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Processo n.º 792/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
“1. Revelam os autos o seguinte, com interesse para a decisão a proferir, nos
termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
a) A. e B., arguidos no processo principal, reclamaram para o Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça do despacho que não admitiu recurso que interpuseram
do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, confirmativo da decisão de
primeira instância que os condenara, respectivamente, nas penas de 3 anos e de 7
meses de prisão, suspensas na sua execução. Além do mais, alegaram que a alínea
f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que
não é admissível recurso, é inconstitucional, por violação dos artigos 20.º,
n.ºs 4 e 5 e 32.º, n.º 1, da Constituição.
b) Por despacho de 9 de Junho de 2006, o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça indeferiu a reclamação, confirmando o despacho de não admissão do
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
c) Os recorrentes foram notificados deste despacho, por carta registada de 16 de
Junho de 2006.
d) Por requerimento de 28 de Junho de 2006, os recorrentes reclamaram deste
despacho para a conferência.
e) Por despacho de 5 de Julho de 2006, o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça não admitiu a reclamação.
f) Os recorrentes foram notificados deste despacho por carta registada de 6 de
Julho de 2006.
g) Por requerimento de 19 de Julho de 2006, os recorrentes reclamaram deste
despacho para a conferência.
h) Por despacho de 21 de Julho de 2006, o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça decidiu:
“A. e B., notificados do despacho de fls. 191 que não admitiu a reclamação para
a conferência da nossa decisão de fls. 167 e ss., vieram dele novamente reclamar
para a conferência.
Ora, além da questão já ter sido decidida, o requerimento agora apresentado é
impertinente depois do que se disse no despacho de fls. 191.
Nestes termos, não se toma conhecimento do pedido formulado a fls. 193 e ss. que
mais não é do que um procedimento perfeitamente anómalo.”
i) Por requerimento de 24 de Julho de 2006, os recorrentes reclamaram deste
ultimo despacho para a conferência.
j) Por requerimento de 5 de Setembro de 2006, os recorrentes interpuseram
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC, do despacho de 21 de Julho de 2006 [despacho de fls. 216,
referido na alínea h)], apresentando desde logo alegações.
k) O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu despacho do seguinte
teor:
“Admite-se o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, através do
requerimento de fls. 226 e ss., nos termos do disposto nos art.ºs 70.º, n.º 1,
alínea b), e 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 2, 75.º, 75.º-A, 76.º e 78.º, n.º 4, todos
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, actual redacção, para apreciação da
inconstitucionalidade do artº 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na interpretação
normativa que lhe foi dada na decisão de fls. 167 e ss,, que indeferiu a
reclamação.
Notifique.”
2. Não estando o Tribunal vinculado pelo despacho que o admitiu (artigo 76.º,
n.º 3, da LTC), entende-se não dever conhecer-se do objecto do recurso, pelo
seguinte:
A) O recurso foi interposto do despacho de fls. 216, isto é, do
despacho de 21 de Julho de 2006, referido na antecedente alínea h). Não se trata
de lapso na indicação da decisão recorrida, mas de clara opção processual, como
o teor das alegações que os recorrentes adiantaram inequivocamente revela.
Assim, sendo ao recorrente que incumbe a definição objectiva do recurso, é o
despacho de 21 de Junho de 2006 (que decidiu não tomar conhecimento de
requerimento a reclamar para a conferência de despacho que não admitira
reclamação para conferência do despacho que desatendera a reclamação do despacho
que não admitiu o recurso), e não o despacho de 9 de Junho de 2006, que
indeferiu a reclamação deduzida ao abrigo do artigo 405.º do CPP, que se
considera impugnado perante o Tribunal Constitucional.
Ora, esse despacho nada decidiu que faça apelo à norma da alínea f) do n.º 1 do
artigo 400.º do CPP, o que desde logo – e dispensando de examinar outras razões
– afasta a possibilidade de seguimento do recurso interposto, porque de um tal
recurso é pressuposto que a decisão recorrida tenha feito aplicação da norma
cuja inconstitucionalidade se quer ver apreciada [alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC).
B) Mesmo que se considerasse que a decisão recorrida é o
despacho de fls. 167 e segs., que indeferiu a reclamação do despacho de não
admissão de recurso do acórdão da Relação e que foi notificado aos recorrentes a
16 de Junho de 2006 [alíneas b) e c) supra], então, o recurso seria
manifestamente intempestivo, uma vez que o requerimento de interposição foi
apresentado muito depois de expirado o prazo de 10 dias estabelecido pelo n.º 1
do artigo 75.º da LTC.
3. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não tomar
conhecimento do objecto do recurso e condenar os recorrentes nas custas, fixando
a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de conta.”
2. Os recorrentes reclamaram para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo
78.º-A da LTC, concluindo nos seguintes termos:
“1) Conforme consta de fls., os Reclamantes, não se conformando com o Despacho
de fls., ao abrigo do n° 1 do artigo 78°-A da LTC, interpuseram recurso para o
STJ;
2) E apresentam as alegações que acima se transcreveram para melhor análise
nesta reclamação;
3) Impõe-se a Revogação do Despacho reclamado que não tomou conhecimento do
objecto do recurso, porque de facto a fundamentação de facto constante do
referido Despacho não está correcta no ponto de vista dos Reclamantes;
4) O Recurso foi interposto de todos os Despachos de indeferimento proferidos
por parte do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro do STJ, e não apenas do Despacho de fls.
216;
5) Pela leitura das alegações e conclusões não pode ser analisada a questão
daquela forma;
6) Na fundamentação acima transcrita descrevem-se as vicissitudes de todo o
processo, a forma como se passaram e impugnaram tais decisões, etc.;
7) Deverá Revogar-se o Despacho Reclamado, substituindo-se por um outro que
conheça do objecto do recurso, fazendo-se com isso a respectiva Justiça;
8) Estamos em direito penal, e o direito penal devem-se apreciar todas as
questões postas em crise, e até as que eventualmente as que não possam ter sido
postas em crise, pois o processo penal está todo ele feito na base da legalidade
e não pode de forma alguma condenar-se um arguido da forma como se procedeu
neste processo;
9) É sempre possível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de um Acórdão
proferido na Relação, quando os arguidos foram acusados pelo tipo de crimes, e
condenados como efectivamente o foram, tendo em conta ainda o pedido de
indemnização civil que também foram condenados;
10) 0 Tribunal Constitucional é o único Tribunal, que pode fazer Justiça,
apreciando as questões postas em crise, que não são apenas uma reclamação, mas
todas as reclamações que foram interpostas dos diversos despachos de
indeferimento da reclamação;
11) Não se compreende esta situação, neste caso em concreto, à luz do nosso
direito criminal, e tendo em conta os princípios da legalidade, independência e
justiça social;
12) Cada Tribunal aprecia as questões que lhe são colocadas, e não pode de forma
alguma proceder-se como se procedeu no Despacho reclamado e nos Despachos que
lhe deram causa, ou indeferirem-se as reclamações apresentadas às Instâncias
superiores;
13) Não se conhece até hoje um processo como este;
14) Daí a necessidade de se fazer justiça, admitindo-se a reclamação e
julgando-se o recurso interposto;
15) Caso seja necessário e se assim se entender, se porventura as alegações de
recurso contiverem falhas, imprecisões, etc., requer-se a notificação do
Mandatário dos Reclamantes para no prazo que lhe for fixado, apresentem outras,
tendo em conta tudo o que é necessário apreciar-se neste processo;
16) O que desde já e aqui se requer;
17) O último Despacho reclamado foi enviado por correio registado ao Mandatário
dos arguidos no dia 21/07/2006, e não no dia 16/06/2006 como foi escrito no
Despacho que deu causa a esta reclamação;
18) 0 recurso para este Tribunal foi apresentado atempadamente, dado que no mês
de Agosto foram as férias judiciais, tendo o recurso sido enviado via correio
electrónico para o STJ no dia 4/09/2006, pelas 17:43 horas – vide fls.;
19) Tem o Despacho reclamado de ser Revogado por este motivo.”
O Ministério Público sustenta que a argumentação dos reclamantes em nada
abala os fundamentos da decisão reclamada no que toca à evidente inverificação
dos pressupostos do recurso, pelo que a reclamação deve ser julgada
improcedente.
3. A reclamação é manifestamente improcedente.
A decisão reclamada confirma-se, desde logo e decisivamente, quanto ao seu
fundamento principal: o de que a decisão recorrida é o despacho de 21 de Julho
de 2006 (fls. 216) e não o despacho de 9 de Junho de 2006 (fls. 176) e que
aquele despacho não fez aplicação da norma cuja inconstitucionalidade o
recorrente quer ver apreciada. Basta atentar no claríssimo teor do requerimento
de interposição, referido na alínea j) do n.º 1 da decisão reclamada e que agora
se transcreve:
“Não se conformando com o Despacho de fls. 216
Vêm,
Dele, e nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º
28/82 de 15/11, (LTC), e demais normas legais aplicáveis ao caso concreto,
interpor recurso para o Tribunal Constitucional
E apresentam desde já as seguintes alegações:
Excelentíssimos Senhores Doutores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional
1º
No Despacho recorrido, decidiu-se que: ‘…, notificados do despacho de fls. 191
que não admitiu a reclamação para a conferência da nossa decisão de fls. 167 e
ss., vieram reclamar para a conferência.
Ora, além da questão já ter sido decidida, o requerimento agora apresentado é
impertinente depois do que se disse no despacho de fls. 191.
Nestes termos, e não se toma conhecimento do pedido formulado a fls. 193 e ss.
que mais não é do que um procedimento perfeitamente anómalo’.
2º
Salvo o devido respeito, não estamos de acordo com a deliberação.
3º
Senão vejamos.
(…).”
A circunstância de a questão de constitucionalidade se enxertar em processo
penal não dispensa o interessado de cumprir os ónus que a lei põe a seu cargo,
designadamente, o de definir o objecto do recurso, sendo manifestamente
inaceitáveis as afirmações contidas nas conclusões 8 e 10 a 15 da reclamação.
E é igualmente é exacto o seu fundamento subsidiário. Se tivesse por objecto
a decisão que indeferiu a reclamação, onde houve efectiva aplicação da norma
questionada – como se considerou no despacho de admissão do recurso, despacho
este que não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC) – o
recurso seria intempestivo. Com efeito, o prazo de recurso desse despacho
começou a correr com a respectiva notificação e não sofreu interrupção ou
suspensão com as sucessivas e anómalas reclamações para a conferência. O “dies a
quo” seria, então, determinado pela notificação desse despacho e não pela
notificação da última das decisões que os recorrentes foram provocando. É,
assim, irrelevante o que se diz nos n.ºs 17 e 18 das conclusões da reclamação.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar os reclamantes nas
custas, fixando a taxa de justiça em 20 ( vinte) unidades de conta.
Lisboa, 4 de Dezembro de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício