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Processo n.º 888/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 151 e seguintes, não se tomou
conhecimento do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes
fundamentos:
“[…]
7. Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (supra, 6.), constitui seu
pressuposto processual a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou
interpretação normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie.
Tal aplicação só é de afirmar quando a norma em causa tenha constituído o
fundamento da decisão recorrida, não bastando, portanto, que essa norma tenha
sido invocada na decisão enquanto mero obiter dictum: na verdade, só quando a
norma constitui o fundamento da decisão tem utilidade o recurso de
constitucionalidade, pois que só nessa situação o recurso pode influir no
sentido da decisão recorrida.
Ora, o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie uma determinada
interpretação do artigo 28º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (em
conjugação com o artigo 399º do Código de Processo Penal), preceito que dispõe o
seguinte:
«Artigo 28º
Tribunal competente
1 – É competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em
que está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de
protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção,
o tribunal em que esta se encontra pendente.
[…].».
Sucede, porém, que o preceito legal ao abrigo do qual o tribunal recorrido
rejeitou o recurso da decisão da 1ª instância não foi o transcrito artigo 28º,
n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
Na verdade, percorrendo o texto do correspondente acórdão (supra, 5.),
verifica-se que a conclusão acerca da inadmissibilidade do recurso, a que chegou
o tribunal recorrido, assentou fundamentalmente na ponderação do teor da
epígrafe e do n.º 4 do artigo 29º da mesma Lei: em suma, numa certa
interpretação deste artigo 29º.
O artigo 29º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na parte que agora interessa,
tem a seguinte redacção:
«Artigo 29º
Alcance da decisão final
[…]
4 – O indeferimento do pedido de apoio judiciário importa a obrigação do
pagamento das custas devidas nos termos do Código das Custas Judiciais, bem como
o pagamento ao Cofre Geral dos Tribunais da remuneração devida ao patrono
nomeado.
[…].».
Refira-se, aliás, que não só a decisão recorrida como também a resposta e o
parecer do Ministério Público (supra, 3.) – para os quais se remete, a certo
passo, naquela decisão – se alicerçam no artigo 29º da Lei n.º 34/2004, de 29 de
Julho, mais precisamente na expressão “decisão final” constante deste preceito,
para sustentar a tese da inadmissibilidade do recurso.
Não tendo o artigo 28º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho sido aplicado
na decisão recorrida – no sentido de que tal preceito não constituiu o
fundamento dessa decisão –, há que concluir que não está preenchido um dos
pressupostos processuais do presente recurso, não sendo, como tal, possível
conhecer do respectivo objecto.
[…].”.
2. Notificado desta decisão sumária, A. dela veio reclamar para a
conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional, pelos seguintes fundamentos (fls. 164 e seguintes):
“[…]
Serve de sustentação à doutíssima decisão sumária em causa, em súmula, a alegada
falta de aplicação em sede de decisão recorrida da norma dada como fundamento ao
presente recurso, o art.° 28°, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, pois
que ali se faz alusão ao art.° 29° da mesma Lei.
Salvo o devido respeito, nada de mais errado na leitura e interpretação quer da
decisão recorrida quer do requerimento de interposição do presente recurso, o
que impõe a sua correcta apreciação em conferência.
De facto, à revelia da matéria dada como delimitação objectiva do recurso em
sede de conclusões, entendeu a Procuradoria da República suscitar uma novel
questão qual seja a de que não cabe segundo grau de recurso em sede de Lei de
Protecção Jurídica.
Ora, uma tal matéria é legislada na norma que o Recorrente, ora Reclamante,
trouxe como violada, sendo o preceito que a Procuradoria da República e o
Venerando Tribunal a quo, expressamente invocam um mero instrumental da referida
norma que regula os recursos naquela lei.
Na realidade, a interpretação dada ao art.° 29° pelo Tribunal a quo, na senda da
tese defendida pela Procuradoria da República, socorrendo-se de uma pretensa
alusão a «decisão definitiva» para criar confusão entre a admissibilidade do
recurso e as consequências processuais do trânsito em julgado do último deles,
em nada afecta a vexata quaestio deste recurso pois que só interessaria saber a
tramitação subsequente à decisão final depois de determinar qual é esta.
É, pois, matéria que depende da norma invocada pelo Reclamante que, ao contrário
do que a sua equivalente na anterior Lei de Apoio Judiciário, a Lei n.º
30-E/2000, de 29 de Dezembro, nada refere quanto à inaplicabilidade da Lei geral
no que concerne a possibilidade de recurso, daí a estreita ligação e, mesmo,
dependência lógica, com o art.° 399° do Código de Processo Civil, como foi
invocado no requerimento de interposição do presente recurso.
O demais plasmado na Lei de Protecção Jurídica, designadamente no seu art.° 29°,
é meramente instrumental, repete-se, e o que estava em causa ante o Venerando
Tribunal a quo era a admissibilidade do recurso e não o pagamento da taxa de
justiça ou o momento de o fazer.
É assim que resulta clarividente, data venia, que outra norma não pode sustentar
o recurso que não a invocada pelo Reclamante pois que é ela que estabelece, por
simples omissão, a sujeição da presente matéria a recurso em segundo grau, não
tendo estado em causa qualquer pagamento anterior de taxa de justiça que pudesse
ser exigida e fazer depender este recurso, tampouco se pode aplicar a norma do
artigo seguinte independente desta, que lhe dá origem e sustentação.
[…].”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional respondeu à reclamação, nos seguintes termos (fls. 167):
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade – e como resulta do acórdão recorrido – a norma em que o julgador
alicerçou a limitação à recorribilidade das decisões, proferidas sobre o apoio
judiciário, foi efectivamente a que consta do artigo 29° da Lei n.º 34/04 – pelo
que a circunstância de o recorrente ter optado por delimitar o objecto do
recurso em função da invocação de outro preceito legal, que não constitui «ratio
decidendi» do acórdão recorrido, compromete naturalmente a viabilidade do
recurso interposto.”.
II
4. Na decisão sumária ora reclamada (supra, 1.) explicou-se por que
motivo não era possível tomar conhecimento do objecto do presente recurso de
constitucionalidade: a decisão recorrida não havia aplicado o preceito legal – o
artigo 28º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho – cuja conformidade
constitucional, numa determinada interpretação, o recorrente pretendia que o
Tribunal Constitucional apreciasse, sendo certo que um dos pressupostos
processuais de tal recurso é precisamente a aplicação, na decisão recorrida, da
norma ou interpretação normativa que se submete ao julgamento do Tribunal
Constitucional sob o ponto de vista da sua conformidade constitucional (cfr. o
artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional).
Nesta medida, a presente reclamação só poderia proceder se o
reclamante lograsse demonstrar que o artigo 28º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de
29 de Julho, foi efectivamente aplicado na decisão recorrida.
Ora, o que sucede é que o reclamante se limita a afirmar que,
no caso submetido à apreciação do tribunal recorrido, devia ter sido aplicado
aquele artigo 28º, n.º 1 (supra, 2.), o que é de todo irrelevante para apurar se
o tribunal a quo aplicou ou não tal preceito legal.
Exigindo o artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional que o tribunal recorrido tenha aplicado a norma ou interpretação
normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie e não que a aplicabilidade dessa norma ou interpretação
normativa devesse ter sido considerada pelo tribunal recorrido, facilmente se
conclui que da sustentação, pelo recorrente, de que o referido artigo 28º, n.º
1, era aplicável ao caso não decorre o preenchimento dos pressupostos
processuais do recurso previsto naquela alínea b).
Nenhum motivo há, portanto, para alterar a decisão sumária ora
reclamada, que concluiu no sentido de que não era possível conhecer do objecto
do presente recurso, por não ter sido aplicado pelo tribunal recorrido o
preceito legal cuja conformidade constitucional, numa certa interpretação, é
questionada pelo recorrente.
III
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a
presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária de fls. 151 e seguintes que
não tomou conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20
(vinte ) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Novembro de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos