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Processo n.º 170/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Notificado do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 25 de Janeiro
de 2005, proferido nos autos de recurso de apelação em que é apelante Rede
Ferroviária Nacional – Refer, E.P. e é apelada A., L.da, veio o Ministério
Público junto daquele tribunal interpor o presente recurso de
constitucionalidade, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea g), e
72.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, dizendo o seguinte:
«1.°
No douto acórdão recorrido, foi mantida a sentença de 1.ª instância, na parte em
que esta, para efeito de fixação da justa indemnização a arbitrar à expropriada,
conforme previsto no art.º 23.°, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999,
relativamente às parcelas id. como A1 e A3 do prédio expropriado, classificou as
mesmas parcelas como solo apto para a construção, calculando o valor do solo de
acordo com o critério previsto no art.º 26.°, n.º 1, do mesmo código,
2.°
Considerando, para o efeito, que as citadas parcelas, expropriadas para
implantação de vias de comunicação (vias férreas), embora à data da DUP e face
ao PDM em vigor, estejam integradas na RAN, não deixam de ter aptidão
edificativa.
3.°
Todavia, ao decidir do modo sobredito, o douto acórdão recorrido aplicou normas
já anteriormente julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional,
designadamente, no douto Acórdão n.° 275/2004, publicado in DR, II, n.º 134, de
2004/06/08.
4.°
Com efeito, no douto Acórdão n.° 275/2004, o Tribunal Constitucional decidiu
“julgar inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, consagrado no
art.º 13.°, da Constituição, as normas contidas no n.º 1 do artigo 23.° e no n.°
1 do art.º 26.° do Código das Expropriações (1999), quando interpretadas no
sentido de incluir na classificação de ‘solo apto para a construção’ e,
consequentemente, de como tal indemnizar o solo, integrado na Reserva Agrícola
Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação”.
5.°
Destarte, porque o douto acórdão recorrido aplicou normas já anteriormente
julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, é obrigatório o
presente recurso de constitucionalidade para o Ministério Público - art.ºs 72.°,
n.ºs 1, al. a), e 3, e 70.°, n.º 1, al. g), da Lei de Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional, a Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.»
No acórdão recorrido pode ler-se:
«I - Por despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Transportes de
19/04/01, publicado no Diário da República, II Série, de 24/5/01, foi declarada
a utilidade pública, com carácter de urgência, das expropriações dos bens
imóveis e direitos a eles inerentes constantes das plantas anexas e respectivos
mapas de identificação e áreas, publicados em anexo, necessários à realização da
obra de duplicação e electrificação do troço Lousada - Nine (exclusive) e
remodelação da estação de Famalicão e dos apeadeiros de Pisão, Barrimau, Mouquim
e Louro, da Linha do Minho, entre eles se incluindo uma parcela, a que foi
atribuído o n.° 103, com a área de 21.493 m2, a destacar do prédio sito no lugar
de Fontelo, freguesia de Calendário, concelho de V.N. de Famalicão, inscrito na
matriz predial rústica sob o artigo 725 e na matriz predial urbana sob os art.ºs
277 e 354, inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 01195/250199,
da aludida freguesia de Calendário e com a área de 112.968 m2.
É expropriante a Rede Ferroviária Nacional - Refer, E.P. e expropriada A., L.da,
com sede no lugar de …. - Serzedelo - Guimarães.
Foi realizada a vistoria a.p.r.m. e constituída a arbitragem, que calculou o
valor da indemnização em 73.511.951$00 (sendo 1.548.400$00 por benfeitorias).
Efectuado o depósito da quantia sobe que havia acordo - 366.676,07 euros,
conforme guia de fls. 57 - foi adjudicada a propriedade da parcela à
Expropriante.
Recorreram do acórdão arbitral quer a Expropriante, quer a Expropriada, se bem
que esta subordinadamente, tendo a última requerido a expropriação de mais área.
Alegou a Refer que a indemnização não deveria exceder 28.027.200$00 (por a
parcela se situar em “Reserva Agrícola Nacional” (R.A.N.) e em “áreas verdes
urbanas” segundo o PDM competente e em vigor, devendo por isso ser classificado
como “solo para outros fins”, para além de que sobe parte de parcela impendia um
ónus “non aedificandi”, enquanto que a Expropriada pugnou pelo aumento de
indemnização para € 609.405,11 ou, caso não viesse a ser deferido o pedido de
expropriação de parte da área não abrangida pela declaração de utilidade
pública, para 630.006,57 euros.
Teve lugar a obrigatória diligência de avaliação, tendo os Srs. Peritos,
unanimemente, computado a indemnização devida à Expropriada em 266.231, 93
euros, correspondente à soma das seguintes quantias:
- 34.615,23 € e 206.663,16 € pelas expropriações das fracções A1 e A2 em que
subdividiram a parcela expropriada, considerada a primeira, com a área de 681
m2, como solo apto para construção, embora incluída em RAN, e a segunda, com a
área de 20.812 m2, situada parte em RAN e parte em “Espaços Verdes Urbanos”,
como “solo apto para outros fins”;
- 9.179,50 €, a título do valor de benfeitorias;
- 14.639,04 € e 1.135,00 € a título de valor da desvalorização do que
consideraram, respectivamente, fracção A3 e fracção A4, com a área,
respectivamente, de 576 m2 e 127 m2, fracções estas integradas em área não
expropriada - cfr. laudo de fls. 226 e ss..
Na sequência de reclamações apresentadas pelas partes, apresentaram os Peritos o
laudo complementar de fls. 268 e ss., no qual procederam à avaliação de fracção
designada como A1 como “solo apto para outros fins”, atribuindo-lhe a
indemnização de 6.762,33 € (pelo que o conjunto total da indemnização passou a
cifrar-se em 238.397,03 €) - cfr. fls. 268 a 270.
Por sentença proferida em 12/1/04, foram os dois recursos julgados parcialmente
procedentes, tendo a indemnização sido fixada em 265.096,93 €, a actualizar nos
termos legais, desde a data da publicação de D.N. e até ao trânsito em julgado
da decisão e, na parcial procedência do pedido de expropriação da parte de área
não abrangida pela declaração de utilidade pública, foi adjudicada à
Expropriante, pela importância de 1.261,11 € atribuído à Expropriada, a
propriedade da parcela acima designada como A4 - cfr. fls. 317 e ss..
Inconformada, interpôs a Expropriante Refer recurso de apelação, admitido com
efeito meramente devolutivo, que oportunamente alegou, sintetizando as razões do
seu inconformismo nas conclusões que passamos a transcrever:
1.° - A classificação e subsequente avaliação de fracção A1 e, consequentemente,
da fracção A3 resulta de errada interpretação dos pressupostos de facto e de
direito que devem ser considerados na expropriação a que os autos se referem.
2.° - Com efeito, o terreno que constitui tais fracções foi classificado e
avaliado como “solo apto para construção” apesar de, à data da competente
declaração de utilidade pública, se encontrar, face ao PDM eficaz e em vigor,
totalmente inserida não em núcleo urbano, mas sim em zona de RAN, cuja
capacidade de uso, por sua própria natureza, é estritamente agrícola.
3.° - Por isso, tal terreno deveria ter sido classificado e avaliado como “solo
para outros fins”.
4.º - Como, de resto, parece ter sido a intenção que presidiu à fixação do valor
de aquisição do prédio pela empresa expropriada, que o pagou à razão de € 3,92
por cada metro quadrado da parte rústica (donde se destaca toda a área objecto
da expropriação).
5.° - No caso dos autos, toda a área expropriada foi desafectada de RAN para
fins de expropriação, destinando-se à implantação do novo traçado da via férrea
e da criação de um restabelecimento rodoviário consequente à supressão de uma
passagem de nível e NÃO à construção de qualquer edifício urbano.
6.° - De realçar que a construção de vias de comunicação é precisamente umas das
finalidades não agrícolas para a qual podem ser utilizados os solos integrados
em zonas de RAN - art.º 9.°, n.º 1, do D.L. n.° 196/89, de 14/6.
7.° - Por tudo isto, forçoso é concluir que, na douta sentença recorrida, o
senhor Juiz “a quo” não faz aplicação correcta do disposto no n.º 1 do art.º
23.° do C.E., por força do qual a avaliação deve ter em consideração as
circunstâncias e condições de facto existentes à data da respectiva declaração
de utilidade pública.
8.° - Desta forma, na parte aqui recorrida, deve a douta sentença “sub júdice”
ser revogada e substituída por outra que:
a) classifique e avalie o terreno da fracção A1 como “solo para outros fins”,
fixando o preço do metro quadrado em € 9,53, à semelhança do restante terreno
expropriado (fracção A2).
b) não fixe qualquer valor de desvalorização da fracção sobrante A3, uma vez que
a mesma foi fundamentada numa alegada perda da capacidade construtiva que, na
realidade, nunca existiu.
c) Não determine a expropriação adicional da fracção A4, ou sequer qualquer
desvalorização, porquanto a mesma, conforme já se alegou, permanece contígua e
perfeitamente integrada na restante área que não foi objecto de expropriação.
A Apelada contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença impugnada.
Recebidos os autos neste Tribunal e colhidos os vistos legais, cumpre decidir as
questões suscitadas pela Apelante, que são três:
1.° - classificação do solo das fracções A1 e A3;
2.° - inexistência de desvalorização da fracção (sobrante) A3; e
3.° - expropriação adicional da fracção A4, todas direccionadas à redução do
montante indemnizatório.
II - Os factos considerados provados na sentença recorrida não vêm postos em
crise e aceitam-se, procedendo-se, no entanto, à sua transcrição para mais
facilmente se apreender o objecto do recurso:
1. A parcela expropriada designada com o número 103 encontra-se identificada na
respectiva planta cadastral do empreendimento de duplicação e electrificação do
troço Lousada-Nine (exclusive) e remodelação da estação de Famalicão e dos
apeadeiros de Pisão, Barrimau, Mouquim e Louro, da Linha do Minho.
2. A declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, das
expropriações necessárias, bem como a autorização para a tomada de posse
administrativa foram objecto do Despacho n.° 10916/2001 (2.ª série), de 19/4/01,
do Senhor Secretário de Estado Adjunto e dos Transportes, publicado no D.R. n.º
268, II Série, de 24 de Maio de 2001, conforme documentos constantes de fls. 6 e
7.
3. A parcela a expropriar tem a área de 21.493 m2.
4. A área total do prédio da qual se destaca a parcela expropriada é de 112.969
m2.
5. O prédio encontra-se inscrito na matriz predial rústica de freguesia de
Calendário com o art.º 725 e na matriz urbana com os art.ºs 277 e 354, e
inscrito na C.R.P. sob o n.° 001195/250199, da freguesia de Calendário.
6. Situa-se no lugar de Fontelo, da freguesia de Calendário, do concelho de V.N.
Famalicão, encontrando-se em regime de exploração agrícola de regadio.
7. A parcela está classificada segundo o P.D.M. do concelho, plenamente eficaz,
parte como “Reserva Agrícola Nacional” e parte como “Espaço Verde Urbano”.
Confronta do lado Norte com B., Lda., do Sul com Caminho Público, do Nascente
com restante prédio e a Poente com Caminho-de-Ferro.
8. O caminho público, a Sul, dispõe das seguintes infra-estruturas:
- acesso com pavimentação em betuminoso;
- rede de distribuição de energia eléctrica;
- rede de abastecimento de água;
- rede de saneamento e estação depuradora;
- rede de drenagem de águas pluviais;
- rede telefónica junto à parcela.
9. Para efeitos de cálculo indemnizatório os Peritos consideraram a parcela
(expropriada) dividida em 4 fracções:
a) Uma (expropriada) - designada por A1 -, com a área de 681,00 m2, que faceia
com o Caminho Público a Sul, tem forma trapezoidal e delimitada pelas estacas
550-548-556-554-550 e, ainda, a pequena faixa triangular limitada pelas estacas
544-546 e o limite da parcela junto do Caminho de Ferro.
b) Outra (também expropriada) - designada por A2 -, com a área de 20.812,00 m2,
que é constituída pela restante área de parcela.
c) Duas outras fracções, não expropriadas, sendo uma delas designada por A3, com
a área de 576,00 m2, que se situa imediatamente a Poente de fracção A1, de forma
rectangular, delimitada pelas estacas 550, 546, 548 e 550 e outra designada por
A4, com a área de 127,00 m2, de forma triangular, delimitada pelas estacas 574,
576 e 572.
10. A fracção A3 tem as mesmas características que a fracção A1.
11. A fracção A4 tem as mesmas características que a fracção A2.
12. A fracção A1, com 681 m2, situa-se junto a aglomerado populacional com forte
potencial de expansão e confronta directamente com o arruamento público
pavimentado em betuminoso.
13. A fracção A3 está delimitado a norte, nascente e poente por área
expropriada, e a sul pelo caminho público, e sem qualquer contiguidade com a
restante área não expropriada.
14. A fracção A3 fica encravada entre a linha de Caminho de Ferro e a fracção
expropriada denominada por A1.
15. O local onde se situa a parcela corresponde a uma zona suburbana de
Famalicão onde coexistem unidades industriais, zonas residenciais,
invariavelmente em bom, médio e mau estado de conservação.
16. A tipologia de construções contíguas é diversa desde habitações isoladas de
r/ch. + andar, a habitações em banda com r/ch + andar a edificações mais a norte
com Cv+r/c + 4 andares.
17. O prédio de onde a parcela expropriada foi destacada está envolvido por zona
urbana a Sul, em parte do lado Nascente e do lado Norte.
18. Em parte do lado Nascente existe, também, uma mancha de Reserva Agrícola
Nacional (RAN).
19. Na sua contiguidade, do lado Sul, existem edificações servidas de
infra-estruturas, tais como acesso rodoviário e rede de abastecimento de água,
de energia eléctrica, de saneamento e de telefone.
20. O valor que consta da escritura de aquisição, pela expropriada, para a parte
rústica (112.550 m2) é de esc. 88.500.000$00, a que corresponde um valor
unitário médio de 786$32/m2, ou seja, 3,92 €/m2.
Tal montante, actualizado à data da declaração de utilidade pública, tendo
presente o disposto no art.º 24.° do C.E., corresponde ao valor de 4,24 € /m2
(=3,92 €/m2 x 1,082).
21. Como benfeitorias afectas à mancha de expropriação aponta-se:
Entre os vértices 554 a 570 pomar de macieiras em bardo de compasso 4x3 m.l.;
Entre 544 e E330 ramada em mau estado de (100x5) m2.
Entre 580 e 600 macieiras dispersas com compasso aproximado de mais ou menos 3
m.l.;
Entre 600 e 606 terreno de cultivo (pasto);
De 606 a final terreno inculto com silvas; chorões, uma unidade DAP20 e uma
unidade DAP30; 1 cancela em ferro 3,5 x 1,8 m.l.; uma vedação em rede/malha com
postes de betão 190 x 2 na confrontação “linha”; espécies florestais: 15
carvalhos DAP10, um DAP15, três DAP20, um DAP30; 6 sobreiros DAP10, 8 DAP20, 1
DAP25, 1 DAP30; 18 plátanos DAP10, 8 DAP20; oito oliveiras médias (caminho); um
muro de alvenaria de pedra (18x1,5) m2 e 0,20 de espessura (caminho).
III - Análise do recurso
a) Primeira questão - classificação de solo das fracções A1 e A3
Comecemos por atender à fracção A1, (pois a A3 não foi expropriada).
Como vimos, os Srs. Peritos consideraram tal parcela, com a área de 681 m2, como
solo apto para construção embora incluída na RAN, classificação que o Sr. Juiz
também perfilhou, com o inconformismo da Expropriante Refer.
Vejamos:
A parcela expropriada está classificada, segundo o PDM plenamente eficaz, parte
como Reserva Agrícola Nacional (RAN) e parte como “Espaço Verde Urbano”,
confrontando de Sul com caminho público que dispõe de pavimentação em
betuminoso, rede de distribuição de energia eléctrica, rede de abastecimento de
água, rede de saneamento e estação depuradora, rede de drenagem de águas
pluviais e rede telefónica.
Tendo a declaração de utilidade pública - que é o facto constitutivo da relação
expropriante - sido publicada na vigência do Código das Expropriações de 1999
(mais concretamente, do aprovado pela Lei n.° 168/99, de 18 de Setembro), é este
o aplicável no que concerne aos critérios de fixação de indemnização, que como
se sabe passa pela classificação dos solos expropriados - art.º 25.°, n.° 1.
Ora, de harmonia com o estatuído no n.º 2 do citado art.º 25.°, considera-se
solo apto para a construção, entre outros, “o que dispõe de acesso rodoviário e
de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com
características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a
construir” - al. a), considerando-se solo para outros fins o que não se encontra
em qualquer das situações previstas na referida alínea a) e nas demais do n.° 2
- n.° 3 do mesmo art.º 25.°.
Perante o disposto no art.º 25.°, n.º 2, al. a), e a factualidade acima
transcrita, não podemos deixar de considerar - como os Srs. Peritos e o Juiz da
1.ª instância - que a fracção em referência - fracção A1 - se deve classificar
como “solo apto para construção”, e, isto, mesmo sem valorizar o demais
circunstancialismo descrito supra em II, v.g. em 12. (situação junto a
aglomerado populacional com forte potencial de expansão), 15. (coexistência com
unidades industriais e zonas residenciais), 16. (construções habitacionais
contíguas), 17. (envolvência por zona urbana a Sul, parte Nascente e do Norte).
Com efeito, o actual Código não contém disposição semelhante à que contava do
n.° 5 do art.º 24.° do C.E. de 1991 (o aprovado pelo Dec-Lei n.° 438/91, de 9 de
Novembro), segundo o qual era equiparado a solo para outros fins o que, por lei
ou regulamento, não pudesse ser utilizado na construção.
E, classificar a parcela expropriada, mais precisamente - fracção A1, de que
curamos, como solo para outros fins só pelo facto de estar integrada em zona de
Reserva Agrícola Nacional, seria repristinar, ilegalmente, como o diz o Sr. Juiz
“a quo”, a disposição abolida do Cod/91.
Será, porém, que, no cálculo do valor de indemnização a fixar pela expropriação
desta fracção A1, se deva pura e simplesmente ignorar a circunstância de a mesma
se situar em zona de “RAN”?
A resposta não pode deixar de ser negativa:
O Dec.-Lei n.° 196/89, de 14/6, estabeleceu o regime de Reserva Agrícola
Nacional, abreviadamente designada “RAN”, visando proteger as áreas com maior
aptidão agrícola (que ao tempo representavam apenas cerca de 12% do território
nacional - e hoje em dia nem tanto será) e contribuir para o desenvolvimento da
agricultura e para o correcto ordenamento do território, tendo estabelecido como
principio geral (no art.º 8.°) a afectação exclusiva à agricultura dos solos de
RAN, com proibição de todas as acções que diminuam ou destruam as suas
potencialidades aplicadas, designadamente construção de edifícios - n.° 1, al.
a).
A proibição não foi, no entanto, total, pois que nos art.ºs 9.° e 10.° logo foi
prevista a utilização de solos de RAN, condicionados ou não pela lei geral, para
fins não agrícolas ou não estritamente agrícolas, em qualquer dos casos sempre
dependente de intervenção das comissões regionais de reserva agrícola, que na
primeira hipóteses hão-de dar parecer prévio favorável e, na segunda,
autorização às referidas acções.
Assim, são permitidas, entre outras, “habitações para fixação em regime de
residência habitual dos agricultores” desde que não existam alternativas de
localização em solos não incluídos na RAN, “habitações para utilização própria e
exclusiva dos seus proprietários e respectivos agregados familiares”, também
dentro de certo condicionalismo, “vias de comunicação” e outros “empreendimentos
ou construções de interesse público” - cfr. art.º 9.°, n.° 2, als. b), c) e d),
respectivamente.
Por isso que já no domínio do Código anterior - de 1991 - se entendia que o
facto de um prédio estar inserido em zona RAN não impedia de todo que nele se
pudesse construir, o que acontecia é que a sua potencialidade construtiva
(quando a tinha, claro) se encontrava muito mais limitada, tendo, de resto, e
como se sabe, o Tribunal Constitucional sido por várias vezes chamado a
pronunciar-se sobe a constitucionalidade da norma no art.º 24.°, n.° 5, desse
Código.
Ora, essa maior limitação construtiva permanece, pois o diploma que a
estabeleceu não foi revogado (nem, nesse ponto, sofreu alteração através do
Dec.-Lei n.º 274/92, de 12 de Dezembro, que procedeu a alguns ajustamentos ao
D.L. n.º 196/89), parecendo-nos, aliás, que o próprio art.º 26.°, n.° 1, do
actual C.E. salvaguarda a sua aplicabilidade, na medida em que estatui
genericamente que o valor do solo apto para a construção se calcule por
referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido
sujeito a expropriação (...) de acordo com as leis e regulamentos em vigor (...)
- são nossos os sublinhados.
A assim não se entender, isto é, a avaliar-se o terreno como apto para
construção sem levar em conta as restrições construtivas resultantes do regime
de RAN, seria traído o conceito de “justa indemnização” que por todos vem sendo
proclamado e que na sentença recorrida se sintetiza dizendo que “a indemnização
será justa quando o prejuízo sofrido pelo expropriado seja compensado com a
quantia equivalente à que receberia se tivesse procedido à venda do objecto da
expropriação em condições normais de mercado”.
Na verdade, se a Apelada não tivesse sido expropriada e quisesse proceder à
venda da parcela expropriada ninguém lhe pagaria como apta para construção
sabendo que, porque incluída em RAN, a construibilidade estava fortemente
cerceada, nos termos acima explanados. Além de que se favoreceria a Expropriada
no confronto com os demais proprietários de terrenos vizinhos idênticos (com as
mesmas características de aptidão construtiva nos situados em RAN),
postergando-se o princípio de igualdade conformador do conceito de justa
indemnização. Ou seja, com a expropriação a Apelada ficaria “melhor” do que se
não tivesse sido expropriada, o que seguramente, não corresponde ao conceito de
“justa indemnização” que se extrai do art.º 23.º, n.° 1, do C. E., nem ao seu
escopo.
Concluímos, pois, que a parcela - fracção A1 - se deve classificar como apto
para construção mas que, no cálculo do respectivo valor, não pode olvidar-se a
limitação construtiva resultante da circunstância de se encontrar inserida em
zona de RAN.
Na sentença recorrida fixou-se-lhe o valor de 34.615,23 euros (=681 m2 x 50,83
€/m2), tendo sido acolhido o laudo unânime dos Peritos, que tiveram em conta um
índice média de construção de 0,8 m2/m2, custos de construção de 392,18€/m2,
percentagem de valorização de terreno de 18%, factor construtivo (n.º 10 do
art.º 26.°) de 10%, atingindo desta forma o valor de m2 50,83€.
Estes parâmetros não vêm impugnados (a Recorrente pugna pela fixação do valor do
m2 em 9,93 euros em decorrência da defendida classificação do terreno como “solo
para outros fins”, sem pôr em causa os elementos valorativos adoptados) e não
vemos razão para os alterar, havendo apenas que atribuir um valor à acima
referida limitação construtiva decorrente da inserção em “R.A.N.”
Não constam dos autos elementos que nos permitam proceder a um cálculo rigoroso
e preciso, mas não se justifica que os autos voltem à 1.ª Instância para recolha
de elementos coadjuvantes, que sempre seriam algo aleatórios, e morosos, antes
se justificando que se recorra à equidade, ponderando, nomeadamente, a área
desta fracção A1, a percentagem que constitui do total expropriado, a área total
do prédio de que foi deslocada a parcela objecto de expropriação, o valor fixado
à fracção A2, bem como a situação “junto a aglomerado populacional com forte
potencial de expansão” (o que torna plausível a futura alteração da delimitação
existente, com a “consequente expansão do conteúdo dos direitos da propriedade”,
como se refere na sentença) - o que tudo faz julgar adequada uma minoração de
50% do valor fixado (que foi, conforme já referido, de 34.615,23 euros) pelo que
se atribuirá à fracção A1 o montante indemnizatório de 17.307,61 euros.
No que toca à classificação da fracção A3 (não expropriada, mas desvalorizada
mercê da expropriação, no entender dos Srs. Peritos e do Sr. Juiz “a quo”),
tendo ela as mesmas características que a fracção A1 (cfr. II, 10.), a poente da
qual imediatamente se situa (II, 9., c)) e estando delimitada a Sul pelo caminho
público (II, 13.) dotado das infraestruturas referidas em II, 8., é evidente que
há-de ser classificada da mesma maneira que a A1.
b) – Segunda questão: (in)existência de desvalorização da fracção A3:
Pretende a Recorrente que não seja fixado qualquer valor de desvalorização desta
fracção, uma vez que a mesma foi fundamentada numa alegada perda de capacidade
construtiva que, na realidade, nunca existiu - concl. 8.ª, b).
Quanto a esta fracção, está provado o que já acima se referiu com vista à sua
classificação, o que desde logo demonstra a sem razão da Apelante quanto à
inexistência de capacidade construtiva. Tem-na, da mesma forma (condicionada)
que a fracção A1.
Por outro lado, está provado que a fracção A3, com a área de 576,00 m2 e de
forma rectangular, está delimitada a norte, nascente e poente por área
expropriada e a sul pelo caminho público, ficando sem qualquer contiguidade com
a restante área não expropriada, e encravada entre a linha do Caminho de Ferro e
a fracção expropriada denominada por A1, pelo que é patente a perda de
capacidade construtiva que tinha e a sua desvalorização, conforme foi entendido
na primeira instância.
Assim, é de reconhecer a existência de desvalorização, computando-se a
indemnização pela mesma forma que no laudo pericial e na sentença (50% do valor
encontrado para o terreno de fracção A1, ou seja, com a minoração supra
introduzida, 576m2 x 25,42€/m2 x 0,50 -= 7.320,00 euros)
c) Terceira questão: Da expropriação adicional da fracção A4:
Por último, pretende a Apelante ver afastada a expropriação adicional da fracção
A4, bem como a atribuição de qualquer desvalorização, uma vez que a mesma
permanece contígua e perfeitamente integrada na restante área que não foi
objecto de expropriação.
Tem razão a Recorrente neste ponto.
Na verdade, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, não vemos
justificação para o facto de os Srs. Peritos terem autonomizado esta faixa de
terreno não expropriado para efeitos do cálculo de indemnização a atribuir à
Expropriada: referem no laudo (a fls. 229) que esta fracção A4, pela sua forma
geométrica (triangular) e pelas suas dimensões (dizem-nos só a área, de 127,00
m2), deixa de ter qualquer interesse, sofrendo uma desvalorização de 90% do
valor encontrado para o terreno da fracção A2, já que tem as mesmas
características que esta (que classificaram como apto para outros fins).
Em face deste quadro, o Sr. Juiz entendeu que se verificava o fundamento legal
de expropriação de tal fracção (art.º 3.°, n.º 2, al. b), e n.° 3, do C.E.).
Simplesmente, se a fracção 4 mantém contiguidade com a restante área que não foi
objecto de expropriação (cuja área ultrapassa os 90.000 m2), e nela se integra -
como o diz a Apelante na conclusão 8.ª, e a Apelada não desmente - e se as suas
características são idênticas às da fracção A2, considerada solo apto para
outros fins, não se descortina razão para a desvalorização de 90% ou de qualquer
outra, nem, por consequência, para o deferimento do pedido de expropriação de
tal fracção, seja com o fundamento invocado na sentença, seja com o previsto na
al. a) do n.° 2 do art.º 3.º do C.E.. Assim, revogar-se-á esta parte do
decidido.
IV - Decisão:
A restante parte da decisão não vem questionada, nem há razão para lhe
introduzir qualquer alteração, mantendo-se por isso os valores atribuídos pela
expropriação de fracção A2 (206.663,16 €) e pelas benfeitorias (9.179,50 €),
pelo que o montante total indemnizatório a pagar pela Expropriante à Expropriada
se cifrará em 240.470,27 € (duzentos e quarenta mil, quatrocentos e setenta
euros e vinte e sete cêntimos), a actualizar nos termos referidos na sentença,
assim procedendo parcialmente a apelação.»
2.Admitido o recurso e determinada a produção de alegações, o Ministério Público
encerrou assim as suas:
«1 - O acórdão recorrido procedeu a uma específica e peculiar interpretação das
normas que integram o objecto do presente recurso, traduzida em valorar apenas a
limitada e substancialmente condicionada aptidão edificativa dos terrenos
expropriados, inseridos na RAN, e decorrente do estatuído no Decreto-Lei n.°
196/89, de 14 de Junho.
2 - Pelo contrário, a interpretação normativa que o Tribunal Constitucional, no
Acórdão n.° 275/04, julgou inconstitucional, foi a que se traduzia em atribuir
ao proprietário expropriado, titular de terrenos incluídos na RAN e expropriados
para construção de vias de comunicação, de indemnização que valorasse a normal e
plena aptidão edificativa, extraída apenas das características intrínsecas e da
localização da parcela expropriada, desvalorizando inteiramente as limitações
legais e regulamentares ao “jus aedificandi”, que continuavam a onerar os
proprietários vizinhos do expropriado.
3 - Pressupondo o recurso tipificado na alínea g) do n.° 1 do artigo 70.° da Lei
n.° 28/82 uma perfeita e plena sobreposição normativa entre as interpretações já
precedentemente julgada inconstitucional, no acórdão fundamento, e feita no
acórdão recorrido, não se verifica um pressuposto essencial de tal tipo de
recurso, do qual não deverá, consequentemente - e salvo melhor opinião -
tomar-se conhecimento.»
Contra-alegando, respondeu a recorrida:
«I - Questão Prévia: Não Conhecimento do Objecto do Recurso
A
De acordo com o n.° 3 do artigo 76.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (LTC),
a decisão que admita o recurso de constitucionalidade não vincula o Tribunal ad
quem (semelhantemente ao que preceitua o n.° 4 do artigo 687.° do Código de
Processo Civil).
Como assim, cabe ao Tribunal Constitucional indagar se estão reunidos os
pressupostos processuais que lhe permitam tomar conhecimento do objecto do
presente recurso.
B
Como certeiramente se excepcionou e demonstrou nas doutas alegações do
Ministério Público oferecidas nesta instância (as quais se dão aqui, com a vénia
devida, por integralmente reproduzidas), não se verifica in casu o requisito
essencial da espécie de recurso prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.° da
LTC, pois não ocorre uma estrita ou efectiva coincidência entre as dimensões
normativas das normas legais que foram aplicadas no acórdão recorrido e no
acórdão-fundamento (acórdão n.° 275/04 deste Tribunal).
Ora, sendo dessa espécie o presente recurso, inapelavelmente que este Alto
Tribunal não poderá tomar conhecimento do seu objecto, impondo-se a prolação da
decisão sumária contemplada no n.° 1 do artigo 78.°-A da LTC.
C
É certo que, tal como no acórdão-fundamento, o acórdão sob censura confirmou a
classificação que a 1.ª instância tinha atribuído à parcela de terreno
expropriada (fracção A1), bem como à parcela desvalorizada mercê da expropriação
(fracção A3) como “solo apto para construção”, atenta a factualidade assente nos
autos e o disposto no artigo 25.°, n.º 2, a), do Código das Expropriações - C.E.
(aprovado pela Lei n.° 168/99, de 18 de Setembro).
E a razão esteve com a Relação, pois, como bem frisou no seu acórdão, o actual
Código das Expropriações não contém disposição semelhante à do n.° 5 do artigo
24.° do Código de 1991, pelo que, classificar aquelas fracções como “solo apto
para outros fins” só pelo facto de estar integrada em zona de Reserva Agrícola
Nacional - RAN, seria repristinar, ilegalmente, aquela disposição do Código de
1991.
Acresce que não é absoluto o princípio geral vertido no artigo 8.° do
Decreto-Lei n.° 196/89, de 14 de Junho, que estabelece a afectação exclusiva à
agricultura de todos os solos integrados em RAN, com a consequente proibição de
todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, pois
o princípio comporta a possibilidade (condicionada a prévio parecer favorável
das comissões regionais da reserva agrícola) de utilização desses solos para
fins não agrícolas (nomeadamente para construção), embora limitada às hipóteses
contempladas nos art.ºs 9.° e 10.° do mesmo diploma (na versão do Decreto-Lei
n.° 274/92, de 12 de Dezembro).
D
Mas, como bem salientou o Senhor Procurador-Geral Adjunto na sua sábia peça
alegatória, no caso dos autos a Relação não se limitou a valorizar os solos
expropriados inseridos em RAN como terreno apto para construção qua tale.
De facto, a Relação não deixou de ponderar a seguinte questão:
“Será, porém, que, no cálculo do valor da indemnização a fixar pela expropriação
desta fracção A1 se deva pura e simplesmente ignorar a circunstância de a mesma
se situar em zona de ‘RAN’?”
Tendo em consideração que a potencialidade construtiva nos terrenos integrados
em RAN permanece cerceada com o actual Código das Expropriações (porquanto o n.°
1 do artigo 26.° salvaguardará a aplicabilidade dos artigos 9.° e 10.° do citado
Decreto-Lei n.° 196/89), o acórdão recorrido respondeu afirmativamente à questão
acima enunciada, de modo a levar-se em conta as apontadas restrições
construtivas resultantes do regime da RAN no cálculo do valor, como solo apto
para construção, da fracção A1.
A não ser assim, ponderou-se no acórdão, seria traído o conceito de “justa
indemnização”.
Consequencialmente, e com recurso à equidade, a Relação julgou adequada uma
minoração de 50% do valor fixado na 1.ª instância como solo apto para construção
(percentagem, é certo, altamente discutível, mas que foi insusceptível de ser
impugnada pela ora recorrida, atenta a inadmissibilidade de recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça: n.° 5 do art.º 66.° do C.E.).
E
“Esta específica e peculiar dimensão normativa - conclui-se com total acerto nas
alegações do Ministério Público -, não coincide, a nosso ver, com a que está
subjacente ao juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal
Constitucional no Acórdão n.° 275/04: na verdade, o que este Tribunal considerou
que ofenderia o princípio da igualdade entre proprietários e expropriados e não
expropriados, todos eles titulares inseridos em RAN, seria a valorização dos
prédios expropriados como ‘normal’ terreno para construção, reflectindo no
montante indemnizatório uma potencialidade edificativa ‘naturalística’ e
situacional que - por razões legais e regulamentares - era juridicamente
inexistente”.
Uma vez que o recurso interposto ao abrigo da citada alínea g) do n.° 1 do
artigo 70.° da LTC, como exige a lei e uniformemente tem afirmado este Tribunal,
pressupõe que haja sido efectivamente aplicada na decisão recorrida uma norma
anteriormente julgada inconstitucional, e não tendo o acórdão recorrido aplicado
normas legais na interpretação julgada inconstitucional pelo acórdão-fundamento,
justifica-se a rejeição do conhecimento do presente recurso na forma sumária já
apontada.
II - Quanto Ao Objecto Do Recurso
Mesmo que não fosse procedente a invocada questão prévia da inadmissibilidade do
recurso, o critério normativo adoptado pela Relação para a fixação do valor dos
terrenos expropriados (fracção A1) ou simplesmente depreciados (fracção A3), na
dimensão em que foi aplicado, não ofende seguramente qualquer princípio
constitucional, designadamente o da igualdade, como bem se concluiu nas
alegações do Ministério Público.
De facto, e uma vez que foi levada em conta a restrição ao jus aedificandi dos
terrenos, decorrente da sua inserção em zona de RAN, nada impedia que a
respectiva avaliação contemplasse outrossim a aptidão edificativa que não deixam
de deter, “...não ocorrendo seguramente qualquer violação do princípio da
igualdade, já que esse ‘nível reduzido’ de aptidão edificativa é aplicável
horizontalmente a todos os proprietários de terrenos incluídos na RAN” (cfr.
fls. 6 das alegações do M.º P.º).
III - Nestes termos:
E contando com o sábio suprimento de V.ªs Ex.ªs, deverá ser negado, em decisão
sumária, o conhecimento do presente recurso, ou, se assim não se entender,
deverá ser-lhe negado provimento.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Nas suas alegações, o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
defendeu que não se verificam os pressupostos do recurso de constitucionalidade
interposto, pelo que dele não se deverá tomar conhecimento. Suscitou, pois, uma
questão prévia, no sentido do não conhecimento do recurso, que há que começar
por tratar.
O presente recurso para o Tribunal Constitucional baseia-se na alínea g) do n.º
1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, segundo a qual cabe recurso
das decisões dos tribunais que apliquem norma já anteriormente julgada
inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional. Como
decisão-fundamento, refere-se no requerimento de recurso o Acórdão n.º 275/2004,
em que o Tribunal julgou inconstitucionais, por violação do princípio da
igualdade, consagrado no artigo 13.° da Constituição, as normas contidas no n.°
1 do artigo 23.° e no n.° 1 do artigo 26.° do Código das Expropriações, aprovado
pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, quando interpretadas no sentido de
incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente,
de como tal indemnizar, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional,
expropriado para implantação de vias de comunicação. Transcreva-se a parte ora
relevante da fundamentação deste aresto:
«(…) há então que verificar se viola ou não algum princípio constitucional a
interpretação das normas contidas no n.° 1 do artigo 23.° e no n.° 1 do artigo
26.° do Código das Expropriações (1999) que conduz a incluir na classificação de
“solo apto para a construção” e, consequentemente, a indemnizar como tal, o
solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de
vias de comunicação.
Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa,
afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os
encargos públicos, que o princípio da “justa indemnização” postula. Ora, neste
contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a
saber: no âmbito da relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito
da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer
critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos
diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da
relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a
indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento
desigual entre estes dois grupos.
Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a
interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes
autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos
integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para
construção de uma via de comunicação - uma das limitadas utilizações que, por
força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos
termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de
Junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente
integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo,
considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser
indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações
legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por
força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização
que não corresponde ao seu “justo valor” – para o determinar há que atender ao
valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores
especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está,
necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado
-, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes
proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido
contemplados com a expropriação. Nesse sentido, escreveu-se nos Acórdãos n.ºs
333/2003 e 557/2003 já citados:
“[...] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa
razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia
invocar o princípio da 'justa indemnização', de modo a ver calculado o montante
indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era
para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.
E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar‑se uma
situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante
fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento
injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser
indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado,
os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na
REN e delas não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não
alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente
estabelecida. Ora, se é verdade que o “princípio da igualdade de encargos” entre
os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a
propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização,
obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não
expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam
os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não
expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir
ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso,
não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser
desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública.
Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode
ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção.”
Pelo exposto, há que considerar que a interpretação das normas contidas no n.° 1
do artigo 23.° e no n.° 1 do artigo 26.° do Código das Expropriações (1999), que
conduz a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e,
consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola
Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação, viola o princípio
da igualdade, consagrado no artigo 13.° da Constituição». (último itálico
aditado)
Segundo o Ministério Público, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
recorrido não contrariou, porém, esta decisão do Tribunal Constitucional, na
medida em que
“não se limitou a valorizar como «normal» terreno apto para construção os solos
expropriados, inseridos na RAN, com base na sua aptidão edificativa
«naturalística», extraída das características físicas e da localização do
prédio: bem pelo contrário, o acórdão recorrido começa por fazer notar que a
proibição de construir nas áreas da RAN não é total, prevendo-se no Decreto‑Lei
n.º 196/89, de 14 de Junho, situações particulares em que uma construção,
limitada a determinadas finalidades específicas, é legalmente consentida: os
terrenos incluídos na RAN não são, pois, em absoluto e de todo, desprovidos de
potencialidade edificativa, dispondo residualmente de alguma aptidão, embora
limitada substancialmente, para a edificação.”
Com efeito, analisando a decisão recorrida conclui-se que o aresto recorrido não
aplicou, explícita ou implicitamente, a norma julgada inconstitucional no
Acórdão n.º 275/2004. Como transparece da fundamentação transcrita supra no
relatório, o Tribunal da Relação integrou o disposto no artigo 25.°, n.º 2,
alínea a), do Código das Expropriações (1999), tomado isoladamente, com o
estatuído no Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, que estabeleceu o regime de
Reserva Agrícola Nacional (abreviadamente, RAN), notando que a proibição de
construir nas áreas da RAN não é total, existindo situações em que uma
construção, limitada a determinadas finalidades específicas, é permitida, e
tomando em consideração as restrições construtivas resultantes da inserção da
parcela expropriada na RAN, para julgar adequada uma minoração de 50% do
montante indemnizatório fixado na primeira instância. Aplicou, assim, uma
dimensão normativa não contemplada no Acórdão n.º 275/2204 e distinta da então
apreciada e julgada inconstitucional.
Não se vê, pois, como poderá dar-se por verificada a identidade normativa que é
pressuposto necessário do recurso de constitucionalidade previsto na alínea g)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional – recurso de decisões
“que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo
próprio Tribunal Constitucional” (itálico aditado). Tanto basta para se não
poder conhecer do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo desta
alínea.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide julgar procedente a
questão prévia suscitada pelo Ministério Público e, em consequência, não tomar
conhecimento do presente recurso.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos