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Processo nº 1031/04
Plenário
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – Requerente e objecto do pedido
1.1 – O Procurador-Geral da República, invocando o disposto nos
artigos 281.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea e), da Constituição da
República Portuguesa (CRP), 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), e
12.º, n.º 1, alínea c) do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º
60/98, de 27 de Agosto, requereu a apreciação e declaração, com força
obrigatória geral, da inconstitucionalidade de todas as normas que integram o
regulamento contido no Despacho nº 2837/2004, de 8 de Janeiro, do Ministro da
Saúde – Regula o acesso dos delegados de informação médica aos estabelecimentos
e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS), incluindo hospitais S.A. e
extensões dos centros de saúde.
1.2 – As normas objecto do pedido dispõem o seguinte:
“1 – O acesso a estabelecimentos do SNS por parte dos DIM, no
exercício da sua actividade profissional, só é permitido quando os mesmos se
apresentem devidamente identificados e credenciados, nos termos definidos no
presente Despacho.
2 – A credenciação é obtida mediante registo dos DIM junto do
Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) promovido pelos
titulares de autorizações de introdução ou colocação no mercado de medicamentos
ou de produtos de saúde ou seus representantes, nomeadamente, nos termos do
artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 100/94, de 19 de Abril, a quem os DIM estejam
vinculados juridicamente por força de contrato.
3 – No acto do registo dos DIM, os laboratórios titulares de
autorização válida de introdução no mercado de medicamento apresentarão:
a) Certidão, emitida pela conservatória do registo comercial,
comprovativa da sua existência jurídica, caso se trate de pessoa colectiva, ou
bilhete de identidade, cartão de eleitor ou número de identificação fiscal, caso
se trate de pessoa singular;
b) Lista nominativa, em formatos papel e electrónico, dos DIM
que, em sua representação, realizarão visitas a estabelecimentos e serviços do
SNS de onde constem os respectivos nomes completos e o domicílio profissional,
quando este não coincida com o do laboratório;
c) Declaração, emitida pelo laboratório, relativa a cada DIM
atestando a sua qualificação e a formação profissional adequada, prevista na
lei;
d) Indicação da pessoa do laboratório a quem será facultado o
acesso ao registo dos DIM que o representam, na listagem referida no n.º 5.
4 – O registo dos DIM é informatizado e processa-se até 31 de
Janeiro do ano para que se pretende o acesso, devendo os laboratórios comunicar
ao INFARMED, no prazo de 10 dias, todas as alterações ao registo, de forma a
mantê-lo actualizado.
5 – O INFARMED manterá a lista dos DIM e respectivos
laboratórios permanentemente actualizada nos termos do n.º 4. Essa lista conterá
os elementos estritamente necessários para a correcta identificação profissional
dos DIM, nomeadamente o número de registo atribuído, e que será disponibilizada
no sítio do INFARMED na Internet.
6 – As regras relativas ao registo informático previsto no n.º
2 e de acesso de terceiros à lista disponibilizada na Internet são fixadas pelo
conselho de administração do INFARMED, de acordo com os princípios do acesso
reservado às mesmas e do respeito pelo disposto na legislação relativa à
protecção de dados pessoais.
7 – Cada laboratório só poderá realizar até seis visitas por
ano a cada estabelecimento ou serviço do SNS.
8 – Independentemente do laboratório que representem, o número
máximo de visitas diárias permitido é de dois DIM em cada serviço hospitalar e
de três DIM nos restantes casos previstos neste Despacho, não sendo admissível,
em cada visita, a representação de mais de um laboratório por cada DIM.
9 – Em regra, cada DIM só poderá visitar 10 profissionais de
saúde por dia, podendo este limite ser ultrapassado em caso de realização de
sessões de informação colectiva, entendendo-se como tais as que abranjam, no
mínimo e em simultâneo, cinco profissionais de saúde.
10 – Excepcionalmente, o director do estabelecimento ou serviço
do SNS, ou outrem designado por este, pode, nas condições previstas no n.º 11,
autorizar a realização de visitas para além do disposto nos números anteriores,
em particular nos seguintes casos:
a) Quando se verifique a introdução de novas terapêuticas ou de
diferentes tecnologias de saúde;
b) Quando, por parte dos profissionais de saúde, se mostre
necessário obter esclarecimentos sobre terapêuticas ou tecnologias de saúde.
11 – A autorização acima referida é precedida de parecer do
INFARMED, o qual deverá ser presente ao director do centro de saúde ou ao
director clínico, no caso de serviços hospitalares.
12 – O local e horário de atendimento, bem como os demais
elementos a este relativos e referidos no presente Despacho, são fixados, em
termos genéricos, pelo responsável máximo do serviço onde vai ocorrer a visita,
de acordo com as seguintes regras:
a) As visitas devem ter lugar em local próprio e adequado ao
fim a que se destinam, não podendo realizar-se em serviços de urgência ou de
atendimento permanente ou em serviços de internamento, bem como de consulta se
em período de atendimento;
b) As visitas dos DIM devem ter lugar fora do horário
assistencial, preferencialmente no fim do período de atendimento das consultas,
na parte final das sessões clínicas ou de reuniões de profissionais que ocorram
e que possam ser aproveitadas para o referido fim;
c) Em qualquer caso, as visitas dos DIM não podem interferir
com qualquer tipo de actividade médica ou assistencial.
13 – A marcação de visitas é feita previamente junto do pessoal
administrativo que o respectivo responsável máximo do serviço indicar, de modo a
assegurar a sua programação semanal, ficando registados os dados de
identificação dos DIM, bem como do laboratório que representam.
14 – A lista semanal das visitas é afixada em local adequado
por forma que todos os profissionais de saúde do serviço dela possam ter
conhecimento, e é objecto de carregamento informático, pelo mesmo pessoal, em
local apropriado do sítio do INFARMED na Internet, para efeitos de controlo e
disponibilização a todos os estabelecimentos e serviços do SNS.
15 – Os estabelecimentos e serviços do SNS poderão desenvolver
as regras contidas no presente Despacho através de regulamentação interna,
mediante homologação pelo conselho de administração da administração regional de
saúde respectiva, no respeito pelos princípios ora estabelecidos.
16 – A aplicação do presente Despacho e das regras dele
emergentes está sujeita a auditoria a realizar de forma sistemática e aleatória
pelo Ministro da Saúde.
17 - O não cumprimento do presente Despacho e das regras dele
emergentes por parte dos funcionários e agentes do SNS é passível de
procedimento disciplinar.
18 – Verificando-se o incumprimento do presente Despacho e das
regras dele emergentes por parte de um DIM, o director do centro de saúde ou o
director clínico, no caso de hospitais, notificará de forma circunstanciada a
ARS competente, no prazo de 10 dias, a qual informará de imediato o laboratório
respectivo e a APIFARMA.
19 – A ARS, uma vez recebida a notificação do incumprimento
referido no número anterior, procederá à audição por escrito do alegado
infractor e, após analisar a situação, decide qual o período de tempo de
interdição de acesso aos estabelecimentos e serviços do SNS, para o DIM e o
laboratório responsáveis, consoante a gravidade da situação.
20 – Nos casos previstos nos números anteriores, o laboratório
representado pelo DIM é considerado co-responsável.
21 – De acordo com o previsto nos números anteriores, a sanção
a aplicar pela violação das regras constantes do presente Despacho implica a
perda do direito de acesso do DIM e do laboratório por si representado aos
estabelecimentos e serviços do SNS, até ao máximo de três anos, sendo os mesmos
excluídos da lista a que se referem os nºs. 2 a 4.
22 – A decisão prevista no número anterior deve ser homologada
pelo Ministro da Saúde e comunicada ao INFARMED, no prazo de 30 dias, bem como
aos responsáveis pelos estabelecimentos e serviços do SNS, ao DIM e ao
laboratório responsáveis e à APIFARMA.
23 – Para efeitos do disposto no número anterior, a decisão de
interdição de acesso deve ser objecto de carregamento informático, em local
apropriado do sítio do INFARMED na Internet, para efeitos de controlo e
disponibilização a todos os estabelecimentos e serviços do SNS.
24 – O direito de acesso previsto no n.º 1 não depende do
pagamento de qualquer verba.
25 – Para efeitos do corrente ano, o registo previsto nos nºs 2
e 3 será efectuado até 30 dias após a entrada em vigor do presente Despacho.
26 – É revogado o Despacho n.º 9630/2001, de 11 de Abril,
publicado no Diário da República, 2ª Série, de 8 de Maio de 2001.”
2 – Fundamentação do pedido
Em abono do seu pedido, o Procurador-Geral da República alegou,
em síntese, o seguinte:
- O Despacho do Ministro da Saúde n.º 2837/2004, de 8 de
Janeiro, visa regular o acesso dos delegados de informação médica (DIM) aos
estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS), incluindo os
hospitais S.A. e as extensões dos centros de saúde, com vista a garantir o
necessário equilíbrio entre a necessidade de divulgação da informação médica e o
regular e eficaz funcionamento daqueles estabelecimentos e serviços;
- Para a realização de tal finalidade, consagra-se um acesso
credenciado e programado daqueles profissionais, expresso na exigência de
identificação e credenciação dos DIM para acederem aos serviços, fixando o
número de visitas admissíveis e as regras vigentes quanto ao número de
profissionais de saúde a visitar diariamente, bem como os critérios reguladores
do local, horário de atendimento e respectiva marcação;
- Prescreve-se, seguidamente, o regime sancionatório aplicável
ao não cumprimento do aludido Despacho e regras dele emergentes, expresso na
previsão do período temporal de interdição de acesso aos estabelecimentos e
serviços do SNS, para o DIM e laboratório responsável, até ao máximo de três
anos (nºs 18 a 23 do Despacho);
- Tal Despacho tem a natureza de regulamento, na medida em que
contém regras jurídicas, gerais e abstractas, editadas no exercício da função
administrativa, dotado de inquestionável eficácia externa quanto aos
profissionais (DIM) e laboratórios envolvidos;
- Analisando o texto do “preâmbulo” e do articulado desse
regulamento, verifica-se ocorrer total omissão no que se refere à indispensável
referência à lei habilitante;
- Ora, por força do disposto no artigo 112º, n.º 7, da
Constituição da República Portuguesa – e segundo jurisprudência uniforme e
reiterada do Tribunal Constitucional – os regulamentos devem indicar
expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência
subjectiva e objectiva para a sua emissão;
- O incumprimento do dever constitucional de citação da lei
habilitante num regulamento que contém normas com evidente eficácia externa, já
que estabelecem um regime inovatório para o exercício da actividade dos
delegados de informação médica, na respectiva actuação profissional junto dos
estabelecimentos e serviços do SNS, prevendo inclusivamente a aplicação de
sanções pelo incumprimento das regras estabelecidas, determina a
inconstitucionalidade formal de todas as normas nele contidas, por violação do
preceituado no artigo 112º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa;
- Acresce, no que respeita às normas de índole sancionatória,
contidas nos nºs 18 a 23 do dito regulamento – o vício de inconstitucionalidade
orgânica, por – situando-se tal regime legal no âmbito do direito sancionatório
público – se tratar de matéria manifestamente sujeita a reserva de lei, não
podendo, consequentemente, um diploma regulamentar criar inovatórias sanções –
aplicáveis aos DIM e laboratórios que representam – susceptíveis de implicar
condicionamento, substancial e relevante, no exercício daquela profissão (e,
nessa medida, enquadrável, desde logo, na reserva de competência legislativa da
Assembleia da República, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da
Constituição da República Portuguesa);
- Por outro lado – e configurando-se a dita sanção de
interdição de acesso aos estabelecimentos e serviços do SNS como medida
administrativa “atípica”, de carácter manifestamente sancionatório – sempre
dependeria a legitimidade do seu estabelecimento da edição de diploma
credenciado pela Assembleia da República, nos termos da alínea d) do n.º 1 do
artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa; na verdade, como vem
entendendo a jurisprudência constitucional (expressa, nomeadamente, no Acórdão
n.º 430/91) a reserva de competência legislativa aí prevista quanto ao regime
geral do ilícito contraordenacional e disciplinar deverá ser transposta e
aplicável a todo o direito sancionatório público.
Conclui o Procurador-Geral da República no sentido da inconstitucionalidade do
Despacho do Ministro da Saúde n.º 2837/2004, de 8 de Janeiro.
3 – Resposta do Ministro da Saúde
Notificado para responder, veio o Ministro da Saúde sustentar a
não inconstitucionalidade do Despacho, apresentando, em síntese, os seguintes
fundamentos:
- O acesso que está em causa no Despacho n.º 2837/2004 não é a
entrada e permanência nos espaços dos estabelecimentos e serviços do SNS
acessíveis ao público, mas sim nas salas de reuniões, gabinetes e salas dos
médicos ou outros profissionais de saúde, o qual carece de autorização, sob pena
de crime nos termos do artigo 191.º do Código Penal (“introdução em lugar vedado
ao público”);
- O Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de Agosto, que regulamenta o
exercício do direito de reunião, estabelece no seu artigo 12.º que “Não é
permitida a realização de reuniões, comícios ou manifestações com ocupação
abusiva de edifícios públicos ou particulares”, sob pena de se incorrer em crime
de desobediência qualificada (n.º 3 do artigo 15.º do mesmo diploma);
- Os DIM não têm a seu favor qualquer disposição legal que
expressamente os autorize a aceder a locais vedados ao público nem a reunirem
com médicos em edifícios públicos ou particulares, sem que, para esse efeito,
disponham de autorização;
- Não existe disposição legal que obrigue os estabelecimentos e
serviços do SNS a facultarem o acesso dos DIM aos seus espaços vedados ao
público ou para reunirem com os médicos;
- O direito ao livre exercício da sua profissão não é
incompatível com a necessidade de obtenção das autorizações necessárias para o
acesso ou reunião;
- A restrição que existe resulta – como é imposto pela
Constituição – de disposição legal autorizada pela Assembleia da República, no
que respeita ao crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto no
Código Penal, e de disposição legal aprovada no quadro do Programa do Movimento
das Forças Armadas, quanto ao Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de Agosto – que
nunca foi supervenientemente julgado inconstitucional;
- Aquilo que o Senhor Procurador-Geral da República qualifica
de sanções mais não é do que a não concessão temporária de autorização de
acesso. Pese, embora, a letra do Despacho que, como se referiu, não é feliz, não
se trata de aplicar uma verdadeira sanção;
- Sobre a natureza jurídica do Despacho n.º 2837/2004, diz
ainda o Senhor Ministro da Saúde: “É que o facto de o regulamento, pelo qual o
Ministro da Saúde dá determinadas indicações aos seus serviços, criar
determinados ónus para terceiros não o transforma, por si só, em regulamento
externo, apesar de o mesmo ser publicado”;
- O Despacho em crise limita-se a dar execução ao Decreto-Lei
n.º 100/94, de 19 de Abril, nele especialmente invocado, compaginando-o, entre
outras disposições, com o artigo 191.º do Código Penal e com os artigos 12.º e
15.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de Agosto;
- A simples declaração de inconstitucionalidade do Despacho n.º
2837/2004, com força obrigatória geral, não tem por efeito consagrar o acesso
pelos DIM aos espaços vedados ao público dos estabelecimentos e serviços do SNS,
continuando os DIM a não poder aceder, porque não têm autorização para o efeito,
o que comprova a inutilidade prática do presente processo.
Tendo, posteriormente, sido notificado, em cumprimento de
despacho proferido nos autos (fls. 78), o Primeiro-Ministro respondeu nos termos
constantes de fls. 81 e 82.
4 – Debatido o memorando apresentado, nos termos do artigo 63.º
da LTC, pelo Presidente do Tribunal e fixada a orientação do Tribunal sobre as
questões a resolver, procedeu-se à distribuição do processo, cumprindo agora
formular a decisão.
B – Fundamentação
1 – Delimitação do objecto do pedido
Indicou-se, acima, como objecto do pedido todas as normas
constantes do Despacho n.º 2837/2004, de 8 de Janeiro, do Ministro da Saúde,
assacando-lhes o requerente os vícios de inconstitucionalidade formal (omissão
de citação da lei habilitante) e de inconstitucionalidade orgânica (violação da
reserva de competência legislativa da Assembleia da República, no que tange às
normas, de índole sancionatória, constantes do aludido Despacho).
A eventual verificação, por parte deste Tribunal, dos alegados
vícios de inconstitucionalidade formal e orgânica torna desnecessária qualquer
apreciação sobre a (eventual) inconstitucionalidade material do Despacho
ministerial ora em análise.
2 – Enquadramento normativo da profissão de DIM
2.1 - O quadro legal
A profissão de delegado de informação (ou propaganda) médica
aparece, expressamente, mencionada, pela primeira vez, no Decreto-Lei n.º
100/94, de 19 de Abril, que estabeleceu o regime jurídico da publicidade dos
medicamentos para uso humano, adaptando a legislação publicitária interna em
matéria de medicamentos à Directiva n.º 92/28/CEE, do Conselho, de 31 de Março
de 1992 (in Jornal Oficial, L 113, de 30.04.1992, pp. 13 a 18). Até então, a lei
portuguesa referia-se, apenas, ao “responsável pela promoção” dos medicamentos
(embora se tivesse já abandonado a solução, durante muito tempo vigente, segundo
a qual a distribuição e divulgação - “anúncio ou propaganda” - do medicamento
estava atribuída ao farmacêutico).
Hoje, a matéria relativa à informação e publicidade dos
medicamentos para uso humano é regulada pelo Decreto-lei nº 176/2006, de 30 de
Agosto. Todavia, este diploma nenhum reflexo tem sobre a questão, por editado
depois da publicação do Despacho em causa.
O Decreto-lei nº 100/94, que era o que vigorava à data do
Despacho, definia “publicidade de medicamentos” como “qualquer forma de
comunicação, de informação, de prospecção ou de incentivo que directa ou
indirectamente promovesse a sua prescrição, dispensa, venda, aquisição ou
consumo” (cfr. artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 100/94).
Essa publicidade podia ser feita junto do público em geral,
muito condicionada (cfr. art.ºs 4.º e 5.º do diploma acima citado) ou junto dos
profissionais de saúde (art. 6.º), obedecendo, em ambos os casos, a uma série de
princípios gerais (cfr. art. 3.º do Decreto-Lei n.º 100/94). Entre estes
princípios contavam-se a promoção do uso racional do medicamento, a necessidade
de clareza e veracidade da mensagem publicitária, e ainda, com grande
importância no presente caso, a necessidade de publicitar os medicamentos cuja
dispensa dependia, obrigatoriamente, de receita médica, apenas, em “publicações
técnicas ou suportes de informação destinados, exclusivamente, a médicos e
outros profissionais de saúde” (nos termos do art. 3º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º
100/94).
Os profissionais responsáveis pela publicidade do medicamento
eram, então, os delegados de informação médica (DIM), mencionados no art. 8.º,
nºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 100/94, que regulava os deveres dos DIM. Nos
termos do diploma, estes “devem ser adequadamente formados pela respectiva
empresa e dispor de conhecimentos científicos bastantes para que possam fornecer
informações precisas e tão completas quanto possível sobre os medicamentos que
apresentam”. Além disso, deviam ainda “em cada visita, apresentar ao
profissional de saúde visitado ou colocar à sua disposição, quanto a cada um dos
medicamentos que apresentem, o resumo das características do produto, completado
pelas informações sobre o preço e, se for o caso, as condições de
comparticipação”. Finalmente, estavam obrigados a “comunicar ao serviço
científico da sua empresa quaisquer informações relativas à utilização dos
medicamentos que promovem, em especial no que se refere às reacções adversas que
lhes sejam transmitidas pelos profissionais de saúde visitados”.
Uma leitura atenta das normas acima mencionadas, permite-nos,
assim, concluir, que a visita a profissionais de saúde, em estabelecimentos
públicos ou privados, constituía uma parte importante da actividade profissional
dos DIM. Todavia, não pode dizer-se que o exercício da profissão de DIM se
resumia a estas visitas, uma vez que, tanto os esclarecimentos sobre os
medicamentos prestados aos profissionais de saúde, como a recepção das
informações destes últimos relativas à sua utilização, podiam ser levadas a cabo
por outros meios, além das tradicionais visitas (v.g. suportes publicitários em
publicações da especialidade, acções de formação/divulgação e esclarecimento
sobre medicamentos, prospectos escritos, fornecimento de amostras grátis, etc).
Ou seja, o exercício da profissão de DIM não se esgotava na
promoção/publicidade de medicamentos feita nos estabelecimentos hospitalares e
centros de saúde integrados no SNS. Tal como em quaisquer outros
estabelecimentos de titularidade diferente – nomeadamente, privada – os DIM
podiam aceder-lhes, no exercício da sua profissão, desde que para tal exista
consentimento do respectivo titular.
Vale isto por dizer que aos DIM, por o serem, não está
”atribuído” um direito geral de acesso aos estabelecimentos/edifícios onde
possam ocorrer concretas realizações/manifestações do exercício da sua
profissão.
Esse acesso não é inerente à função de DIM, carecendo de
consentimento do titular ou responsável pelo estabelecimento ou espaço, o que
significa que os DIM só possam ter “direito de acesso” se houver consentimento e
enquanto houver consentimento válido. Isto sucede, aliás, com a maioria dos
cidadãos, a quem não está atribuído um “direito geral de acesso” a todo e
qualquer estabelecimento, público ou privado.
2.2 - A regulamentação sobre o acesso dos DIM aos
estabelecimentos de saúde do SNS
Tendo em conta a importância dos contactos presenciais entre os
DIM e os profissionais de saúde e a exigência do regular funcionamento dos
serviços de saúde, e na vigência do Decreto-Lei n.º 100/94, a Ministra da Saúde
emitiu o Despacho n.º 9630/2001, publicado no Diário da República, II Série, n.º
106, de 8 de Maio, relativo ao acesso “às instalações dos hospitais e centros de
saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde”.
Nele se refere, expressamente, ser emitido “ao abrigo do
disposto nos artigos 6.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 100/94, de 19 de Abril”, e se
determina no n.º 1, que “os delegados de informação médica no exercício da sua
actividade profissional e desde que devidamente identificados têm direito de
acesso às instalações dos hospitais e centros de saúde que integram o Serviço
Nacional de Saúde”, atribuindo-se, às administrações regionais de saúde,
competência para estabelecer normas de acesso às instalações dos hospitais e
centros de saúde, normas essas que deveriam ser devidamente publicitadas e
respeitadas pelos DIM (cfr. n.º 2).
Os DIM deviam respeitar os actos médicos em curso, aguardando a
respectiva conclusão, devendo, também, no exercício da sua actividade,
“respeitar integralmente a legislação em vigor, designadamente em matéria de
publicidade de medicamentos” (cfr. nºs 3 e 5).
Este Despacho da Ministra da Saúde foi, no entanto, revogado
pelo Despacho n.º 2837/2004, de 8 de Janeiro, do Ministro da Saúde, ora em
análise (cfr. n.º 26). Este Despacho apresenta, em comparação com o primeiro,
algumas diferenças. A mais relevante, e também a que se reveste de maior
importância para a presente análise, consiste no facto de se alterarem as
condições de acesso dos DIM aos estabelecimentos do SNS. Em vez de se prever que
estes têm um direito de acesso às instalações de hospitais e centros de saúde do
SNS, quando devidamente identificados (ou seja, previsão do acesso como regra
geral), estipulou-se, agora, que os DIM só poderão entrar naqueles
estabelecimentos quando identificados e credenciados pelo INFARMED (isto é, a
regra geral passa a ser a do acesso mediante autorização). Estabelece-se, ainda,
uma sanção para o incumprimento das normas do diploma, que consiste na perda do
direito de acesso do DIM e do laboratório por si representado aos
estabelecimentos e serviços do SNS até ao máximo de três anos.
É, precisamente, sobre a validade constitucional desta
regulamentação, nomeadamente do ponto de vista orgânico e formal, que deverá
incidir a análise do Tribunal Constitucional.
De relembrar, porém, que a actividade de informação e publicidade dos
medicamentos está, hoje, sujeita ao regime constante do Decreto-Lei nº 176/2006
(cfr. art.ºs 9º a 13º e 150º a 165º), o qual atribui ao INFARMED poderes de
regulação.
3 – Qualificação jurídica do Despacho n.º 2837/2004 do Ministro da Saúde
De acordo com a doutrina nacional mais relevante, os
regulamentos administrativos do Governo podem classificar-se através de vários
critérios consensualmente definidos com base nas relações do regulamento com a
lei, no seu objecto, na sua função, na sua eficácia ou âmbito de aplicação.
À luz destes critérios, pode afirmar-se que o Despacho, ora em
análise, é um regulamento de funcionamento em virtude de disciplinar a vida
quotidiana do serviço público de saúde (SNS).
Essa disciplina integra as condições de acesso dos DIM
(através, nomeadamente, de um processo de credenciação e registo junto do
INFARMED) e a delimitação das situações em que os próprios profissionais de
saúde dos estabelecimentos e serviços do SNS podem receber os DIM.
Assim, os profissionais de saúde não podem receber os DIM, nos
termos do Despacho ora em análise, em situações diferentes das elencadas, ainda
que desse atendimento não resulte qualquer perturbação ou prejuízo para os
serviços e estabelecimentos do SNS.
É um regulamento geral, na medida em que o seu âmbito de
aplicação é a totalidade do território nacional, tomando por referência todos os
estabelecimentos e serviços do SNS, incluindo hospitais, S. A. e extensões dos
centros de saúde.
No que respeita aos efeitos, o Tribunal Constitucional tem
adoptado, na sua jurisprudência, uniforme e reiteradamente, a classificação dos
regulamentos como externos, internos ou mistos.
Como se escreveu no Acórdão n.º 319/94 (in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 27º volume, p. 939):
«Como é sabido, os regulamentos, conforme o círculo daqueles a
que se dirigem e que por eles são obrigados, quanto à projecção da sua eficácia,
têm sido doutrinalmente classificados em regulamentos externos e regulamentos
internos.
Segundo a lição de Afonso Queiró, “Teoria dos Regulamentos”, in
Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, nºs 1-2-3-4, pp. 5 e ss.,
esta distinção obedece às seguintes razões:
'Os primeiros analisam-se em preceitos que se dirigem não só ao órgão da
Administração que os edita ou faz, ou a outros órgãos da Administração, mas
também a terceiras pessoas, a particulares ou administrados que se encontrem em
face dela numa relação geral de poder; têm, como é uso dizer, eficácia jurídica
bilateral. Esses particulares são definidos por características genéricas e
encontram-se, como acabámos de dizer, por outras palavras, em relação à entidade
de que os regulamentos dimanam, numa relação de subordinação geral.
Os segundos, por seu turno, têm uma eficácia jurídica unilateral, uma
eficácia que se esgota no âmbito da própria Administração dirigindo-se
exclusivamente para o interior da organização administrativa, sem repercussão
directa nas relações entre esta e os particulares. Falta-lhes, portanto,
rigorosamente, alteralidade'.
(...) Há-de dizer-se que, com alguma frequência, nos
regulamentos internos, os chamados regulamentos de organização em sentido
estrito, aparecem integradas normas regulamentares externas – normas
respeitantes ao estatuto do pessoal administrativo, ao processo administrativo,
à competência externa dos agentes, aos direitos e deveres dos particulares em
relação aos serviços etc. – sendo então estas últimas normas a determinar o
regime geral e a exigência formal do diploma regulamentar que umas e outras
comporta.
E se alguma doutrina sustenta que os regulamentos internos de
organização não precisam de se fundar em leis para serem emanados legitimamente,
(...) já o mesmo não sucede quanto aos regulamentos mistos relativamente aos
quais ninguém questiona que hajam de ser considerados como fontes de direito,
como actos normativos».
Ora, face a estas considerações, parece lícito concluir que,
também, o Despacho n.º 2837/2004, aqui em causa, deverá ser classificado, do
ponto de vista dos efeitos, como um regulamento de natureza mista, com todas as
inerentes consequências jurídicas, que trataremos mais adiante.
Com efeito, o diploma contém normas cujos efeitos se esgotam no
interior dos serviços de saúde – efeitos internos (cfr., por exemplo, nºs 15 e
16).
Todavia, a maioria das normas questionadas projecta para o
exterior os seus efeitos, repercutindo-se, nomeadamente, no exercício da
profissão dos DIM e na actividade dos laboratórios por eles representados –
efeitos externos.
Não procede, assim, a argumentação do Ministro da Saúde,
segundo a qual o simples facto de o regulamento criar “determinados ónus para
terceiros”, não o “transforma, por si só, em regulamento externo, apesar de o
mesmo ser publicado”. O diploma aqui analisado é um regulamento de natureza
mista, por produzir efeitos em relação a titulares de direitos distintos da
pessoa colectiva pública (SNS).
Finalmente, neste contexto, no que respeita ao critério da
relação com a lei, a distinção estabelece-se entre regulamentos complementares
ou de execução e regulamentos autónomos ou independentes.
O Tribunal Constitucional tem definido o regulamento
independente como “aquele em que a lei se limita a definir a competência
objectiva (isto é, a matéria sobre que pode incidir o regulamento) e a
competência subjectiva (ou seja, a entidade competente para emitir o
regulamento)” (cfr., por todos, Acórdão nº 289/2004, in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 59.º volume, p. 19).
Não indicando o Despacho do Ministro da Saúde, ora em crise, a
lei com a qual está em relação, não se torna possível concretizar se estamos em
presença de um regulamento de execução ou independente.
Todavia, como adiante se verá, não se afigura necessário
resolver tal questão.
4 – Formalidades constitucionais relativas aos regulamentos
Desde a revisão constitucional de 1982, consagraram-se,
expressamente, na Lei Fundamental exigências formais a que devem obedecer os
regulamentos: a indicação expressa da lei ou leis que visam regulamentar o que
atribuem, especificamente, competência (subjectiva e objectiva) para a emissão
do regulamento, ou, dito de outro modo, a referência expressa à lei habilitante,
e, no que toca aos regulamentos do Governo, a sua sujeição à forma de decreto
regulamentar, nas situações constitucionalmente previstas.
O artigo 112.º, n.º 8 (na versão vigente à data da edição do
Despacho) da Constituição da República Portuguesa estipula que “os regulamentos
devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a
competência subjectiva e objectiva para a sua emissão”, pelo que o requerente
infere, daí, que “o incumprimento do dever constitucional de citação da lei
habilitante num regulamento que contém normas com evidente eficácia externa
(...) determina a inconstitucionalidade formal de todas as normas nele
contidas”.
O Tribunal Constitucional tem, sobre esta matéria, uma
jurisprudência extensa e clara. Entende o Tribunal, como pode ler-se no Acórdão
n.º 375/94 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º volume, p. 215), que:
“Ao impor o dever de citação da lei habilitante, o que a
Constituição pretende é garantir que a subordinação do regulamento à lei (e,
assim, a precedência da lei relativamente a toda a actividade administrativa)
seja explícita (ostensiva)”.
No Acórdão n.º 188/00 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional,
46.º volume, p. 775) explica-se ainda o seguinte:
“Tal orientação do Tribunal frisa, portanto, que – conforme se
pode ler na norma constitucional que prevê tal exigência –, a indicação da lei
que se visa regulamentar ou que define a competência objectiva ou subjectiva
para sua emissão há-de ser expressa (questão, esta, da forma de citação que é,
como se sabe, diversa da de saber se se devem admitir autorizações legais
implícitas para a emissão de regulamento, relativa à forma da autorização
legal)”.
É por esta razão, e nos termos do Acórdão n.º 665/94, que (in
Acordãos do Tribunal Constitucional, 29.º volume, p. 339):
“’ainda que se pudesse identificar, com elevado grau de
probabilidade, as normas legais que habilitavam a aprovação do regulamento em
causa’, ‘a verdade é que a inconstitucionalidade formal se mantém, pois a função
da exigência da identificação expressa consiste não apenas em disciplinar o uso
do poder regulamentar (obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em
cada caso, a habilitação legal de cada regulamento), mas também em garantir a
segurança e a transparência jurídicas, sobretudo à luz da principiologia do
Estado de direito democrático’ (cfr. J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Ed., Coimbra Editora, 1983,
pág.516)”.
No que concerne aos regulamentos do Governo, o art. 112.º, n.º
7 (na redacção vigente à data da edição do Despacho, agora nº 6) da Constituição
dispõe que eles “revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja
determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos
independentes”.
A sujeição a esta forma postula que tais regulamentos estejam
sujeitos a promulgação do Presidente da República [art. 134.º, alínea b)], com a
consequente possibilidade de veto (art. 136.º, n.º 4).
5 – Apreciação dos vícios de inconstitucionalidade
5.1 – Inconstitucionalidade orgânica
O requerente imputa ao Despacho em causa o vício de
inconstitucionalidade orgânica, por violação das alíneas b) e d) do n.º 1 do
artigo 165.º da Constituição, em qualquer dos casos, reportado ao chamado
“regime sancionatório” constante dos nºs 18 a 23 do Despacho – no primeiro, por
ele implicar condicionamento substancial e relevante do exercício da profissão
de DIM, e, no segundo, por estabelecer um regime sancionatório público sem
credencial parlamentar.
O artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição preceitua que
é da exclusiva competência da Assembleia da República – salvo autorização ao
Governo – legislar sobre direitos, liberdades e garantias, reserva legislativa
que abrange todos os direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da
Constituição, a saber: direitos, liberdades e garantias de carácter pessoal;
direitos, liberdades e garantias de participação política e direitos, liberdades
e garantias dos trabalhadores.
É nesta última sede que se situa o direito à livre escolha da
profissão a que se refere o artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República
Portuguesa, cuja vertente negativa implica:
a) – não ser forçado a escolher e a exercer uma determinada
profissão;
b) – não ser impedido de escolher e de exercer qualquer
profissão para a qual se tenham os necessários requisitos e não ser impedido de
obter tais requisitos.
Sobre os limites do poder regulamentar, é abundante a
jurisprudência do Tribunal Constitucional, podendo referir-se que no Acórdão n.º
161/99 (in Diário da República II Série, n.º 39, de 16.02.2000, a fls. 3225),
referindo o acórdão n.º 74/84 deste Tribunal (publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, Volume 4.º, pág. 54), citando Afonso Queiró (“Teoria dos
Regulamentos”, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXVII, p. 17), se
afirmou o seguinte:
“A reserva de lei constitui (...) limite do poder regulamentar:
a Administração não poderá editar regulamentos (independentes ou autónomos) no
domínio dessa reserva. Os únicos regulamentos que nas matérias reservadas à lei
se admitem são os regulamentos de execução. O Executivo, neste domínio, só pode
editar normas inovadoras sob a forma de decretos-lei, mediante autorização da
Assembleia da República.”
Ora, não pode, desde já, aceitar-se o entendimento do
requerente, segundo o qual as normas dos nºs 18 a 23 do diploma analisado
disciplinam, de maneira inovatória, matéria de reserva de lei.
Com efeito, ainda que o exercício da profissão de DIM comporte
as visitas ou os contactos com o pessoal médico, nele não se compreende um
direito geral de acesso a serviços públicos, onde aquele pessoal labora.
Tal como em quaisquer outros estabelecimentos de titularidade
diferente – nomeadamente, privada – os DIM só podem aceder-lhes, no exercício da
sua profissão, desde que para tal exista consentimento do respectivo titular.
No que concerne a serviços públicos, a regra é, aliás, a da
proibição de acesso, o que, desde logo, resulta do disposto no artigo 191.º do
Código Penal, que criminaliza a entrada em lugar vedado e destinado a serviço
público sem consentimento.
Ora, o que o Despacho em causa faz não é mais do que uma forma
de prestar o consentimento ao acesso (em geral, interdito) dos DIM a lugar
destinado a serviço público, ainda que condicionado a determinadas regras.
E a infracção a estas regras – que dão lugar ao “sancionamento”
dos DIM –significa que o acesso feito em tais condições não foi consentido,
sendo de salientar que a medida prevista não vai para além da própria regra
geral da proibição de acesso (no caso, temporalmente limitada) que, sem
regulação semelhante, se imporia sempre aos DIM.
Não se verifica, pois, qualquer restrição ao direito
fundamental de exercício de profissão que exija credencial parlamentar.
Não deve, porém, esquecer-se que o Tribunal Constitucional vem
entendendo que a reserva legislativa parlamentar em matéria de direitos,
liberdades e garantias abrange 'tudo o que seja matéria legislativa e não apenas
as restrições do direito em causa' (cf. Acórdãos n.º 128/00, publicado no Diário
da República II Série, de 25 de Outubro de 2000, e 255/02, publicado no Diário
da República I Série-A, de 8 de Julho de 2002).
E importa, também, salientar que a circunstância de o artigo
47.º, n.º 1 da Constituição sujeitar a liberdade de exercício de profissão 'às
restrições legais impostas pelo interesse colectivo', aliada à consideração
(possível) de que os condicionamentos de acesso dos DIM seriam ditados pelo
'interesse colectivo', não subtrairia a matéria em causa à reserva de lei no
ponto em que o preceito constitucional impõe que tais restrições sejam 'legais'.
Mas, a verdade é que a proibição de entrada, sem consentimento,
em serviços públicos (nos locais que não estão afectos ao público), tal como,
paralelamente, em locais privados, constitui como que uma 'fronteira natural' de
qualquer direito, liberdade e garantia, sem que tal represente uma matéria que
se possa dizer a eles – ou a qualquer um deles – atinente, de modo a sujeitá-la
a reserva de lei.
Seria, aliás, incongruente considerar matéria legislativa
atinente ao livre exercício da profissão de DIM o “sancionamento” do acesso, sem
consentimento, a lugar vedado ao público, quando o mero silêncio da
Administração (ou seja, sem consentimento) sempre implicaria a sujeição dos DIM
ao regime geral da proibição.
Pelas mesmas razões, não pode afirmar-se que os nºs 18 a 23 do
Despacho consagrem um regime sancionatório público. Eles têm o sentido de uma
revogação (com efeitos limitados no tempo) de um consentimento de acesso e que
se traduz na aplicação da regra legal de proibição de entrada em lugar destinado
a serviço público.
5.2 – Inconstitucionalidade formal
Afastada a inconstitucionalidade orgânica, analisemos agora a
alegada inconstitucionalidade formal de todas as normas do diploma, em virtude
da omissão de citação de lei habilitante, como defendeu o requerente.
Como já se disse, o Despacho objecto do pedido não identifica
lei com a qual esteja em relação.
Na verdade, dele não consta, em parte alguma, indicação
expressa da lei que vise regulamentar ou que defina a competência subjectiva e
objectiva para a sua emissão, ou seja, da lei habilitante.
Sendo assim, independentemente de o mesmo poder consubstanciar
ou não um regulamento autónomo ou independente e de, enquanto tal, estar sujeito
à forma de decreto regulamentar, com os corolários referidos, certo é que ele
viola a regra constante do referido artigo 112.º, n.º 8 da Constituição, na
versão vigente à data da edição do Despacho, de falta de indicação da lei
habilitante.
Este vício fá-lo padecer de inconstitucionalidade formal.
C – Decisão
Destarte, atentos os fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do
Despacho do Ministro da Saúde n.º 2837/2004, de 8 de Janeiro, por violação do
artigo 112.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa, vigente à data da
edição do Despacho (actualmente nº 7).
Lisboa, 5 de Dezembro de 2006
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
Maria João Antunes
Vítor Gomes
Mário José de Araújo Torres
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Bravo Serra
Artur Maurício