totalidade.
6. A ilegalidade da prisão deve provir de:
a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;
e) Manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial.
Liminarmente, teremos de afastar o preenchimento das als. a), que o recorrente
invoca, mas relativamente às quais não aduz directamente quaisquer factos. A
prisão adveio de um pedido de extradição formulado pelo Estado Português à
República Federativa do Brasil, a solicitação do juiz da 1ª Vara Criminal de
Lisboa, que para tanto emitiu um mandado internacional de captura, dentro das
competências que lhe são próprias. Assim, não pode falar-se em prisão ordenada
por entidade incompetente.
7. Sustenta o requerente que não pode ser preso, nem pode ser perseguido
criminalmente nos presentes autos, porque “não renunciou ao princípio da
especialidade, nem consentiu em ser perseguido em Portugal por outro processo”,
o que remete para o fundamento da al. b) – ser a prisão motivada por facto pelo
qual a lei não permite.
O princípio da especialidade é um princípio estruturante da cooperação
judiciária penal internacional em matéria penal, internacionalmente aceito,
cujos efeitos o requerente, que foi sujeito a uma entrega a Portugal por via do
mandado de detenção europeu, pretende se mantenha mesmo na situação em que o
arguido libertado do processo que motivou aquela entrega, se acoita num outro
país, fora do espaço europeu.
Se tornarmos como paradigma a Convenção Europeia de Extradição, encontramos tal
princípio expresso no art. 14º e formulado do seguinte modo: a pessoa que tenha
sido entregue não será perseguida, julgada ou de tida com vista à execução duma
pena ou duma medida de segurança nem submetida a qualquer outra restrição à sua
liberdade individual tal por facto anterior à entrega diferente daquele que
motivou a extradição, salvo nos caso seguintes:
a) Quando Parte que a entregou nisso consentir. Para esse efeito deverá
ser apresentado um novo pedido, acompanhado dos documentos previstos no artigo
12º e de auto donde constem as declarações do extraditado. O consentimento será
dado quando à infracção pela qual é pedido implique por si mesma a obrigação de
extraditar, nos termos da presente Convenção.
b) Quando, tendo tido a possibilidade de o fazer, a pessoa extraditada
não tenha abandonado, nos 45 dias que se seguem à sua libertação definitiva, o
território da Parte à qual foi entregue ou quando a ele tenha regressado depois
de o ter deixado.
O princípio da especialidade traduz-se em “limitar os factos pelos quais o
extraditando será julgado, após a entrega ao Estado requerente, àqueles que
motivaram essa entrega” (Anna Zairi, Le Principe de la Spécialité de
l’Extradition au Regard des Droits de l’Homme, p. 30, apud José Manuel Cruz
Bucho e outros, Cooperação Judiciária Internacional, I, pág. 40 n. 71). Segundo
aquela autora, o fundamento jurídico do princípio assenta no reconhecimento da
soberania do Estado requerido pelo Estado requerente, expressa no carácter
convencional da extradição e corresponde à observância pelo Estado requerente do
compromisso perante o Estado requerido de apenas perseguir o extraditando pelas
infracções mencionadas no pedido. Todavia. uma concepção mais moderna, fundada
na ideia de protecção dos interesses do indivíduo, considera a especialidade
como uma regra que releva do costume internacional e que vale mesmo na falta de
disposições convencionais. Partindo desta visão humanista, aquela autora
estabelece uma conexão entre o principio da especialidade da extradição e a
matéria dos direitos do homem, fazendo derivar o principio da especialidade do
art. 6º, nº 3, al. a), da Convenção Europeia (dos Direitos do Homem, na medida
em que essa norma exige que o acusado seja informado da natureza e da causa da
acusação contra ele formulada, o que significa que só pode haver extradição por
factos de que o extraditando tenha conhecimento.
Duma forma ou doutra, o princípio da especialidade só constitui uma salvaguarda
enquanto o extraditado se encontrar sob a tutela do Estado requerente.
Conforme referimos, o princípio da especialidade sofre duas excepções:
- quando houver consentimento do Estado requerido na ampliação da extradição, de
forma a que o extraditado responda por outros processos;
- quando, terminado o procedimento criminal ou o cumprimento da pena e
restituída à liberdade, a pessoa extraditada permaneça no território do Estado
requerente para além do prazo de 45 dias, que é concedido para que abandone
livremente esse território, ou se a ele regressar, depois de o ter deixado.
Assim como um Estado pode requerer a extradição dum cidadão com fundamento em
vários procedimentos criminais de que este é suspeito, arguido ou condenado,
assim também, se, depois de operada a entrega, se vier a verificar a existência
de outros processos, pode ser solicitada, ao Estado requerido, a ampliação da
extradição, a qual só é possível se esse Estado nela consentir.
A segunda excepção permite que, decorrido o prazo de 45 dias, sem a pessoa
abandonar o território do Estado requerente, ou se, tendo-o deixado, a ele
voltar, o Estado que solicitou a extradição possa, sem qualquer outra
formalidade, perseguir criminalmente aquela pessoa, por factos anteriores ao
pedido de extradição.
O princípio da especialidade só protege, assim, a pessoa enquanto ela estiver
sob tutela do Estado requerente. Logo que ele abandone o território do Estado
requerente, cessa para sempre essa garantia. Por isso, assim como, decorrido o
referido prazo. pode ser criminalmente perseguida se permanecer ou voltar ao
território do Estado requerente, sem que se exija qualquer consentimento do
Estado requerido, assim também para a sujeitar a outro ou outros procedimentos
criminais, pode ser alvo de um novo pedido de extradição, agora solicitado ao
Estado em que a pessoa se encontrar, quer seja, quer não, o primitivo Estado
requerido.
É esta a situação que ocorre com o aqui requerente. Não pronunciado no processo
da comarca de Sesimbra, que deu origem à sua entrega pelo Reino de Espanha e
ordenada a sua libertação por este Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da
providência de habeas corpus – proc. nº 3786/04, o ora requerente ficou livre
para permanecer em Portugal ou para se ausentar para um outro qualquer Estado.
Logo que saiu do País, Portugal poderia, como fez, solicitar novo pedido de
extradição, o qual foi endereçado ao Brasil e foi sujeito a todo o formalismo
processual próprio desse processo e com as garantias que o direito interno do
Estado requerido concede em caso de tal providência.
Estando em causa neste momento a prisão decorrente deste novo pedido de
extradição, a qual foi concedida, tendo o arguido sido entregue a Portugal ao
abrigo desse pedido, nenhum valor tem a argumentação apresentada pelo
requerente, com fundamento na entrega por Espanha por via do mandado de detenção
europeu e da legislação que o permite. O requerente continua, assim, a confundir
o que é claro e já lhe foi explicado no acórdão de 14 de Abril de 2005 – proc.
1364/05 – 3ª Secção, que apreciou o segundo habeas corpus que “o Estado
requerido, o Brasil, não é membro da Comunidade Europeia. pelo que se nos
afigura destituída de qualquer fundamento a invocação das regras contidas na Lei
nº 65/2003. de 23 de Agosto”.
Aliás dentro da União Europeia. o princípio da especialidade pode não ter
aplicação, uma vez que a Decisão-Quadro do Conselho, no nº 1 do art. 27º,
permite em termos de reciprocidade. que qualquer Estado membro, notificando para
o efeito o Secretariado-Geral do Conselho, presuma o “consentimento para a
instauração de procedimento penal, a condenação ou detenção para efeitos de
cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa da liberdade, por uma
infracção praticada antes da sua entrega, diferente daquela por que foi
entregue”. Todavia, não tendo Portugal procedido a tal notificação, antes
conferindo ao princípio da especialidade a mesma amplitude da Convenção Europeia
da Extradição, conforme dispõe o art. 7º nº 1 da Lei 65/2003, de 23 de Agosto,
não pode o Estado Português beneficiar da excepção àquele princípio, motivo que
levou ao deferimento do pedido de habeas corpus – proc. 3767/04, concedendo a
liberdade ao requerente.
Idêntica disciplina, quanto ao princípio da especialidade, se encontra contida
no art. 16º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária
Internacional em Matéria Penal), diploma que regula a presente extradição, em
virtude de o Estado requerido ser o Brasil.
No que respeita a esta matéria, pode, portanto, concluir-se que, o requerente,
tendo-se ausentado para o Brasil após ter sido posto em liberdade, deixou de
beneficiar do princípio da especialidade decorrente da primitiva entrega
proveniente do Reino de Espanha, pelo que era lícito a Portugal solicitar ao
Brasil uma outra extradição, com vista a responsabilizá-lo criminalmente no
âmbito do proc. 292/88 das 1ª Vara Criminal de Lisboa. Foi esta extradição que
foi agora concedida pela República do Brasil e, foi por via dela que se operou a
remoção do aqui requerente para Portugal, com a entrega do detido ao
representante do Governo Português no Brasil e aos inspectores do Gabinete
Nacional da Interpol, que o acompanharam na viagem e entregaram no
Estabelecimento Prisional de Lisboa. (docs. de fls. 188 e 194).
Uma vez que, pelas razões invocadas, o requerente havia deixado de beneficiar do
princípio da especialidade e visto que os crime por que foi condenado, embora
por decisão ainda não transitada, admitem prisão preventiva, haverá que concluir
que a prisão não foi motivada por facto pelo qual a lei não o permite.
8. Conforme consta do mandado de detenção internacional que sustentou o pedido
de extradição, as decisões que fundamentam a emissão do mandado foram o despacho
proferido em 6 de Dezembro de 2004, que decretou a prisão preventiva do arguido
A. e a condenação, por acórdão proferido a 22 de Setembro de 2000, na pena de 17
anos de prisão por crime chefia de associação criminosa, com reincidência e na
pena de 11 anos de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, com
reincidência e, em cúmulo jurídico, na pena única de 25 anos de prisão.
A informação do juiz do processo, documentada na certidão de diversas peças
processuais oficiosamente mandada juntar, esclarece que, no despacho subsequente
ao interrogatório de arguido detido, foi determinado “que o arguido, A., aguarde
os ulteriores termos do processo em prisão preventiva”, medida que foi
considerada “única adequada e suficiente às exigências cautelares que o presente
caso requer”. Essa medida foi interrompida, quando o arguido, aproveitando a
realização de diligências de investigação incompatíveis com a sua permanência em
estabelecimento prisional, veio a evadir-se no dia 16 de Outubro de 1999.
Operada agora a entrega ao Estado Português, o requerente deu entrada no
Estabelecimento Prisional de Lisboa em 18 de Outubro de 2006 (fls. 188), tendo
sido transferido para o Estabelecimento Prisional do Linhó, dois dias depois,
conforme o próprio requerente informa. Diz ainda o requerente que não foi
presente a nenhum juiz,
De facto, afirma-se na informação a que respeita o art. 223º nº 1 do Código de
Processo Penal, que “a detenção internacional do arguido para os fins de
cumprimento da medida de coacção que lhe foi imposta não obriga a novo
interrogatório judicial ou à audição presencial do arguido, sendo a sua audição
facultativa nos termos do nº 3 do Art. 213º do CPPenal. A situação pessoal do
arguido nestes autos estava e está perfeitamente definida neste âmbito, desde a
realização do primeiro interrogatório judicial, não tendo aqui aplicação o
disposto no Art. 254º/1, alínea a), do CPPenal, estando perfeitamente
salvaguardado o imperativo constitucional do Art. 28°/1 da Constituição da
República Portuguesa.”
Questão idêntica foi objecto de apreciação na providência de habeas corpus
decidida em 10 de Novembro de 2005 – proc. nº 3719/05 com o mesmo relator –, a
qual, expurgada das respectivas especificidades, passaremos a acompanhar.
“Dispõe-se no art. 254º do Código de Processo Penal:
1 - A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada:
a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a
julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro
interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção;
ou
b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto
prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a
autoridade judiciária em acto processual.
2 - O arguido detido fora de flagrante delito para aplicação ou execução da
medida de prisão preventiva é sempre apresentado ao juiz, sendo
correspondentemente aplicável o disposto no artigo 141º.
Segundo o art. 141º nº 1 do Código de Processo Penal, “o arguido detido que não
deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo
máximo de 48 horas após a detenção, logo que lhe for presente com a indicação
dos motivos da detenção e das provas que a fundamentam”.
Não constando o nº 2 da redacção inicial do art. 254º do Código de Processo
Penal, formaram-se, na jurisprudência, a propósito do mencionado art. 141º, duas
correntes: uma que defendia que o interrogatório judicial só era obrigatório
quando a detenção fosse realizada pelo Ministério Público ou por órgão de
polícia criminal; outra que sustentava que a obrigatoriedade daquele
interrogatório se impunha em todos os casos em que tivesse havido detenção, quer
por iniciativa do Ministério Público ou de órgão de polícia criminal, quer em
cumprimento de decisão judicial de aplicação de medida de prisão preventiva.
Tal divergência deu motivo a que, por se tratar de direitos fundamentais, o
Procurador-Geral da República, por despacho de 15 de Novembro de 1990, tenha
determinado aos magistrados do Ministério Público que sustentassem a
interpretação de que o primeiro interrogatório judicial do detido é sempre
obrigatório, interpondo recurso sempre que o tribunal decidisse de modo
diferente. Fundava-se para tanto aquela determinação no entendimento de que o
artigo 141º, nº 1 do Código de Processo Penal tinha de ser interpretado em
conformidade com os artigos 28º, nº 1 e 32º, nº 1 da Constituição e que, à luz
desses preceitos, o interrogatório judicial se destina a permitir ao juiz o
conhecimento das causas da detenção e a possibilitar que o juiz oponha ao detido
estas causas e lhe faculte o uso eficaz dos direitos de defesa.
Por isso se considerava no referido despacho que o artigo 141º, nº 1, do Código
de Processo Penal não podia deixar de se articular com o artigo 254º do mesmo
diploma, segundo o qual “A detenção (...) é efectuada: a) Para, no prazo máximo
de 48 horas, o detido ser submetido a julgamento sob forma sumária ou ser
presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para
aplicação de uma medida de coacção”.
A alteração operada na redacção do art. 28º nº 1 pela Revisão Constitucional de
1997, que, segundo a proposta da Comissão Eventual de Revisão Constitucional,
teve a finalidade de corrigir tecnicamente o texto anterior, levou à
substituição da expressão “a prisão sem culpa formada” por “a detenção”,
determinando agora o texto constitucional que “A detenção será submetida, no
prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial para restituição à
liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer
das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe
oportunidade de defesa”.
Na proposta legislativa do Governo para a revisão do Código de Processo Penal de
1998, consignou-se a necessidade de acrescentar um nº 2 ao art. 254º, para,
segundo a respectiva exposição de motivos, “impor expressamente, em rigoroso
respeito pela Constituição, a apresentação do detido ao juiz, sempre que a
detenção ocorrer fora de flagrante delito, em qualquer fase do processo”.
Alterado o Código de Processo Penal, ficou esclarecido que. detido o arguido em
qualquer fase do processo se torna obrigatório o respectivo interrogatório
judicial, para, em conformidade com o preceito constitucional, se operar a
“restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o
juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido,
interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa” (art. 28º nº 1).
Ora, a norma do art. 254º nº 2 do Código de Processo Penal não foi observada
pelo juiz da 1ª Vara Criminal de Lisboa. Tendo tomado conhecimento da entrega do
detido no estabelecimento prisional, por execução do pedido de extradição que se
mostrava fundado no seu despacho de 6 de Dezembro de 2004, conforme consta dos
mandado internacional de captura por si subscrito, o juiz do processo deveria de
imediato ter mandado comparecer o arguido para o interrogar e lhe dar
oportunidade de defesa. A falta de observância desta disposição inquina de
ilegalidade a situação do requerente, por violar o seu direito à liberdade, que
é um direito constitucionalmente reconhecido.
No presente caso, a detenção foi ordenada pelo juiz titular do processo, o qual,
como se referiu, tem competência para tal determinação e foi motivada por facto
condenação, ainda não transitada, por crimes de associação criminosa e de
tráfico de estupefacientes – que admite a prisão preventiva.
Por outro lado, os prazos a que a al. c) do art. 222º se refere são, no entender
do Prof. Germano Marques da Silva (Processo Penal, II, pág. 326) “os prazos
fixados por lei são os prazos máximos da prisão preventiva e os fixados por
decisão judicial são os da duração da pena de prisão fixada em sentença
condenatória”. Assim, o pedido formulado pelo requerente não é directamente
enquadrável neste fundamento, por a situação em que se baseia dizer respeito a
um excesso de detenção.
Com efeito, detenção e prisão preventiva são conceitos diferentes. O Código de
Processo Penal reserva o conceito de prisão preventiva para a privação de
liberdade individual emergente de decisão judicial e aplicada como medida de
coacção. A detenção não se encontra definida na lei, podendo caracterizar-se
como uma medida precária de privação da liberdade, com características
cautelares, cuja finalidade essencial é a colocação do sujeito à disposição da
autoridade judicial. Não estando necessariamente dependente de mandado judicial,
quando, todavia, for ordenada pelo juiz está sujeita a pressupostos materiais
coincidentes com as finalidades que legalmente lhe são assinaladas: para a
aplicação de medida de coacção ou para assegurar a presença imediata de detido
perante o juiz em acto processual.
As situações de excesso de prazo de detenção que se encontram previstas no art.
220º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal, no âmbito do habeas corpus, são da
competência do juiz de instrução, mas são situações em que o detido que se
encontra à ordem duma autoridade, deve ser presente à autoridade judicial.
Quando a ordem de detenção emane dum juiz e o detido se encontre num
estabelecimento prisional à ordem dum tribunal, a situação assume contornos
diferentes da normal detenção, com reflexos na inaplicabilidade do habeas corpus
na modalidade regulada nos arts. 220º e 221º do Código de Processo Penal.
Nos termos do art. 31º nº 1 da Constituição, o habeas corpus colhe sempre
fundamento em situações de ilegalidade, sejam de prisão, sejam de detenção, não
prevendo o preceito qualquer excepção.
Ainda que para tanto se torne necessário recorrer à interpretação extensiva, as
normas do Código de Processo Penal, que regulam o instituto, têm de ser objecto
duma interpretação, que, no respeito pela Constituição, permita que nelas sejam
incluídas outras situações de privação da liberdade, como é o caso do detido por
ordem do juiz que permaneça mais de 48 horas sem ser sujeito a interrogatório
judicial,
Das duas modalidades de habeas corpus, é de afastar, desde logo, para este
efeito, a da competência do juiz de instrução, apesar de ser a que prevê
especificamente o excesso de detenção. Na verdade, se a ordem de detenção dimana
dum juiz, operada que seja a captura, o detido fica à ordem dum processo
judicial distribuído a um determinado tribunal, pelo que fazer intervir, neste
caso, o juiz de instrução, constituiria um entorse do sistema.
Dificuldade que não se verifica na modalidade dos arts. 222º e 223º por a
competência para a apreciação da providência se radicar no Supremo Tribunal de
Justiça. E se é certo que, segundo a lei processual, a providência de habeas
corpus da competência do Supremo Tribunal de Justiça respeita a excessos de
prisão, nenhuma razão válida se opõe a que a mesma disciplina seja aplicada a
outras ocorrências de excesso de prazo de privação de liberdade, quando
dimanadas de acto judicial.
9. Assente a competência do Supremo Tribunal de Justiça, resta decidir a medida
apropriada.
Uma vez que não se trata de prisão ilegal, mas duma detenção de que pode
resultar a aplicação duma medida de coacção, designadamente de prisão
preventiva, não é caso de ordenar a imediata libertação do requerente. Mais
adequada é a medida prevista na al. c) do nº 4 do art. 223º mandar apresentar o
detido no tribunal competente e no prazo de 24 horas, a fim de ser dado
cumprimento ao disposto no art. 254º nº 2 do Código de Processo Penal.
Termos em que deliberam no Supremo Tribunal de Justiça em determinar ao juiz da
1ª Vara Criminal de Lisboa – 1ª secção, que proceda ao interrogatório do detido
A., nos termos do art. 254º nº 2 do Código de Processo Penal, mandando-o
comparecer em juízo no prazo de 24 horas.
(...)”.
2.3 – Inconformado, o arguido recorreu, nos termos supra
referidos, para este Tribunal.
3 – Configurando-se uma situação abrangida pela hipótese da
norma do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e dado que, nos termos do artigo 76.º,
n.º 3 do mesmo diploma, a decisão que admitiu o recurso não vincula o Tribunal
Constitucional, passa a decidir-se com base nos seguintes fundamentos.
4 – Impõe-se, antes de mais, como condição de inteligibilidade
da apreciação destes recursos, esclarecer, na senda da jurisprudência deste
Tribunal, o sentido e o alcance dos pressupostos processuais dos recursos
interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, maxime, alíneas b), g) e i) da LTC.
4.1 – Constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 280º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o
processo e que a norma tenha sido efectivamente aplicada como ratio decidendi da
decisão recorrida.
Daqui decorrem, inter alia, três observações básicas.
Em primeiro lugar, importa reter que o objecto da fiscalização jurisdicional de
constitucionalidade são, pois, apenas normas jurídicas, não podendo o Tribunal
Constitucional pronunciar-se sobre uma (eventual) “inconstitucionalidade da
decisão judicial”, como, de resto, tem sido unanimemente acentuado pela
jurisprudência deste Tribunal – cf. nesse sentido, entre muitos, o Acórdão n.º
199/88, publicado no DR II Série, de 28 de Março de 1989.
Por isso se reconhece que os recursos de constitucionalidade, embora interpostos
de decisões de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas se contém
sobre a violação ou não violação da Constituição por normas mobilizadas na
decisão recorrida como sua ratio decidendi ou seu fundamento normativo, não
podendo visar as próprias decisões jurisdicionais, identificando-se, nessa
medida, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do
recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões
judiciais podem constituir objecto de tal recurso – cf., nestes exactos termos,
o Acórdão n.º 361/98 e, entre muitos outros, os Acórdãos n.os 286/93, 336/97,
702/96, 336/97, 27/98 e 223/03, todos disponíveis para consulta em
www.tribunalconstitucional.pt.
E isto porque a Constituição não configurou o recurso de constitucionalidade
como um recurso de amparo – ou de «queixa constitucional»
(Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde) – no âmbito do qual fosse
possível sindicar qualquer lesão dos direitos fundamentais, aí se incluindo a
possibilidade de conhecer, nesse âmbito, do mérito da própria decisão judicial
sindicanda, antes recortou a competência do Tribunal Constitucional em torno do
conhecimento de questões de constitutionalidade de normas, pelo que é perante
tal conformação do sistema jurídico-constitucional de recursos que o Tribunal
pode actuar em termos de avaliar da bondade constitucional de critérios
normativos quando estejam em causa os direitos fundamentais – daí decorrendo,
como afirma Fernando Alves Correia (“Os Direitos Fundamentais e a sua Protecção
Jurisdicional Efectiva”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, 2003, p. 72), que o “recurso de constitucionalidade, sobretudo quando
tem na base a suscitação pela parte, durante o processo, da questão de
constitucionalidade da norma jurídica aplicável ao caso, desempenha um papel
determinante na protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos”.
Destarte, como se disse no Acórdão n.º 133/97, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, “admitir-se-á em tese geral que uma interpretação
viole a lei, mas uma coisa é violar a lei e outra violar a Constituição. O
contencioso da constitucionalidade, por um lado, é um contencioso de normas não
de decisões, (...) tal como não cabe nos poderes de cognição deste Tribunal
sindicar a forma como o tribunal recorrido interpretou e deu aplicação às normas
que regem a questão submetida a julgamento”.
Em segundo lugar, a questão de constitucionalidade (por antonomásia, normativa)
deve ser suscitada durante o processo, devendo este requisito – como se tem
explicitado reiteradamente (cf., por exemplo, o Acórdão n.º 352/94, publicado no
Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994) – ser entendido “não num
sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada
até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo que essa
invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda
pudesse conhecer da questão, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz
sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”.
No mesmo sentido, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no
Diário da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um
cabal cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada -
da questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma
secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal
recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o
Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da
questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».
Neste domínio há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a
intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da
questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter
apreciado.
Ainda na mesma linha de pensamento podem ver-se, entre outros, o Acórdão n.º
155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e,
aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000,
publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 (sobre o sentido de
um tal requisito, cf. José Manuel Cardoso da Costa, “A jurisdição constitucional
em Portugal”, in separata dos Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso Queiró, 2ª
edição, Coimbra, 1992, pp. 51).
Por fim, como se disse, para que o Tribunal Constitucional possa tomar
conhecimento do objecto do recurso torna-se apodíctico que norma sindicanda
tenha constituído a verdadeira ratio decidendi do juízo recorrido.
E bem se compreende que assim seja uma vez que só quando estiver em causa a
inconstitucionalidade da(s) norma(s) que constitui[u](ram) a ratio decidendi do
juízo recorrido é que a decisão do Tribunal Constitucional poderá projectar-se
sobre o caso sub judice, contendendo, nessa medida, com a decisão recorrida,
posto que, como se afirmou no Acórdão n.º 112/84, o Tribunal Constitucional,
enquanto “(...) órgão jurisdicional, nunca age, nem pode aceitar agir, como se
fosse um órgão consultivo em matéria jurisdicional (...), toda e qualquer
apreciação e declaração de inconstitucionalidade de uma norma não pode deixar de
produzir efeito no caso sub judice; não pode, e não deve, com efeito, o Tribunal
Constitucional, pronunciar-se sobre «pleitos puramente teóricos ou académicos»
(cf. Acórdão n.º 149 da Comissão Constitucional)”, o que sucederia,
inequivocamente, em todas as situações onde a formulação de um juízo de
constitucionalidade sobre determinada norma não se viesse a repercutir na
decisão recorrida porque o critério legal em crise não foi, afinal, aplicado ao
caso concreto como ratio decidendi do juízo proferido.
Em todo o caso, sublinhe-se que nada impede que, ao invés de se suscitar a
inconstitucionalidade de um preceito legal, se questione apenas um seu segmento
ou uma determinada dimensão normativa (cf., entre a abundante jurisprudência do
Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 367/94 – publicado no DR II série, de 7
de Setembro de 1994 –: “ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode
questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma
interpretação que do mesmo se faça (…) esse sentido (essa dimensão normativa) do
preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado
inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de,
tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a
saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não
deve ser aplicado por, desse modo, violar a constituição”), contudo, em tal
hipótese, é necessário que a norma que se coloca à apreciação do Tribunal
Constitucional tenha sido, efectivamente, aplicada in casu com a interpretação
que se entende inconstitucional (e que tenha constituído a ratio decidendi do
juízo proferido) – cf., nesse sentido, entre outros, o Acórdão n.º 139/95,
publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º volume, 1995, o Acórdão
n.º 197/97, publicado no Diário da República, IIª Série, n.º 299, de 29 de
Dezembro de 1998 e, mais recentemente, o Acórdão n.º 214/03, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt.
4.2 – Por seu turno, a alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, admite, em sede
de fiscalização concreta, recurso das decisões “que apliquem norma já
anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal
Constitucional”.
Como se diz no Acórdão n.º 163/98, “(...) o recurso estribado naquela alínea [g]
tem por fim impedir que subsistam decisões jurisdicionais que no fundo venham a
efectuar julgamentos com base em normativos que quanto à respectiva questão de
constitucionalidade sejam ajuizados de forma diversa daquela que foi levada a
efeito pelo Tribunal Constitucional”, e, para tal, é necessário que a norma cuja
inconstitucionalidade se pretende ver apreciada tenha sido “anteriormente
julgada inconstitucional por este Tribunal e que tal norma tenha sido aplicada
como ratio decidendi na decisão recorrida” (Acórdão n.º 226/01), pressuposta
sempre, uma identidade normativa entre o objecto de anterior recurso de
constitucionalidade e a norma que se pretende sindicar em recurso de decisões
'que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional” – cf., quanto a
este pressuposto, entre a abundante (e uniforme) jurisprudência deste Tribunal,
o Acórdão n.º 200/02, todos estes acórdãos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt.
4.3 – Finalmente, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC,
admite-se, em sede de fiscalização concreta, recurso das decisões “que recusem a
aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua
contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade
com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional”.
Como resulta claramente do preceito, apesar deste Tribunal ter competência para
apreciar a questão da contrariedade de um acto legislativo com uma convenção
internacional, essa competência é limitada aos casos de desaplicação da lei
interna e de existência de decisões dos tribunais que sejam contrárias a uma
decisão anterior deste Tribunal, pressuposta a identidade normativa entre a
norma-foro e a norma-tema.
Em qualquer caso, o recurso é restrito às questões de natureza
jurídico-constitucional e jurídico-internacional implicadas pela decisão
recorrida.
5 – Pressuposta esta compreensão dos requisitos determinantes do conhecimento
dos recursos de constitucionalidade, e relembrando que este Tribunal apenas pode
sindicar o critério normativo que constituiu ratio decidendi do juízo recorrido
e não a correcção da aplicação jurídica, na sua ponderação fáctico-concreta,
cumpre apreciar, in casu, o recurso interposto.
5.1 – Nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC
5.1.1 – O recorrente pretende ver fiscalizada a constitucionalidade “dos artigos
223.º e 254.º do CPP, por violação dos artigos 28.º, n.º 1, e 31.º, n.º 1 da Lei
Fundamental, quando entendidos que a não apresentação do Req. ao MMº Juiz de
Direito no prazo de 48 horas após a entrada em Portugal é desnecessária e não
impõe a sua imediata libertação”.
A esse propósito, sustenta que “inexistindo sentença transitada em julgado ou
decisão exequível, o artigo 254.º do CPP estabelece o prazo máximo de 48 horas
para aplicação da medida de coacção, à semelhança do artigo 28.º, n.º 1, da CRP,
pelo que a não audição do requerente desde que entrou em Portugal e a não
apresentação em tribunal nesse prazo consignado na Lei Fundamental conduz à
ilegalidade da prisão e à imediata restituição à liberdade.
Como pode constatar-se, os termos em que o recorrente coloca tal questão
conduzem, para além da invocação de um suporte normativo formal, à valoração do
juízo aplicativo e não à sindicância de um critério normativo subtraído à
concreta apreciação fáctica do caso, tal como este foi julgado pelo tribunal a
quo.
Independentemente disso, perscrutando-se o teor do requerimento de habeas
corpus, verifica-se que o recorrente não suscitou tal questão de
constitucionalidade perante o Supremo Tribunal de Justiça, limitando-se aí a
referir, sem qualquer suporte normativo, que “a não apresentação do Req. ao Mmº
Juiz de Direito no prazo de 48 horas após a entrada em Portugal viola o artigo
28.º da Lei Fundamental (...)”.
Tal consideração não densifica a suscitação adequada de um problema de
constitucionalidade normativa, atentas as mencionadas exigências determinantes
da admissibilidade dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Em todo o caso, ainda que assim não fosse, admitindo-se, para efeitos meramente
discursivos, que o recorrente impugna um critério normativo próprio sensu,
sempre haveria de concluir-se que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou os
artigos 223.º e 254.º do CPP no sentido de considerar desnecessária a não
apresentação do arguido ao juiz competente nos termos do disposto no artigo
254.º do CPP.
Pelo contrário, o Supremo considera que “o juiz do processo deveria ter mandado
comparecer o arguido para o interrogar e lhe dar oportunidade de defesa” (na
perspectiva implícita de reapreciar os pressupostos de manutenção da medida de
coacção de prisão preventiva que lhe havia sido aplicada antes de se evadir para
o Brasil) e, em função disso, acaba por “mandar apresentar o detido no tribunal
competente e no prazo de 24 horas, a fim de ser dado cumprimento ao disposto no
art. 254.º n.º 2 do Código de Processo Penal”.
Tanto basta para atestar que a ratio decidendi acolhida pelo juízo recorrido não
coincide com a dimensão impugnada sub species constitutionis, o que, por sua
vez, constitui obstáculo ao conhecimento do mérito do recurso.
5.1.2 – O recorrente pretende ver, também, apreciada a constitucionalidade dos
“artigos 191.º, 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1, alínea a) e 204.º, alíneas a) e c)
do CPP conjugados com o artigo 16.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, quando
entendidos no sentido de que pode ser emitido mandado de detenção quando o
extraditando foi anteriormente detido por mandado emitido por diferente tribunal
e por factos diferentes, sem que seja interrogado nas 48 horas após a entrega às
autoridades portuguesas”, por violação do disposto nos artigos 29.º, n.º 2,
32.º, n.º 1, e 33.º da Constituição da República.
Não estão, porém, também aqui, verificados os requisitos
determinantes da admissibilidade do recurso.
Vejamos.
Como este Tribunal vem considerando, ao suscitar-se uma questão
de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um preceito legal, apenas
parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se faça, estando o Tribunal
Constitucional vinculado ao conhecimento da questão quando o critério normativo
tido por inconstitucional tenha constituído, nos exactos termos em que foi
controvertido sob o prisma da sua validade substancial, a ratio decidendi da
decisão de que se interpõe o recurso de constitucionalidade.
Contudo, só pode “apresentar-se como sendo interpretação de uma norma, quando
ela seja lida conjugadamente com outra ou outras normas jurídicas, um sentido
que seja referível ao seu teor verbal” – v. Acórdão n.º 106/99, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt .
Ora, in casu, a “norma” contraditada pelo recorrente não colhe
qualquer apoio nos suportes legais invocados, como também não se encontra nesses
dispositivos legais, com a formulação normativa que vem controvertida pelo
recorrente, a ratio decidendi do juízo recorrido.
Nos artigos 191.º e 193.º do Código de Processo Penal
estabelece-se, respectivamente, o princípio da legalidade e o princípio da
adequação e da proporcionalidade das medidas de coacção. No artigo 196.º,
tipifica-se a medida de termo de identidade e residência. No artigo 202.º
consagra-se a prisão preventiva como medida de coação e no artigo 204.º
referem-se os requisitos gerais relativos à aplicação das medidas de coacção.
Como bem se vê, nenhuma destas normas constitui apoio, expresso
ou implícito, para a concretização de um sentido normativo segundo o qual “possa
ser emitido mandado de detenção quando o extraditando foi anteriormente detido
por mandado emitido por diferente tribunal e por factos diferentes, sem que seja
interrogado nas 48 horas após a entrega às autoridades portuguesas”, ou, por
outro lado, foi sequer aplicada pelo Tribunal a quo.
Apenas ao artigo 16.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, pode
referir-se o problema da “legalidade da detenção” no âmbito do
circunstancialismo aí referido, constituindo essa norma suporte da decisão do
Supremo Tribunal de Justiça.
Porém, não só resulta não ser possível extrair desse preceito o
sentido normativo que o recorrente aporta a este Tribunal, como também, a
olvidar-se esse dado, se constata que o Supremo não aplicou tal norma com o
sentido que o recorrente controverte.
Dispõe o artigo 16.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, sob a
epígrafe “regra da especialidade”, o seguinte:
“(…)
1 — A pessoa que, em consequência de um acto de cooperação, comparecer em
Portugal para intervir em processo penal como suspeito, arguido ou condenado não
pode ser perseguida, julgada, detida ou sujeita a qualquer outra restrição da
liberdade por facto anterior à sua presença em território nacional, diferente do
que origina o pedido de cooperação formulado por autoridade portuguesa.
2 — A pessoa que, nos termos do número anterior, comparecer perante uma
autoridade estrangeira não pode ser perseguida, detida, julgada ou sujeita a
qualquer outra restrição da liberdade por facto ou condenação anteriores à sua
saída do território português diferentes dos determinados no pedido de
cooperação.
3 — Antes de autorizada a transferência a que se refere o número anterior, o
Estado que formula o pedido deve prestar as garantias necessárias ao cumprimento
da regra da especialidade.
4 — A imunidade a que se refere este artigo cessa quando:
a) A pessoa em causa, tendo a possibilidade de abandonar o território português
ou estrangeiro, o não faz dentro de 45 dias ou regressa voluntariamente a um
desses territórios;
b) O Estado que autoriza a transferência, ouvido previamente o suspeito, o
arguido ou o condenado, consentir na derrogação da regra da especialidade.
5 — O disposto nos n.os 1 e 2 não exclui a possibilidade de solicitar a extensão
da cooperação a factos diferentes dos que fundamentaram o pedido, mediante novo
pedido apresentado e instruído nos termos do presente diploma.
6 — No caso referido no número anterior, é obrigatória a apresentação de auto
donde constem as declarações da pessoa que beneficia da regra da especialidade.
7 — No caso de o pedido ser apresentado a um Estado estrangeiro, o auto a que se
refere o número anterior é lavrado perante o tribunal da Relação da área onde
residir ou se encontrar a pessoa que beneficia da regra da especialidade”.
Sobre tal matéria, discreteou o Supremo Tribunal de Justiça
considerando que:
“(...)
Conforme referimos, o princípio da especialidade sofre duas excepções:
- quando houver consentimento do Estado requerido na ampliação da extradição, de
forma a que o extraditado responda por outros processos;
- quando, terminado o procedimento criminal ou o cumprimento da pena e
restituída à liberdade, a pessoa extraditada permaneça no território do Estado
requerente para além do prazo de 45 dias, que é concedido para que abandone
livremente esse território, ou se a ele regressar, depois de o ter deixado.
Assim como um Estado pode requerer a extradição dum cidadão com fundamento em
vários procedimentos criminais de que este é suspeito, arguido ou condenado,
assim também, se, depois de operada a entrega, se vier a verificar a existência
de outros processos, pode ser solicitada, ao Estado requerido, a ampliação da
extradição, a qual só é possível se esse Estado nela consentir.
A segunda excepção permite que, decorrido o prazo de 45 dias, sem a pessoa
abandonar o território do Estado requerente, ou se, tendo-o deixado, a ele
voltar, o Estado que solicitou a extradição possa, sem qualquer outra
formalidade, perseguir criminalmente aquela pessoa, por factos anteriores ao
pedido de extradição.
O princípio da especialidade só protege, assim, a pessoa enquanto ela estiver
sob tutela do Estado requerente. Logo que ele abandone o território do Estado
requerente, cessa para sempre essa garantia. Por isso, assim como, decorrido o
referido prazo. pode ser criminalmente perseguida se permanecer ou voltar ao
território do Estado requerente, sem que se exija qualquer consentimento do
Estado requerido, assim também para a sujeitar a outro ou outros procedimentos
criminais, pode ser alvo de um novo pedido de extradição, agora solicitado ao
Estado em que a pessoa se encontrar, quer seja, quer não, o primitivo Estado
requerido.
É esta a situação que ocorre com o aqui requerente. Não pronunciado no processo
da comarca de Sesimbra, que deu origem à sua entrega pelo Reino de Espanha e
ordenada a sua libertação por este Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da
providência de habeas corpus – proc. nº 3786/04, o ora requerente ficou livre
para permanecer em Portugal ou para se ausentar para um outro qualquer Estado.
Logo que saiu do País, Portugal poderia, como fez, solicitar novo pedido de
extradição, o qual foi endereçado ao Brasil e foi sujeito a todo o formalismo
processual próprio desse processo e com as garantias que o direito interno do
Estado requerido concede em caso de tal providência.
Estando em causa neste momento a prisão decorrente deste novo pedido de
extradição, a qual foi concedida, tendo o arguido sido entregue a Portugal ao
abrigo desse pedido, nenhum valor tem a argumentação apresentada pelo
requerente, com fundamento na entrega por Espanha por via do mandado de detenção
europeu e da legislação que o permite. O requerente continua, assim, a confundir
o que é claro e já lhe foi explicado no acórdão de 14 de Abril de 2005 – proc.
1364/05 – 3ª Secção, que apreciou o segundo habeas corpus que “o Estado
requerido, o Brasil, não é membro da Comunidade Europeia. pelo que se nos
afigura destituída de qualquer fundamento a invocação das regras contidas na Lei
nº 65/2003. de 23 de Agosto”.
Aliás dentro da União Europeia. o princípio da especialidade pode não ter
aplicação, uma vez que a Decisão-Quadro do Conselho, no nº 1 do art. 27º,
permite em termos de reciprocidade. que qualquer Estado membro, notificando para
o efeito o Secretariado-Geral do Conselho, presuma o “consentimento para a
instauração de procedimento penal, a condenação ou detenção para efeitos de
cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa da liberdade, por uma
infracção praticada antes da sua entrega, diferente daquela por que foi
entregue”. Todavia, não tendo Portugal procedido a tal notificação, antes
conferindo ao princípio da especialidade a mesma amplitude da Convenção Europeia
da Extradição, conforme dispõe o art. 7º nº 1 da Lei 65/2003, de 23 de Agosto,
não pode o Estado Português beneficiar da excepção àquele princípio, motivo que
levou ao deferimento do pedido de habeas corpus – proc. 3767/04, concedendo a
liberdade ao requerente.
Idêntica disciplina, quanto ao princípio da especialidade, se encontra contida
no art. 16º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária
Internacional em Matéria Penal), diploma que regula a presente extradição, em
virtude de o Estado requerido ser o Brasil.
No que respeita a esta matéria, pode, portanto, concluir-se que, o requerente,
tendo-se ausentado para o Brasil após ter sido posto em liberdade, deixou de
beneficiar do princípio da especialidade decorrente da primitiva entrega
proveniente do Reino de Espanha, pelo que era lícito a Portugal solicitar ao
Brasil uma outra extradição, com vista a responsabilizá-lo criminalmente no
âmbito do proc. 292/88 das 1ª Vara Criminal de Lisboa. Foi esta extradição que
foi agora concedida pela República do Brasil e, foi por via dela que se operou a
remoção do aqui requerente para Portugal, com a entrega do detido ao
representante do Governo Português no Brasil e aos inspectores do Gabinete
Nacional da Interpol, que o acompanharam na viagem e entregaram no
Estabelecimento Prisional de Lisboa. (docs. de fls. 188 e 194).
Uma vez que, pelas razões invocadas, o requerente havia deixado de beneficiar do
princípio da especialidade e visto que os crime por que foi condenado, embora
por decisão ainda não transitada, admitem prisão preventiva, haverá que concluir
que a prisão não foi motivada por facto pelo qual a lei não o permite”.
Resulta do passo transcrito que a ratio decidendi colhe-se ao
nível de uma leitura normativa do preceito nos termos da qual, se admite que,
tendo o arguido, após ter sido posto em liberdade, deixado o Estado português, a
quem foi entregue na sequência de extradição requerida junto de um Estado-membro
da União europeia, pode ser formulado um outro pedido de extradição junto de
outro Estado para o sujeitar a um outro e novo procedimento criminal, na medida
em que o princípio da especialidade apenas salvaguarda o extraditado quando este
se encontrar sob tutela do Estado requerente.
Subsiste assim, no confronto da decisão do Supremo – maxime
quanto aos critérios normativos que lhe estão subjacentes – com a norma
controvertida pelo recorrente, uma diferença fundamental – e substancial – que
prejudica a relação de identidade normativa entre o objecto do recurso de
constitucionalidade e o critério jurídico determinante da decisão recorrida,
qual seja a de o critério definido pelo recorrente não abarcar integralmente o
sentido normativo que presidiu à decisão do Tribunal, o que compromete, atenta a
instrumentalidade do presente recurso, a possibilidade de se ver repercutida,
com utilidade, qualquer decisão deste Tribunal, resultante do conhecimento da
questão de constitucionalidade, na decisão recorrida.
Em todo o caso, como resulta do exposto, não é possível inferir
das normas referidas pelo recorrente o sentido normativo por mor do qual se
define o objecto do recurso, maxime no que tange com a exigência de o arguido
ser interrogado no prazo máximo de 48 horas após a entrega às autoridades
portuguesas.
Assim quanto a este ponto, pode dizer-se que o recorrente
“utilizou uma fórmula 'passe-partout', apresentando-a como suscitação da
inconstitucionalidade de uma interpretação supostamente referível a um conjunto
variado de preceitos de lei”.
Contudo, como se diz no mencionado Acórdão n.º 106/99, suscitar assim a questão
de inconstitucionalidade, é fazê-lo de um modo processualmente inidóneo para
abrir a via do recurso de constitucionalidade.
5.1.3 – Pretende o recorrente ver também fiscalizada a
constitucionalidade do “artigo 222.º, n.º 2, alíneas a) b) e c) do CPP [por]
viola[cão] dos artigos 28.º, n.º 1 e 31.º, n.º 1, da Lei Fundamental, quando
entendido que “não obtendo Portugal resposta afirmativa até ao momento por parte
de Espanha – que recusou a extensão de competência e perseguição nestes
autos.... – se permita emitir novos mandados de detenção e novo pedido de
extradição, desta vez ao Brasil, sem atender à posição do Reino de Espanha”.
Tal questão não configura, porém, na sua materialidade, um
problema de constitucionalidade normativa, mas antes um problema de consideração
dos factos emergentes dos autos, projectando-os na decisão controvertida.
Na verdade, também aqui, sob a capa da invocação formal do
artigo 222.º do Código de Processo Penal, o recorrente apenas controverte um
momento de aplicação do direito, sustentado, aliás, quanto a tal matéria, num
diferente suporte legal.
Conclusão que é atestada pela insusceptibilidade do “critério”
alegado poder ser alvo de um julgamento de constitucionalidade expurgado da
valoração das circunstâncias concretas do caso e de, em função disso, ser
apresentado, em geral, como uma dimensão normativa mobilizável fora desse
circunstancialismo fáctico.
Ademais, mesmo que assim não se entendesse, não estaria o
recorrente dispensado de suscitar a inconstitucionalidade da referida “norma”,
não o tendo feito no requerimento apresentado junto do Supremo e onde
expressamente discreteou sobre tal matéria, sob a epígrafe de “conflito entre
Estados Soberanos”.
De facto, também aqui a questão, que se desenvolve em torno do
“Princípio da Especialidade, podia ter equacionada, sub species constitutionis,
antes da prolação da decisão recorrida em termos de se ver controvertida a
dimensão normativa que veio a ser considerada a partir do artigo 16.º da Lei n.º
144/99.
5.1.4 – Por fim, pretende o recorrente ver sindicada a
constitucionalidade dos “artigos 224.º, n.º 3, alínea c), 254.º e 204.º a) do
CPP, por violação dos artigos 27.º, 28.º, 29.º, 31.º, 32.º, n.º 1, e 33.º da Lei
Fundamental, quando entendidos, que o arguido extraditado não sendo interrogado
nas 48 horas tal não constitui prisão ilegal ou excesso de prisão mas mera
detenção e pode ser sujeito a apresentação – art. 223-4-c) CPP – e a medida de
coacção à ordem de processo diferente daquele pelo qual o extraditando não
renunciou ao princípio da especialidade nem consentiu em ser perseguido por
infracção diferente foi submetido em outro processo a mandado de detenção, a
extradição, a prisão preventiva que se extinguiu e os autos que pedem a
extradição, arquivados por ausência de factos, ordenando-se a prisão sem o
interrogar no prazo legal de 48 horas e sem existir decisão exequível”.
Sucede, no entanto, contrariamente ao que se refere no
requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional, que o
recorrente não suscitou durante o processo a inconstitucionalidade de tal norma,
nem tão pouco alega estar perante uma daquelas situações excepcionais ou
anómalas susceptíveis de dispensar o cumprimento desse ónus por o interessado
não dispor de oportunidade processual para suscitar a questão de
constitucionalidade antes proferida ou não ser exigível que o fizesse,
designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo insólita
e imprevisível.
Ora, considerando que, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições
a aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de
conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e
de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da
(in)validade da norma em face da lei fundamental, impendendo, assim, sobre o
recorrente um dever de prudência técnica na antevisão do direito plausível de
ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua conformidade constitucional, não
podia o mesmo ser dispensado de colocar a presente questão de
constitucionalidade perante o Supremo.
Desde logo, porque o recorrente sustenta o seu pedido com referência ao segmento
normativo resultante do artigo 254.º do CPP, na parte em que retrata como
finalidade da detenção, a apresentação do arguido ao juiz competente, no prazo
de 48 horas, para aplicação ou execução de uma medida de coacção, não podendo
ter-se por insólito o entendimento firmado na decisão recorrida segundo o qual a
situação do arguido configura “uma detenção de que pode resultar a aplicação
duma medida de coacção”.
E igual conclusão é imposta quanto ao segmento normativo inferido do disposto no
artigo 223.º, n.º 4, alínea a), do Código de Processo Penal, onde se dispõe que
“a deliberação [da providência de habeas corpus] pode ser tomada no sentido de
mandar apresentar o preso no tribunal competente e no prazo de vinte quatro
horas, sob pena de desobediência qualificada”.
Na verdade, também não pode considerar-se insólita ou
surpreendente uma decisão que faça aplicação de uma norma potencial e
previsivelmente mobilizável para a resolução do caso concreto, porquanto
instituinte de um possível desfecho para uma determinada controvérsia.
O mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto ao “enquadramento” com que o
recorrente “define” a norma sindicanda.
Assim sendo, considerando que as dimensões a partir das quais o recorrente
define o critério em questão podiam ser antecipadas pelo recorrente, este não se
encontrava dispensado de suscitar a constitucionalidade de tal norma.
Consequentemente, não podem dar-se por verificados os requisitos
determinantes do conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo do
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
5.2 – Nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC:
Como se referiu, o recurso vem igualmente interposto nos termos
da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que admite, em sede de fiscalização
concreta, recurso das decisões “que apliquem norma já anteriormente julgada
inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional”.
O pedido formulado ao abrigo do disposto nessa norma é, pela sua
manifesta ausência de fundamento, de difícil intelegibilidade.
De facto, as normas que constituem objecto do recurso jamais
foram julgadas inconstitucionais por qualquer decisão do Tribunal
Constitucional, pelo que não se verificam os pressupostos de admissibilidade do
recurso fundado na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
5.3 – Nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea i), da LTC:
Como se relatou, o recurso vem ainda interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1,
alínea i), da LTC.
Basta compulsar o teor da decisão recorrida para se concluir, lapidarmente, que
o Supremo Tribunal de Justiça não recusou a aplicação de qualquer acto
legislativo com fundamento na sua contrariedade com convenção internacional, nem
aplicou qualquer norma em contrariedade com o anteriormente decidido por este
Tribunal quanto a tal matéria.
Razão pela qual não se verificam, também nesta parte, os pressupostos de
admissibilidade do recurso.
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente com 8 (oito) UCs. de taxa de justiça».
B – Fundamentação
5 – Como ressalta da sua reclamação, o reclamante nada aduz
contra os fundamentos em que se estribou a decisão sumária reclamada,
limitando-se a alegar que “mantém ipsis verbis tudo quanto alegou em sede de
recurso”.
Ora, não se vislumbrando razões para arredar a bondade da
fundamentação aduzida na decisão reclamada, impõe-se o indeferimento da
reclamação.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCS.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos