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Processo nº: 956/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 27 de Novembro de 2006 o relator proferiu a seguinte
decisão: –
“1. Por sentença proferida em 12 de Janeiro de 1997 pelo Juiz
do 2º Juízo Criminal do Tribunal de comarca de Santa Maria da Feira foi o
arguido A. condenado, pela autoria de um crime de emissão de cheque sem
provisão, previsto e punível pelo artº 11º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº
454/91, de 28 de Dezembro, em conjugação com os artigos 313º e 314º, alínea c),
do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, cuja execução ficou suspensa
pelo período de dois anos, sujeita à condição de o mesmo arguido pagar, no prazo
de um ano, à queixosa B., Ldª, a quantia de Esc. 8.519.093$00, acrescida de
juros de mora à taxa de 15% contados desde a apresentação a pagamento do cheque
e até integral pagamento.
Após várias vicissitudes processuais, de entre elas a
apresentação de requerimentos do arguido a solicitar a dilação do pagamento da
quantia acima indicada, a sua audição perante o Juiz sobre os motivos do não
pagamento e elaboração de relatório sobre as suas condições sociais e
económicas, porque o mesmo não veio, até Abril de 2004, a proceder ao
cumprimento da condição da suspensão da execução da pena, o Juiz do indicado
Juízo, por despacho de 20 daquele mês, revogou aquela suspensão, declarando
ainda perdoado um ano de prisão ao abrigo do disposto no artº 1º da Lei nº
29/99, de 12 de Maio.
Por requerimento apresentado nos autos em 5 de Maio de 2004,
a B., Ldª, veio dizer que, tendo recebido cópia daquele despacho e dela não
constando a assinatura do Juiz, solicitava o envio de cópia de onde constasse
tal assinatura.
O aludido Juiz, em 12 de Maio de 2004, proferiu o seguinte
despacho: –
‘Muito embora o despacho de fls. 392
[fosse] por nós elaborado, verifica-se que as fls. 394 não se mostram assinadas.
Tal configura uma mera irregularidade, a
qual, desde já, se supre com a aposição, nesta altura, da respectiva assinatura
(cfr. art 123º do C.P.P.)
Notifique, enviando novas cópias do
respectivo despacho, e do agora referido.
DN.’
Do despacho de 20 de Abril de 2004 recorreu o arguido para o
Tribunal da Relação do Porto, sendo que, na motivação adrede produzida, não
suscitou qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda de
dado (ou de dados) normativo (ou normativos) constantes do ordenamento jurídico
infra-constitucional.
Naquele Tribunal de 2ª instância, o Representante do
Ministério Público exarou «parecer» no qual, inter alia, suscitou a questão da
extemporaneidade do recurso, fazendo-o nos seguintes termos: –
‘(…)
Questão prévia: Recurso Extemporâneo
Como já se referiu, o despacho recorrido
foi proferido em 20/4/04.
Desse despacho foi notificada a
defensora oficiosa nomeada, por via postal registada, em 30/4/04 (cfr. fls.
396). Não o foi o arguido por não ter sido localizado, mas também não era
imprescindível a sua notificação pessoal, por força do disposto no n.º 9 do
art.º 113º do CPPenal.
Assim sendo, o prazo de recurso terminou
no dia 20/5/04.
É certo que, posteriormente e a
requerimento da sociedade lesada, o M.mo Juiz rectificou a irregularidade do
despacho acrescentando-lhe a assinatura.
Mas, quando a defensora oficiosa foi
notificada dessa rectificação por via postal registada enviada em 25/5/04 (cfr.
fls. 406), já estava extinto o prazo do recurso, sem que o arguido tivesse
sequer invocado a referida irregularidade (art.º 123º, n.º 1 do CPP).
Daí que, tendo o recurso sido interposto
apenas em 14/6/04 (cfr. fls. 429), haverá que considerá-lo manifestamente
extemporâneo.
E, uma vez que o despacho de admissão do
recurso não vincula o tribunal superior – art.º 414º, n.º 3, do CPPenal – deverá
o mesmo ser rejeitado em conferência.
(…)’
O «parecer» de que parte acima se encontra extractada foi
notificado ao mandatário do arguido, não vindo este, sobre ele, a efectuar
qualquer pronúncia.
Tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 19 de
Abril de 2004, rejeitado por extemporaneidade o recurso, essencialmente pelas
razões aduzidas no «parecer» do Representante do Ministério Público a que atrás
se fez menção, veio ao arguido arguir a ‘Nulidade/Inconstitucionalidade’ daquele
aresto, fazendo-o por via de requerimento em que consignou: –
‘1.º – Decidiram os Meritíssimos Ju[í]zes Desembargadores no sentido da
extemporaneidade do recurso interposto pelo aqui arguente.
2.º – Isto porque, segundo o entendimento perfilhado, o suprimento da falta de
assinatura do despacho de revogação da suspensão da pena não implicaria o
in[í]cio da contagem do prazo para interposição de recurso.
3.º – Devendo, ao contrário, considerar-se que a contagem do prazo para a
interposição do recurso teve o seu início a 30/04/2004, data da notificação do
despacho de revogação da suspensão da pena, à qual não havia sido aposta
assinatura.
4.º – E que a sua posterior correcção não teve qualquer repercussão a nível da
contagem/rein[í]cio do prazo para interposição de recurso.
5.º – - Consideram V. Ex.as também que o dito despacho não tem necessariamente
de ser notificado ao arguido, nomeadamente se este não for encontrado.
6.º – Assim como, tratar-se-ia unicamente de uma irregularidade, enquadrável no
art. 123.º do CPP, e não de uma nulidade.
7.º – Com devido respeito, e salvo melhor opinião, não concordamos com a posição
adoptada no douto despacho em crise.
8.º – De facto, temos de ter em atenção que estamos perante um despacho que
interfere directamente com a liberdade do arguido, logo, com os seus direitos
liberdades e garantias, e
9.º – Também por isso, temos de ter especial atenção aos elementos formais do
despacho que decreta a revogação da suspensão da pena.
10.º – Ora, tais formalismos não estão expressamente regulados no Código de
Processo Penal, pelo que, teremos de atentar ao previsto no mesmo no que
respeita à integração de lacunas.
11.º – Segundo o art. 4.º do CPP, que regula esta matéria, em tais situações
somos remetidos, em primeira linha, para as normas do processo do Código de
Processo Civil que se harmonizem com o processo penal.
12.º – - Segundo o artigo 157.º do C.P.C. ‘as decisões judiciais serão datadas e
assinadas pelo juiz ou relator, que, devem rubricar ainda as folhas não
manuscritas’.
13.º – A assinatura é um formalismo essencial para que o despacho produza os
seus efeitos, visto que, é esta que garante a fidelidade do mesmo, aliás de
acordo com o estipulado no artigo supra referido.
14.º – Só se pode tomar conhecimento de um despacho se ele vier completo.
15.º – Portanto, se um dos requisitos formais não for cumprido, o recorrente não
pode tomar conhecimento pleno e concreto do despacho em causa e de que o seu
conteúdo é totalmente verídico.
16.º – - Por maioria de razão, também não poderá o recorrente defender-se
cabalmente se não estiver na posse de todos esses elementos necessários.
17.º – Podendo-se até alegar o justo impedimento uma vez que não estava na posse
de todos os elementos necessários nem pode ser responsabilizado por essa
omissão.
18.º – De acordo com o exposto, o prazo para interposição de recurso só poderá
ter o seu in[í]cio no momento da notificação do despacho com todos os seus
elementos.
19.º – Pelo que, se deve considerar nulo o despacho que considerou extemporâneo
o recurso interposto.
20.º – Acresce ainda, que o entendimento perfilhado se revela também
inconstitucional porque violador do disposto nos artigos 20.º e 32.º da
Constituição da Republica Portuguesa.
21.º – De acordo com tais artigos, o arguido tem direito a defender os seus
interesses legalmente protegidos, e tal entendimento, claramente, retira as
garantias de defesa do art. 32 da CRP.
22º – O facto de não se aceitar o recurso, impede que os Ex.mos Ju[í]zes
Desembargadores, possam conhecer o âmbito e do mérito da causa.
23º – Deste modo o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questões que devesse
apreciar, por interpretação inconstitucional de norma
23º – E ao impedir-se que se conheça da matéria de fundo, está-se
necessariamente a restringir a mobilidade jurisdicional do arguido,
restringindo-se assim a sua defesa, e uma vez que estamos a falar de um Dto
fundamental, que é o Dto. à liberdade, previsto no art. 27 da CRP, tal não deve
acontecer.
24º – Acresce que, atenta a idade do recorrente, o facto de ser primário e o
facto de a pena a aplicar não ser superior a um ano, atento o perdão de um ano,
sempre será de aplicar a prestação de trabalho a favor da comunidade em
substituição da pena de prisão, tudo nos termos do art. 58 do CP., o que no caso
sempre se justifica e sempre fundamenta também, a presente nulidade por dizer
respeito a direitos fundamentais
Pelo que face a nulidade/Inconstitucionalidade do despacho
que indefere o recurso do requerente por extemporâneo, e consequentemente seja
esse mesmo recurso admitido, sob pena de se cometer uma inconstitucionalidade,
apreciando-se do mérito do mesmo e decidindo-se em conformidade com inteira
justiça.’
Tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 19 de
Julho de 2006, desatendido o peticionado, veio o arguido fazer juntar aos autos
dois requerimentos com o teor a seguir transcrito.
O primeiro: –
‘A., recorrente nos autos supra
identificados, não se conformando com douto Acórdão proferido em 04/05/2006, bem
como do entendimento do Tribunal da Relação do Porto no que concerne ao
indeferimento da reclamação apresentada sobre essa mesma decisão, vem dela[ ]
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos seguintes termos:
O recurso é interposto ao abrigo da al. b) do art. 70º da Lei 28/82, de 15 de
Novembro na redacção dada pela Lei nº 85/89, pela Lei nº 13-A/98.
Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma 379º, 118º e o artigo
380º, todos do CPP., com a interpretação que lhe foi aplicada na decisão
recorrida e quando conjugados.
Tal interpretação das normas supra referidas violam os art. 13º, 20º, 27º e 32º,
todos da CRP
De facto, a interpretação do artigo 379.º e 118.º, ambos do C.P.P., no sentido
de que a falta de assinatura da sentença condenatória não constitui uma nulidade
mas sim uma mera irregularidade viola gravemente as garantias defesa do arguido
assim como o seu direito à liberdade e o próprio direito à igualdade,
nomeadamente art[.] 32º, 20, e 13º da CRP. Isto porque, no âmbito do direito
civil, a falta de assinatura da sentença é sancionada com a nulidade da mesma.
Ora, tendo até em conta as especiais garantias que são exigidas no âmbito do
processo penal, tal diferenciação consubstancia uma violação dos seus direitos
fundamentais visto que não lhe confere a mesma protecção e garantias de defesa
que o Processo Civil confere.
Sem prescindir, ainda que se entenda que não há qualquer inconstitucionalidade
na norma 379º conjugada com o 118º, no caso em apreço, sempre se deve entender
que a sanação do vicio da falta de assinatura na sentença, carece de nova
notificação, pelo que o prazo recomeça contagem.
A não se entender assim, mais uma vez se viola o disposto no art 32º da CRP, ao
não garantir todos os meios de defesa indispensáveis ao arguido, uma vez que
está em causa a sua liberdade.
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada a fls. na reclamação do
indeferimento do recurso, não tendo sido suscitada antes, por ser de todo
imprevisível para a ora recorrente, e face ao indeferimento da própria
reclamação, outra inconstitucionalidade surgiu, a da Violação do Principio da
Igualdade do art. 13 da CRP.
Tal recurso sobe imediatamente, nos próprios autos, e tem
efeitos suspensivos.
Nestes termos Requer a V. Ex.a se digne a admitir o presente
recurso, e feito o mesmo subir, com o efeito próprio seguindo-se os demais
termos legais.’
O segundo: –
‘A., recorrente nos autos supra
identificados em complemento ao seu requerimento apresentado dia 08.09.2006, vem
dizer o seguinte:
1º – A identificação do Acórdão em crise, o recorrente identifica-o como tendo
sido proferido em 4 de Maio de 2006, quando tal data corresponde à data
constante da carta de notificação de tal acórdão ao recorrente, sendo a data da
sua prolação, 19 de Abril de 2006.
2º – Acresce ainda, por tal não ter sido referido, que o entendimento perfilhado
no douto ac[ó]rdao em crise, considerando o recurso apresentado extemporâneo,
impede a apreciação da matéria alegada, e que sustenta o recurso, e também ela
enunciando vícios que põem em causa princípios constitucionais.
3º – Nomeadamente, a descriminalização
da conduta do recorrente,
4º – E ainda, a violência da condição
que suspendia a pena de prisão.
5º – Porquanto, a quantia de 8.519[.]093$00, que o recorrente tinha de pagar [à]
ofendida no prazo de um ano acrescida de juros à taxa de 15% ao ano, sob
condição para a suspensão da execução da pena pelo período de 2 anos, é
manifestamente exagerada, tendo em conta a condição económica do recorrente
comprovada nos autos.
6º – Por ultimo, também ‘o condenado não foi ouvido previamente ao despacho que
determinou a revogação da pena suspensa.’
7º – Ora, impedindo a apreciação de toda esta matéria, o douto acórdão em crise,
na interpretação que faz dos artigos referidos no requerimento principal, viola
o artigo 20º e 32º da CRP.
Termos em que, considerando-se este
requerimento como complemento do já apresentado, hoje mesmo, se requer a subido
do presente recurso, no momento e com os efeitos referidos no que este
complementa’
Por despacho proferido em 29 de Setembro de 2006 pelo
Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, foi admitido o recurso,
vindo os autos a ser remetidos ao Tribunal Constitucional em 6 de Novembro
seguinte.
2. Porque um tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº
3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o
recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A
da mesma Lei, a vertente decisão, por via da qual se não toma conhecimento do
objecto da vertente impugnação.
Na realidade, tratando-se, como se trata, de um recurso
esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, mister era que,
precedentemente à decisão intentada colocar sob a censura do Tribunal
Constitucional – ou seja o acórdão de 19 de Abril de 2006 –, tivesse sido
equacionada pelo impugnante a questão ou as questões de desarmonia
constitucional que pretende ver apreciadas e que – de modo algo inadequado,
refira-se – constam dos requerimentos acima transcritos.
Refere o arguido que tais questões somente foram suscitadas
‘a reclamação do indeferimento do recurso’(pensa-se que, mais propriamente, se
quer reportar ao requerimento de arguição de nulidade do acórdão de 19 de Abril
de 2006) porque, antes desse momento processual, era de todo imprevisível o
proferimento, da forma como o foi, da decisão constante daquele aresto.
Ora, como deflui do relato supra efectuado, o arguido foi
notificado do «parecer» efectuado pelo Representante do Ministério Público junto
do Tribunal da Relação do Porto, «parecer» esse no qual se impostou a questão da
extemporaneidade do recurso.
Num tal contexto, se o impugnante entendesse que os
normativos ordinários que suportaram – como ratio juris – a conclusão alcançada
no aludido «parecer» eram desconformes com o Diploma Básico, sobre si impendia o
ónus de responder ao mesmo, equacionando, então, o problema da sua enfermidade
constitucional, sendo certo que era seguramente previsível que o proferendo
acórdão viesse a sufragar entendimento semelhante ao ínsito nesse «parecer».
Dispôs, desta sorte, de ocasião processual para suscitar a
questão ou as questões de inconstitucionalidade antes de ser tirado o acórdão de
19 de Abril de 2006.
Só que não o fez.
E, por isso, se é levado à conclusão de que se não congrega,
no caso, o pressuposto – acima referido – do recurso, ou seja, o da suscitação
atempada da questão ou das questões de inconstitucionalidade normativa.
Termos em que se não toma conhecimento do objecto do recurso,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em seis unidades de conta, sem prejuízo de, não havendo pagamento voluntário, se
atentar no benefício de apoio judiciário de que o mesmo desfruta.”
É da transcrita reclamação que, pelo arguido, vem deduzida
reclamação, fazendo-o por intermédio de requerimento em que se consignou: –
1º–- O reclamante pretende interpor recurso ao abrigo da al. b) do artigo 70º da
Lei 28/82 de 15.11 na redacção dada pela Lei 85/89, pela Lei 88/95 e Lei n.º
13-A/98.
2º – Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma 379º, 118 e
artigo 380º todos do C.P.P., com a interpretação que lhe foi dada n[a] decisão
recorrida, quando conjugados
3º –- De facto a interpretação do artigo 379º e 118º ambos do C.P.P: no sentido
de que a falta de assinatura da sentença condenatória não constitui uma
nulidade, mas sim uma irregularidade viola gravemente as garantias de defesa do
arguido, assim como o seu direito [à] liberdade e o próprio direito [à]
igualdade, consignado nomeadamente nos Artigos 32º,20º e 13 da C.R.P: Isto
porque no âmbito do Direito Civil, a falta de assinatura da sentença é
sancionada com a nulidade da mesma.
4º – Ora, tendo at[é] em conta as especiais garantias que são exigidas no âmbito
do processo penal, tal diferenciação consubstancia uma violação dos seus
direitos fundamentais visto que não lhe confere a mesma protecção e garantia de
defesa que o processo civil confere.
5º – E sem prescindir, ainda que se entendesse não haver qualquer
inconstitucionalidade da norma 379º conjugada com o artigo 118º, no caso em
apreço, sempre se deve entender que a sanação do vício da falta de assinatura na
sentença, carece de nova notificação, pelo que o prazo se conta a partir dessa
data
6º – A não se entender assim, julga o recorrente que se violara o disposto no
artigo 32º da C.R.P um vez que não se garantem todos os meios de defesa
indispensáveis ao arguido uma vez que está em causa a sua liberdade.
7º – A questão da inconstitucionalidade foi suscitada a fls ... na reclamação
denominada Nulidade/ inconstitucionalidade que decidiu da extemporaneidade do
recurso interposto
8º – Aí suscitou a inconstitucionalidade aduzida que mereceu a apreciação que os
Exmos. senhores juízes desembargadores julgaram adequada
9º – Assim, as doutas decisões proferidas pelo Tribunal da Relação do Porto
estão, no modesto entender do reclamante e com o devido respeito que é muito,
feridas de inconstitucionalidade pelas razões supra aduzidas
10º – Tal questão não foi suscitada em tempo processual anterior por ser de todo
imprevisível para o reclamante e face ao indeferimento da arguida nulidade/
reclamação, outra inconstitucionalidade terá surgido e que necessita de
apreciação.
11º[ ] – O M.º Juiz Relator que indeferiu o recurso não ponderou, com devido
respeito que é muito, toda a argumentação que é feita
12º – De facto, após haver apresentado a sua alegação no Tribunal da Relação, o
Representante do Ministério Publico emitiu parecer sobre questões de direito que
entendeu pertinentes
13º – Contudo, não ,se trata de qualquer decisão que impusesse, por discordância
um ataque à mesma
14º – Tratou-se unicamente de um parecer do Representante do Ministério Publico
que poderia ter ou não acolhimento na decisão a proferir pelo Tribunal
15º – Por não perfilhar esse entendimento o reclamante não se pronunciou, sendo
certo não sendo obrigatória tal pronúncia nem funcionar nenhuma cominação por
falta de resposta a tal parecer
16º – E não suspeitou sequer que tal entendimento pudesse ter acolhimento na
douta decisão em crise, por no seu entender, violar manifestamente os preceitos
constitucionais supra referidos e com tal interpretação retirando a liberdade a
um cidadão sem conhecer os fundamentos do seu recurso por via d[a] questão
pr[é]via suscitada
17 – E quando a decisão foi proferida imediatamente suscitou tal questão como
acima foi dito
18º –- Deste modo, e com o devido respeito o reclamante, não partilhando da
douta opinião do Exmo. Senhor Juiz Relator julga que, na ocasião processualmente
adequada e possível, suscitou as questões de inconstitucionalidade que agora
pretende ver apreciadas
Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.as doutamente suprirão deve a
presente reclamação ser deferida, admitindo-se o recurso em causa, dessa forma
permitindo-se à recorrente a exposição fundamentada da sua pretensão e assim
permitindo uma melhor decisão sobre as inconstitucionalidades arguidas.”
Ouvido sobre reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério
Público junto deste Tribunal pronunciou-se dizendo: –
“1 – A presente reclamação carece obviamente de fundamento, apenas confirmando
inteiramente que o ora reclamante dispôs de plena oportunidade processual para
suscitar a questão de inconstitucionalidade, na sequência do parecer exarado nos
autos pelo representante do Ministério Público.
2 – Pelo que, naturalmente, a estratégia processual que adoptou, renunciando a
abordar tal questão, lhe não aproveita.
3 – Não se verificando, deste modo, os pressupostos do recurso interposto.”
Cumpre decidir.
2. A reclamação em apreço é manifestamente destituída de
fundamento.
Na verdade, como se frisou na decisão ora impugnada, tendo o
Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto
exarado «parecer» suscitando a questão da extemporaneidade do recurso interposto
pelo ora reclamante, por isso que, no seu entendimento, a falta da assinatura
num despacho – falta essa posteriormente rectificada – constituía mera
irregularidade que, não sendo atempadamente arguida, não tinha a virtualidade de
interromper o prazo de interposição do recurso, era plausível que um tal
posicionamento viesse a ser seguido no proferendo aresto.
Ora, tendo esse «parecer» sido notificado ao então
recorrente, e ponderada a assinalada ponderabilidade, impunha-se-lhe o ónus de,
antes de ser proferido o acórdão, suscitar a questão da enfermidade
constitucional das normas alcançadas pela interpretação dada aos cabidos
preceitos adjectivos tal como fora defendida pelo mencionado Representante, a
fim de, naquele elaborando aresto, ser o Tribunal da Relação do Porto
confrontado com uma tal questão.
Acontece que, o não fez, não obstante dispor de oportunidade
processual para tanto, pelo que o aludido tribunal de 2ª instância, no acórdão
de 19 de Abril de 2004, se não viu confrontado com a referida questão.
Contrariamente àquilo que é agora sustentado na reclamação
sub iudicio, não era, de todo, imprevisível que a decisão a tomar pelo Tribunal
da Relação do Porto não fosse do jaez da que foi tomada.
Não se trata, assim, de qualquer efeito cominatório da não
resposta ao «parecer» do Ministério Público com incidência na decisão a tomar
pelo tribunal da ordem dos tribunais judiciais. Antes, o que está em causa é a
observância do requisito da suscitação atempada e de modo processualmente
adequado a que se reporta o nº 2 do artº 72º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
sendo certo que, como tem sido sublinhado por várias vezes por este órgão
jurisdicional, não é momento processualmente adequado para efeitos de suscitação
de uma questão de inconstitucionalidade a respectiva efectivação em
requerimentos de aclaração, arguição de nulidade, ou pedidos de reforma se,
antes do proferimento da decisão que se deseja impugnar perante o Tribunal
Constitucional, já se dispôs de oportunidade processual para tanto.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o
impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta, sem prejuízo de, não havendo pagamento voluntário, se atentar
no benefício de apoio judiciário de que aquele desfruta.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício