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Processo nº 216-C/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos autos de recurso, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que são
recorrentes A., B., C. e D. e recorridas a Câmara Municipal de Portimão e E.,
S.A., o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objecto do recurso
interposto, em 29 de Março de 2006, e indeferir reclamação para a conferência,
mediante o Acórdão nº 399/2006.
2. Elaborada a conta de custas nº 611/2006, D. reclamou da mesma, nos termos do
artigo 60º do Código das Custas Judiciais, com os seguintes fundamentos:
«1. Em 30.03.1998. A. interpôs recurso contencioso de anulação de uma
deliberação da Câmara Municipal de Portimão, de 11.06.1996. que aprovou a
localização do Aterro Sanitário do Barlavento Algarvio no prédio de que aquele
era comproprietário. Este recurso contencioso correu os seus termos na 1ª Secção
do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, sob o processo n° 288/98, e foi
este processo que subiu a este Venerando Tribunal Constitucional.
2. Em 22.06.1999, os restantes comproprietários (B., C. e D.) vieram requerer a
sua intervenção principal espontânea no recurso contencioso de anulação supra
referido.
Por Despacho de 02.12.1999 foi admitida a intervenção principal espontânea dos
restantes comproprietários e constituído um litisconsórcio unitário activo
superveniente por “o recorrente e os requerentes da intervenção (fls. 99)
s[erem] contitulares de um interesse único, subjectivamente indivisível, a fazer
valer através do presente recurso (não implicando, pois, qualquer modificação
objectiva da instância” – cfr. Despacho proferido em 02.12.1999, a fls. 142 dos
autos a que se refere o processo nº 288/98, o destaque é nosso.
Assim, a parte processual activa é composta por quatro litisconsortes que
pretendem salvaguardar um interesse único e subjectivamente indivisível. Deste
modo, não existe autonomia entre os sujeitos processuais activos, constituindo,
todos eles apenas uma parte processual activa.
3. Foi essa parte processual (composta pelos quatro litisconsortes) que
suscitou, perante este Venerando Tribunal, a questão da inconstitucionalidade do
art. 25º da LPTA, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão recorrido
(Acórdão do STA, de 17.06.2003, proferido no recurso n° 262/03). O Interesse
processual neste recurso de constitucionalidade reporta-se a parte processual
que integra os quatro (litisconsortes e não especificamente a cada um desses
litisconsortes.
4. Por Decisão Sumária proferida em 29.03.2006, este Venerando Tribunal decidiu
não conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade, por não ter sido
cumprido o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o
processo, fixando as custas do processo constitucional em 7 UC’s, por conta dos
Recorrentes, ora Reclamantes.
5. Em 24.04.2006, os Recorrentes reclamaram para a Conferência da Decisão
Sumária de referida no número anterior.
6. Em 28.06.2006. foi proferido o Acórdão nº 399/2006 que conheceu da reclamação
apresentada pelos Recorrentes, tendo a mesma sido indeferida. Nesta decisão,
este Venerando Tribunal fixou as respectivas custas em 20 UCs.
7. Assim, no âmbito deste processo foram proferidas duas decisões (Decisão
Sumária de 29.03.2006 e Acórdão n° 399/2006, de 28.06.2006), em que se
condenaram os ora Reclamantes no pagamento das respectivas custas (7 UC’s e 20
UC’s, respectivamente, num total de 27 UCS a que corresponde a quantia de €
2.403,00).
8. Os Recorrentes foram agora notificados de quatro contas de custas e de quatro
guias de pagamento, dirigidas a cada um (contas n°s. 608 a 611/2006), no valor
de € 2.403,00 cada, o que corresponde ao pagamento de 27 UC’s cada. Deste modo,
a parte recorrente teria de proceder não ao pagamento dos referidos € 2.403,00
(27 UC’s), conforme resulta das Decisões de 29.03.2006 e de 28.06.2006, mas a um
total de 108 UC’s, no valor de € 9.612,00.
Assim, a emissão das quatro guias sub judice, cada uma pelo valor total das
condenações proferidas (27 UCs) implicaria que a fixação das custas a pagar
fosse relativa a cada um dos litisconsortes e não relativa à parte processual.
9. A aceitação do raciocínio que subjaz a emissão destes quatro guias de custas
implicaria que a fixação definitiva das custas relativas a cada uma das decisões
proferidas seria definida pelo número de litisconsortes e não segundo “a
complexidade e a natureza do processo, e relevância dos interesses em causa e a
actividade contumaz do vencido”, conforme preceitua o art 9°. n° 1 do
Decreto-Lei n° 303/98, de 7 de Outubro (regime das custas no Tribunal
Constitucional).
Salvo melhor opinião, a definição das custas pelo número de litisconsortes
afronta os princípios que ordenam o regime geral das custas judiciais,
nomeadamente o princípio de acesso à justiça e o princípio da proporcionalidade,
conforme jurisprudência deste Alto Tribunal (cfr. Acórdão nº 203/2006, de
22.03.2006 cujos fundamentos se suportam em extensa jurisprudência - Acórdãos
n.°s 70/98, 107/98, 136/98, 143/98, 148/98, 166/98. 172/98. 196/98, 280/98.
283/98).
Mais: estando a fixação do valor de custas a pagar dependente do número de
litisconsortes existentes e que constituem apenas uma parte processual, as
contas de custas agora reclamadas violam o disposto no art. 9, nº 1 do
Decreto-Lei no 303/98. De facto, se o valor das custas não fosse definido em
termos unitários e respeitantes unicamente à parte processual mas estivesse
dependente do número de sujeitos processuais que integram a parte, seria este o
principal critério determinador do valor das custas e não o previsto na citada
norma legal.
10. Por outro lado, o próprio CCJ (aplicável por força do art. 3º, n° 2 do
Decreto-Lei n° 303/98) estabelece, no seu art. 13º, n° 3, que: Em caso de
pluralidade activa ou passiva de sujeitos processuais, cada conjunto composto
por mais de um autor, requerente ou recorrente ou mais de um réu, requerido ou
recorrido, é considerado, mesmo quando lhe correspondam posições, oposições ou
articulados distintos, com uma única parte para efeito do disposto nos números
anteriores”.
Assim, independentemente do número de sujeitos processuais que integram a parte
processual (activa ou passiva), para efeitos de pagamento de taxa de justiça
devem considerar-se, segundo o próprio CCJ, como uma única parte. Daqui resulta
que a responsabilidade pelo pagamento das custas fixadas, no montante de 27
UC’s, compete à parte processual constituída pelos Recorrente/Reclamantes,
independentemente do seu número.
11. Nestes termos, porque estas 4 contas e a emissão destas 4 guias violam o que
ficou decidido quanto a custas na referida Decisão Sumária de 29.03.2006 e no
Acórdão n° 399/2006, de 28.06.2006, bem como o regime legal que ficou invocado,
devem as mesmas ser substituídas por uma única conta e guia relativa à parte
processual recorrente/reclamante, no montante em que foi condenada (27 UC’s)».
3. Por despacho da relatora, a reclamação foi indeferida, com os seguintes
fundamentos:
«Pode ler-se no Acórdão nº 181/2004 do Tribunal Constitucional (não publicado),
que “tem constituído jurisprudência deste Tribunal a de que, mesmo nas situações
de pluralidade de recorrentes que não formulam pretensões diferenciadas, as
custas fixadas são devidas por cada um dos interessados, desde que se não trate
de um caso de litisconsórcio necessário”.
Esta “orientação encontra o seu fundamento, designadamente, na circunstância de,
em regra, deverem pagar custas todos e cada um dos que dão causa à actividade
processual, independentemente da autonomia das pretensões deduzidas – ou seja,
em caso de pluralidade de interessados (recorrentes, reclamantes, etc.), cada um
deles, salvo na medida em que intervenham em litisconsórcio necessário, pois
então é a própria pluralidade que é legalmente imposta”.
No presente caso, a secção interpretou a decisão constante da Decisão sumária de
29 de Março de 2006 e do Acórdão nº 399/2006 – “Custas pelos recorrentes,
fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de conta”; “Custas pelos
reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta” – em
função daquela orientação jurisprudencial, pelo que há que desatender à
reclamação apresentada contra a conta de custas nº 611/2006.
A taxa de justiça é devida por cada um dos recorrentes/reclamantes, não
contendendo com esta solução a redacção vigente do artigo 13º do Código das
Custas Judiciais, uma vez que as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº
324/2003, de 27 de Dezembro, “só se aplicam aos processos instaurados após a sua
entrada em vigor” (cf. artigo 14º, nº 1, deste diploma)».
4. Deste despacho vem agora o recorrente reclamar para a conferência, nos termos
e com os fundamentos seguintes:
«2. O Despacho sub judice indeferiu a pretensão dos Reclamantes com fundamento
na orientação Jurisprudencial de que mesmo nas situações de pluralidade de
recorrentes que não formulam pretensões diferenciadas são devidas, por cada um,
as custas que tiverem sido fixadas; acresce que, segundo o mesmo Despacho de
02.10.2006, esta orientação jurisprudencial não é passível de ser afastada pela
redacção vigente do art. 13º do CCJ, por o mesmo não se aplicar ao caso
concreto.
3. Sendo estes fundamentos correlativos, não se verificando um deles não pode a
posição adoptada pelo Despacho sub judice vingar pela positiva. Assim, pretendem
os Reclamantes demonstrar que não deve ser aceite nenhum destes pressupostos,
decaindo a conclusão que deles se retira. Assim, apreciemos a validade de cada
um destes pressupostos, sem prejuízo das considerações que a final são
suscitadas sobre a constitucionalidade da solução material adoptada por este
Despacho e que resulta, em última análise, da antiga redacção do CCJ.
A. A orientação Jurisprudencial adoptada pela Despacho sub judice
4. O fundamento jurídico do Despacho de 02.10.2006 reside na orientação
jurisprudencial que tem vindo a ser defendida, no âmbito da redacção inicial do
CCJ de 1997, e seguindo uma interpretação sistemática e global do mesmo,
nomeadamente por aplicação da doutrina constante do Acórdão n° 181/2004 deste
Venerando Tribunal. Aliás, como é expressamente referido nesse Acórdão
fundamento do Despacho agora reclamado, essa “orientação encontra o seu
fundamento, no facto de deverem pagar custas todos e cada um dos que dão causa a
actividade processual, independentemente da autonomia das pretensões deduzidas”
(cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 181/2004, de 23.03.2004, disponível
em www.tribunalconstitucional.pt).
Por outro lado, o Acórdão n° 181/2004 encontra o seu fundamento no Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 894/98, de 15.12.1998. que se pronunciou sobre o
pagamento de custas em que os Reclamantes foram condenados pelo Acórdão nº
37/98. Contudo, o Acórdão n° 694/98 decidiu de uma reclamação em que se
peticionava o pagamento de custas por apenas três partes processuais (três
recorrentes e respectivos cônjuges) e não por seis partes (como houvera sido
considerado pelas seis contas de custas emitidas que desconsiderou a existência
de um litisconsórcio necessário entre os três recorrentes e os respectivos
cônjuges).
Deste modo, no Acórdão n° 694/98, que posteriormente fundamenta a orientação
adoptada pelo Acórdão n° 181/2004 e perfilhada pelo Despacho sub judice, nunca
foi apreciada a questão das custas serem devidas por cada um dos Recorrentes,
porque essa questão não se colocou e, consequentemente, encontrava-se fora dos
poderes de cognição deste Venerando Tribunal, mas tão-somente decidida, e em
sentido afirmativo, a questão de não serem devidas custas por todos os
Recorrentes mas apenas por grupos de Recorrentes.
5. Daqui não é possível retirar, ainda que a contrario. ou extrapolar no sentido
de se considerar uma responsabilidade cumulativa dos Recorrentes ou Reclamantes
no pagamento de Custas judiciais sempre que não exista um litisconsórcio
necessário. Pelo contrario, face é lei processual existente (e desconsiderando
por agora a redacção vigente do art. 13°, nº 3 do CCJ) a conclusão a retirar
seria a oposta.
6. De facto, o art. 446, n°3, do CPC diz-nos o seguinte:
“3 – Tendo ficado vencidos vários autores ou vários réus, respondem pelas Custas
em partes iguais, salvo se houver diferença sensível quanto à participação de
cada um deles na acção, porque nesse caso as custas serão distribuídas segundo a
medida de sua participação” – destaque nosso.
7. Ora, este preceito suporta a divisão das custas em que a parte processual foi
condenada, em termos igualitários e não em termos cumulativos. Aliás, se fosse
outro o entendimento da lei, não faria sentido a excepção a essa igualdade no
pagamento de custas quando existisse “diferença sensível quanto à participação
de cada um deles na acção”.
Em idêntico sentido pronuncia-se a doutrina mais autorizada ainda no âmbito da
redacção inicial do CCJ de 1997:
“Havendo pluralidade de responsáveis pelo pagamento das custas, a regra é a de
conjunção, ou seja, cada um dos vencidos deverá suportar o pagamento de uma
parte do débito comum, e a da especialidade e da solidariedade no caso de
condenação por obrigação solidária, hipótese em que o pagamento integral da
dívida de custas poderá ser exigido a qualquer dos vencidos (...) Sendo conjunta
a responsabilidade pelo pagamento de custas, funcionam os princípios da
igualdade e da proporcionalidade, isto é, se tiver sido igual a participação de
cada vencido no processo, as custas serão por ele distribuídas em partes iguais”
(Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 4ª edição,
2001, comentário ao art. 1º, págs. 41 e 42 – destaque nosso).
Assim, a possibilidade excepcional do pagamento integral das custas ser exigido
a qualquer dos vencidos obsta à perspectiva do pagamento cumulativo das custas
em cuja condenação os vencidos incorrem na qualidade de parte processual.
Deste modo, para além de ser este o regime que vigorava quanto à questão que nos
ocupa, fica a constatação de que não se verifica in casu o pressuposto
fundamentante do Despacho reclamado. De facto, ao contrário do que aí se refere
(2º parágrafo da pág. 5) transcrevendo o Acórdão n° 181/2004 (“esta «orientação
encontra o seu fundamento no facto de deverem pagar custas todos e cada um dos
que dão causa à actividade processual, independentemente da autonomia das
pretensões deduzidas», na situação que nos ocupa e que é aqui defendida, todos
os Recorrentes irão efectivamente pagar custas, pois as 27 UC’s em que foram
condenados serão repartidas por todos.
8. Sem prejuízo das considerações preliminares aqui expostas, o art. 13°, n° 3
do CCJ, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 324/2003, de 27 de
Dezembro veio solucionar esta questão, no sentido da defesa dos valores
constitucionais da justiça. da igualdade, da proporcionalidade e do acesso ao
direito e aos tribunais.
B. Da aplicabilidade da actual redacção do art. 13° do CCJ
9. A redacção do art. 13°, n° 3 do CCJ, com as alterações introduzidas pelo
Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro estipula que:
“3 - Em caso de pluralidade activa ou passiva de sujeitos processuais, cada
conjunto composto por mais de um autor, requerente ou recorrente ou mais de um
réu, requerido ou recorrido, é considerado, mesmo quando lhes correspondam
petições, oposições ou articulados distintos, como uma única parte para efeitos
do disposto nos números anteriores [pagamento da taxa de justiça]”.
Daqui resulta que a autonomia dos sujeitos processuais que integram a mesma
parte processual plural não é considerada para efeitos de pagamento das custas
judiciais, cuja responsabilidade de pagamento compete à parte processual e não a
cada um dos sujeitos que a integram, e sempre sem prejuízo de se qualificar essa
responsabilidade como solidária nos termos do art. 13°, n°4 do CCJ.
10. Em sentido contrário, veio o douto Despacho de 02.10.2006 defender e
inaplicabilidade da redacção vigente do art. 13°, nº 3 do CCJ, uma vez que as
alterações vigentes foram introduzidas pelo Decreto-Lei n° 324/2003, de 27 de
Dezembro “só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor”
(cfr. art. 14°, nº 1, desta diploma legal).
Assim, o Despacho sub judice considera que a referência legal “aos processos
instaurados após a sua entrada em vigor” exclui os processos que tenham sido
instaurados anteriormente à entrada em vigor deste diploma, não excepcionando os
recursos a que eventualmente a acção esteja sujeita.
Deste modo, seguindo a orientação jurisprudencial perfilhada pelo Despacho sub
judice, e a que, segundo o mesmo, não se opõe o actual art. 13°, nº 3 do CCJ,
por ser inaplicável ao caso concreto, o pagamento da totalidade das custas
fixadas (27 UCS) pende sobre cada um dos sujeitos processuais, num total de 108
UC’s.
11. Daqui resulta que a aplicabilidade da actual redacção do art.. 13°, nº 3, do
CCJ depende da interpretação que se realize sobre a expressão legal “aos
processos instaurados após a sua entrada em vigor”. Ora, o Despacho de que agora
se reclama desconsidera, para efeitos de interpretação deste preceito, as
mutabilidades a que o devir processual sujeitou este caso concreto.
Não duvidamos que a referida expressão legal tende a excluir a aplicação das
alterações que o Decreto-Lei n° 324/2003 veio a produzir a todos os processos
que se encontrem pendentes.
Mas se por um lado, o art. 14°, n° 1 do Decreto-Lei n° 324/2003 não pretende
aplicar-se exclusivamente. nem teve em especial consideração, as alterações que
o mesmo introduziu no art. 13º do CCJ, resultando da necessidade global de não
perturbar a situação processual relativa a custas dos processos então pendentes,
por outro lado a expressão “processos instaurados” afecta exclusivamente as
fases processuais em que se litigue sobre o mérito da causa, sobre a matéria que
subjaz o litígio.
Ora, na situação presente pronunciamo-nos sobre custas judiciais aplicadas no
âmbito de um processo de fiscalização concreta da constitucionalidade e não
sobre o mérito da causa principal ou sequer sobre a condenação em custas no
âmbito de um processo em que se discuta, ou seja passível de discussão, o mérito
da causa.
12. Salvo o devido respeito, o Despacho sub judice não considera, para os
devidos efeitos, a autonomia do processo constitucional, em especial os limites
cognitivos inerentes ao processo de fiscalização concreta da
constitucionalidade.
De facto, neste processo concreto como em qualquer outro processo de
fiscalização concreta estamos perante um recurso de uma decisão jurisdicional, e
por isso prima facie perante o curso processual de uma mesma acção, à qual ainda
se pode entender que não seriam aplicáveis as alterações introduzidas pelo
Decreto-Lei n° 324/2003.
Contudo, o processo de fiscalização concreta encontra-se limitado, ao contrário
de outros recursos jurisdicionais a que a acção pode ser sujeita, quanto ao seu
objecto de apreciação: no recurso de constitucionalidade apenas se discute a
constitucionalidade de uma norma jurídica, não existindo a possibilidade de
alterar a apreciação quanto ao mérito da causa ou deste Venerando Tribunal se
pronunciar sobre a matéria em litígio.
13. Na verdade, no entendimento da lei constitucional relativa à garantia da
Constituição e da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, o recurso de
constitucionalidade é um recurso sobre normas. O objecto do recurso de
constitucionalidade não depende da matéria da causa litigiosa, nem sobre ela se
pode pronunciar, nem por conseguinte a pode afectar de forma directa ou
imediata.
Por isso, a desconsideração da matéria da causa não só resulta de um critério de
desnecessidade de ponderação da causa (o litígio deixa de ser sobre a causa e
passa a ser sobre uma determinada interpretação jurídica de uma qualquer norma,
limitada na sua apreciação pela confronto com o bloco constitucional), como de
um imperativo legal e constitucional que reserva o recurso de
constitucionalidade à apreciação de normas.
14. Sendo unanimemente reconhecida, pela doutrina e jurisprudência, esta vocação
e limitação do recurso de constitucionalidade, não se pode, por outro lado,
omitir estas considerações perante a qualificação do recurso de
constitucionalidade como um processo autónomo, cuja existência se refere
exclusivamente à apreciação de normas.
O processo constitucional não pode deixar de ser perspectivado como um processo
autónomo, com um fim especifico, um objecto estritamente limitado à apreciação
de normas e sem possibilidade de produzir efeitos materiais directos quanto á
matéria da causa. Não obstante a sua ligação formal/processual a uma decisão
judicial, a mesma não contende com a especialidade e originalidade que lhe é
inerente, por força da lei e do entendimento doutrinal e jurisprudencial a que
tem sido, quotidianamente, sujeito.
15. Assim, esta autonomia processual, exigida pelo princípio da igualdade
constitucionalmente consagrado (cfr. infra ponto n° 27 da presente reclamação),
tem de ser necessariamente considerada na interpretação do art. 14º do
Decreto-Lei nº 324/2003. Deste modo, aquando da interposição do presente recurso
para este Venerando Tribunal. em 26.01.2006. data em que se considera instaurado
o processo constitucional. Já as alterações introduzidas no art. 13°, n° 3, do
CCJ pelo Decreto-Lei n° 324/2003 se encontravam em vigor, sendo nesses termos
plenamente aplicáveis às custas judiciais que, no decurso do mesmo, vieram os
Recorrentes/Reclamantes a ser condenados.
16. Ainda no domínio da aplicabilidade da lei vigente (para o que aqui nos
interessa, a actual redacção do art. 13°, nº 3 do CCJ) quanto à condenação
cumulativa ou não do pagamento de custas, refira-se a própria jurisprudência
deste Venerando Tribunal:
“atender na elaboração das contas de custas à lei vigente à data da prolação da
decisão condenatória, igualmente não se desenhará inconstitucionalidade, uma vez
que é doutrinalmente pacífico dever a condenação em custas ser proferida de
harmonia com a lei vigente a essa data e não à da propositura da acção (...) –
Acórdão do Tribunal Constitucional n° 161/93, de 09.02.1993, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt
Ora, a desaplicação da redacção vigente do art 13º, nº3, do CCJ importa que
condenação em custas no presente processo seja de 108 UC’s e não de 27 UC’s
conforme determinado pela Decisão Sumária de 29.03.2006 e pelo Acórdão n°
399/2006, de 28.06.2006. Em termos concretos, a aplicação do entendimento
constante do Despacho aqui reclamado e outras situações, permitir-se-ia que na
apreciação da constitucionalidade de uma única norma, e caso os litisconsortes
perfizessem o número de 100 (por exemplo, no âmbito de um processo de massa), a
condenação em custas perfaria o montante de 2.700 UC’s !
17. Mas ainda que não se entenda pela aplicabilidade do referido preceito legal,
o que por mero dever de patrocínio se considera, a aplicação da condenação de
custas judiciais em relação a cada um dos sujeitos processuais e não à parte
processual como um todo, além de resultar contraria à ratio das custas
judiciais, viola os princípios da justiça, da igualdade, da proporcionalidade e
o direito de acesso ao direito e aos tribunais. Senão vejamos:
C. Da violação dos princípios constitucionais
18. Não obstante o supra exposto quanto á aplicabilidade da redacção vigente do
art 13º, n° 3, do CCJ ao presente processo, e quanto ao raciocínio falacioso que
decorre da orientação jurisprudencial invocada, pretende-se agora demonstrar
como a norma (ou interpretação normativa) aplicada no Despacho de 02.10.2006. e
o seu fundamento jurídico, afronta diversos princípios constitucionais
estruturantes de que este Alto Tribunal tem sido o principal e último defensor.
19. Contudo, e previamente, a necessária delimitação da ratio subjacente às
custas judiciais. Diz-nos Salvador da Costa:
“O termo custas tem a ver com o conceito do custo ou custeio, com o significado
de preço ou valor de uma coisa ou de despesa necessária à manutenção de um
serviço (...) O conceito de custas em sentido técnico-jurídico significa as
despesas ou encargos judiciais com os processos de natureza cível, criminal,
administrativa ou tributária, isto é, o dispêndio necessário à obtenção em juízo
de declaração de um direito ou da verificação de determinada situação
fáctico-jurídica” – Salvador da Costa. Código das Custas Judiciais Anotado, e
Comentado, 4ª edição, comentário ao art. 1°, pág. 38.
Em idêntico sentido, considerando as custas judiciais como contrapartida do
serviço judiciário:
“A Constituição não impõe que a prestação do serviço de administração da justiça
seja gratuita, sendo conforme à Constituição a exigência do pagamento de uma
prestação pecuniária – a taxa de justiça – como contrapartida daquele serviço –
destaque nosso – Acórdão do Tribunal Constitucional nº 267/00, de 03.06.2000,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt
Daqui se retira que as custas judiciais, não obstante ser “ao Estado que cabe
realizar e reintegração da direito em termos de segurança e certeza” (Salvador
da Costa, Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 4ª edição, comentário
ao art. 1°, pág. 40), referem- se ao custo que as partes devem suportar na
obtenção de uma decisão judicial, custo esse que deriva não apenas do labor
jurisprudencial como de toda a actividade burocrático- administrativa que
compete aos serviços administrativos do mesmo.
20. Deste modo, ao considerar que as custas em que os Recorrentes/Reclamantes
foram condenados, no montante de 27 UC’s, se referem a cada um dos sujeitos
processuais e não à parte processual como um todo, significa obrigatoriamente
considerar que o facto da parte processual ser singular ou plural tem incidência
nos custos decorrentes do labor jurisprudencial e da actividade administrativa
do Tribunal em questão.
Neste sentido. SALVADOR DA COSTA considerando que as custas judiciais constituem
uma relação jurídica decorrente do serviço prestado e respectivo pagamento desse
serviço:
“Trata-se de uma relação jurídica de tipo obrigacional encabeçada pelo Estado –
sujeito activo -, e pelos utentes do serviço de justiça – sujeitos passivos -,
cujo abjecto imediato se consubstancia na vinculação dos sujeitos, e o objecto,
mediato na prestação pecuniária correspondente à dívida de custas, a qual
resulta da lei e da actividade Judicial desenvolvida” (destaque nosso - Salvador
da Costa, Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 4ª edição, comentário
ao art. l, pág. 40),
21. Assim, para ser possível fundamentar a condenação autónoma de cada um dos
sujeitos processuais em custas, por oposição à condenação em custas da parte
processual entendida como um conjunto, tem de se considerar que da pluralidade
de sujeitos resultou, em termos minimamente proporcionais, um acréscimo do
serviço prestado (quer pelo labor jurisprudencial inerente quer pelos serviços
administrativos) e consequentemente um acréscimo do dispêndio relativo a esse
serviço, de modo a alterar os termos iniciais da relação jurídica relativa a
custas.
Ora, no caso concreto dos autos, e só esse está aqui em causa, foi suscitada a
fiscalização concreta da constitucionalidade do art. 25° da LPTA, na
interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão então recorrido (Acórdão do STA, de
17.06.2003, proferido no recurso nº 262/03). Inexistindo especialidades, pedidos
autónomos ou considerações diferenciadas resultantes da actividade processual
dos ora Reclamantes, quer em todo o processo jurisdicional decorrido até então,
quer no processo autónomo de constitucionalidade que foi iniciado junto deste
Venerando Tribunal, inexiste correlativamente qualquer acréscimo do labor
jurisprudencial ou do dispêndio relativo a custos administrativos do processo
resultantes da parte processual ser singular ou plural: os Recorrentes foram
sempre representados pelo subscritor e defenderam sempre as mesmas posições nas
mesmas peças processuais.
22. De facto, tendo sido pedida a apreciação da constitucionalidade do art. 25°
da LPTA, a consideração dos Recorrentes como parte singular ou parte plural é
indiferente para o labor jurisprudencial desenvolvido por este Venerando
Tribunal e por conseguinte para a sua decisão a favor ou contra a
inconstitucionalidade invocada. Por outro lado, a decisão de
inconstitucionalidade que os Recorrentes peticionavam aproveitaria sempre aos
restantes litisconsortes, independentemente da sua posição quanto recurso de
constitucionalidade (bastando por isso que apenas um litisconsorte interpusesse
o competente recurso de constitucionalidade – arts. 72°. n° 1. b) e 80° da LTC).
Do mesmo modo, idêntico raciocínio deve ser aplicado ao serviço desenvolvido
pela secretaria deste Venerando Tribunal e aos seus respectivos custos de
funcionamento.
Aliás, este foi sempre o entendimento adoptado pelo próprio Tribunal: o Despacho
de admissão do recurso de constitucionalidade (Despacho do STA de 06.02.2006). a
douta Decisão Sumária de 29.03.2006 e que condenou os então Recorrentes em 7 UCs
e o Acórdão n° 399/2006, de 28.062006, que decidiu definitivamente sobre o
recurso de constitucionalidade e condenou os então Reclamantes em 20 UCs, sempre
consideraram a parte processual como um todo, não autonomizando os sujeitos
processuais que a integram.
A título meramente exemplificativo, mas suficientemente demonstrativo da
realidade que aqui se invoca note-se que as notificações dos mencionados
Despachos e Decisões nunca foram diferenciados, passando unicamente a existir
uma notificação relativa a cada sujeito processual aquando da notificação das
guias de multa. Apenas no momento de pagamento das custas judiciais se
considerou uma pluralidade de sujeitos/partes que até então não tinha sido
considerada, e bem, por não existirem razões que fundamentassem a sua
consideração, exigindo-se um pagamento diferenciado e autónomo relativo a cada
sujeito processual relativo a um serviço que até então nunca tinha sido, nem
faria sentido que o fosse, prestado de forma diferenciada e/ou autónoma.
23. Deste modo, exigindo-se agora, exclusivamente no momento de proceder ao
pagamento do “serviço prestado”, uma autonomização que nunca fora considerada
bem como uma afectação de pagamentos cumulativos quando nunca existiu uma
cumulação de serviços prestados, resultantes directa ou indirectamente do facto
da parte processual ser plural ou singular, o fundamento jurídico que suporta o
Despacho de 02.10.2006 viola de forma manifesta, os princípios da igualdade, da
proporcionalidade, da justiça, e do acesso ao direito e aos tribunais.
24. De uma diferente perspectiva, ainda que se entenda que a responsabilidade
quanto ao pagamento das custas seja aferida pelo proveito que cada um dos
sujeitos processuais retira ou pudesse vir a retirar da decisão jurisdicional,
nos presentes autos, não existe diferenciação entre os litisconsortes no
beneficio que poderiam retirar da decisão de inconstitucionalidade. Na verdade,
como já se referiu, a posição de todos poderia inclusive ser defendida apenas
por um litisconsorte assumindo-se esse como único recorrente (cfr. arts. 72°, n°
1, b) e 80º da LTC).
25. Noutro âmbito, o da apreciação da conformidade do fundamento jurídico que
sustentou o Despacho de 02.10.2006, entendemos que se encontram materialmente
violados os princípios da proporcionalidade e da justiça que decorrem do
princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2° da Constituição
(CRP) e que constitui um dos princípios estruturantes do acervo constitucional.
Por um lado, ao determinar o pagamento cumulativo de um serviço que não foi
prestado de forma cumulativa, ou seja, obriga ao pagamento das custas em que os
Recorrentes foram condenados, multiplicado pela número de Recorrentes em causa,
sem que por outro lado, o serviço prestado e o labor jurisprudencial necessário
sejam correlativamente multiplicados pelo número de Recorrentes, violando de
forma grave e manifesta a proibição do excesso ínsita no princípio da
proporcionalidade.
Por outro, resulta deste entendimento a manifesta desadequação (numa das
manifestações do princípio da proporcionalidade) do pagamento cumulativo de
custas judiciais por cada um dos sujeitos processuais face à ratio que subjaz a
condenação em custas.
25. Nesse sentido, entre a vasta jurisprudência deste
Venerando Tribunal sobre o tema, salientam-se os seguintes Acórdãos:
1. O princípio da proporcionalidade impõe que exista uma adequação não só
entre o fim da lei e o fim do acto como entre o fim da lei e os meios escolhidos
para alcançar tal fim. A adequação terá ainda de manter-se entre as
circunstâncias de facto que ocasionam o acto [no caso concreto o labor
jurisprudencial exigido, os custos administrativos com o processo e a
necessidade de “civilizar” o recurso ao Tribunal Constitucional] e as medidas
que vierem a ser efectivamente tomadas [a condenação cumulativo em custas]. A
proporcionalidade abrange assim não só a congruência, adequação ou idoneidade do
meio ou medida para realizar o fim que a lei propõe como também a proibição de
excesso” – Acórdão do Tribunal Constitucional nº 414/99, de 29.06.1999,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt
2. “O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode. além disso,
desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os
fins prosseguidos: adequação das medidas aos fins; e necessidade ou
exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa
medida” Como se escreveu no citado Acórdão n.° 634/93, invocando a doutrina:
“O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subpriníipios: principio
de adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem
revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de
outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos) [no caso que aqui rios
importa. o direito a obter uma decisão sobre a constitucionalidade de
determinada norma]; princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de
ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de
outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da
justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se
medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)” –
Acórdão do Tribunal Constitucional nº 200/01) de 09.05.2001 disponível em
www.tribunalconstitucional.pt
No domínio específico da fixação de valores, no caso a fixação de honorários do
advogado, mas apresentado de modo plenamente extensível à fixação de custas
judiciais, salienta-se a seguinte jurisprudência:
3. “Não pondera, ainda, que os índices constantes do artigo 65º, n° 1, do
Estatuto da Ordem dos Advogados, são meramente indicativos e que a sua
concretização é informada por um princípio geral de moderação e
proporcionalidade, decorrente de um princípio de justiça, presente (ou
tendencialmente presente) em todas as relações jurídicas” – destaque nosso -
Acórdão do Tribunal Constitucional n° 421/01 de 03.10.2001, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt
Face à jurisprudência aqui citada apresenta-se como manifestamente
desproporcional e não enquadrável na legitima margem de liberdade de conformação
nem do legislador, nem do julgador, a condenação em custas cuja cumulação
decorre exclusivamente do número de sujeitos processuais e no do respectivo
acréscimo de complexidade da causa, ou do dispêndio de recursos humanos e
materiais. De facto, obrigar os Recorrentes a pagarem cerca de 2.000.000$00 por
um recurso de constitucionalidade no âmbito de um recurso contencioso de
anulação de um acto administrativo (pretendendo-se a reintegração da ordem
jurídica) desrespeita qualquer proporcionalidade ponderável.
26. A aceitação do raciocínio que subjaz o Despacho agora
reclamado implicaria que a fixação definitiva das custas relativas a cada uma
das decisões proferidas seria definida primeiramente pelo número de
litisconsortes e não segundo “a complexidade e a natureza do processo, a
relevância dos interesses em causa e a actividade contumaz do vencido”, conforme
preceitua o art. 9º, n° 1 do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro (regime das
custas no Tribunal Constitucional), numa clara violação da lei dispositiva que
não tem outro propósito senão a defesa dos princípios constitucionais da
proporcionalidade e da igualdade perante todos os que recorrem à defesa
jurisdicional dos seus direitos e interesses.
27. De igual modo, o fundamento jurídico do pagamento
cumulativo de custas contra o qual nos temos vindo a pronunciar viola o
princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP, permitindo a criação de
desigualdades não justificadas.
Essa desigualdade manifesta-se entre os Recorrentes que deduzem pedidos
diferenciados e que desde logo, obrigam o Tribunal a um maior labor
jurisprudencial e os Recorrentes que, como no caso concreto, não diferem nas
suas pretensões materiais, sendo o labor jurisprudencial necessário para a
obtenção de uma decisão jurisdicional indiferente relativamente ao número de
Recorrentes.
28. Neste sentido, a melhor jurisprudência:
1. “Tem de há muito este Tribunal seguido uma jurisprudência impressiva de
harmonia com a qual o principio da igualdade não proíbe o estabelecimento de
distinções vedando, isso sim, a consagração de soluções normativas que, ao se
aplicaram a situações idênticas, conduzam a distinções sem fundamento material
bastante ou seja, que soluções representativas de arbítrio.
Retomando esta mesma ideia, pode ler-se no Acórdão n° 157/88 (in Diário da
República, 2ª Série, de 26 de Junho de 1988) que, para se aferir do alcance do
princípio da igualdade “na sua função ‘negativa’ no principio de
‘controle’(...), que tudo estará em saber se, ao estabelecer a desigualdade de
tratamento em causa, o legislador respeitou os limites à sua liberdade
conformadora ou constitutiva (...), ou seja, se a “desigualdade se revela como
‘discriminatória’ e arbitrária, por desprovida de fundamento racional (ou
fundamento racional bastante), atenta a natureza e a especificidade da situação
e dos efeitos tidos em vista (...) e, bem assim, o conjunto dos valores e fins
constitucionais (isto é, a desigualdade não há-de buscar-se num ‘motivo’
constitucionalmente impróprio – destaque nosso – Acórdão do Tribunal
Constitucional n° 189/00, de 28.03.2000, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt
2. “De acordo com uma jurisprudência constante, o Tribunal Constitucional
circunscreve a aplicação do princípio da igualdade ao controlo de um limite
externo do poder de conformação do legislador, traduzido na proibição do
arbítrio, que se identifica, em geral, com a ausência do fundamento material
bastante para o tratamento diferenciado, existindo, porém, casos em que as
diferenciações são positivamente justificadas segundo critérios objectivos
constitucionalmente relevantes. Também o Tribunal tem entendido que a proibição
do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo que permite censurar
os casos de flagrante e intolerável desigualdade.
Assim, a falta de razoabilidade e de coerência com o sistema decorrentes da
inexistência de justificação material bastante torna inconstitucional, por
violação do princípio de igualdade, qualquer medida legislativa, enquanto que
uma medida criadora de diferenciação tem do ser materialmente justificada” –
destaque nosso – Acórdão do Tribunal Constitucional n° 268/00, de 03.05.2000,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt
Ora, conforme se demonstrou no ponto anterior da presente reclamação, existindo
um tratamento igual de situações materialmente diferentes, o fundamento jurídico
constante do Despacho sub judice viola o princípio da igualdade, por não
discriminar positivamente as diferentes situações e sem que essa não
discriminação se revele com “fundamento racional bastante”.
29. Por outro lado, nos termos supra expostos, a violação do
princípio da igualdade resulta ainda da não consideração do processo
constitucional como um processo autónomo, de forma a afastar a aplicação do
preceituado na redacção vigente do art. 13º, n° 3 do CCJ, quer por tratar
desigualmente os Recorrentes, que não obstante terem iniciado um processo de
fiscalização da constitucionalidade na mesma data. intentaram as respectivas
acções, com a apresentação das respectivas petições em datas diferentes, sendo
que ambos peticionam a este Venerando Tribunal que se pronuncie sobre a
apreciação do mesmo objecto: a inconstitucionalidade de determinada norma
jurídica.
30. Por último, o fundamento jurídico que este Despacho
adopta, no sentido de cumular as custas entre todos os Recorrentes/Reclamantes,
viola o princípio de acesso ao direito e aos tribunais presente no art. 20º, n°
1 da CRP.
De facto, atente-se na jurisprudência deste Venerando Tribunal:
1. “não impõe a Constituição que o serviço de justiça tenha de ser algo que,
ainda que tendencialmente, implique gratuitidade (cfr, por entre outros, o
Acórdão n° 307/90 publicado na 2ª Série do Diário da República de 4 de Março de
1991), pelo que se não afigura como desconforme à Lei Fundamental que quem
solicite a prestação dos serviços de administração de justiça preste uma sua
contrapartida (ponto é, como se torna líquido, que essa contrapartida se não
poste em termos tais que, na prática, venha dificultar acentuadamente o acesso
aos tribunais” – destaque nosso – Acórdão do Tribunal Constitucional nº 188/00,
de 28.03.2000, disponível em www.tribunalconstitucional.pt
Ao permitir que os Recorrentes sejam condenados em custas cumulativas sem que o
número de litigantes justifique essa mesma cumulação, em termos correspondentes
de acréscimo do labor e custos por parte do Tribunal, de modo a que não se
considere que estarmos perante uma contrapartida de administração de justiça,
tende a afastar o cidadão. No caso concreto, a ser previsível o entendimento
relativo à cumulação de custas entre os Recorrentes, afastá-los-ia da
possibilidade de obterem uma composição e protecção jurisdicional dos seus
direitos e interesses juridicamente previstos, sem que existisse ou exista
qualquer fundamento material para tal.
Esta realidade toma-se ainda menos perceptível e assume por isso uma maior
gravidade, quando nos encontramos perante um processo de fiscalização concreta
da constitucionalidade, em que a título principal, importa a defesa da
Constituição e os Recorrentes actuam primeiramente, independentemente de ser
essa ou não a sua perspectiva subjectiva, como defensores da Lei Fundamental.
31. Assim, a interpretação jurídica que permita a cumulação de
custas em processos de fiscalização concreta da constitucionalidade é violadora
dos referidos princípios constitucionais, sem prejuízo sua apreciação prévia
face aos parâmetros supra expostos (crf. Capítulos A. e B. da presente
Reclamação».
II. Fundamentação
1. Pelo despacho que é objecto da presente reclamação decidiu-se que a taxa de
justiça em causa é devida por cada um dos recorrentes/reclamantes, seguindo a
orientação deste Tribunal no sentido de que “mesmo nas situações de pluralidade
de recorrentes que não formulam pretensões diferenciadas, as custas fixadas são
devidas por cada um dos interessados, desde que não se trate de um caso de
litisconsórcio necessário” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 181/2004, não
publicado).
É esta jurisprudência que agora se reitera, não obstante o disposto no artigo
446º, nº 3, do Código de Processo Civil, uma vez que esta disposição legal “diz
respeito à repartição da responsabilidade das custas entre vários autores ou
vários réus vencidos, e não à condenação de cada recorrente, ou de todos, em
custas” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/2005, não publicado).
Por outro lado, o despacho reclamado concluiu que as alterações introduzidas
pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, “só se aplicam aos processos
instaurados após a sua entrada em vigor” (artigo 14º, nº 1, deste diploma), pelo
que não é aplicável ao presente caso o actualmente disposto no artigo 13º, nº 3,
do Código das Custas Judiciais. Neste argumento estava, obviamente, pressuposto
que, não obstante as especificidades do processo constitucional, este faz parte
integrante do processo que dá origem aos autos de recurso tramitados no Tribunal
Constitucional (seguramente neste sentido vai também o Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 198/2005). De resto, nem outro entendimento seria defensável
em sede de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas,
onde a susceptibilidade de repercussão na decisão recorrida do julgamento da
questão de constitucionalidade é até condição do conhecimento do mesmo (neste
sentido, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 366/96 e 463/94, Diário da
República, II Série, de 10 de Maio de 1996 e de 22 de Novembro de 1994, e
687/2004, não publicado. E, ainda, o artigo 80º da LTC).
Não se verificando no caso em apreço uma situação de listisconsórcio necessário
e tendo sido instaurado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 324/2003 o
processo onde se integram os presentes autos de recurso, importa, pois, concluir
que a taxa de justiça em causa é devida por cada um dos recorrentes/reclamantes.
2. Sustenta ainda o reclamante que “a aplicação da condenação de custas
judiciais em relação a cada um dos sujeitos processuais e não à parte processual
como um todo (…) viola os princípios da justiça, da igualdade, da
proporcionalidade e o direito de acesso ao direito e aos tribunais”.
Como então se disse no despacho reclamado, a orientação deste Tribunal, no
sentido de que mesmo nas situações de pluralidade de recorrentes que não
formulam pretensões diferenciadas, as custas fixadas são devidas por cada um dos
interessados, desde que não se trate de um caso de litisconsórcio necessário,
“encontra o seu fundamento, designadamente, na circunstância de, em regra,
deverem pagar custas todos e cada um dos que dão causa à actividade processual,
independentemente da autonomia das pretensões deduzidas – ou seja, em caso de
pluralidade de interessados (recorrentes, reclamantes, etc.), cada um deles,
salvo na medida em que intervenham em litisconsórcio necessário, pois então é a
própria pluralidade que é legalmente imposta” (Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 181/2004 e, no mesmo sentido, o nº 198/2005).
No caso em apreço, o que sucede é precisamente que os vários
recorrentes/reclamantes deram, todos eles, causa à actividade processual
desenvolvida neste Tribunal, devendo sobre eles impender, por conseguinte, a
obrigação de custas (cf., entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs
467/91 e 303/2001 Diário da República, II Série, de 2 de Abril de 1992 e de 14
de Novembro de 2001). O que os coloca em situação equiparável à dos
recorrentes/reclamantes que deduzem pedidos diferenciados, aos quais, para além
do mais, não tem de corresponder a mesma taxa de justiça, já que os artigos 6º e
7º do Regime de Custas no Tribunal Constitucional não prevêem qualquer taxa
fixa, mas sim um mínimo e um máximo de unidades de conta dentro dos quais é
fixada a taxa de justiça em função da concreta actividade processual
desenvolvida.
Por outro lado, como não existe um princípio constitucional de gratuitidade no
acesso à justiça, o legislador e o julgador gozam de grande liberdade na fixação
do montante das custas – o segundo dentro dos limites fixados pelo primeiro –,
limitada apenas pela exigência de “a justiça ser realmente acessível à
generalidade dos cidadãos sem terem de recorrer ao sistema de apoio judiciário”.
Daí que as decisões tomadas em matérias de custas – as legislativas e as que
aplicam o legalmente estabelecido – “só haverão de ser taxadas de
constitucionalmente ilegítimas quando inviabilizem ou tornem particularmente
oneroso o acesso aos tribunais para o cidadão médio” (cf. Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 352/91, Diário da República, II Série, de 17 de Dezembro de
1991).
Finalmente, diga-se, ainda, seguindo o que se escreve neste Acórdão de 1991, que
o princípio constitucional da igualdade não opera diacronicamente, não estando o
legislador, “em regra, obrigado a manter as soluções jurídicas que alguma vez
adoptou. Notas típicas da função legislativa são, justamente, entre outras, a
liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade. Por isso, salvo nos casos em que
o legislador tenha que deixar intocados direitos entretanto adquiridos, não está
ele obrigado a manter as soluções consagradas pela lei a cuja revisão procede”.
Não tem pois razão o reclamante quanto à alegada violação dos princípios da
justiça, da igualdade, da proporcionalidade e do direito de acesso ao direito e
aos tribunais.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício