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Processo nº 878/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
1. Nos presentes autos, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu o seguinte
acórdão, datado de 25 de Maio de 2006:
A. intentou a presente acção, com processo ordinário, contra B.. e mulher, C.,
D., E. e F., pedindo a declaração de nulidade da escritura de justificação
lavrada em 11/10/2000, no Cartório Notarial de Machico, com o fundamento de que
os imóveis nela identificados são sua pertença, sendo falsa a Declaração do réu
B., nessa mesma escritura feita, de que os adquirira ao autor e à sua falecida
mulher.
Na 1ª instância a acção foi julgada improcedente, tendo a respectiva decisão
sido confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Setembro
de 2005.
Inconformado, recorreu o A. para este Supremo Tribunal.
O relator, considerando simples as questões suscitadas no recurso, proferiu a
decisão de fls. 501 a 508, nos termos dos artigos 705º e 726º do C.P. Civil,
negando a revista.
Reclamou o A. ao abrigo do disposto nos artigos 700º, nº 3 e 726º, daquele
diploma, para a conferência, alegando, essencialmente, o seguinte:
– O relator não poderá substituir‑se ao tribunal de recurso para catalogar uma
questão de “simples”, não revelando as razões dessa catalogação.
– O autor demonstrou que o prédio justificado jamais poderia ter sido adquirido
pelos réus, visto que tal prédio não existira jamais. Os réus só poderiam ter
justificado um prédio urbano e outro prédio rústico, que não qualquer prédio
misto.
– O autor ilidiu a presunção que emerge do artigo 7º do Cod. Reg. Predial, o
que não foi analisado.
– O autor demonstrou que a posse dos réus não foi exercida em nome próprio, nem
exclusiva, mas sim precária.
– O facto de a Relação ter decidido que, neste caso, cabe ao autor o ónus da
prova do seu direito, constitui uma “decisão surpresa”.
– A resposta ao quesito 16º é conclusiva.
– A alusão feita pelo relator à impugnação do autor sobre a motivação da
matéria de facto é simplista.
– Não é correcta a afirmação feita na decisão reclamada de que a parte rústica
do imóvel foi adquirida ao autor em 1961.
Responderam os réus pugnando pelo indeferimento da reclamação.
Decidindo.
Prescreve o artigo 705º do C.P. Civil que quando o relator entender que a
questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido jurisdicionalmente
apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente
infundado, profere decisão sumária.
Decorre do teor deste preceito que o entendimento sobre a simplicidade da
questão a decidir é fruto do juízo pessoal do relator sobre essa mesma questão.
A alusão à reiteração e uniformidade das decisões jurisdicionais é meramente
exemplificativa.
E, como a reclamante reconhece, as partes não são prejudicadas com uma decisão
sumária do relator porque dela podem reclamar para a conferência (artigo 700º,
nº 3, do C.P. Civil).
Ao elenco dos factos provados, acrescenta‑se um outro descrito no acórdão da
Relação que se reporta à inscrição, na Conservatória do Registo Predial da
Madeira, do prédio misto em causa, identificado sob o item 1), a favor dos réus
B. e mulher, C., mediante a ap. 03/001211.
Na decisão reclamada são abordadas as questões objecto da reclamação.
É certo que, naquela decisão, por mero lapso, se escreveu que a parte rústica
foi adquirida ao recorrente em 1961 quando o que consta do elenco dos factos
provados é que, naquela data, foi o ora reclamante quem a adquiriu.
Porém, esse lapso em nada belisca o discurso jurídico, aí feito, sobre a prova
de que os recorridos são os proprietários do imóvel em causa pois também está
provado que todo esse imóvel, em finais dos anos sessenta, princípios dos anos
setenta, o réu B., por contrato verbal, o adquiriu ao autor A. e mulher.
Assim, pelas razões expostas na Decisão de fls. 501 a 508, que aqui se dá por
integralmente reproduzida, indefere‑se a reclamação, mantendo‑se, portanto, a
negação da revista.
O recorrente requereu a aclaração do acórdão de 25 de Maio de 2006, aclaração
indeferida por acórdão de 6 de Julho de 2006.
O recorrente arguiu nulidades, arguição indeferida por acórdão de 21 de Setembro
de 2006.
2. A. interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
A., nos autos cíveis de revista em que é recorrido B., vem interpor recurso de
constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70°, 1,
alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, na
redacção dada pela Lei n° 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei n° 13-A/98, de 26
de Fevereiro), e com os fundamentos seguintes:
Pretende o recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade da norma contida no
artigo 705° do Código de Processo Civil, na dimensão normativa que subjaz à
decisão do Supremo, proferida em 25 de Maio de 2006.
Segundo se diz nesse acórdão, louvando-se para tanto no teor do citado artigo,
“(...) o entendimento sobre a simplicidade da questão a decidir é fruto do juízo
pessoa! do relator sobre essa mesma questão” (vd. pág. 2 do cit. acórdão).
Mesmo porque, diz-se ainda, a alusão à reiteração e uniformidade das decisões
jurisdicionais é meramente exemplificativa.
Após o que conclui: “E, como a reclamante reconhece, as partes não são
prejudicadas com uma decisão sumária do relator porque dela podem reclamar para
a conferência (...)”.
Quer dizer, apesar de se encontrar preceituado, na referida disposição, que em
determinadas circunstâncias igualmente previstas que fazem com que a questão a
decidir possa ser considerada “simples”, o relator pode proferir decisão
sumária, vem-se dizer no douto acórdão de 25.05.2006 que o entendimento para que
tal suceda é fruto, apenas, do juízo pessoal do relator, que as razões pelas
quais o relator pode julgar dessa forma, ou fica habilitado a julgar o recurso
de forma sumária são ajuizadas pelo próprio, pertencem ao próprio, não se
mostrando por isso necessário que o mesmo as fundamente ou justifique, o que o
mesmo é que dizer que não se justifica que o relator justifique o porquê da
decisão sumária que tomou.
Em suma, não vê o douto acórdão necessidade por parte do relator em
fundamentar/justificar o porquê da decisão sumária, o porquê de ter considerado
a questão a decidir como “simples”, uma vez que as partes podem sempre reclamar
para a conferência...
Foi este o eixo central da interpretação efectuada pelo Supremo sobre a
disposição contida no artigo 705°, na decisão proferida ao abrigo do disposto no
artigo 700°, n° 3, por remissão do artigo 726° do mesmo diploma.
Proferido o acórdão, o autor veio pedir a sua aclaração, por se lhe afigurar que
a interpretação que se havia feito do artigo 705° era inconstitucional, visto
afrontar e violar, segundo notou então, como agora, o estatuído nos artigos 2°,
200 e 205°, n° 1 da Lei Fundamental.
Conforme referiu àquela altura (continuando a perfilhar a mesma opinião),
sustentar que o entendimento sobre a simplicidade da questão a decidir depende
apenas e tão-somente do juízo pessoal do relator, é o mesmo que dizer que o
Julgador não tem de fundamentar as decisões que emite e profere, é no fundo
dizer que as partes e, neste caso particular o autor, não têm direito a que o
litígio seja julgado mediante um processo justo e equitativo, que não têm
direito a uma tutela judicial efectiva, é no fundo privar ou coarctar o direito
de defesa dos cidadãos perante os órgãos judiciais, a quem cabe o papel de
administrar justiça em nome do povo.
Ora, se as partes devem ter acesso à percepção completa do teor das decisões
judiciais, por forma a que elas fiquem convenientemente habilitadas a impugnar
os vícios que as mesmas eventualmente contenham, é óbvio que o legislador terá
sempre de respeitar essa dimensão garantística atribuída aos intervenientes
processuais, que não é outra coisa senão o direito de acesso ao direito e aos
tribunais, além da obrigação, de cariz ou direito constitucional, que impende
sobre os juízes de fundamentarem as decisões que proferem.
Se os juízes têm a obrigação de fundamentar as decisões que proferem, como forma
de garantir que as partes fiquem habilitadas a recorrer das mesmas, a verdade é
que tal garantia não pode ser restringida, por via interpretativa, naqueles
aspectos que justamente existem para assegurar o exercício de tal direito
constitucionalmente garantido.
Sustentar que não se torna necessário fundamentar o porquê da decisão sumária,
nas condições constantes do artigo 705° do Código de Processo Civil, uma
fundamentação/justificação que pertence ao foro íntimo do relator, ao imo da sua
consciência até porque, bem vistas as coisas, as partes nunca são prejudicadas
com uma decisão do Juiz singular, porque podem sempre reclamar para a
conferência (ut pág. 2 do douto acórdão), é, não haja dúvidas, atentar contra o
direito de acesso ao direito e aos tribunais.
Ou seja, parece que, para o Exmo. Decisor, não importa que a decisão sumária
seja mal fundada, que seja injusta, ou até mesmo ilegal — isso não importa. As
partes nunca ficam ou nunca podem ficar prejudicadas com isso.
Porquê? Porque podem sempre reclamar para a conferência!
Ou seja, porque as partes não são prejudicadas pela decisão sumária do relator,
porque sempre podem reclamar para a conferência, o Supremo acabou por criar uma
nova norma, com violação do princípio da legalidade, qual seja a de que não é
necessário que o relator justifique por que razão julgou de forma sumária o
recurso, o que o mesmo é dizer, porque razão chegou à conclusão de que a
questão, para ele, é simples, quando a “simplicidade” da questão tem de assentar
e radicar em alguma das razões enunciadas no inciso normativo em apreço.
Afigura-se que a questão da inconstitucionalidade concreta da norma foi
suscitada durante o processo, no sentido, funcional que tem sido atribuída à
expressão.
Com efeito, quando o autor solicitou que sobre o despacho recaísse um acórdão, é
manifesto que a essa altura dos factos não se descortinava qualquer
inconstitucionalidade. Apenas não se conhecia, por falta de fundamentação, as
razões que estavam por detrás e que haviam aconselhado a prolação da decisão
sumária.
Além disso, a decisão sumária é sempre provisória, na medida em que a parte que
se considere prejudicada pode reclamar para a conferência.
Nem se pode pôr a questão em termos de que uma decisão é inconstitucional quando
não se encontra devidamente fundamentada, ou quando não contém qualquer
motivação.
O Tribunal Constitucional apenas aprecia a inconstitucionalidade de normas, e
não de decisões judiciais.
Em suma, não se podia colocar então qualquer questão de constitucionalidade,
quando apenas estava em crise a decisão, não a norma que lhe estava subjacente.
E dessa decisão provisória não se pode nunca levar recurso.
Daí que, efectivamente, a questão da inconstitucionalidade apenas surge quando
no douto acórdão do Supremo se diz que o entendimento sobre se uma questão é
simples, ou não, é uma decisão que apenas diz respeito e incumbe ao relator, é
um juízo pessoal do relator, querendo-se com isso dizer e significar que as
partes não têm o direito de ser esclarecidas dos motivos que estiveram na base
da decisão sumária.
Foi justamente depois da decisão proferida pela conferência que surgiu, pela vez
primeira, a questão da inconstitucionalidade, uma questão que foi de imediato
colocada ao Órgão Jurisdicional, através de um pedido de aclaração.
Que foi indeferido, por se entender não ser o pedido de aclaração o momento
azado para se colocar uma questão de inconstitucionalidade.
Julga ao invés o ora recorrente que a dita questão não podia ser
colocada/levantada antes, visto que apenas nesse momento é que foi confrontado
com a decisão, que não deixa de ser, para todos os efeitos, uma
decisão-surpresa, uma decisão que nenhum sujeito processual podia prever pudesse
ser proferida.
Dir-se-á, por último, que o recurso sobe nos próprios autos e tem efeito
suspensivo.
Cumpre apreciar.
3. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea
b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é
necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão
de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De
acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se
pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente
identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma
constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que
sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma
questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a
afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem
indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a
inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão
de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão
recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se
considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade
normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade
ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre
muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
O recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional uma dada dimensão
normativa do artigo 705º do Código de Processo Civil, segundo a qual pode ser
proferida uma decisão sumária pelo relator, ao abrigo dos artigos 705º e 726º do
Código de Processo Civil, sem fundamento.
Em primeiro lugar, sublinhar‑se‑á que em momento algum o Supremo Tribunal de
Justiça assumiu que a decisão proferida carece de fundamento. O que o Supremo
Tribunal de Justiça afirmou foi o entendimento segundo o qual cabe ao relator
apreciar e decidir sobre o carácter simples da questão em análise para efeito de
prolação da decisão sumária.
Deste modo, a dimensão normativa impugnada não se reporta à ratio decidendi do
acórdão recorrido, pelo que qualquer juízo que o Tribunal Constitucional viesse
a proferir sobre a questão suscitada não teria a virtualidade de alterar a
decisão recorrida, sendo portanto inútil.
Por outro lado, o recorrente apenas suscitou a questão de constitucionalidade no
requerimento de aclaração do acórdão recorrido, afirmando não ter tido
oportunidade processual para o fazer em momento anterior.
Ora, quando o recorrente foi confrontado com a decisão singular que, na sua
perspectiva, carecia de fundamento, dispunha objectivamente de todos os
elementos para concluir que havia então sido aplicada uma dimensão normativa
segundo a qual podem ser proferidas decisões sem fundamento. Impendia, assim,
sobre si o ónus da suscitação, na reclamação para a conferência, da questão de
constitucionalidade normativa relativa à falta de fundamento da decisão
singular.
O recorrente tenta demonstrar o contrário, dizendo que no momento da decisão
singular só podia concluir pela inconstitucionalidade da decisão e não de uma
norma.
Porém, precisamente porque é necessário interpretar juridicamente as decisões
judiciais, nomeadamente para apreender as normas que lhes subjazem como
fundamento, é que nos recursos de constitucionalidade vigora a obrigatoriedade
de constituição de mandatário judicial. Nos presentes autos, o recorrente
encontra‑se representado por advogado. Desse modo, não se afigura procedente
exigir que seja a conferência a explicitar a norma que subjaz a uma decisão
alegadamente não fundamentada. O advogado deve dispor das condições técnicas
para alcançar uma conclusão.
Se, nos presentes autos, a questão de constitucionalidade não foi suscitada
antes da prolação da decisão recorrida, tal deveu‑se à estratégia processual do
mandatário do recorrente e não a uma qualquer decisão objectivamente
imprevisível.
5. Não se tomará, pois, conhecimento do objecto do presente recurso.
6. Em face do exposto, decide‑se não tomar conhecimento do objecto do presente
recurso.
O recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º‑A,
nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
A., nos autos de recurso de constitucionalidade à margem identificados, vem nos
termos do preceituado no n° 3 do artigo 78°-A da lei de organização,
funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, reclamar para a
Conferência, o que faz pela forma seguinte:
1. Escreve-se na pág. 5 (in fine), da douta decisão sumária o seguinte: “O
recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional uma dada dimensão
normativa do artigo 705° do Código de Processo Civil, segundo a qual pode ser
proferida uma decisão sumária pelo relator, ao abrigo dos artigos 705° e 726° do
Código de Processo Civil, sem fundamento” (os sublinhados não constam do
original).
Ora, o recorrente não disse isso. Nem foi essa a dimensão normativa que
fundamentou o recurso de constitucionalidade.
Não é o facto de a decisão “não ter fundamento” que está em causa. O problema
reside no facto de o Relator não ter fundamentado a decisão que deu, não ter
justificado o motivo ou as razões que o levavam a considerar a questão como
SIMPLES.
Nem o modesto mandatário do recorrente iria fundamentar um recurso desta
importância, pelo facto de o relator ter proferido uma decisão SEM FUNDAMENTO!
Depois, também não parece que se possa argumentar pela forma como faz a Ex.a
Senhora Conselheira Relatora, na pág. 6, ao cimo, referindo que o Supremo nunca
havia assumido que a decisão proferida carecia de fundamento.
É verdade! Mas também não é isso que está em causa, nem o recorrente alguma vez
o disse.
A questão não é essa.
Nem o Supremo disse ou assumiu que a decisão havia sido proferida sem
fundamento, nem a conclusão a que o recorrente chegou para concluir pela
interpretação inconstitucional da disposição contida no artigo 705°, assentou em
tal premissa.
Em suma: se a conclusão tirada pela Exma. Conselheira, no sentido de que a
dimensão normativa impugnada não se reporta à ratio decidendi do acórdão
recorrido pelo facto de o Supremo nunca ter assumido que a decisão proferida
carecia de fundamento, dir-se-á que a conclusão não se contém na premissa
apontada, mostrando-se, desse modo, desajustada (o que se refere sem qualquer
perda de respeito pela mesma Ilustre subscritora da decisão sumária).
A dimensão normativa que está em causa, não tem absolutamente nada a ver com o
facto de o Supremo não ter assumido que a decisão não tinha fundamento.
Vejamos melhor.
2. O que o Supremo disse foi que o Relator poderia decidir sumariamente o
recurso, ao abrigo do disposto no artigo 705° do CPC, sem ter que justificar
porque motivo é que considerava a questão como simples, visto tratar-se de uma
decisão pessoal e que só ao mesmo dizia respeito.
O Supremo, como se disse no requerimento de interposição do recurso e hic et
nunc se reedita, acabou por criar uma nova norma, com violação do princípio da
legalidade, uma norma que dispensa o Relator de fundamentar a decisão sumária,
posto o entendimento (dir-se-á anterior) da lei não é outro senão o de que o
Relator apenas profere decisão sumária quando entende que a questão a decidir é
simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo
uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado.
Só depois de entender que a questão é simples, nos termos atrás colectados, é
que o Relator pode decidir sumariamente o recurso, isto é, sem o submeter à
apreciação da Conferência.
Esta é sem dúvida a dimensão normativa que importa reter e ter em conta, uma
decisão que se reporta à ratio decidendi do acórdão recorrido e que por isso
alicerçou a interposição do recurso de constitucionalidade concreta da norma.
Vejamos agora a questão da oportunidade do recurso.
3. Diz-se na douta decisão sob reclamação que quando o recorrente tomou
conhecimento da decisão prolatada pelo Juiz monocrático, e que no seu critério,
carecia de fundamento, o mesmo dispunha desde logo de todos os elementos com
vista a poder concluir “(...) que havia então sido aplicada uma dimensão
normativa segundo a qual podem ser proferidas decisões sem fundamento”.
Mas lá está!
A questão não é de FALTA DE FUNDAMENTO!
Em parte alguma do discurso prático-argumentativo do recorrente se vislumbra ou
descortina semelhante semantismo.
A questão – repitamo-la de novo, por ser decisiva – não é de falta de
fundamento, mas sim de falta de MOTIVAÇÃO, de falta de FUNDAMENTAÇÃO e de
JUSTIFICAÇÃO.
Em que elementos se louvara o Relator para entender que a questão é SIMPLES?
Porque razão entendeu que a questão era SIMPLES? Não o disse, o despacho não o
revela.
Que elementos é que o levaram a catalogar a questão como simples?
É justamente essa fundamentação que deve existir em todos os procedimentos de
decisão complexos, mas que não existiu no caso vertente.
Mas vejamos ainda o seguinte.
4. Refere-se a páginas tantas na douta decisão sob análise que ao tempo da
decisão sumária, o recorrente já poderia ter concluído pela aplicação de uma
dimensão normativa segundo a qual podem ser proferidas decisões sem fundamento.
E podendo concluí-lo, acrescenta-se, deveria ter suscitado logo na reclamação
para a Conferência, da questão de constitucionalidade normativa relativa à falta
de fundamento da decisão singular (vd. pág. 6.).
Será efectivamente assim?
O problema da falta de fundamento de uma decisão não parece que possa alicerçar
uma questão de constitucionalidade, até porque o Tribunal Constitucional apenas
conhece da constitucionalidade de normas ou de dimensões/interpretações de
normas, não de decisões.
E a decisão não atentaria contra a Constituição pelo facto de o Juiz singular
não ter justificado o porquê de haver considerado a questão como simples.
A interpretação violadora dos preceitos constitucionais indicados não reside no
facto de o relator não ter justificado a decisão que deu.
A interpretação atentatória dos princípios constitucionais reside, isso sim, no
facto de se dizer que o Relator NÃO TEM DE JUSTIFICAR O FACTO DE ENTENDER QUE
UMA QUESTÃO É SIMPLES, POIS QUE SE TRATA DE UMA DECISÃO PESSOAL QUE SÓ A ELE DIZ
RESPEITO.
Esta é que é a dimensão normativa que fundamentou e fundamenta o presente
recurso.
Nunca se ouviu dizer que uma decisão não-fundamentada, ou que não se encontra
fundamentada, possa ser tida como inconstitucional. Não! Se a decisão não
estiver fundamentada, ela é NULA, nos termos do preceituado na alínea b) do n° 1
do artigo 668° do Código de Processo Civil.
Imagine-se o que seria se, perante qualquer decisão que não se mostrasse
fundamentada, pudessem as partes, com base nisso, invocar a sua
inconstitucionalidade? E com isso recorrer para o Tribunal Constitucional?
E mesmo em instância de reclamação para a Conferência, não obstante não se ter
referido à questão ora em debate, em termos de inconstitucionalidade, a verdade
é que, segundo julga o representante e mandatário judicial do autor, a questão
foi devidamente referenciada, constituindo o ponto n° 1 da reclamação
apresentada em 15 de Março de 2006.
A questão foi então colocada em termos de falta de fundamentação, representando
um vício da decisão, que não em termos de constitucionalidade.
Tendo sido no douto acórdão proferido pelo Supremo, em 25 de Maio de 2006, que
se efectuou a leitura inconstitucional da norma ínsita no artigo 705° do Código
de Processo Civil.
Portanto, julga-se que, ao contrário de quanto se refere na douta decisão de que
ora se reclama para a Conferência, o facto da constitucionalidade não ter sido
suscitada antes da prolação da decisão recorrida, não pode ser analisada em
termos de qualquer estratégia processual do mandatário do recorrente, mas sim
porque apenas nesse momento, porque apenas nessa decisão é que veio ao de cima,
é que se revelou em toda a sua força, a interpretação inconstitucional do
ajuizado inciso normativo.
A decisão prolatada pelo Relator não era inconstitucional pelo facto de ele não
a ter motivado/fundamentado — a decisão era nula, como se referiu ut supra.
A nulidade da sentença traduz um vício da decisão de tal modo importante que a
pode reduzir a cinzas. É um facto.
Mas não traduz qualquer inconstitucionalidade.
É por isso que se julga que a questão de constitucionalidade (e não a questão
outra da nulidade) foi apresentada a tempo e no tempo certo.
Nestes termos e nos mais de direito, a reclamação deve ser, pois, atendida e, em
consequência, ser igualmente admitido o recurso, como é de
JUSTIÇA
O recorrido pronunciou‑se do seguinte modo:
B., Recorrido nos autos à margem referenciados em que é Recorrente, A.,
notificado da reclamação para a conferência, vem dizer o seguinte:
– O ora Recorrido adere a toda a fundamentação constante da douta decisão
sumária proferida nos presentes autos.
– A argumentação do ora Recorrente em nada ilude tudo quanto foi então
apreciado e decidido.
– O que o Supremo “disse” ou “não disse”, não tem que ser explicitado pelo
Recorrente, porquanto o acórdão proferido se encontra escrito e ao mesmo o
Tribunal Constitucional tem acesso, tendo-o interpretado e aplicado
convenientemente;
– O mesmo se diga em relação à terceira questão colocada ao Tribunal. Quer se
alegue que o que está em causa é a falta de fundamento ou falta de motivação, o
certo é que o Recorrente, quando foi dela notificado, tomou conhecimento, quer
da alegada “falta de fundamento”, quer ainda da suposta “falta de
fundamentação”, que, digamos, não se verificam de facto.
– Assim sendo, já poderia ter colocado a questão da constitucionalidade à
apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, o que não sucedeu de modo algum!
– Pressuposto da apreciação do recurso de constitucionalidade é que o Tribunal
em causa “aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo”, de acordo com o disposto no artigo 71.° 1 b) da Lei do Tribunal
Constitucional, o que não sucede no caso em apreço.
– Na verdade, está o Recorrente a recorrer da constitucionalidade de uma
decisão – a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, e não do facto de este ter
aplicado uma norma, cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o
processo.
Pelo que,
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser julgada improcedente a reclamação
para a conferência, por insusceptibilidade de recurso para o Tribunal
Constitucional.
Cumpre apreciar.
2. Na Decisão Sumária sob reclamação referiu‑se, como fundamento alternativo
que o recorrente, ao impugnar a falta de fundamento da decisão sumária do
relator do tribunal a quo não se referiu à ratio decidendi da decisão então
recorrida, já que esta jamais assumiu a falta de fundamento da decisão sumária.
O reclamante vem agora dizer que não impugnou a falta de fundamento da decisão
sumária proferida mas sim a falta de fundamento da decisão que considerou a
questão a decidir como simples.
Em primeiro lugar, cabe sublinhar que a argumentação que o reclamante então
apresentou (no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade
transcrito na Decisão Sumária agora reclamada), não é clara. Com efeito, o
reclamante estabelece expressamente uma conexão entre a falta de fundamentação
da natureza simples da questão a decidir com a falta de fundamentação das
decisões que o julgador profere, conexão que permite concluir pela impugnação da
decisão sumária na sua globalidade. Tal falta de clareza é evidenciada pelo
entendimento, que transparece agora na presente reclamação, segundo o qual a
decisão sumária se encontra devidamente fundamentada só não existindo
fundamentação para o entendimento da questão a decidir como simples.
Mas diga‑se ainda que se o reclamante considera (como parece decorrer da
presente reclamação) que a decisão sumária proferida pelo relator no tribunal a
quo foi fundamentada, nesse caso, por imperativo de clareza, deveria demonstrar
porque é que a questão decidida com o respectivo fundamento não é simples, já
que a simplicidade da questão estará necessariamente indiciada (e, porventura,
demonstrada) pela fundamentação da própria decisão. Dito de outro modo: se a
decisão sumária proferida pelo relator no tribunal a quo foi fundamentada, ao
recorrente não basta afirmar que a questão não é simples sem mais, pois estará
então a suscitar uma questão sem fundamento.
Por outro lado, se o reclamante entende que a questão deveria ser decidida por
uma composição colectiva, então a questão de constitucionalidade que agora se
suscita não tem utilidade, uma vez que já se verificou, na sequência da
reclamação, a apreciação por uma composição colectiva.
É, pois, manifesto que quanto a esta questão o reclamante adoptou uma estratégia
pouco definida, pretendendo agora um rigor (traduzido na distinção entre a falta
de fundamentos da natureza simples da questão a decidir numa decisão que se
encontra fundamentada e a fundamentação da própria decisão) na interpretação dos
argumentos apresentados no requerimento de interposição do recurso que essa
própria argumentação não permitia.
Improcede, portanto, a argumentação do reclamante.
3. O reclamante reitera, por outra via, o entendimento segundo o qual não
dispunha de todos os elementos necessários para suscitar a questão de
constitucionalidade na reclamação da decisão sumária proferida pelo juiz a quo.
Quanto a este ponto da reclamação, remete‑se para o que se disse na Decisão
Sumária agora impugnada, já que o reclamante não apresenta qualquer argumento
novo.
Apenas se acrescenta, explicitando o que se disse na Decisão Sumária, que é
verdade que a falta de fundamentação de uma decisão originou a respectiva
nulidade. Porém, se a estratégia processual da parte abrange a possível
interposição de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade
normativa, então, em face de uma decisão não fundamentada (no caso seria, na
perspectiva do reclamante, a decisão singular proferida) é confrontada com a
aplicação implícita, mas facilmente identificável por um mandatário judicial, da
norma que poderia ser inconstitucional. Note‑se que a invocação da nulidade
consubstanciaria um argumento no plano infraconstitucional. Tal argumento
nenhuma conexão tem com a possibilidade que a parte já detém de invocar as
inconstitucionalidades normativas que entender.
Improcede, portanto, também quanto a este ponto, a presente reclamação.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos