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Processo nº 601/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é
recorrente A. e recorrida a Direcção-Geral de Viação, foi interposto recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1,
alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 23 de Maio de 2006.
2. Em 27 de Julho de 2006 foi proferida decisão sumária, pela qual se entendeu
não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto (artigo 78º-A, nº 1, da
LTC), com os seguintes fundamentos:
“1. Para se poder conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade previsto
na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC necessário é que o recorrente tenha
suscitado, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade normativa
formulada no respectivo requerimento de interposição. E que a tenha suscitado de
modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72º, nº 2,
da LTC). Conforme jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional
«o cumprimento do ónus a que se refere o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional não se basta (…) com a mera afirmação, perante o tribunal
recorrido, de que certa interpretação normativa, não concretizada, é
inconstitucional, pois que tal não traduz a invocação de uma verdadeira questão
de inconstitucionalidade: o preceito vai mais longe, impondo ao recorrente a
delimitação dessa questão, de forma a possibilitar ao tribunal recorrido a sua
cabal compreensão e, portanto, a sua efectiva decisão» (Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 361/2006, não publicado).
Nos presentes autos verifica-se que, durante o processo, a questão de
inconstitucionalidade formulada no requerimento de interposição de recurso para
este Tribunal não foi suscitada de forma adequada, ou seja, dando cumprimento ao
ónus a que se refere o nº 2 do artigo 72º da LTC. Com efeito, a recorrente
limita-se a remeter para a “interpretação” por si defendida, concluindo que “a
adopção de uma dimensão normativa diferente (…) implica concluir que a norma que
se retira dos arts. 8º, 288º, nº 3 e 265º, nº 2 do Código de Processo Civil e
dos arts. 9º e 10º do Código Civil é inconstitucional” (cf. 17ª conclusão da
peça processual indicada pela recorrente); ou, então, a remeter para a “dimensão
normativa adoptada pelo Tribunal a quo”:
«Os artigos 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos arts.
9.° e 10.º do Código Civil, na dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a quo
vedam à Recorrente a possibilidade de regularização da instância quando falta a
personalidade judiciária, situação que é expressamente admitida no caso análogo
previsto no art. 8.° do Código de Processo Civil»;
«Por esses motivos, só resta concluir que a norma contida nos artigos 8.°,
288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e nos arts. 9.° e 10.°
do Código Civil, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é materialmente
inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo
13.º da Constituição, e do principio da tutela jurisdicional efectiva,
consagrado nos artigos 20.° e 268.°, n.° 4 da Constituição da República
Portuguesa»;
«18ª Os artigos 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos
arts. 9.º e 10.º do Código Civil, na dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a
quo, vedam à Recorrente a possibilidade de regularização da instância quanto à
falta de personalidade judiciária, situação que é expressamente admitida no caso
análogo previsto no art. 8.° do Código de Processo Civil»;
«21ª Assim sendo, a norma contida nos artigos 8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2
do Código de Processo Civil e dos arts. 9.° e 10.° do Código Civil, na
interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é materialmente inconstitucional
por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da
Constituição, e do principio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos
artigos 20.° e 268.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa».
Não se verifica, por conseguinte, um dos requisitos do recurso de
constitucionalidade interposto, o que justifica a prolação da presente decisão
(artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
“Quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação
normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente essa
interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a
julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os
respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que
essa norma não pode ser aplicada com tal sentido (…). Não é, deste modo, como
vem reiteradamente decidindo o Tribunal Constitucional, forma idónea e adequada
de suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa a simples invocação
de que seria inconstitucional (…) certa ou certas normas legais na interpretação
que a decisão das instâncias lhes conferiu, não suficientemente definida ou
precisada pelo recorrente (…), cabendo sempre à parte que pretende suscitar
adequadamente uma questão de inconstitucionalidade normativa o ónus de
especificar qual é, no seu entendimento, o concreto sentido com que tal norma ou
normas foram realmente tomadas no caso concreto pela decisão que se pretende
impugnar perante o Tribunal Constitucional (Lopes do Rego “O objecto idóneo dos
recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações
normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, Jurisprudência
Constitucional, 3, 2004, p. 8).
2. Ainda que a recorrente tivesse suscitado de forma adequada a questão agora
formulada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal,
independentemente da questão de saber se a reportou às disposições legais
efectivamente aplicadas pela decisão recorrida, subsistiria sempre uma outra
razão para não conhecer o objecto do recurso interposto – a não aplicação pelo
tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é
questionada.
Com efeito, resulta do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que este não
aplicou norma segundo a qual “não é possível a regularização da instância quando
falte o pressuposto processual personalidade judiciária”, decorrendo antes que
tal é possível “nos casos expressamente previstos na lei”.
Face à não verificação deste requisito do recurso previsto na alínea b) do nº 1
do artigo 70º da LTC, justificar-se-ia sempre, também por esta razão, a prolação
da presente decisão”.
3. Desta decisão vem agora a recorrente reclamar para a conferência, nos termos
do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os fundamentos seguintes:
«I – DO OBJECTO E SENTIDO DA DECISÃO SUMÁRIA
1. Por decisão sumária datada de 27 de Julho de 2006, foi decidido não se tomar
conhecimento do recurso entendendo-se que:
a) A Recorrente não suscitou de modo adequado a questão da inconstitucionalidade
por, alegadamente, não ter efectuada uma “invocação” da norma “suficientemente
definida ou precisada” (cfr. p. 11 da decisão sumária);
b) A norma cuja inconstitucionalidade a Recorrente suscitou não foi aplicada
pelo Tribunal a quo (cfr. p. 12 da decisão sumária).
2. Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que:
a) não foi feita uma correcta interpretação do texto das alegações e conclusões
do recurso de agravo apresentado pela Recorrente;
b) não foi feita uma correcta interpretação do texto do Acórdão da Relação de
Coimbra de 23 de Maio de 2006.
3. Na verdade, a Recorrente entende que a decisão sumária expressou “dúvidas”
sobre a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela Recorrente e
aplicada pelo Tribunal a quo, as quais não tem razão de ser ou “um mínimo de
correspondência” no texto das alegações e conclusões de recurso e no texto do
Acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2006 (cfr. art. 238.° do Código
Civil).
Analisemos em concreto tais documentos.
II - DA ALEGADA FALTA DE SUFICIÊNCIA E DE PRECISÃO NA IDENTIFICAÇÃO DA NORMA
4. A decisão sub judice concluiu que a Recorrente não suscitou “durante o
processo” de “forma adequada” porque invocou a inconstitucionalidade da norma de
forma “não suficientemente definida ou precisada” (cfr. p. 10 e 11 da decisão
sumária de fls... .
5. Salvo o devido respeito, a Recorrente não concorda com tal afirmação
porquanto considerando:
a) o texto das alegações e conclusões de recurso para o Tribunal Relação de
Lisboa;
b) o âmbito e alcance da pronúncia levada a cabo pelo acórdão do Tribunal da
Relação de Coimbra;
não é possível defender uma interpretação de tal documento no sentido de que
existam quaisquer dúvidas quanto ao âmbito da norma cuja inconstitucionalidade é
suscitada;
6. A Recorrente invocou a inconstitucionalidade normativa nas sua alegações e
conclusões de recurso de agravo para Tribunal da Relação de Coimbra nos
seguintes termos dos quais se destacam em sublinhado e negrito as seguintes
expressões:
«
I
OBJECTO DO RECURSO
O presente recurso tem por objecto a Sentença de fls. 171 e segs. a qual veio a
considerar procedente a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária
da Ré, ora Recorrida, ao mesmo tempo que conclui que tal excepção seria
insuprível pela intervenção nos presentes autos do Estado Português.
A Sentença recorrida (...) acabou por concluir que a Direcção-Geral de Viação
não é dotada de personalidade judiciária e que, verificando-se tal excepção
dilatória, não será de suprir ou regularizar a instância com a intervenção nos
presentes autos do Estado Português nos termos que foram requeridos em sede de
resposta à Contestação.
Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que (...), tais premissas ou
conclusões de direito, quanto à falta de personalidade judiciária da Recorrida e
quanto à natureza insuprível da excepção dilatória, enfermam de erro de
julgamento, não tendo sido feita uma correcta interpretação das normas contidas
nos artigos 8.°, 20.° 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil
(CPC) e nos artigos 9.° e 10.° do Código Civil.
Caso assim não se entenda, invoca-se a título subsidiário – por mero dever de
patrocínio e sem conceder – que a Sentença impugnada aplicou norma
inconstitucional.
II
DO ERROR IN IUDICANDO
(...)
Nestes termos, caso se considere que a Recorrida não possui personalidade
judiciária, apenas há que promover a intervenção do Estado português nos termos
e para os efeitos previstos no art 8.° do CPC. aplicável ex vi do artigo 10.º do
Código Civil (o que, aliás, foi oportunamente requerido no momento da resposta à
contestação).
O Tribunal a quo ao ter concluído pela impossibilidade de regularização da
instância, não obstante se ter requerido a intervenção do Estado Português e a,
consequente, ratificação ou repetição do processado, violou o disposto nos arts.
8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°. n.° 2 do Código de Processo Civil e o arts. 9.º e
10.° do Código Civil.
III
DA APLICAÇÃO DE NORMA INCONSTITUCIONAL, A TÍTULO SUBSIDIÁRIO
A interpretação defendida no capítulo anterior é aliás a única que se conforma
com a Constituição.
A adopção de uma dimensão normativa diferente da defendida no capítulo anterior
implica concluir que_a_norma_que se retira dos arts. 8.°. 288.°, n.° 3 e 265.°,
n.° 2 do Código de Processo Civil e dos arts. 9.° e 10.° do Código Civil é
inconstitucional por violar o princípio da igualdade e o princípio da tutela
judicial efectiva.
O princípio da igualdade veda que seja dado aos cidadãos nacionais um tratamento
diferenciado “por motivos subjectivos ou arbitrários”, traduzindo-se “a ideia
geral de proibição de arbítrio” (nesse sentido vide, entre outros, os Acórdãos
do Tribunal Constitucional n.° 462/2003 e 213/93, publicado em
www.tribunalconstitucional.pt).
Os artigos 288°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos arts.
9.º e 10.° do Código Civil, na dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a quo
vedam à Recorrente a possibilidade de regularização da instância quando falta a
personalidade judiciária, situação que é expressamente admitida no caso análogo
previsto no art. 8.° do Código de Processo Civil.
Ora, tal distinção não se encontra materialmente fundada porque não existem
quaisquer motivos que justifiquem que o legislador exclua a possibilidade de
sanação da instância no caso concreto.
Por outro lado, há que ter presente, como se refere no Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto de 26.05.1993 (publicado em www.dgsi.pt, que o “princípio do
favorecimento do processo” ou o princípio “pro actione” é uma manifestação do
princípio jurídico-constitucional do acesso efectivo à justiça e da tutela
jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.° 4 da
Constituição da República Portuguesa, o qual aponta para uma interpretação e
aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao Tribunal.
O principio da promoção do acesso à justiça (também denominado principio pro
actione ou principio do favor do processo) determina que as normas processuais
devem ser interpretadas (e também aplicadas) no sentido da validade ou da
eficácia dos actos processuais praticados pelo tribunal ou pelas partes (de
ambas, demandante e demandado), dos quais dependa o conhecimento do mérito do
pedido formulado (nesse sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de
Oliveira, Código de Processo dos Tribunais Administrativos (anotado), pp. 146 e
147).
O principio da promoção do acesso à justiça “vale ao longo de todo o processo,
para todas as normas processuais relativas à constituição, desenvolvimento e
extinção da instância. Ou seja, o princípio tem em vista o acesso à justiça
final” e “ainda que se trate de normas da lei processual civil convocadas a
título supletivo” (nesse sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de
Oliveira, Código de Processo dos Tribunais Administrativos (anotado), pp. 146 e
147).
Por esses motivos, só resta concluir que a norma contida nos artigos 8.°. 288.°,
n.° 3 e 265.°. n.° 2 do Código de Processo Civil e nos arts. 9.° e 10.º do
Código Civil, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é materialmente
inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo
13.° da Constituição, e do principio da tutela jurisdicional efectiva,
consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.° 4 da Constituição da República
Portuguesa.
O tribunal ad quem deve desaplicar esta norma em sede de fiscalização concreta
nos termos do art. 204.° da Constituição e 70.° n.° 1 al. b) da Lei do Tribunal
Constitucional.
IV
CONCLUSÕES
A TÍTULO PRINCIPAL:
1.ª A Sentença recorrida, tendo como único pressuposto de facto um leitura muito
superficial do que dispõe a Lei Orgânica da Direcção-Geral de Viação, acabou por
concluir que a Recorrida não é dotada de personalidade judiciária e que,
verificando-se tal excepção dilatória, não será de suprir ou regularizar a
instância com a intervenção nos presentes autos do Estado Português.
(…)
16.ª O Tribunal a quo ao ter concluindo pela insupribilidade do pressuposto
invocado e pela impossibilidade de regularização da instância, não obstante se
ter requerido a intervenção do Estado Português e a, consequente, ratificação ou
repetição do processado, violou os arts. 8.°, 288.º, n.° 3 e 265.°. n.° 2 do
Código de Processo Civil e o arts. 9.º e 10.° do Código Civil.
A TÍTULO SUBSIDIÁRIO:
17.ª A interpretação defendida nas conclusões anteriores é aliás a única que se
conforma com a Constituição, na medida em que, a adopção de uma dimensão
normativa diferente implica concluir que a norma que se retira dos arts. 8.°,
288.°. n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos arts. 9.º e 10.°
do Código Civil é inconstitucional por violar o princípio da igualdade e o
principio da tutela Judicial efectiva.
18.ª Os artigos 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos
arts. 9.º e 10.º do Código Civil, na dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a
quo, vedam à Recorrente a possibilidade de regularização da instância quanto à
falta de personalidade judiciária, situação que é expressamente admitida no caso
análogo previsto no art 8.° do Código de Processo Civil.
19ª Tal distinção e a diferença não se encontra materialmente fundada porque não
existem quaisquer motivos que justifiquem que o legislador exclua a
possibilidade de sanação da instância no caso concreto.
20ª O “princípio do favorecimento do processo” ou o princípio “pro actione” é
uma manifestação do princípio jurídico-constitucional do acesso efectivo à
justiça e da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.° e 268.°,
n.° 4 da Constituição da República Portuguesa, a qual aponta para uma
interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer a
tutela de mérito.
21.ª Assim sendo. a norma contida nos artigos 8.º, 288.º, n.° 3 e 265.°, n.° 2
do Código de Processo Civil e dos arts. 9.º e 10.º do Código Civil, na
interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é materialmente inconstitucional
por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da
Constituição, e do principio da tutela Jurisdicional efectiva consagrado nos
artigos 20.º e 268.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa.
22.° O tribunal ad quem deve desaplicar esta norma em sede de fiscalização
concreta nos termos do art. 204. ° da Constituição e 70.° n.° 1 al. b) da Lei do
Tribunal Constitucional.
7. A Recorrente interpôs recurso para o tribunal constitucional em requerimento
que adoptou os seguintes termos literais dos quais se destacam as seguintes
expressões em negrito e sublinhado:
«
A. (...) notificado do acórdão de 23 de Maio de 2006 que considerou improcedente
o recurso e com ele não se podendo conformar, vem, nos termos do artigo 280.°,
número 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e do artigo 70º,
número 1, alínea b), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso do
citado acórdão para o Tribunal Constitucional.
O recurso para o Tribunal Constitucional é interposto com fundamento na
inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°.
n.° 2 do Código de Processo Civil e nos arts. 9.° e 10.° do Código Civil, na
interpretação formulada Pelo Tribunal a quo – segunda a qual não é possível a
regularização da instância quando falte o pressuposto processual personalidade
Judiciária – por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.°
da Constituição da República Portuguesa, e do princípio da tutela jurisdicional
efectiva, consagrado nos artigos 20.° e 268.°, n.° 4 da Constituição da
República Portuguesa, conforme invocado, de modo “funcionalmente adequado”,
perante o Tribunal a quo nas alegações do recurso de agravo para o Tribunal da
Relação de Coimbra (cfr. capitulo II. intitulado “Da aplicação de norma
inconstitucional, a título subsidiário”, das alegações de recurso. páginas 17 a
19, e a 17ª à 22ª conclusões do recurso, páginas 24 e 25. a fls... nos autos).
8. Ora, à luz do que fica transcrito dúvidas não restam que a Recorrente literal
e sistematicamente invocou em sede de recurso os seguintes dois fundamentos
distintos e autónomos de recurso:
a) um primeiro fundamento, invocado a título principal, no qual se imputa ao
Tribunal de primeira instância erro de julgamento (“o error in iundicando”) na
interpretação dos arts. 8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo
Civil e o arts. 9.º e 10.° do Código Civil, por se ter concluído, no caso
concreto, pela “insupribilidade do pressuposto invocado e pela impossibilidade
de regularização da instância, não obstante se ter requerido a intervenção do
Estado Português e a, consequente, ratificação ou repetição do processado”;
b) um segundo fundamento, invocado a título subsidiário (no caso da
improcedência do vicio de violação da lei invocado na alínea anterior), no qual
se imputa ao Tribunal de primeira instância a aplicação de norma
inconstitucional contida nos arts. 8.º, 288.°, n.º 3 e 265.°, n.° 2 do Código de
Processo Civil e o arts. 9.º e 10.º do Código Civil, segundo a qual se “veda” no
caso concreto, “à Recorrente a possibilidade de regularização da instância
quanto à falta de personalidade judiciária” e se requer, em consequência, a sua
“desaplicação em sede de fiscalização concreta nos termos do art. 204.º da
Constituição e 70.° n.° 1 al. b) da Lei do Tribunal Constitucional”.
9. À luz do que fica transcrito, considerando a peça processual no seu conjunto,
a letra e a ordenação sistemática adoptada em tal peça, dúvidas não restam que a
norma cuja constitutitucionalidade é suscitada é a norma que se retira do “arts.
8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e o arts. 9.° e
10.° do Código Civil” através da qual, tendo em causa os circunstancionalismos
concreto em discussão nos referidos autos, se “veda” “à Recorrente a
possibilidade de regularização da instância quanto à falta de personalidade
judiciária” da Recorrida (cfr. 17.ª Conclusão de recurso).
10. À luz do que fica transcrito, considerando a peça processual no seu
conjunto, a letra e a ordenação sistemática adoptada em tal peça, dúvidas não
restam que:
a) Afirmar-se que: “Os artigos 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo
Civil e dos arts. 9.° e 10.º do Código Civil, na dimensão normativa adoptada
pelo Tribunal a quo vedam à Recorrente a possibilidade de regularização da
instância quando falta a personalidade judiciária” (cfr. 17.ª conclusão de
recurso), ou;
b) Afirmar-se que: “inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 8°,
288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e nos arts. 9.° e 10.º
do Código Civil, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo – segunda a qual
não é possível a regularização da instância quando falte o pressuposto
processual personalidade judiciária” (requerimento de recurso);
é exactamente a mesma coisa.
11. Aliás, apenas se poderá afirmar que as expressões utilizadas no requerimento
de recurso, embora contenham na sua letra o sentido veiculado na 17.ª Conclusão
de Recurso, poderão conter um sentido um pouco mais genérico ou mais amplo que a
expressão constante na 17.ª Conclusão de recurso, o que é perfeitamente
irrelevante porquanto, segundo a jurisprudência reiterada deste tribunal,:
a) o objecto do recurso por inconstitucionalidade (isto é, a norma cuja
inconstitucionalidade é discutida) é fixada pela peça processual onde a questão
foi suscitada e não pelo requerimento de recurso que se limita a identificar a
norma por referência à peça processual onde a questão é suscitada (cfr. arts.
70.º, n.° 1, al. b) e 75.°-A , n.° 2 da LOFPTC);
b) sempre haveria lugar a interpretação restritiva do requerimento de recurso em
função do texto das peças processuais para onde se remete nesse requerimento
(designadamente, em função do que consta da 17.ª Conclusão de recurso), ou
ainda;
c) se quaisquer dúvidas ainda subsistissem quanto à norma suscitada no
requerimento de recurso, sempre haveria lugar, a título prévio à prolacção da
decisão sumária, ao despacho de aperfeiçoamento previsto nos n.° 6 a 7 do art.
75-A da LOFPTC, porque a falha, a existir, é do requerimento de interposição de
recurso e não da peça processual (alegações e conclusões de recurso) onde se
suscitou a aplicação de norma inconstitucional.
12. Porém, dúvidas não há que o verbo “vedar” à Recorrente, utilizado nas
alegações e conclusões de recurso, é aqui utilizado no sentido de “impedir o
acesso” à “possibilidade de regularização da instância quanto à falta de
personalidade judiciária” (cfr. Dicionário Universal de Língua Portuguesa, p.
1498) e utilizado no mesmo e exacto sentido da expressão “não é possível a
regularização da instância quando falte o pressuposto processual personalidade
judiciária” utilizada no requerimento de recurso.
13. Na verdade, diga-se:
- que tal norma “vedou” a possibilidade de regularização da instância, ou;
- que tal norma “não possibilitou” a regularização da instância, ou;
- que tal norma “negou” a possibilidade de regularização da instância, ou;
- que tal norma “impossibilitou” a regularização da instância,
quer-se dizer sempre a mesma coisa.
14. Inclusive, tendo presente os concretos fundamentos da decisão sumária
fica-se por saber que dúvidas se suscitam quanto à norma cuja
inconstitucionalidade se suscitou e porque razão a mesma não está
“suficientemente definida ou precisada pelo Recorrente”.
15. A correcta aplicação do dever de fundamentação constitucionalmente
consagrado (cfr. art.205.°, n.° 1 da Constituição) implicaria que se afirmasse
de modo inequívoco e peremptório;
a) o que é que, em concreto, falta em termos de suficiência, precisão e
definição na invocação constante nas alegações do recurso de agravo para o
Tribunal da Relação de Coimbra, mais precisamente o que é que falta no capitulo
II, intitulado “Da aplicação de norma inconstitucional, a título subsidiário”
das alegações de recurso, páginas 17 a 19, e na 17.ª à 22.ª conclusões do
recurso, páginas 24 e 25, a fls... nos autos”, ou;
b) quais as concretas dúvidas, quais as outras normas que poderiam ser
suscitadas com tal texto, qual a polissemia de entendimentos ou os concretos
equívocos que suscitam o texto constante nas alegações e conclusões do recurso
de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra.
16. Tal, porém, não é efectuado na fundamentação adoptada na decisão reclamada,
ficando a Recorrente por saber em que se traduz concretamente essa falta de
definição ou precisão da norma suscitada que vem abstracta, genérica e
conclusivamente alegada através de simples remissões para jurisprudência e
doutrina onde, naturalmente, não é discutido a concreta peça processual onde é
suscitada, no caso sub judice, a inconstitucionalidade normativa.
17. Aliás, o aspecto mais evidente de que a norma cuja inconstitucionalidade foi
suscitada nas alegações e conclusões do recurso de agravo foi “suficientemente
definida ou precisada pelo Recorrente” é que tal questão foi autónoma e
sistematicamente apreciada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
18. Na verdade, lê-se literalmente no Acórdão da Relação de Coimbra o seguinte,
das quais se destacam as seguintes expressões em sublinhado e negrito,:
«
“Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação
(...) Tendo em conta tal regime adjectivo, e analisadas as conclusões, Almeja a
Agravante pronuncia sobre as seguintes questões:
(...)
4.ª Averiguar se certas normas, na interpretação adoptada na decisão impugnada,
padecem de inconstitucionalidade por ofensa aos princípios constitucionais da
Igualdade e da tutela judicial efectiva
(...)
Examinemos, por fim, a 4.ª e última questão.
As normas dos arts. 8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 estão feridas de
inconstitucionalidade material, na interpretação conferida pela decisão
recorrida?
Na sentença impugnada conclui-se, pois pela falta de personalidade judiciária da
Ré e insusceptibilidade de suprimento de tal falta. Tal julgamento, na opinião
da Agavante, viola o princípio da igualdade previsto no art. 13.° e o da tutela
jurisdicional efectiva previsto nos arts. 20.° e 268.°, n.° 4, todos da CRP.
“está materialmente justificada a diferença que obsta à sanação da falta de
personalidade Judiciária da Ré. (...)
Interpretado, pois, o art. 8.º, por forma a excluir da sua previsão a sanação da
falta de personalidade judiciária da Ré. não ocorre qualquer violação do
principio da igualdade consagrado no art. 13.° da CRP.
(...)
A decisão impugnada, na dimensão interpretativa dos normativos citados e
recusando a regularização da Instância, não ofendeu pois, o principio
constitucional da tutela jurisdicional efectiva..
»
19. Portanto, o Tribunal da Relação de Coimbra não teve quaisquer dúvidas quanto
à norma cuja constitucionalidade foi invocada e não se pronunciou sobre a
inconstitucionalidade sobre qualquer outra norma.
20. Dúvidas essas que só agora, não obstante o despacho de admissão do recurso
proferido pelo relator do acórdão de 23 de Maio de 2006, vieram suscitadas pela
decisão sumária ora reclamada.
21. Isto é, para Tribunal da Relação de Coimbra não existe qualquer dúvida que a
norma cuja inconstitucionalidade é suscitada pela Recorrente é aquela que
permitiu ao tribunal de primeira instância, em face do circunstancialismo do
caso concreto, concluir que não é possível (à Recorrente) a regularização da
instância quando falte o pressuposto processual personalidade judiciária”;
22. Assim sendo, tendo o texto das alegações e conclusões da Recorrente cumprido
o finalidade que se imputa a este pressuposto processual específico (“a
invocação processualmente adequada”), isto é, que a questão de
inconstitucionalidade tenha sido de facto e efectivamente apreciada em primeira
instância pelo Tribunal a quo, não se compreende como é possível afirmar que não
se deu pleno cumprimento às exigências formais e substanciais de tal pressuposto
ao nível da “suficiência” na definição e precisão da norma.
III - DA ALEGADA NÃO APLICAÇÃO DA NORMA SUSCITADA
23. Por último, é a próprio decisão sumária, com a argumentação que utiliza, a
reconhecer expressamente que a Recorrente identificou sem quaisquer dúvidas a
norma cuja constitucionallidade questiona, pois, em desespero de causa,
afirma-se que a norma cuja inconstitucionalidade se suscitou não foi sequer
aplicada pelo Tribunal “a quo”.
24. Segundo a decisão sumária “resulta do acórdão do tribunal da relação de
Coimbra que este não aplicou norma segunda a qual “não é possível a
regularização da instância quando falte o pressuposto processual personalidade
judiciária”, decorrente antes que tal é possível “nos casos expressamente
previstos na lei” (cfr. p. 12 da decisão sumária).
25. Salvo devido respeito, tal interpretação contende expressamente com uma
correcta interpretação literal e sistemática do texto do Acórdão da Relação de
Coimbra.
26. Salvo o devido respeito, resulta da letra do Acórdão da Relação de Coimbra
que tal norma, com os referidos contornos, foi assim aplicada.
27. Leia-se com atenção as seguintes expressões em sublinhado e em negrito do
citado acórdão:
«
Na sentença impugnada conclui-se, pois pela falta de personalidade judiciária da
Ré e insusceptibilidade de suprimento de tal falta. Tal julgamento, na opinião
da Agavante, viola o princípio da igualdade previsto no art. 13.° e o da tutela
jurisdicional efectiva previsto nos arts. 20.° e 268.º, n.° 4, todos da CRP.
“está materialmente justificada a diferença que obsta à sanação da falta de
personalidade judiciária da Ré. (...)
Interpretado, pois, o art. 8.º, por forma a excluir da sua previsão a sanação da
falta de personalidade judiciária da Ré. não ocorre qualquer violação do
principio da igualdade consagrado no art. 13. °da CRP.
(...)
A decisão impugnada, na dimensão interpretativa dos normativos citados e
recusando a regularização da instância. não ofendeu pois, o principio
constitucional da tutela jurisdicional efectiva.
»
28. Portanto, dúvidas não restam que o Tribunal a quo aplicou a norma segundo o
qual, no caso concreto devidamente identificado nos autos, “não é possível a
regularização da instância quando falte o pressupostos processual personalidade
judiciária” e se pronunciou pela sua não inconstitucionalidade por entender que
não se infringe com tal normativo o “principio da igualdade” ou “o principio
constitucional da tutela jurisdicional efectiva”.
29. A tal conclusão não obsta a circunstância de, em sede de fundamentação e no
âmbito do seu discurso argumentivo ter também afirmado que seria admissível a
regularização da instância “nos casos expressamente previstos na lei”,
simplesmente, entendeu-se que o caso dos autos não era um desses casos
“expressamente previstos na lei” para a partir de tal conclusão afirmar que tal
dimensão normativa, atento ao caso concreto em discussão no processo, não seria
inconstitucional».
O reclamante requereu, ainda, nos termos do artigo 535º e 706º do Código de
Processo Civil, que se oficiasse ao «Exmo. Senhor Juiz Relator e [aos] Exmos.
Senhores Juízes adjuntos que participaram na elaboração e votação do Acórdão de
23 de Maio de 2006 do Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido de informarem:
a) Se na elaboração do acórdão e na discussão do acórdão de 23 de Maio de 2006
se apreciou a questão inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 8.°,
288.°, n.° 3 e 265°, n.° 2 do Código de Processo Civil e nos arts. 9° e 10° do
Código Civil, na interpretação (...) segunda a qual não é possível a
regularização da instância quando falte o pressuposto processual personalidade
judiciária”?
b) Se a norma segundo a qual “não é possível a regularização da instância quando
falte o pressupostos processual personalidade judiciária” foi aplicada pelo
Acórdão de 23 de Maio de 2006 do Tribunal da Relação de Coimbra?».
4. Notificada desta reclamação, a recorrida respondeu sustentando o
indeferimento da mesma.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Na decisão sumária agora reclamada entendeu-se que a recorrente não havia
suscitado, durante o processo, de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer (artigo 72º, nº 2, da LTC), a questão de inconstitucionalidade
normativa formulada no requerimento de interposição para este Tribunal.
Com a presente reclamação não são, porém, postas em causa as razões de tal
entendimento, já que as expressões destacadas da peça processual indicada pela
recorrente, já anteriormente analisadas na decisão sumária, permitem concluir, à
semelhança do que sucedeu nesta decisão que:
«a recorrente limita-se a remeter para a “interpretação” por si defendida,
concluindo que “a adopção de uma dimensão normativa diferente (…) implica
concluir que a norma que se retira dos arts. 8º, 288º, nº 3 e 265º, nº 2 do
Código de Processo Civil e dos arts. 9º e 10º do Código Civil é
inconstitucional” (cf. 17ª conclusão da peça processual indicada pela
recorrente); ou, então, a remeter para a “dimensão normativa adoptada pelo
Tribunal a quo”».
Ora, se, por um lado, “enunciar a dimensão que se pretende ver sindicada
consiste sempre na definição, pela positiva, do contexto situacional que, na
perspectiva seguida, tornará a sua aplicação inconstitucional e não, conforme
facilmente se concederá, na indicação da única interpretação tida por
constitucionalmente possível, para assim excluir todas as demais” (Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 509/06, não publicado); por outro, quando “se suscita
a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas)
normas jurídicas, necessário é que se identifique essa interpretação em termos
de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na
decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do direito em
geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um
tal sentido” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 106/99, não publicado).
Justamente porque a questão de inconstitucionalidade não foi suscitada, durante
o processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra consta apenas,
sem identificação da interpretação em causa, em termos de o Tribunal, no caso de
a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os
destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essas
normas não podem ser aplicadas com um tal sentido, que:
«as normas dos arts. 8°, 288°, n.°3 e 265°, n.°2 estão feridas de
inconstitucionalidade material, na interpretação conferida pela decisão
recorrida?
(…) Interpretado, pois, o art. 8°, por forma a excluir da sua previsão a sanação
da falta de personalidade judiciária da Ré, não ocorre qualquer violação do
princípio da igualdade consagrado no art. 13° da CRP.
Mas a interpretação feita dos arts. 288°, n.°3 e 265°, n.°2 fere o princípio
constitucional da tutela jurisdicional efectiva?
(…) A interpretação feita de tais normativos não belisca minimamente todo o
complexo de direitos e aspectos que tal princípio fundamental envolve.
(…) A decisão impugnada, na dimensão interpretativa dos normativos citados e
recusando a regularização da instância, não ofendeu, pois, o princípio
constitucional da tutela jurisdicional efectiva» (itálico aditado).
Importa, assim, reiterar que a recorrente, ao não identificar, durante o
processo, a interpretação das normas cuja constitucionalidade pretendia
questionar não cumpriu o ónus da suscitação prévia, de forma adequada, da
questão de inconstitucionalidade normativa que, depois, formulou no requerimento
de interposição de recurso para este Tribunal. Com efeito, nesta peça processual
já é de admitir que a recorrente tenha identificado a interpretação normativa em
causa. Diferentemente do que sucedeu, durante o processo, a recorrente requereu
a apreciação da inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 8º, 288º, nº
3, e 265º, nº 2, do Código de Processo Civil e nos artigos 9º e 10º do Código
Civil, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo – segundo a qual não é
possível a regularização da instância quando falte o pressuposto processual
personalidade judiciária.
2. Na decisão reclamada entendeu-se, ainda, que o Tribunal da Relação de Coimbra
não aplicou, como ratio decidendi, norma contida nos artigos 8º, 288º, nº 3, e
265º, nº 2, do Código de Processo Civil e nos artigos 9º e 10º do Código Civil,
na interpretação formulada pelo Tribunal a quo – segundo a qual não é possível a
regularização da instância quando falte o pressuposto processual personalidade
judiciária.
Com efeito, esta formulação genérica não se pode extrair do texto do acórdão
recorrido, de onde resulta que há casos em que é possível tal regularização,
pelo que jamais poderia ser enunciada tal formulação numa eventual decisão que
declarasse a norma inconstitucional. Por outro lado, as passagens que a ora
reclamante destaca da decisão recorrida são apenas significativas do resultado
de determinada interpretação do artigo 8º do Código de Processo Civil – a não
sanação da falta de personalidade judiciária da Ré –, não chegando a ser
precisada tal interpretação. São significativas da decisão em si e não da norma
que a suporta.
3. Por manifesta falta de fundamento legal, nomeadamente à luz do disposto nos
artigos 535º e 706º do Código de Processo Civil, as “diligências de prova”
requeridas a fl. 312 dos presentes autos são de indeferir.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Indeferir as diligências de prova requeridas;
b) Indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão
reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 14 de Novembro de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício