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Processo n.º 991/06
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 1643 foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. Por despachos do 1.º Juízo Cível da Comarca de Oeiras de fls.
1526, proferidos nos autos de expropriação litigiosa n.º 63/1982, em que é
expropriante a CÂMARA MUNICIPAL DE OEIRAS e expropriada A., LDA., e após
trânsito em julgado da decisão que fixou o valor da indemnização a pagar pela
expropriante à expropriada, foi decidido: a) indeferir a suspensão da instância
requerida pela expropriante, nos termos dos artigos 276.º, n.º 1, alínea c), e
279.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, com o fundamento de se encontrar
pendente acção em que se discute a titularidade do direito à indemnização devida
pela expropriação; b) ordenar a notificação do serviço que tem a seu cargo os
avales do Estado para efectuar o depósito do montante em falta, em substituição
da entidade expropriante, ao abrigo do disposto no artigo 71.º, n.º 4, do Código
das Expropriações.
Inconformada, a expropriante CÂMARA MUNICIPAL DE OEIRAS interpôs
recurso de agravo dos referidos despachos, recurso a que foi negado provimento
por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Novembro de 2005, de fls.
1537.
Novamente inconformada, a CÂMARA MUNICIPAL DE OEIRAS recorreu para o
Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 24 de Outubro de 2006, de fls.
1630, decidiu que «improcedem as conclusões das alegações da recorrente sendo de
manter o decidido no acórdão recorrido».
2. Finalmente, CÂMARA MUNICIPAL DE OEIRAS veio recorrer para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b),
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a questão da
inconstitucionalidade da norma do «art. 71.º do Código das Expropriações,
aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, interpretado com a dimensão
normativa de ter que ser depositada e poder ser livremente levantada a
indemnização quando é comunicado ao Tribunal que está pendente acção em que se
discute a titularidade do direito de propriedade do prédio expropriado, face às
normas e preceitos constitucionais consagrados nos arts. 2.º, 9.º, alínea b), e
62.º da CRP».
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal
(nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. O Tribunal Constitucional não pode conhecer do presente recurso,
desde logo porque a norma impugnada não foi aplicada pelo acórdão recorrido com
o sentido que a recorrente acusa de ser inconstitucional.
Com efeito, e após ter verificado que não ocorria motivo que justificasse a
suspensão da instância, por não haver uma relação de dependência entre as duas
acções, 'porquanto a sentença que proferiu a indemnização por expropriação
transitou em julgado, sendo, por isso, inalterável', o acórdão recorrido
entendeu que, 'em face disso, não ocorre motivo justificativo para se decretar a
pedida suspensão da instância, nada impedindo o depósito da quantia em questão
que terá o destino legal irrelevante para a recorrente'.
Ora, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82
destina-se a conhecer da alegada inconstitucionalidade de normas efectivamente
aplicadas pela decisão recorrida, como expressamente ali se refere (“Cabe
recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo”) e o Tribunal tem repetidamente afirmado (cfr., por exemplo, Acórdãos
n.º 187/95 e n.º 366/96, publicados no Diário da República, II Série, de 22 de
Junho de 1995 e de 10 de Maio de 1996, respectivamente).
Deste modo, não tendo a norma impugnada sido aplicada e interpretada
pela decisão recorrida com o sentido que a recorrente acusa de ser
inconstitucional, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do
recurso.
4. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à
emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro.
Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs.»
2. Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do
disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da
decisão sumária.
Em síntese, sustenta que «contrariamente ao decidido na douta decisão reclamada,
nunca se poderia entender que a norma do artigo 71.º do CE 99 não foi aplicada e
interpretada no caso em análise com o sentido reputado inconstitucional, pois,
além do mais, o acórdão do STJ, de 2006.10.24, negou provimento ao recurso
interposto com fundamento precisamente na inexistência de qualquer impedimento
ao depósito e levantamento da indemnização em causa».
Notificada para o efeito, a reclamada pronunciou-se no sentido do
indeferimento da reclamação, concluindo desta forma:
'6 – Pelo exposto, o acórdão recorrido não contém qualquer inconstitucionalidade
que deva ser apreciada. Designadamente porque:
a) - Não aplicou a norma alegada de inconstitucional. Antes fundamentou a razão
da sua não aplicação, quando refere que: - “... a declaração de utilidade
pública da parcela em causa ocorreu em 1/7/75 e que a mesma foi adjudicada à
Câmara de Oeiras em 19/4/82” , tendo já transitado a sentença que atribuiu a
indemnização, como também consta do douto acórdão em recurso.
b) ‑ A recorrente é parte ilegítima nesta discussão, visto que – o destino legal
da indemnização lhe é irrelevante, não lhe diz respeito, nem lhe aproveita, nem
lhe cumpre, nesta fase, discutir qualquer espécie de questões sobre a
propriedade.
c) ‑ Não suscitou legalmente no recurso para a Relação a questão da
inconstitucionalidade, de que o acórdão recorrido é meramente confirmativo, não
podendo este conhecer dela, por isso.
d) ‑ Existe nulidade superveniente e a consequente nulidade na continuação do
processo e do recurso, com a finalidade de alcançar a suspensão da instância,
quando o depósito de verba pretensamente a evitar, já foi efectuado.
Deve, assim, ser indeferida a reclamação da recorrente'.
3. A reclamação é improcedente, pela razão apontada na decisão reclamada: o
artigo 71º do Código das Expropriações de 1999 não foi aplicado pelo acórdão
recorrido com o sentido acusado de ser inconstitucional pela ora reclamante.
Com efeito, o acórdão recorrido pronunciou-se nos seguintes termos:
'Preceitua-se no artº 279º n.º 1 C.P.C. que o tribunal pode ordenar a
suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do
julgamento de outra já proposta ou quando ocorreu motivo justificado.
Ora pretende a recorrente a suspensão com base na pendência de uma
outra acção em que se discute a titularidade dos bens expropriados, a qual é
causa prejudicial em relação a esta, sendo irrelevante o facto de ter sido
intentada posteriormente ao presente processo de expropriação (artº 276º c) e
279º n.º 1 e 2 C.P.C.), mas mesmo que seja considerado que não existe causa
prejudicial, sempre se tem de entender que ocorre motivo justificado para a
suspensão da instância (artº 276 c) e 279º n.º 1 'in fine' C.P.C.).
Carece, porém, de razão.
Com efeito, e como bem se salienta no acórdão recorrido, a decisão
proferida nesta acção não está dependente da decisão final que venha a ser
proferida naquela outra acção, porquanto a sentença que proferiu a indemnização
pela expropriação transitou em julgado, sendo, por isso, inalterável.
E também, como se torna evidente em face disso, não ocorre motivo
justificativo para se decretar a pedida suspensão da instância.
De igual modo se não vislumbra qualquer inconstitucionalidade relativa
à interpretação do artº 71 do CE 99 com violação dos artºs 2, 9 b) e 62 da CRP
nem a alegada inutibilidade do depósito de dezasseis milhões de euros (artº 137
C.P.C.) por não poder ser efectuado, sem mais e de forma livre, o levantamento
de tal dinheiro, e por colocar em causa projectos de interesse público.
Anota-se a este propósito que a declaração de utilidade pública da
parcela em causa ocorreu em 17/7/75 e que a mesma foi adjudicada à Câmara de
Oeiras em 19/4/82.
Nada impede o depósito da quantia em questão que terá o destino
irrelevante para a recorrente.
(…)'.
O artigo 71º do Código das Expropriações de 1999 regula o 'depósito da
indemnização', como consta da respectiva epígrafe, e tem o seguinte texto:
'1. Transitada e, julgado a decisão que fixar o valor da indemnização, o
juiz do tribunal de 1ª instância ordena a notificação da entidade expropriante
para, no prazo de 10 dias, depositar os montantes em dívida e juntar ao processo
nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes.
2. A secretaria notifica ao expropriado e aos demais interessados o
montante depositado, bem como a nota referida na parte final do número anterior.
3. O expropriado e demais interessados podem levantar os montantes
depositados, sem prejuízo da sua impugnação nos termos do artigo seguinte e do
disposto no n.º 3 do artigo 53º.
4. Não sendo efectuado o depósito no prazo fixado, o juiz ordenará o
pagamento por força das cauções prestadas pela entidade expropriante ou outras
providências que se revelarem necessárias, após o que, mostrando-se em falta
alguma quantia, notificará o serviço que tem a seu cargo os avales do Estado
para que efectue o depósito do montante em falta, em substituição da entidade
expropriante'.
Ora basta ler o acórdão recorrido e o artigo 71º, que, para o efeito,
se transcreveu, para verificar que o mesmo não foi aplicado, nem implícita, nem
explicitamente, com o sentido que a reclamante acusa de ser inconstitucional.
Por esta razão, confirma-se a decisão de não conhecimento do recurso.
E, assim sendo, torna-se desnecessário analisar as demais questões
suscitadas pela reclamada na sua resposta à reclamação, atrás indicadas.
4. Nestes termos, indefere-se que reclamação, confirmando-se a decisão
de não conhecimento do objecto do recurso.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2007
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício