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Processo n.º 684/06
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por sentença do Tribunal de Trabalho de Castelo Branco de 5 de Março
de 2004, de fls. 66, foi o Réu, IEP – INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL,
condenado a reintegrar a Autora, A., «no seu posto de trabalho, sem prejuízo da
sua categoria e antiguidade, bem como a pagar-lhe os salários e o subsídio de
Natal que deixou de auferir desde 05.05.2003 até à data da decisão final,
sentença ou acórdão que declare ou confirme a ilicitude [da cessação do contrato
de trabalho em causa na acção], no montante de 7.002,51 euros (sete mil e dois
euros e cinquenta e um cêntimos) até ao momento, acrescido de juros de mora, à
taxa anual de 4%, desde a data do vencimento de cada um dos diferentes créditos
até integral pagamento».
Para o efeito, e em síntese, o tribunal considerou ter sido celebrado
um contrato de trabalho a termo pelo prazo de seis meses, renovável, mas que a
cláusula correspondente ao termo era nula, nos termos decorrentes do n.º 2 do
artigo 41º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, levando à conversão
do contrato em contrato sem termo (n.º 3 do artigo 42º do mesmo Decreto-Lei).
Assim, e sempre em síntese, a denúncia do contrato para o fim do prazo por parte
do empregador equivalia a um despedimento ilícito, com as consequências já
apontadas.
Inconformado, o Réu interpôs recurso da sentença para o Tribunal da
Relação de Coimbra, que, por acórdão de 21 de Abril de 2005, de fls. 138, julgou
procedente a apelação e, consequentemente, revogou a sentença impugnada,
decidindo que o contrato a termo a que se vinculou a Autora apelada cessara em
30 de Junho de 2002, por virtude da comunicação que lhe foi feita pelo réu no
sentido da sua não renovação.
Para alcançar este resultado, o Tribunal da Relação de Coimbra
considerou não ser aplicável ao contrato em discussão o regime do contrato
individual de trabalho, mas antes, fundamentalmente, o constante do Decreto-Lei
n.º 427/89, de 7 de Dezembro, dado ser o Réu um Instituto Público. Assim, não
era possível a conversão do contrato nos termos indicados pela 1ª instância,
sendo portanto válida a denúncia operada pelo empregador.
Inconformada agora, por seu turno, a Autora interpôs recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal que, por acórdão de 24 de Maio de 2006,
de fls. 203, concedeu a revista e revogou o acórdão recorrido, repristinando a
sentença da primeira instância.
Na parte que agora releva, o Supremo Tribunal de Justiça afirmou o
seguinte:
«A A. e o ICERR celebraram contrato de trabalho a termo certo, assinado
em 20 de Agosto de 2001.
(…)
Do (…) convencionado resulta, claramente, que as partes quiseram
submeter o contrato ao regime da LCCT (aprovada pelo DL n.º 64-A/89), diploma
que, além do mais, regula o regime geral ou comum dos contratos de trabalho a
termo, sendo que, em todo o clausulado, não há uma única alusão ao DL n.º
472/89, que, na altura, definia o regime de constituição, modificação e extinção
da relação jurídica de emprego na Administração Pública, incluindo o regime dos
contratos a termo.
Cabe aqui referir que o regime dos contratos a termo na Administração
Pública consta actualmente da Lei n.º 23/2004, de 22.06, cujo artº 30.º, b),
revogou nessa parte, o DL n.º 427/89.
Sendo que, atenta a data da celebração do contrato a termo em causa,
tal Lei não se aplica ao caso dos autos, face ao seu artº 26.º, n.º 1, segundo o
qual, na parte que aqui interessa, “ficam sujeitos ao regime da presente lei os
contratos de trabalho (…) celebrados (…) antes da data da entrada em vigor que
abranjam pessoas colectivas públicas, salvo quanto às condições de validade e
aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele
momento”.
É que estamos a discutir questões de validade do contrato, sendo aliás,
que, em qualquer caso, a própria denúncia do mesmo ocorreu antes da entrada em
vigor da referida Lei, que se verificou em 22.07.2004 (artigo 31.º).
Questão diversa é a de saber se, em qualquer caso, esse contrato estava
imperativamente sujeito ao regime do DL n.º 427/89.
Vejamos:
É certo que, de acordo com o seu artº 2.º, este diploma se aplicava aos
serviços e organismos da Administração Central, bem como aos institutos públicos
nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos.
E é certo também que, de acordo com o artº 1.º, n.º 1, do DL n.º
237/99, de 25.06, que o criou, o ICERR era um instituto público dotado de
personalidade jurídica à semelhança do Instituto das Estradas de Portugal, IEP,
no qual aquele foi integrado, por fusão, após a sua extinção (artigo 2.º, n.º 1,
do DL n.º 227/2002, de 30.10).
Mas tal natureza não era impeditiva, por si só, da celebração com a A.
do contrato de trabalho a termo, segundo o regime da LCCT e, portanto, não
submetido ao regime do DL n.º 427/89.
É que há, a nosso ver, legislação ulterior a este e anterior à
celebração do contrato que legitimava tal procedimento.
Atentemos em que, segundo o n.º 1 do artigo 13.º dos seus Estatutos,
aprovados pelo referido DL n.º 237/99 e a ele anexos, “o pessoal do ICERR está
sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as
especificidades previstas nos presentes estatutos e no diploma que o aprova.
(…)
Face ao que deixamos exposto, entendemos que o contrato a termo ora em
causa está sujeito ao regime da LCCT (e legislação conexa), como defendeu a
sentença, e não ao do aludido DL n.º 427/89, como entendeu a 2.ª instância.
(…)
O R. invocou que o n.º 2 do artº 47.º da Constituição proibia a
conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado e que, por
isso, faltando o concurso para admissão da A., a decisão que operasse tal
conversão seria inconstitucional.
Não tem razão, como veremos de seguida.
Dispõe esse n.º 2:
“Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em
condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”.
Comentando esse preceito, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira que
o conceito constitucional e função pública aí empregue “corresponde… ao sentido
amplo da expressão em direito administrativo, designando qualquer actividade
exercida ao serviço de uma pessoa colectiva pública (Estado, região autónoma,
autarquia local, instituto público, associação pública, etc.), qualquer que seja
o regime jurídico da relação de emprego (desde que distinto do regime comum do
contrato individual de trabalho) e independentemente do seu carácter provisório
ou definitivo, permanente ou transitório”.
Ora, como vimos acima, o R. contratou, legalmente, a A. ao abrigo do
regime geral ou comum do contrato individual de trabalho, o que vale por dizer
que não tem aplicação ao caso a norma do n.º 2 do artº 47.º da Constituição.
(…)»
A fls. 214, o Instituto das Estradas de Portugal veio requerer a
reforma deste acórdão, o que foi indeferido por acórdão de 21 de Junho de 2006,
de fls. 226, por não ocorrer nenhum dos fundamentos que a possibilitariam.
2. Novamente inconformado, o Instituto das Estradas de Portugal
recorreu do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2006 para o
Tribunal Constitucional, nestes termos:
«- o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artº 70.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, (…);
- pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da decisão do douto Acórdão
recorrido, na interpretação que faz das normas do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7
de Dezembro, quanto à constituição da relação de emprego e não conversão de
contrato de trabalho com termo em contrato de trabalho sem termo, não se
aplicando essas normas ao recorrente – Instituto Público – e aplicando antes o
regime jurídico do contrato individual de trabalho previsto no artº 13.º dos
Estatutos do Recorrente.
- tal interpretação do Decreto-Lei n.º 427/89, bem como do artº 13.º dos
Estatutos do ICERR, violam o n.º 2 do artº 47.º da Constituição da República
Portuguesa.
- a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, na alegação do
recurso de revista;
- o recurso tem efeito suspensivo e sobre nos próprios autos.»
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do
artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou as suas alegações, que
concluiu nos seguintes moldes:
«…
6.ª Nos termos da alínea t) do n.º 1 do artº 165.º da Constituição, é da
exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo,
legislar sobre a matéria relativa às “bases do regime da função pública”.
7.ª No que respeita ao regime de constituição, modificação e extinção da relação
jurídica de emprego na função pública, os princípios fundamentais – bases
constitucionais – constam dos Decretos-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, e 427/89,
de 7 de Setembro, sendo certo que eles incluem no seu âmbito os institutos
públicos (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 129/99).
8.ª Aqueles diplomas apenas prevêem, taxativamente, duas modalidades de
contratação (contrato administrativo de provimento e contrato de trabalho a
termo certo), ao abrigo do âmbito institucional definido em volta dos serviços e
organismos da Administração Pública, incluindo os institutos públicos (artº 2.º
do DL 184/89), sendo vedado aos institutos públicos a constituição de relações
de emprego com carácter subordinado por forma diferente das previstas nos
citados diplomas.
9.º A sujeição ao regime do contrato individual de trabalho, definida pelos
Estatutos do ICERR, colide com o princípio da taxatividade das formas de
constituição da relação de emprego na Administração Pública, instituído pelo
Decreto-Leis n.º 184/89 e 427/89.
10.º Pelo que, integrando-se as citadas normas dos Estatutos do ICERR – n.º 1 do
artº 8.º e n.º 1 do artº 13.º – em diploma editado pelo Governo – DL 237/99 –
sem precedência de autorização legislativa, padecem de inconstitucionalidade
orgânica, por violação do disposto no artº 165.º, n.º 1, alínea t) da
Constituição da República Portuguesa.
Com efeito,
11.º Não se pode dizer que os artºs 41.º, n.º 4, do DL 184/89 e 44.º, n.º 1, do
DL 427/89 – Salvaguarda de regimes especiais – constituem uma criação de
excepções aos princípios básicos definidores da função pública, não constituindo
matéria da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, pela
razão destas excepções serem previstas na própria lei de bases.
…
Daí que se tenha de concluir que o n.º 4 do artº 41.º do DL n.º 184/89 e o n.º 1
do artº 44.º do DL 427/89, apenas visaram salvaguardar os regimes especiais
existentes à data da sua entrada em vigor, não habilitando o Governo, sem
autorização legislativa específica, a instituir no ICERR um regime de pessoal
excepcional, contrário ao regime geral consagrado nas bases da relação jurídica
de emprego público.
…
22.º No douto Acórdão recorrido é dito que não está em causa uma relação
jurídica de emprego público, não tendo, por isso, qualquer cabimento a violação
da norma do n.º 2 do artº 47.º da Constituição.
Contudo,
23.º Admitindo-se a conversão do contrato a termo em contrato sem termo, a
constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública viola o
princípio constitucional de acesso igualitário e não discricionário à função
pública e a regra do concurso (artº 47.º, n.º 2, da Constituição).
…
36.º Atenta a especialidade constante do artº 43.º, n.º 1, do DL 427/89, que
derroga o disposto na LCCT sobre as situações (hipótese e circunstância) da
conversão dos contratos a termo certo em contratos sem termo, os contratos
celebrados pelo ICERR ao arrepio do regime previsto naquele diploma são nulos,
nos termos dos artºs 280.º, n.º 1, e 294.º do Código Civil, produzindo apenas
efeitos em relação ao tempo em que estiveram em execução.
37.º Daí que o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre Recorrente e
recorrida tenha caducado quando a Recorrente comunicou à Recorrida, por escrito,
a vontade de não o renovar, independentemente do motivo justificativo da
contratação a termo satisfazer ou não as exigências de concretização factual
exigidas por lei.
38.º E não se pode dizer que o Recorrente enquanto “infractor da lei” beneficia
dessa ilegalidade, pois não se vislumbra que algo de ilegítimo possa ser
imputado a quem invoca a nulidade de um contrato por violação de disposição
legal que, por consagrar princípios de interesse e ordem pública, reveste
carácter imperativo, e da regra constitucional do artº 47.º, n.º 2.
39.º Concluindo-se, a conversão do contrato a termo da Recorrida em contrato por
tempo indeterminado, sem concurso, ligada à função a exercer, padece de
inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade estabelecido no
artº 47.º, n.º 2, da Constituição.»
A recorrida apresentou igualmente alegações, nas quais suscitou a
questão prévia do não conhecimento do recurso, considerando que as questões de
constitucionalidade invocadas pelo recorrente não foram suscitadas de modo
processualmente adequado, e, para o caso de assim se não entender, sustentou a
inexistência de qualquer desconformidade constitucional no caso dos autos.
4. A fls. 247, foi proferido o seguinte despacho:
'1. Nas alegações apresentadas no recurso interposto para este Tribunal por IEP
– INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL, a recorrida, A., suscitou a questão do não
conhecimento do recurso.
2. Para além disso, e tendo em conta, conjugadamente, as contra-alegações
apresentadas pelo IEP perante o Supremo Tribunal de Justiça no recurso de
revista então interposto por A., o requerimento de interposição de recurso para
o Tribunal Constitucional e as alegações produzidas pelo ora recorrente neste
Tribunal, podem ainda colocar-se outros obstáculos ao conhecimento do mérito do
recurso.
Com efeito, no requerimento de interposição de recurso – local próprio para a
definição do respectivo objecto, que não pode ser ampliado nas alegações –, o
IEP pretende que o Tribunal Constitucional aprecie 'a inconstitucionalidade da
decisão do douto Acórdão recorrido, na interpretação que faz das normas do
Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, quanto à constituição da relação de
emprego e não conversão de contrato de trabalho com termo em contrato de
trabalho sem termo, não se aplicando essas normas ao recorrente – Instituto
Público – e aplicando antes o regime jurídico do contrato individual de trabalho
previsto no artigo 13.º dos Estatutos do Recorrente.
- tal interpretação do Decreto-Lei n.º 427/89, bem como do artigo 13.º dos
Estatutos do ICERR, violam o n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República
Portuguesa'
E o recorrente diz ainda no mesmo requerimento que ' a questão da
inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, na alegação do recurso de
revista'.
Ora verifica-se que:
– Não pode integrar o objecto do recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade normativa a apreciação de uma inconstitucionalidade
atribuída a uma decisão judicial, mas, tão somente, uma inconstitucionalidade
apontada a normas nela aplicadas;
– Tratando-se de um recurso ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, é pressuposto de admissibilidade do
mesmo que tenha sido suscitada 'durante o processo', ou seja, perante o tribunal
recorrido (cit. al.b) do n.º 1 do artigo 70º e n.º 2 do artigo 72º da Lei nº
28/82), a inconstitucionalidade da norma que se pretende ver apreciada pelo
Tribunal Constitucional;
– Nas contra-alegações apresentadas no recurso de revista, o ora recorrente não
parece ter suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade de normas, antes
tendo acusado de ser inconstitucional, por violação do n.º 2 do artigo 47º da
Constituição, 'qualquer decisão que convertesse o contrato a termo em contrato
sem termo' (conclusão 5ª);
– Nas alegações apresentadas no recurso de constitucionalidade, o recorrente
afirmou pretender a apreciação da inconstitucionalidade que atribui ao n.º 1 do
artigo 8º do Decreto-Lei n.º 237/99; nenhuma referência fez a tal preceito no
requerimento de interposição de recurso; nem suscitou a respectiva
inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, determina-se:
– Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 704º do Código de Processo Civil e
no artigo 69º da Lei nº 28/82, que o recorrente seja notificado para se
pronunciar, querendo, sobre o obstáculo suscitado pela recorrida quanto ao
conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade;
– Nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 704º e também do artigo 69º da Lei nº
28/82, que as partes sejam notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre os
possíveis obstáculos a esse conhecimento, indicados no ponto 2. deste despacho.
Lisboa, 25 de Outubro de 2006'
5. Notificado deste despacho, o recorrente sustentou estarem reunidas
as condições de admissibilidade do recurso, em parte. Em particular, e apenas
para o que releva, afirmou que 'considerou antecipadamente [à emissão do acórdão
recorrido] a hipótese de interpretação do citado diploma [o Decreto-Lei n.º
427/89] – salvaguarda do regime especial prevista no n.º 1 do artigo 44º – e
suscitou antecipadamente a inconstitucionalidade daí decorrente'.
E, após ter citado o acórdão n.º 36/91 deste Tribunal, acrescentou
'Mais ainda, a norma em questão – que exclui a aplicação ao Recorrente do regime
previsto no diploma – constitui ela o fundamento normativo do conteúdo da
decisão: inconstitucionalidade ou não constitucionalidade, por eventual violação
do n.º 2 do artigo 47º da Constituição, da conversão do contrato a termo sem
termo. (…)
Em conclusão. e no essencial, foi suscitada a questão da
constitucionalidade, por violação do n.º 2 do artigo 47º da Constituição, da
interpretação do Decreto-Lei n.º 427/78 – neste caso, e necessariamente, do n.º
1 do seu artº 44º – no sentido de permitir a conversão do contrato a termo em
contrato sem termo.
Preenchendo-se, assim, o respectivo pressuposto relativo ao objecto do
recurso para o Tribunal Constitucional'.
Conclui a sua resposta observando que:
'- 'a recorrida não suscitou qualquer obstáculo quanto ao conhecimento do
objecto do recurso de constitucionalidade, na parte em que é suscitada a questão
da inconstitucionalidade material – normativa – derivada da aplicação do n.º 1
do artigo 44º do DL 427/89.
- por se encontrarem preenchidos os pressupostos relativos ao objecto do
recurso, não se vislumbram obstáculos legais ao conhecimento do objecto do
recurso, na parte referida no ponto anterior, devendo, assim, conhecer-se do seu
objecto.'
A recorrida não respondeu ao despacho de fls. 274. A 20 de Novembro de
2006 veio pronunciar-se sobre o 'requerimento apresentado pelo recorrente' –
presume-se que se refira à resposta de fls. 279.
Não se considerará, todavia, tal 'resposta', por não ser admissível,
como se decidiu no despacho de 2 de Janeiro de 2007.
6. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas
interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie
a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que
foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido
suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) citada), e
não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da
lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de
exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da
República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de
1995 e 16 de Maio de 1996).
É, ainda, necessário que tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado de
ser inconstitucional, como ratio decidendi (cfr., nomeadamente, os acórdãos nºs
313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série,
respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de
1996); e que a inconstitucionalidade haja sido “suscitada durante o processo”
(citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), como se disse, o que significa que há-de
ter sido colocada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”
(nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82).
Conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente só
pode ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade ”durante o
processo” nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto
processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em
momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com
os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II,
de 28 de Maio de 1994).
Finalmente, e apenas para o que agora interessa, o objecto do recurso de
constitucionalidade define-se no requerimento de interposição correspondente,
não podendo ser ampliado nas alegações (cfr., por exemplo, os acórdãos nºs
366/96 ou 489/99, publicados no Diário da República II, de 10 de Maio de 1996 e
de 20 de Março de 2000, respectivamente).
7. As considerações antecedentes destinam-se a justificar por que motivo o
Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso, por não terem sido
respeitadas as necessárias condições de admissibilidade, nem mesmo quanto à
parte em que o recorrente, na resposta de fls. 279, 'reduz' a verificação dessas
condições.
Note-se, aliás, que, tendo em conta o despacho de fls. 274, se não compreende a
afirmação, feita a fls. 282, v., de que o próprio Tribunal (através da presente
relatora) estaria de acordo quanto ao seu preenchimento.
8. Com efeito, não cabe no âmbito do recurso de constitucionalidade analisar a
questão de saber qual é o regime – de direito ordinário – aplicável ao contrato
em causa nos presentes autos, se o do contrato individual de trabalho, se o da
contratação no âmbito da função pública. Nem mesmo pode o Tribunal
Constitucional considerar se, tendo sido revogados ou substituídos os diplomas
eventualmente aplicáveis, quer de um, quer de outro ponto de vista, foram ou não
escolhidas as versões correctas, já que, em qualquer caso, se trata de questões
de direito ordinário.
Ao Tribunal Constitucional apenas compete apreciar a conformidade constitucional
das normas que, tendo sido efectivamente aplicadas pela decisão de que foi
interposto o recurso de constitucionalidade – no caso, o acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2006 –, tenham sido oportunamente
impugnadas perante o tribunal que a proferiu.
Ora o que sucede é que o recorrente não colocou perante o Supremo Tribunal de
Justiça – nem perante o Tribunal Constitucional, no requerimento de interposição
de recurso – qualquer questão de inconstitucionalidade de nenhuma norma do DL nº
427/89 que o mesmo Supremo Tribunal de Justiça tenha aplicado como ratio
decidendi do acórdão recorrido. Antes acusou o Supremo Tribunal de Justiça de,
ao recusar a aplicação do regime definido pelo DL nº 427/89, ter proferido uma
decisão que violou o nº 2 do artigo 47º da Constituição.
Quanto à afirmação de que “o recorrente suscitou antecipadamente a
inconstitucionalidade do nº 1 do artigo 44º” do DL nº 427/89, que o recorrente
faz na resposta de fls. 279, não é exacta. O recorrente, aparentemente,
considera que o motivo que terá levado o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão
recorrido, a não aplicar o regime previsto no Decreto-Lei n.º 427/89 – em
particular, a impossibilidade de conversão do contrato em contrato sem termo –
terá sido a aplicação, ao caso, do disposto no n.º 1 do artigo 44º do
Decreto-Lei n.º 427/89; sucede, todavia, que, ainda que assim fosse, nunca o
recorrente colocou perante o Supremo Tribunal de Justiça a
inconstitucionalidade da norma correspondente, sempre atribuindo a
inconstitucionalidade globalmente ao Decreto-Lei n.º 427/89 e a qualquer decisão
que procedesse à aludida conversão do contrato.
9. Relativamente ao artigo 13º dos Estatutos do ICERR, impugnado no requerimento
de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente não
suscitou a sua inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal de Justiça. O
mesmo se diga, aliás, a respeito do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º
237/99, de 25 de Junho, norma essa, aliás, só impugnada nas alegações
apresentadas no Tribunal Constitucional.
10. Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2007
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício