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Processo nº: 816/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 3 de Novembro de 2006 o relator proferiu a seguinte
decisão: –
1. Tendo, pelo Tribunal de comarca da Marinha Grande, A.,
Ldª., e B., S.A., peticionado a declaração de insolvência de C., Ldª., foi a
requerida citada na pessoalmente na pessoa do seu legal representante.
Fez então esta juntar aos autos requerimento por via do qual
– dando a conhecer que, no acto de citação, lhe foi entregue duplicado do
petitório e informada de que na secretaria do Tribunal se encontravam, para
consulta, cópia dos documentos apresentados com aquele petitório, nos termos do
nº 2 do artº 26º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa – requereu
que fosse considerada nula a citação, visto que, na sua óptica, aquele preceito
se aplicava aos «interessados» e não à requerida – que havia de ser citada nos
termos do nº 3 do artº 228º do Código de Processo Civil – ou, se assim se não
entendesse, que fosse deferida a prorrogação, por dez dias, do prazo para
oposição.
Por despacho exarado em 19 de Janeiro de 2006 pela Juíza
daquele Tribunal de comarca, foi desatendida a arguida nulidade, o que motivou a
requerida a dele agravar para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Na alegação adrede produzida, a requerida foi dito, em dados
passos, para o que ora releva: –
‘(…)
3 – O artº 26 nº 2 do CIRE remete os ‘interessados’ para a consulta dos
documentos na secretaria judicial mas não a Requerida, ora Agravante, que deve
ser citada nos termos do artº 228 nº 3 do CPC, aplicável ex vi artº 17 daquele
diploma legal, sob pena de se encontrar violado o princ[í]pio do contraditório;
4 – Os destinatários daquela norma, artº 26º nº 2 do CIRE, são os credores e/ou
a comissão de credores e não a Requerida, ora Agravante, que deve ter acesso
pleno a todos os documentos sob pena de ficar prejudicado o exercício do
princ[í]pio do contraditório;
5 – O artº 26 CIRE, in casu os seus nº 2 e 4, a ser interpretado literalmente,
como foi no despacho agravado viola o artº 228 nº 3 do CPC prejudicando um
direito que assiste à Requerida, ora Agravante;
6 – Ao não ser[ ] facultad[a] à Requerida, ora Agravante, uma cópia dos
documentos está a mesma impedida, de facto e de direito, de exercer em pleno o
direito de se opor ao Requerimento de insolvência;
(…)
11 – O nº 2 do artº 26 do CIRE não pode, considerando os princ[í]pios que
norteiam o processo civil ser interpretado, como se fez no despacho recorrido,
de forma literal reforçando tal interpretação com o disposto no nº 4 da mesma
norma;
(…)
14 – Com a interpretação que é feita no despacho recorrido do nº 2 e nº 4 do
art. 26 do CIRE, está de facto em causa ‘o exercício do princípio do
contraditório entendido na sua plenitude.’;
15 – A interpretação de tal norma, nº 2 e 4 do artº 26 do CIRE, tal como foi
feita no despacho recorrido viola o disposto no artº 228 nº 3 do CPC, trave
mestra do nosso Direito Processual Civil no que toca à regra que devem seguir as
notificações e citações das partes num qualquer processo;
16 – A interpretação daquela norma como foi feita no despacho recorrido viola o
princípio constitucional do contraditório que embora não se ache formulado
expressamente na Constituição da República Portuguesa para o processo civil ou
para o processo especial de insolvência, não pode ele deixar de valer também
nesse domínio, já que se trata de uma exigência da própria ideia de Estado de
Direito;
17 – A interpretação do artº 26 do CIRE, conjugando o teor do seu nº 2 com o do
nº 4, tal como é feita no despacho recorrido é manifestamente inconstitucional;
18 – Ou, in casu, a norma na parte em causa, de per si, deve ser declarada
inconstitucional por violar o princípio do contraditório consagrado na
Constituição sem que o seja, como se afirmou, expressamente;
19 – O conhecimento efectivo e pleno da propositura de uma acção contra uma
determinada pessoa traduz-se na primeira das garantias mais relevantes para o
cumprimento dos princípios do contraditório, da igualdade e do acesso ao direito
e tutela jurisdicional efectiva consagrados nomeadamente no nº 1 do artº 20º da
Constituição da República Portuguesa que é violado com a interpretação da supra
citada norma tal como é feita no despacho recorrido;
(…)
23 – A interpretação feita no despacho do nº 2 e 4 do artº 24 do CIRE é
manifestamente ilegal e inconstitucional;
(…)
Conclusões:
(…)
D – O nº 2 do artº 26 do CIRE remete os ‘interessados’ para a consulta dos
documentos na secretaria judicial mas não a Requerida, ora Agravante, que deve
ser citada nos termos do artº 228 nº 3 do CPC, aplicável ex vi artº 17 daquele
diploma legal, sob pena de se encontrar violado o princ[í]pio do contraditório;
E – Os destinatários daquela norma, artº 26 nº 2 do CIRE, são os credores e/ou a
comissão de credores e não a Requerida, ora Agravante, que deve ter acesso pleno
a todos os documentos sob pena de ficar prejudicado o exercício do princ[í]pio
do contraditório;
(…)
G – Está de facto em causa, a interpretar-se o nº 2 e 4 do artº 26 do CIRE
conforme se fez no despacho Recorrido ‘o exercício do princípio do contraditório
entendido na sua plenitude. ‘ (vide doutrina supra citada);
(…)
I – O conhecimento efectivo e pleno da propositura de uma acção contra uma
determinada pessoa traduz-se na primeira das garantias mais relevantes para o
cumprimento dos princípios do contraditório, da igualdade e do acesso ao direito
e tutela jurisdicional efectiva princ[í]pio este consagrado no nº 1 do artº 20º
da Constituição da República Portuguesa;
J – A interpretação que foi feita no despacho recorrido do nº 2 e 4 do artº 26
do CIRE que nega à Agravante o acesso pleno e sem limitações de qualquer ordem a
todos os elementos e cópias legíveis dos documentos e peças do processo
necessários à plena compreensão do seu objecto, viola o princípio constitucional
do contraditório que embora não se ache formulado expressamente na Constituição
da República Portuguesa para o processo civil ou para o processo especial de
insolvência não pode ele deixar de valer também nesse domínio, já que se trata
de uma exigência da própria ideia de Estado de Direito;
K – O conhecimento efectivo e pleno da propositura de uma acção contra uma
determinada pessoa traduz-se na primeira das garantias mais relevantes para o
cumprimento dos princípios do contraditório, da igualdade e do acesso ao direito
e tutela jurisdicional efectiva consagrados nomeadamente no nº 1 do artº 20º da
Constituição da República Portuguesa que é violado com a interpretação da supra
citada norma tal como é feita no despacho recorrido;
L – A interpretação do nº 2 e 4 do artº 24 do CIRE tal como é feita no despacho
recorrido é assim manifestamente inconstitucional devendo o despacho ser
revogado também com esse fundamento;
M – Ou em última instância, in casu, a norma, o nº 2 e 4 do artº 26 do Código de
Insolvência e Recuperação de Empresas, de per si, deve ser declarada
inconstitucional por violar o princípio constitucional do contraditório e o nº 1
do artº 20 [d]a CRP;
(…)’
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 27 de Junho
de 2006, negou provimento ao agravo, tendo, para tanto, carreado a seguinte
fundamentação: –
‘(…)
A) – Quanto à primeira questão:
A Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, autorizou o Governo a aprovar o Código da
Insolvência e Recuperação de Empresas, revogando o Código dos Processos
Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (art. 1.º, n.º 1).
O Código da Insolvência e Recuperação de Empresas regulará um processo de
execução universal que terá como finalidade a liquidação do património de
devedores insolventes e a repartição do produto obtido pelos credores ou a
satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que,
nomeadamente, se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa
insolvente (art. 1.º, n.º 2).
O Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, aprovou o Código da Insolvência e
Recuperação de Empresas, publicado em anexo ao mesmo Decreto-Lei, do qual faz
parte integrante (art. 1.º).
O referido Diploma entrou em vigor 180 dias após a data da sua publicação (art.
13.º). Como este Decreto-Lei foi publicado em 18 de Março de 2004, a sua entrada
em vigor ocorreu em 15 de Setembro desse mesmo ano.
O Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto, introduziu alterações de redacção a
vários artigos do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, entrando
também em vigor em 15 de Setembro de 2004.
No relatório do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, salientou-se que:
«O objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela
forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores.
Quem intervém no tráfego jurídico, e especialmente quando aí exerce uma
actividade comercial, assume por esse motivo indeclináveis deveres, à cabeça
deles o de honrar os compromissos assumidos. A vida económica e empresarial é
vida de interdependência, pelo que o incumprimento por parte de certos agentes
repercute-se necessariamente na situação económica e financeira dos demais.
Urge, portanto, dotar estes dos meios idóneos para fazer face à insolvência dos
seus devedores, enquanto impossibilidade de pontualmente cumprir obrigações
vencidas» – (cfr. n.º 3 do relatório).
Mais adiante, salientou-se:
«A presente reforma teve também por objectivo proceder à harmonização do direito
nacional da falência com o Regulamento (CE) n.º 1346/2000, de 29 de Maio,
relativo às insolvências transfronteiriças, e com algumas directivas
comunitárias relevantes em matéria de insolvência.
Estabelece-se ainda um conjunto de regras de direito internacional privado,
destinadas a dirimir conflitos de leis no que respeita a matérias conexas com a
insolvência» – (cfr. n.º 48 do mesmo relatório).
No artigo 1.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dispõe-se
que «O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como
finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do
produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num
plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa
compreendida na massa insolvente».
«É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre
impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas» – (cfr. artigo 3.º, n.º
1). «Para efeitos deste Código, considera-se empresa toda a organização de
capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica» –
(cfr. artigo 5.º).
Há diferenças muito importantes no que respeita às consequências que a
existência duma empresa envolve em sede de tratamento da problemática da
insolvência.
«No âmbito do CPEREF foi desenhado um processo específico destinado a
perspectivar a viabilização das empresas insolventes que, para lá de obedecer a
uma finalidade específica e direccionada, respeitava também uma tramitação
própria, antagónica à usada na liquidação.
Agora, com a uniformização do processo de insolvência, a empresa deixa de ser um
destinatário privilegiado da atenção do legislador, susceptível de um
procedimento exclusivo, constituindo a sua recuperação um simples meio
alternativo e instrumental de satisfação dos interesses dos credores, alcançável
através do recurso à figura geral do plano de insolvência, tal qual, no entanto,
pode ocorrer relativamente a qualquer devedor, independentemente da respectiva
natureza e desde que configure uma das entidades enunciadas na enumeração do
art. 2.º» – (cfr. Prof. Luís A. Carvalho Fernandes e Dr. João Labareda, in
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, vol. I, pág. 81).
****
A disposição que está em causa neste recurso é a do artigo 26.º do referido
Código, publicado sob a epígrafe «Duplicados e cópias de documentos», e no qual
se estabelece o seguinte:
1. «São apenas oferecidos pelo requerente ou, no caso de apresentação em suporte
digital, extraídos pela secretaria os duplicados da petição necessários para a
entrega aos cinco maiores credores conhecidos e, quando for caso disso, à
comissão de trabalhadores e ao devedor, além do destinado a arquivo do tribunal.
2. Os documentos juntos com a petição serão acompanhados de duas cópias, uma das
quais se destina ao arquivo do tribunal, ficando a outra na secretaria judicial
para consulta dos interessados.
3. O processo tem seguimento apesar de não ter sido feita a entrega das cópias e
dos duplicados exigidos, sendo estes extraídos oficiosamente, mediante o
respectivo pagamento e de uma multa até duas unidades de conta.
4. São sempre extraídas oficiosamente as cópias da petição necessárias para
entrega aos administradores do devedor, se for o caso».
No Anteprojecto de Código que acompanhou a Proposta de Lei de Autorização,
estabelecia o respectivo artigo 27.º:
1. «A petição deve ser acompanhada de tantos duplicados quantos os necessários
para a entrega aos cinco maiores credores conhecidos, à comissão de
trabalhadores e ao devedor, quando for caso disso, além do destinado a arquivo
no tribunal.
2. Os documentos juntos com a petição serão acompanhados de duas cópias, uma das
quais se destina ao arquivo do tribunal, ficando a outra na secretaria judicial
para consulta dos interessados.
3. O processo terá seguimento, apesar de não ter sido feita a entrega das cópias
e dos duplicados exigidos; estes serão extraídos oficiosamente, mediante o
respectivo pagamento e multa até 2 UC.
4. São também extraídas oficiosamente as cópias da petição necessárias para
entrega aos administradores do devedor, se for o caso».
A fonte próxima do transcrito artigo 26. é o artigo 18.º, do CPEREF, no qual se
º
preceitua o seguinte:
1. «A petição deve ser acompanhada de tantos duplicados quantos os necessários
para a entrega aos 10 maiores credores conhecidos, à comissão de trabalhadores e
ao devedor, quando for caso disso, além do destinado a arquivo no tribunal.
2. Os documentos juntos com a petição serão acompanhados de duas fotocópias, uma
das quais se destina ao arquivo do tribunal, ficando a outra na secretaria
judicial para consulta dos interessados.
3. O processo terá seguimento, apesar de não ter sido feita a entrega das
fotocópias e dos duplicados exigidos; estes serão extraídos oficiosamente,
mediante o respectivo pagamento e multa até 2 UC».
No Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, vol. I, dos
autores Prof. Luís A. Carvalho Fernandes e Dr. João Labareda, págs. 157/158,
pode ler-se o seguinte comentário ao artigo 26.º (anotação 6.a):
«Uma vez que, como se vê do n.º 2 – e também em paralelo com o que acontecia no
Direito anterior – o requerente apenas deve juntar duas cópias dos documentos
que apoiam a petição inicial, a posterior entrega de duplicado desta no acto de
citação ou notificação dos destinatários não é acompanhada de exemplar dos
mesmos documentos.
Para os conhecerem, os interessados deverão dirigir-se à secretaria do tribunal
onde uma das cópias juntas ou extraídas deve estar patenteada para consulta.
A falta de exibição pela secretaria constituirá justo impedimento para os
efeitos do art.º 146.º do C. P. Civil.
Esta solução, que se compreende bem no caso de os destinatários serem os
credores e a comissão de trabalhadores, já é menos entendível no que respeita ao
devedor, mesmo admitindo-se que se tratará normalmente de documentos que ele
deve conhecer.
Note-se que há então um desvio à regra geral do art.º 228.º, n.º 3, do C. P.
Civil, estando em causa o exercício do princípio do contraditório entendido na
sua plenitude».
A leitura que pode fazer-se deste comentário, é que os ilustres autores não
afastam a solução especial que resulta do citado artigo 26.º.
Admitem essa solução especial, embora considerando-a como um desvio à regra
geral que decorre do artigo 228.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Trata-se, aliás, de uma solução que já se encontrava consagrada no artigo 18.º,
n.º 2, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de
Falência. Já então, no domínio de vigência desse Código, o entendimento era no
sentido de serem apenas necessárias duas cópias dos documentos, ficando uma no
arquivo judicial e outra patenteada à consulta de qualquer dos interessados, na
secretaria do tribunal.
E o facto de a secretaria do tribunal não ter, porventura, disponíveis para
consulta
os documentos, constituía também justo impedimento para os efeitos do artigo
146.º, do Código de Processo Civil – (cfr. Código dos Processos Especiais de
Recuperação da Empresa e de Falência, Anotado, 3a edição, pág. 108, em
comentário ao artigo 18.º, dos mesmos autores).
O processo de insolvência reveste a natureza de processo especial.
Conforme dispõe o artigo 463.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, «O processo
sumário e os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são
próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver
prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o
processo ordinário».
O artigo 17.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sob a
epígrafe «Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil», estabelece que:
«O processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que,
não contrarie as disposições do presente Código».
Portanto, em primeiro lugar, ao processo de insolvência, devem ser aplicáveis as
disposições que lhe são próprias, isto é, aquelas disposições que se encontram
expressamente previstas para regular esse processo.
Em tudo o que não estiver prevenido nessas disposições, é que deverão, então,
aplicar-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Civil.
Ora, o artigo 26.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de
Empresas, diz claramente que «os documentos juntos com a petição serão
acompanhados de duas cópias, uma das quais se destina ao arquivo do tribunal,
ficando a outra na secretaria judicial para consulta dos interessados».
É esta disposição que deve ser aplicada, por contemplar uma regra especial para
os processos de insolvência, em paralelo com a solução que já resultava do
Direito anterior.
Cremos que essa solução não traduz a criação de um encargo desproporcionado para
o citando, uma vez que lhe cabe actuar com a diligência e zelo minimamente
exigíveis.
Aliás, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas, «é competente para o processo de insolvência o tribunal
da sede ou do domicílio do devedor ou do autor da herança à data da morte,
consoante os casos».
E o artigo 7.º, nº 2, daquele Código, preceitua que «é igualmente competente o
tribunal do lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais
interesses, entendendo-se por tal aquele em que ele os administre, de forma
habitual e cognoscível por terceiros».
Os documentos que acompanham a petição inicial de declaração de insolvência,
quando o pedido não provenha do próprio devedor, são, normalmente, os meios de
prova justificativos da origem, natureza e montante dos créditos do requerente.
Ou ainda, os meios de prova justificativos da responsabilidade do requerente
pelos créditos sobre a insolvência, e os elementos que possua relativamente ao
activo e passivo do devedor – (cfr. art. 25.º, n.º 1, do Código da Insolvência e
da Recuperação de Empresas).
Esses documentos são, em princípio, do conhecimento do próprio devedor.
E uma cópia desses documentos fica na secretaria judicial para consulta de todos
os interessados, não fazendo a lei qualquer distinção quanto a esses
interessados. A Constituição da República Portuguesa dispõe no artigo 20.º, n.º
1, que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos
seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser
denegada por insuficiência de meios económicos».
E dispõe no artigo 20.º, n.º 2, que «todos têm direito, nos termos da lei, à
informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se
acompanhar por advogado perante qualquer autoridade».
O princípio do contraditório (audiência contraditória) traduz-se em que, «cada
uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a
oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear
sobre o valor e resultados de umas e outras».
O princípio da igualdade das partes consiste em «as partes serem postas no
processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas
possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida» – (cfr. Prof. Manuel de
Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1993, reimpressão, págs.
379/380).
O artigo 13.º da Constituição consagra o princípio da igualdade.
Numa das suas dimensões, o princípio da igualdade vem a traduzir-se na proibição
(dirigida, designadamente, ao legislador) de estabelecer diferenciações de
tratamento irrazoáveis, porque carecidas de fundamento ou justificação material
bastante: o que é essencialmente igual tem de ser tratado de forma igual, e o
que for essencialmente desigual tem de receber tratamento diferenciado.
A defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos integra o
conteúdo da função jurisdicional, cujo exercício a Constituição reserva aos
tribunais (cfr. art. 202.º, da Constituição da República).
O direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos é, entre o mais,
«um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo
razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência,
possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do
contraditório» – (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional, de 13 de Abril de
1988, in Bol. Min. da Justiça, n.º 376, págs. 237/243).
Ora, a recorrente foi citada, na pessoa do seu legal representante, para, no
prazo de 10 dias, deduzir oposição, querendo, à presente acção de insolvência.
Foi advertida de que, na falta de oposição, se consideravam confessados os
factos alegados na petição inicial, podendo a insolvência vir a ser decretada.
Foi-lhe entregue um duplicado da petição inicial que se encontra nos autos.
E ficou consignado na certidão de citação que, na secretaria, estava disponível
para consulta uma cópia dos documentos apresentados com a petição inicial.
Mediante a consulta dos documentos, a recorrente podia exercer uma função de
controlo e verificação das provas apresentadas pelas requerentes da insolvência,
para, em função do resultado desse exame, poder decidir sobre a forma como
deduzir a sua oposição ou a sua defesa.
Não se afigura que essa função de fiscalização da cópia dos documentos, inerente
à sua consulta, represente um encargo irrazoável, um sacrifício desproporcionado
para o citando, traduzindo uma diferenciação de tratamento sem fundamentação
material bastante.
A solução consagrada no artigo 26.º, do Código da Insolvência e da Recuperação
de Empresas, como solução especial, deve prevalecer perante a regra do artigo
228.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Com essa solução, não é posto em causa o direito de acesso aos tribunais para
defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não sendo
também postergado o princípio do contraditório.
A citação da recorrente foi efectuada segundo as formalidades prescritas no
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pelo que, com o devido
respeito, não se vê que haja fundamento para a declarar nula, nos termos do
artigo 198.º, do Código de Processo Civil.
Por estes fundamentos, e quanto à primeira questão, cremos que a decisão em
recurso não deve ser merecedora de qualquer alteração.
(…)’
É deste acórdão que, pela requerida, vem interposto recurso
para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b do nº 1 do artº 70º da Lei
nº 28/82, de 15 de Novembro, por seu intermédio pretendendo ‘ver apreciada a
constitucionalidade das normas do nº 2 e 4 do artigo 26 do Código de Insolvência
e da Recuperação de Empresas (CIRE) aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004 de 18/3
alterado pelo Decreto-Lei 200/2004 de 18 de Agosto, de per si ou com a
interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida proferida em 1ª
instância e no douto Acórdão deste Tribunal que confirmando a mesma considerou
que os normativos em causa não violam o princ[í]pio constitucional do
contraditório’.
O recurso foi admitido por despacho prolatado em 19 de
Setembro de 2006 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra.
2. Já no Tribunal Constitucional, o relator
proferiu, em 17 de Outubro de 2006, o seguinte despacho: –
‘Trata-se, aqui, de um recurso ancorado
na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o qual,
como sabido é, exige, como seus pressupostos, a suscitação da questão de
inconstitucionalidade precedentemente ao proferimento da decisão querida
recorrer perante o Tribunal Constitucional e a aplicação, nessa decisão, da
norma sobre a qual, na perspectiva de quem recorre, recai o vício de enfermidade
constitucional.
Como tem sido sustentado sem
discrepâncias pela jurisprudência deste órgão de administração de justiça, no
caso da norma desejada apreciar resultar de um processo interpretativo incidente
sobre determinado preceito ínsito no ordenamento infra-constitucional, tendo em
conta o preceituado nos números 1 e 2 do artº 75º-A daquela Lei, mister é que,
quem queira lançar mão do recurso previsto na dita alínea a) do n º 1 do artº
70º, indique, no requerimento de interposição de recurso, qual a norma que,
concretamente, foi alcançada com aquele processo interpretativo.
Como deflui da alegação produzida no
agravo interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, foi intentada pôr em
causa a desarmonia constitucional de uma dada interpretação relativamente a
certos preceitos.
Contudo, essa norma não se encontra
explicitamente indicada no requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional, a isto acrescendo que se não lobriga que o acórdão
agora desejado impugnar tivesse, como ratio decidendi, aplicado uma qualquer
norma resultante de um raciocínio interpretativo referente ao nº 4 do artº 26º
do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
O que conduz à conclusão de harmonia com
a qual o aludido requerimento de interposição de recurso não obedece, na sua
integralidade, aos requisitos constantes dos números 1 e 2 do já mencionado artº
75º-A.
Deveria, por isso, no Tribunal a quo, ser
formulado o convite a que se reporta o nº 5 daquele artº 75º-A.
Como o não foi, formula-se ele agora, ex
vi do seu nº 6.’
Na sequência, a requerida veio apresentar requerimento em que
disse: –
‘C., Lda, Recorrente nos autos à margem referenciados, notificada que foi do
douto despacho de folhas 296 e respondendo ao convite que lhe foi formulado nos
termos do nº5 do artº 75-A da Lei nº 28/82 vem dar cumprimento aos requisitos a
que alude o nº 1 e 2 da mesma norma:
1 – O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 85/89, de 7
de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro;
2 – Pretende-se ver apreciada a constitucionalidade das normas do nº 2 e 4 do
artigo 26 do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) aprovado
pelo Decreto-Lei nº 53/2004 de 18/3 alterado pelo Decreto-Lei 200/2004 de 18 de
Agosto;
3 – Tal apreciação da constitucionalidade reporta-se às normas em causa (nº 2 e
4 do artº 26 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), de per si
ou com a interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida proferida em
1ª Instância e no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que
confirmando a mesma considerou que os normativos em causa não violam o principio
constitucional do contraditório (vide fls 6 verso e 7 do douto Acórdão da
Relação) previsto, embora de forma não expressa, no nº1 do artº 20 da
Constituição da República Portuguesa;
4 – O douto Acórdão da Relação entendeu que a ‘solução consagrada no artº 26 do
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas como solução especial, deve
prevalecer perante a regra do artº 228, nº3, do Código de Processo Civil.’ Assim
considerou que ‘Com essa solução, não é posto em causa o direito de acesso aos
tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos, não sendo também postergado o principio do contraditório’
5 – Tais normas, as dos números 2 e 4 do artigo 26 do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas, de per si, ou com o entendimento que lhe foi dado nas
decisões recorridas violam o princípio constitucional do contraditório
consagrado no nº1 do artº 20 da Constituição da República Portuguesa;
6 – Das normas em causa e considerando também a interpretação que das mesmas é
feita nas decisões recorridas resulta que ao negar-se à Recorrente o acesso
pleno e sem quaisquer limitações a todos os elementos e cópias dos documentos e
peças do processo necessárias à plena compreensão do seu objecto, viola-se o
principio constitucional do contraditório como exigência da própria ideia de
Estado de Direito independentemente de não estar, expressamente, formulado na
Constituição para o processo especial de insolvência;
7 – Na decisão de primeira instância é expressamente referido: ‘Conforme decorre
da interpretação literal do disposto no art. 26 do Código da Insolvência e da
Recuperação das Empresas a secção deu integral cumprimento ao ali previsto,
seguindo as formalidades impostas, pelo que é válida a citação’ (sic)
acrescentando ‘Que se tenha conhecimento não foi declarada a
inconstitucionalidade da norma em causa, porquanto não há que afastar a sua
aplicação’ (sic, sublinhado nosso)
8 – A questão da inconstitucionalidade das normas do nº2 e 4 do artº 26 do CIRE,
de per si ou com a interpretação que lhe foi dada nas decisões recorridas, foi
suscitada pela Recorrente por violação expressa do principio do contraditório
ínsito no nº1 do artigo 20 da Constituição da República Portuguesa: vide
conclusões referenciadas em I, J, K, L e M das alegações de recurso de agravo
para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra;
9 – No douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra é expressa como ratio
decidendi: ‘Não se afigura que essa função de fiscalização da cópia dos
documentos, inerente à sua consulta, represente um encargo irrazoável, um
sacrifício desproporcionado para o citando, traduzindo uma diferenciação de
tratamento sem fundamentação material bastante. A solução consagrada no art.º
26, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, como solução
especial, deve prevalecer perante a regra do artigo 228.º, n.º3, do Código de
Processo Civil. Com essa solução, não é posto em causa o direito de acesso aos
tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos, não sendo também postergado o princípio do contraditório’ (sic,
sublinhado nosso)
10 – A norma do nº1 do artº 20 da Constituição d República Portuguesa e o
principio constitucional do contraditório que aquele normativo implicitamente
consagra são expressamente violados pela normas do nº 2 e 4 do artº 26 do CIRE e
pelos arestos recorridos na interpretação literal que das mesmas fazem;
Nestes termos e entendendo ter dado cumprimento ao convite que lhe foi
formulado, requer a VExa que se digne admitir o presente recurso.’
2. Entende-se ser de proferir decisão ex vi do nº 1 do artº
78º-A da Lei nº 28/82.
Como resulta do relato supra efectuado, porque, no
requerimento de interposição de recurso não se encontrava devidamente
explicitada a norma resultante da incidência de um processo interpretativo sobre
dado ou dados preceitos de lei infra-constitucional, foi a recorrente convidada,
nos termos do nº 6 do artº 75º-A da citada Lei nº 28/82, a dar cabal cumprimento
às indicações constantes dos números 1 e 2 daquele mesmo artigo, ao que se
acrescentou que, de todo o modo, se não vislumbrava que o acórdão recorrido
tivesse, como ratio decidendi, aplicado uma qualquer norma extraída,
interpretativamente, do nº 4 do artº 26º do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresa.
Como se assinalou no referido despacho, tem este Tribunal
entendido que, tendo sido posta em causa, do ponto de vista da sua
compatibilidade constitucional, uma norma que resulta da incidência de um
processo interpretativo sobre um preceito da lei ordinária, incide sobre a
«parte» que se quer servir do recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade o ónus de indicar, com precisão e de modo processualmente
adequado, qual a concreta norma assim alcançada.
Na verdade, e retomando a jurisprudência do Tribunal
Constitucional sobre o ponto, «recaindo sobre o recorrente a definição do
objecto do recurso», «não é suficiente, quando se questiona uma determinada
interpretação normativa, a afirmação de que se trata daquela que foi adoptada na
decisão a impugnar», pois que isso equivale a «transferir para o tribunal ad
quem» – no caso, este órgão de administração de justiça – «o ónus de delimitar o
objecto do recurso e impossibilitá-lo de verificar o preenchimento de todos os
seus pressupostos» (cfr. a título meramente exemplificativo, a Decisão Sumária
nº 172/2006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, que contem indicação
de alguma daquela jurisprudência).
Em resposta ao convite que lhe foi endereçado, e como se viu,
a impugnante fez apresentar o requerimento acima transcrito.
Nesse requerimento (que praticamente repete o requerimento de
interposição do recurso para este Tribunal), todavia, não se indica de modo
explícito, não obstante os termos claros utilizados no convite consubstanciado
no despacho de 17 de Outubro de 2006, qual a interpretação normativa que se
pretende ver apreciada por este Tribunal, referentemente aos preceitos
constantes dos números 2 e 4 do aludido artº 26º.
E, mesmo que, a ser-se imbuído num espírito de grande
«benevolência», porventura se perfilhasse uma óptica de harmonia com a qual
quando, naquele mesmo requerimento, se referiu ‘Das normas em causa e
considerando também a interpretação que das mesmas é feita nas decisões
recorridas resulta que ao negar-se à Recorrente o acesso pleno e sem quaisquer
limitações a todos os elementos e cópias dos documentos e peças do processo
necessárias à plena compreensão do seu objecto, viola-se o principio
constitucional do contraditório como exigência da própria ideia de Estado de
Direito independentemente de não estar, expressamente, formulado na Constituição
para o processo especial de insolvência’, a recorrente intentava, com esse modo
de dizer, enunciar qual a interpretação que, pelo Tribunal a quo, foi conferida
aos preceitos ínsitos nos números 2 e 4 do já mencionado artº 26º do Código da
Insolvência e da Recuperação de Empresa, então é de concluir, num primeiro passo
que, para a situação sub specie, não releva o nº 4 do dito artigo, o qual não
foi aplicado, como razão jurídica do decidido, pelo acórdão desejado recorrer
perante este Tribunal, talqualmente se tinha assinalado no despacho de 17 de
Outubro de 2006, o que é perfeitamente compreensível, já que, no recurso de
agravo interposto perante o Tribunal da Relação de Coimbra, se não postava um
caso em que estivesse em causa a entrega, aos administradores do devedor, de
cópias da petição de insolvência; consequentemente, uma norma extraída desse
preceito não poderia, de todo o modo, fazer parte do objecto do vertente
recurso;
De outro lado, o que é facto é que o Tribunal a quo, no
aresto ora querido recorrer, veio a dar ao preceituado no nº 2, ainda daquele
artº 26º, um dado sentido, qual seja, justamente, o de não ser nula a citação da
agora recorrente pela circunstância de, no respectivo acto, ter sido entregue
cópia da petição de insolvência, não terem sido entregues cópias dos documentos
que aquela petição acompanhavam, de ter sido informada que na secretaria do
tribunal estava disponíveis para consulta uma cópia daqueles documentos, cópia
essa que haveria sempre de ser disponibilizada (sendo que, se não houvesse
disponibilização, isso constituiria justo impedimento), podendo, assim, a
requerida «controlar e verificar» as provas apresentadas pelo requerente da
insolvência para, «em função do resultado do exame, decidir sobre a forma como
deduzir a sua oposição, acrescentando-se que, em regra, os documentos,
justificativos da petição de falência instaurada pelo credor – natureza e
montante dos créditos deste – são do conhecimento do requerido.
Ora, quanto a este ponto, torna-se claro que não é esta
dimensão interpretativa – que desde logo não resulta imediatamente do teor
literal do nº 2 do artº 26º – que se contem na asserção constante do item 6 do
requerimento apresentado na sequência do convite formulado pelo relator em 17 de
Outubro de 2006.
Consequentemente, é de concluir que a recorrente não
procedeu, de forma adequada, à enunciação da norma aplicada na decisão
recorrida, pelo que, à míngua do incumprimento desse ónus, se não toma
conhecimento do objecto da impugnação, o que precludirá a possibilidade de, com
esteio no nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, se proferir decisão atendendo a um
carácter manifestamente infundado do recurso.
Custas pela impugnante, fixando-se a taxa de justiça em seis
unidades de conta.”
Da transcrita decisão reclamou a C. Ldª, fazendo-o por
intermédio de requerimento em que consignou: –
1 – No douto despacho de folhas 296 entendeu-se o seguinte:
‘Trata-se, aqui, de um recurso ancorado na alínea b) do n° 1 do art.° 70° da Lei
n° 28/82, de 15 de Novembro, o qual, como sabido é, exige, como seus
pressupostos, a suscitação da questão de inconstitucionalidade precedentemente
ao proferimento da decisão querida recorrer perante o Tribunal Constitucional e
a aplicação, nessa decisão, da norma sobre a qual, na perspectiva de quem
recorre, recai o vício de enfermidade constitucional.
Como tem sido sustentado sem discrepâncias pela jurisprudência deste órgão de
administração de justiça, no caso da norma desejada apreciar resultar de um
processo interpretativo incidente sobre determinado preceito ínsito no
ordenamento infra-constitucional, tendo em conta o preceituado nos números 1 e 2
do art.° 75°-A daquela Lei, mister é que, quem queira lançar mão do recurso
previsto na dita alínea a) do n ° 1 do art.° 70, indique, no requerimento de
interposição de recurso, qual a norma que, concretamente, foi alcançada com
aquele processo interpretativo.
Como deflui da alegação produzida no agravo interposto para o Tribunal da
Relação de Coimbra, foi intentada pôr em causa a desarmonia constitucional de
uma dada interpretação relativamente a certos preceitos.
Contudo, essa norma não se encontra explicitamente indicada no requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional a isto acrescendo que se
não lobriga que o acórdão agora desejado impugnar tivesse, como ratio decidendi,
aplicado uma qualquer norma resultante de um raciocínio interpretativo referente
ao nº 4 do art.° 26° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.”
(sic, sublinhado nosso)
2- Entendeu-se, no douto despacho, que não se indicou no
requerimento de recurso ‘qual a norma, que concretamente, foi alcançada com
aquele processo interpretativo’;
3- Respondendo ao convite formulado pelo Senhor Juiz Conselheiro
veio a Reclamante renovar o requerimento tornando-o mais explicito;
4- O Senhor Juiz Conselheiro manteve, explicitando de modo mais
detalhado, o entendimento pugnado no despacho supra referido e concluindo
entendeu que:
‘Nesse requerimento (que praticamente repete o requerimento de interposição do
recurso para este Tribunal), todavia, não se indica de modo explícito, não
obstante os termos claros utilizados no convite consubstanciado no despacho de
17 de Outubro de 2006, qual a interpretação normativa que se pretende ver
apreciada por este Tribunal, referentemente aos preceitos constantes dos números
2 e 4 do aludido art.° 26°.E, mesmo que, a ser-se imbuído num espírito de grande
«benevolência», porventura se perfilhasse uma óptica de harmonia com a qual
quando, naquele mesmo requerimento, se referiu “Das normas em causa e
considerando também a interpretação que das mesmas é feita nas decisões
recorridas resulta que ao negar-se à Recorrente o acesso pleno e sem quaisquer
limitações a todos os elementos e cópias dos documentos e peças do processo
necessárias à plena compreens4o do seu objecto, viola-se o principio
constitucional do contraditório como exigência da própria ideia de Estado de
Direito independentemente de não estar, expressamente, formulado na Constituição
para o processo especial de insolvência”, a recorrente intentava, com esse modo
de dizer, enunciar qual a interpretação que, pelo Tribunal a quo, foi conferida
aos preceitos ínsitos nos números 2 e 4 do já mencionado art.° 26° do Código da
Insolvência e da Recuperação de Empresa, então é de concluir, num primeiro passo
que, para a situação sub specíe, não releva o n° 4 do dito artigo, o qual não
foi aplicado, como razão jurídica do decidido, pelo acórdão desejado recorrer
perante este Tribunal, talqualmente se tinha assinalado no despacho de 17 de
Outubro de 2006, o que é perfeitamente compreensível, já que, no recurso de
agravo interposto perante o Tribunal da Relação de Coimbra, se não postava um
caso em que estivesse em causa a entrega, aos administradores do devedor, de
cópias da petição de insolvência; consequentemente, uma norma extraída desse
preceito não poderia, de todo o modo, fazer parte do objecto do vertente
recurso;
De outro lado, o que é facto é que o Tribunal a quo, no aresto ora querido
recorrer, veio a dar ao preceituado no n° 2, ainda daquele art.° 26º, um dado
sentido, qual seja, justamente, o de não ser nula a citação da agora recorrente
pela circunstância de, no respectivo acto, ter sido entregue cópia da petição de
insolvência, não terem sido entregues cópias dos documentos que aquela petição
acompanhavam, de ter sido informada que na secretaria do tribunal estava
disponíveis para consulta uma cópia daqueles documentos, cópia essa que haveria
sempre de ser disponibilizada (sendo que, se não houvesse disponibilização, isso
constituiria justo impedimento), podendo, assim, a requerida «controlar e
verificar» as provas apresentadas pelo requerente da insolvência para, «em
função do resultado do exame, decidir sobre a forma como deduzir a sua oposição,
acrescentando-se que, em regra, os documentos, justificativos da petição de
falência instaurada pelo credor — natureza e montante dos créditos deste — são
do conhecimento do requerido.
Ora, quanto a este ponto, toma-se claro que não é esta dimensão Interpretativa —
que desde logo não resulta imediatamente do teor literal do n° 2 do art.° 26º —
que se contem na asserção constante do item 6 do requerimento apresentado na
sequência do convite formulado pelo relator em 17 de Outubro de 2006.
Consequentemente, é de concluir que a recorrente não procedeu, de forma
adequada, à enunciação da norma aplicada na decisão recorrida, pelo que, à
míngua do incumprimento desse ónus, se não toma conhecimento do objecto da
impugnação, o que precludirá a possibilidade de, com esteio no n° 1 do art.°
78°-A da Lei n° 28/82, se proferir decisão atendendo a um carácter
manifestamente infundado do recurso.’
5- O requerimento de recurso foi interposto ao abrigo da alínea b),
e não ao abrigo da alínea a) daquela norma conforme se menciona no despacho de
folhas 296, do nº1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na
redacção que lhe foi dada pela Lei 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro;
6- Dispõe o nº 2 do art.°75-A da LTC que do requerimento de recurso
deve constar a norma ou princípio constitucional ou legal que se considera
violado, bem como a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da
inconstitucionalidade ou ilegalidade;
7- No requerimento de recurso encontra-se expressamente referido
que se pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas do nº 2 e 4 do
artigo 26 do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) aprovado
pelo Decreto-Lei nº 53/2004 de 18/3 alterado pelo Decreto-Lei 200/2004 de 18 de
Agosto;
8- Refere-se expressamente que no requerimento de recurso que a
apreciação da constitucionalidade reporta-se às normas em causa (nº 2 e 4 do
artº 26 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), de per si ou com
a interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida proferida em 1ª
Instância e no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que confirmando a
mesma considerou que os normativos em causa não violam o principio
constitucional do contraditório (vide fls 6 verso e 7 do douto Acórdão da
Relação) previsto, embora de forma não expressa, no nº1 do artº 20 da
Constituição da República Portuguesa;
9- A norma violada é a do nº1 do artigo 20 da Constituição
considerando o sentido dado às normas constantes do nº 2 conjugado com o nº4 do
artº26 do CIRE;
10- No requerimento de recurso questiona-se de forma clara, salvo melhor
entendimento, que a interpretação que se fez, quer no acórdão da Relação quer na
decisão de primeira instância, do nº 2 e 4 do artº 26 do CIRE, implicou a
violação do principio constitucional do contraditório;
11- Ambos aqueles normativos estão em oposição com o princípio que se
encontra expresso no artº 228 nº3 do CPC e que é corolário do princípio
constitucional do contraditório;
12- O sentido de tais normas, as dos números 2 e 4 do artº 26 do CIRE que
se encontram intrinsecamente conexionadas, não pode ser o que foi aplicado nas
decisões recorridas que é o de não colocar à disposição da Requerida ora
Reclamante a peça processual e os documentos que fazem parte da petição de
insolvência;
13- No nº 2 do artº 26 do CIRE, in fine, trata-se a parte directamente
envolvida no processo como Requerida (ora Reclamante) como qualquer interessado
no processo;
14- E o nº 4 do artº 26 do CIRE na senda do nº 2 reitera-se que sejam
‘extraídas oficiosamente as cópias da petição…’ mas não dos documentos que
acompanham tal peça processual;
15- Ora conforme é reiterado no recurso interposto para o Tribunal da
Relação de Coimbra está em causa o direito à plena compreensão do processo (artº
228 nº3 do CPC) pela Requerida;
16- O sentido das normas em causa, de per si, ou, repita-se com a
interpretação que lhe foi dada nas decisões recorridas ao não permitirem que a
Requerida ora Reclamante tenha acesso pleno a todos os documentos constantes do
processo, violam o principio constitucional do contraditório;
17- Ora tal item é expresso no requerimento de recurso nomeadamente no nº
6 do requerimento aperfeiçoado que é apreciado pelo Exmo Senhor Juiz Conselheiro
Relator na sua decisão sumária como, por mera hipótese, poder vislumbrar atingir
o propósito da LTC (artº 75 A)
18- Ao colocar a Requerida ora Reclamante na posição equiparada à dos
‘interessados’ no processo, in casu os credores, violando o direito ao
conhecimento pleno do processo, o sentido que foi dado a essas normas nas
decisões recorridas, nº2 conjugado com o nº4 do artº 26 do CIRE, não pode ser
utilizado por ser incompatível com a Lei Fundamental;
19- Entende a Reclamante que foi explícita no requerimento de recurso e
que cumpriu os requisitos previstos no nº 2 do artº 75-A da LTC;
20- Entende a reclamante que o requerimento de recurso não pode
constituir peça de alegações mas que foi suficiente quanto ao cumprimento da LTC
quando ao definir que norma pretendia alcançar e o sentido da mesma que não pode
ser utilizado por ser inconstitucional;
21- A decisão do Tribunal da relação foi no sentido de que a ‘solução
consagrada no artº 26 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas como
solução especial, deve prevalecer perante a regra do artº 228, nº3, do Código de
Processo Civil.’ Assim considerou que ‘Com essa solução, não é posto em causa o
direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos, não sendo também postergado o principio do
contraditório’
22- Não é esse o entendimento da Reclamante e pretende-se que o Tribunal
Constitucional aprecie tal questão no âmbito da aplicação das normas e do
sentido que lhes é dado em claro desrespeito pela CRP;
23- No douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra é expressa como
ratio decidendi: ‘Não se afigura que essa função de fiscalização da cópia dos
documentos, inerente à sua consulta, represente um encargo irrazoável, um
sacrifício desproporcionado para o citando, traduzindo uma diferenciação de
tratamento sem fundamentação material bastante. A solução consagrada no art.°
26, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, como solução
especial, deve prevalecer perante a regra do artigo 228.º, n.º3, do Código de
Processo Civil. Com essa solução, não é posto em causa o direito de acesso aos
tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos, não sendo também postergado o princípio do contraditório’ (sic,
sublinhado nosso)
24- A norma do nº1 do artº 20 da Constituição da República Portuguesa e
o principio constitucional do contraditório que aquele normativo implicitamente
consagra são expressamente violados pelas normas do nº 2 e 4 do artº 26 do CIRE
e pelos arestos recorridos considerando o sentido que dão às mesmas;
Em conclusão no requerimento de recurso a Interessada/ Recorrente/ Reclamante
precisou o sentido das normas, nº2 e 4 do artº 26 do CIRE, de modo a que, vindo
elas a ser consideradas inconstitucionais com esse sentido, in casu, o de não
ter acesso pleno a toda a documentação do processo em clara violação do nº 3 do
artº228 do CPC e do nº 1 do artº 20 da CRP (principio do contraditório), o
Tribunal Constitucional o possa enunciar na decisão. Ficou suficientemente claro
no requerimento de recurso, com menção expressa ás decisões recorridas e às
peças processuais onde tal se invocou, o sentido da aplicação das normas de
molde a que o Tribunal Constitucional o possa enunciar na decisão, in casu,
saber qual o sentido das normas que não pode ser utilizado por ser incompatível
com a Lei Fundamental: a interpretação que foi feita das normas do nº 2 (in fine
quando dizem que o processo fica na secretaria “ para consulta dos
interessados”) conjugado com o nº 4 (quando diz apenas que sejam “extraídas
oficiosamente as cópias da petição necessárias para entrega aos administradores
do devedor”) do artº 26 do CIRE é inconstitucional na medida em que impedem o
acesso pleno da parte a toda a documentação do processo em violação do principio
do contraditório entendido na sua plenitude.
O requerimento de recurso deveria ser admitido por respeitar os requisitos do
nº2 do artº 75 – A da LTC pugnando-se pois pela procedência da presente
reclamação atentos os fundamentos expostos.”
Ouvida sobre a reclamação, as A. Ldª., e B., S.A., não vieram
a efectuar qualquer pronúncia.
Cumpre decidir.
2. O Tribunal nada tem a censurar ao que se contém na decisão
em apreço no passo em que na mesma se discreteia no sentido de a norma do nº 4
do artº 26º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa nenhuma
relevância teve para a decisão querida recorrer perante o Tribunal
Constitucional.
Por outro lado, em face do que se preceitua literalmente no
nº 2 do mesmo artº 26º, é de evidência que a norma que resultou do processo
interpretativo levado a efeito pelo Tribunal da Relação de Lisboa – norma essa
que é referida no segundo parágrafo de folhas 13 da decisão impugnada (fls. 327
dos autos) – não deflui, sem mais, daquela literalidade. Trata-se, pois, uma
norma alcançada mediante um processo interpretativo conferido pela decisão
desejada recorrer perante o Tribunal Constitucional e que, em momento algum –
quer na alegação do agravo, quer no requerimento de interposição de recurso para
este órgão de administração de justiça, quer no requerimento que, pela
impugnante, foi apresentado na sequência do convite que lhe foi endereçado – foi
assim desenhada pela recorrente.
Intenta, agora a impugnante, na vertente reclamação (cfr.
items 12. 13 e 16, parte final do requerimento dela corporizador acima
transcrito) – que mais parece corporizar uma enunciação das razões do «mérito»
da questão de inconstitucionalidade que se desejava vir a ser apreciada –,
precisar o sentido dos números 2 e 4 do dito artº 26º que se tinha por
inconstitucional e que, como parece resultar da parte final da reclamação sub
iudicio, seria uma interpretação dada pelo acórdão impugnado aos aludidos
preceitos da qual resultava não poder ter a insolvenda «acesso pleno e sem
quaisquer limitações a todos os elementos, dos documentos e peças do processo».
Simplesmente, como deflui do que se explanou na decisão
reclamada, o sentido normativo conferido pelo acórdão tirado no Tribunal da
Relação de Coimbra não inculca um tal resultado de «acesso pleno e sem
limitações», como bem resulta da transcrição do mesmo feita na decisão
reclamada, repetindo-se uma vez mais que também o normativo fundante da decisão
daquele tribunal de 2ª instância (explicitado naquela decisão), não se extrai
desde logo da literalidade do nº 2 (ainda que em conjugação com o nº 4) do artº
26º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa.
Ora, independentemente desta última circunstância, o que se
torna inequívoco é que não é a dedução de reclamação da decisão exarada ao
abrigo do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82 o momento processual próprio para
se precisar a definição normativa, já que esta há-de constar (para além da sua
prévia suscitação) do requerimento de interposição de recurso (ou do
requerimento a apresentar no seguimento do convite a que se reporta o nº 6 do
artº 75º-A daquela Lei nº 28/82).
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se a
impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício