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Processo n.º 623/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. foi condenado, por acórdão de 28 de Novembro de 2005
(fls. 222-233) do Tribunal da Relação de Guimarães, pela prática de um crime
previsto e punido pelo n.º 2 do artigo 30.º da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro
(LBGC), por exercício de caça em zona de caça à qual não tinha legalmente
acesso, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €10. Arguiu nulidades do
acórdão condenatório, que foram indeferidas por acórdão de 6 de Fevereiro de
2006 (fls. 257-258). Interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que
não foi admitido (despacho de fls 275). Reclamou da não admissão do recurso para
o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. A reclamação foi indeferida por
despacho de 18 de Maio de 2006 (fls 349-351).
Por requerimento de 1 de Junho de 2006, o recorrente interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional, que não foi admitido, por despacho de 7 de Junho de
2006, no entendimento de que “tendo o arguido optado pela via ordinária e
deixando, por isso de interpor recurso do acórdão [da ]Relação para o Tribunal
Constitucional, não pode agora fazê-lo, por já não estar em tempo”.
2. O recorrente reclamou deste despacho, ao abrigo do n.º 4 do
artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), com fundamento em que:
“(…) quer se entenda que o arguido renunciou ao recurso da inconstitucionalidade
suscitada perante o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no, já
aludido, art.º 70.º, n.º 4 da LTC,
quer se entenda que o poder jurisdicional se esgotou na data da notificação do
despacho de indeferimento da aludida reclamação, ou seja em 22 der Maio,
quer, ainda, se entenda que não deve relevar a evocada renúncia, sempre
haveríamos de considerar que o arguido ainda estava dentro do prazo para
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, em virtude de a decisão de
indeferimento da reclamação do Supremo Tribunal de Justiça só haver transitado
em Julgado em 06 de Junho do corrente.”
3. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido
de que o recurso é tempestivo, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º da LTC, uma
vez que foi interposto nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado da decisão
da reclamação da decisão que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça. Mas pronunciou-se no sentido do indeferimento da presente reclamação,
com os seguintes fundamentos:
“A presente reclamação carece de fundamento. Assim – e partindo do pressuposto
de que a decisão que se pretendia impugnar era efectivamente o acórdão proferido
pela Relação sobre o mérito da causa ( no momento em que se mostravam
inelutavelmente exauridos os “recursos ordinários possíveis”, em consequência da
rejeição da reclamação apresentada ao Presidente do STJ) – verifica-se que:
- tal acórdão não aplicou obviamente a norma constante do art.º 400.º do CPP (a
qual foi naturalmente aplicada por outra decisão, a proferida no procedimento de
reclamação);
- é perfeitamente descabida a invocação do tipo acusatório previsto na alínea i)
do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82.
Relativamente às questões de inconstitucionalidade e de ilegalidade
“qualificada”, colocadas pelo recorrente nas alíneas A), B) e C) do seu
requerimento de fls. 284 e segs., é patente que – ao contrário do sustentado – o
recorrente não suscitou – em termos processualmente adequados e no momento
processual próprio (o da apresentação da contramotivação do recurso interposto
pelo MºPº da decisão absolutória e da resposta ao “visto” exarado pelo
representante do MºPº junto da Relação) qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, susceptível de servir de base ao recurso
ulteriormente interposto para este Tribunal Constitucional (cfr. fls. 184/192 e
215/216). Por outro lado – e não constituindo obviamente o acórdão da Relação de
Guimarães, que julgou procedente o recurso do MºPº da decisão absolutória,
proferida na 1ª instância, uma “decisão-surpresa”, de conteúdo insólito ou
imprevisível face à argumentação expendida pelo M.ºP.ª/recorrente – é obviamente
intempestiva e irrelevante a suscitação de questões de constitucionalidade
apenas no âmbito da arguição de pretensas nulidades do acórdão da Relação, num
momento em quer estava esgotado o poder jurisdicional daquele Tribunal.
Nestes termos, somos de parecer que a presente reclamação deverá improceder,
embora por fundamento diverso do apontado na decisão reclamada.”
Ouvido, o recorrente sustenta que este parecer não deve ser
acolhido, argumentando que as questões suscitadas pelo Ministério Público
extravasam o objecto da presente reclamação.
4. Relevam para decisão da reclamação os factos e ocorrências processuais
seguintes:
a) O recorrente foi acusado pelo M.º P.º no Tribunal Judicial da Comarca
de Esposende pela prática de “um crime de exercício ilegal de caça, p. e p.
pelas disposições conjugadas dos artºs. 30.º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 173/99, de
21/09, e 52.º, n.º 2, do DL n.º 227-B/2000, de 15/09, na redacção do DL n.º
338/2001, de 26/12”.
b) Foi absolvido, por sentença de 27 de Abril de 2005;
c) O M.º P.º interpôs recurso desta sentença;
d) Na resposta à motivação do recurso do M.ºP.º, o recorrente concluiu,
além do mais:
“1. A conduta do arguido, que se provou em sede de audiência e julgamento, não é
subsumível a quaisquer normas da natureza criminal prevista na Lei de Bases
Gerais da Caça
2. As normas invocadas pelo representante do Ministério Público, e que
sustentaram a acusação, já se encontravam revogadas, à data da acusação, pelo
Dec.-Lei n.º 202/2004, de 18/08.
3. A serem interpretadas as normas (revogadas) da acusação, não sentido que lhe
é conferido pelo Ministério Público, então teria de se concluir que face à
despenalização da conduta operada pelo legislador ordinário, estava extinta a
responsabilidade penal do arguido”.
e) Por acórdão de 28 de Novembro de 2005, o Tribunal da Relação de
Guimarães concedeu provimento a recurso interposto pelo MºPº e condenou o
recorrente pela prática de um crime previsto e punido pelo n.º 2 do artigo 30.º
da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro (LBGC), por exercício de caça em zona de
caça à qual não tinha legalmente acesso, na pena de 70 dias de multa à taxa
diária de €10, dizendo no acórdão, além do mais que “conduta do arguido integra
plenamente a previsão do art.º 30.º, n.º 2, parte final, pois exercia a caça
numa zona à qual não tinha legalmente acesso para o efeito e dizendo-se desde já
que é indiferente, em termos de benefício, a consideração do regime regulamentar
aplicável – o do Decreto-Lei n.º 227‑B/00, de 15 de Setembro, então em vigor, ou
o do Decreto-Lei n.º 202/04, de 18 de Agosto –, pois os regulamentos não criam
nem modificam tipos legais e, ao contrário do que parece defender o arguido, nem
aqueles em concreto o fazem”.
f) O reclamante arguiu nulidades deste acórdão, sustentando além do
mais:
“II — Da inconstitucionalidade da interpretação da norma prevista no n.° 2 do
art. 30 da Lei de Bases Gerais da Caça.
O acórdão ora posto em crise não acolheu a interpretação dada pelo Tribunal de
1.ª instância às normas previstas no n.° 2 do art. 30.° da LBGC.
Ao invés, considerou que «...a Mm.a Juíza cometeu diversas contradições … que
traduzem patentes erros de julgamento de facto e de direito e que poderiam
motivar a anulação do julgamentos.» (o sublinhado é nosso).
Contudo, em momento alguns no acórdão se vê em que ponto da interpretação dada à
norma pela Meritíssima Juíza se evidência o alegado erro de julgamento de
direito.
Ora, temos para nós que a interpretação dada as normas previstas no n.° 2 do
art. 30.° da LBGC, pelo Tribunal de 1.ª instância, é uma interpretação conforme
a Constituição.
Tanto mais que a decisão de 1ª instância faz uma concisa análise dos bens
jurídicos que a norma visa proteger, concluindo pela interpretação dessas normas
num determinado sentido.
No entanto, o acórdão agora proferido, além de apenas fazer uma mera referência
telegráfica à interpretação dada à norma pela Meritíssima Juíza, nada refere,
analisa, ou sequer invoca, sobre os bens jurídicos que a norma visa proteger;
Mais, nem indica quaisquer outros bens jurídicos, com dignidade constitucional,
que pudessem prevalecer ou compatibilizar-se com aqueles que a Meritíssima Juíza
convoca.
Decorre, assim, por isso, duas consequências fundamentais para a validade e
justiça da decisão agora proferida: por um lado uma clara omissão de pronúncia,
sobre os fundamentos de direito, que inquina o acórdão de nulidade absoluta, nos
termos do art.º 379.° n.° 1, al. c), aplicado por força do art. 425.° do
C.P.Penal); por outro uma interpretação da norma manifestamente
inconstitucional, por violação do art. 1.º do C.Penal e do n.° 1, do art. 29.°,
da Constituição.
Nestes termos, deve pois ser considerado nulo o acórdão agora proferido e, por
isso, revogado, e em decorrência ser repristinada a decisão proferida em 1.ª
instância.
III - DA INCONSTITUCIONALIDADE E DA ILEGALIDADE DA NORMA DO ART. 52°, n.° 2, DO,
AGORA, DECRETO-LEI N.° 201/2005, DE 24/11.
Invocou, também, o arguido na sua contestação à acusação do Ministério Público,
a inconstitucionalidade e a ilegalidade da norma do art.° 52.º, n.° 2 do,
Decreto que regulamenta a LBGC, na interpretação que lhe foi dada na acusação
pública.
Porém, o acórdão agora em causa nada apreciou sobre a inconstitucionalidade e
ilegalidade do art.° 52.°, n.° 2, pois é evidente que, quanto a estes vícios da
norma, nada aí se refere.
Contudo, o mesmo acórdão não deixa de referir que « A Mm.ª Juíza …concluiu
erradamente que às zonas de caça municipais a lei não impõe a necessidade de
consentimento...» retomando aqui, claramente, o argumento do Representante do
Ministério Público, segundo o qual haveria que se verificar o consentimento da
Entidade gestora para o exercício da caça na ZCM, nos termos do disposto no já
referido art. 52.° do Decreto que regulamenta a LBGC.
Donde, convocada que foi essa norma, para a incriminação da conduta, importava
que o acórdão se pronunciasse sobre a alegada inconstitucionalidade e
ilegalidade suscitada pelo arguido na sua contestação.
Tanto mais que, a decisão de 1.ª instância considerou que o n.° 2 do art.° 52.°,
não tinha que ser convocado para preencher a norma prevista no art.° 30.º n.° 2
da LBGC, nos termos em que o tinha efectuado o Representante do Ministério
Público.
Tendo, ainda, considerado aquele Tribunal, nesta sede, pela razão que antecede,
que aquela norma não era ilegal por violação de lei de valor reforçado,
porquanto, segundo a interpretação da Meritíssima Juíza, a norma não tem
qualquer sanção e não esclarece qual a consequência jurídica em caso de violação
desta.
Ora, sobre isto o acórdão em apreço nada nos diz, antes guarda um ensurdecedor
silêncio, apesar de, sem qualquer pudor, vir convocar o consentimento previsto
nessa mesma norma do Decreto-lei que regulamenta a LBGC, para fundamentar a
criminalização da conduta do arguido.
Nestes termos, também aqui se observa uma clara omissão de pronúncia que inquina
o acórdão de nulidade absoluta, bem como uma interpretação da norma do art.°
52.° n.° 2, do Decreto-Lei que regula a LBGC, manifestamente inconstitucional e
ilegal, por violação dos artigos, 112.°, n.° 3, 165.° nº.1 al. c) e 280° n.° 2
al. d), da Constituição.
g) O que foi indeferido por acórdão de 6 de Fevereiro de 2006.
h) O recorrente, dizendo não se conformar “com o douto acórdão proferido
em 06 de Fevereiro de 2006, onde se indefere a pedido de nulidades do acórdão
proferido em 28 de Novembro de 2005”, interpôs recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça, recurso este que não foi admitido, por despacho de 8 de Março de
2006.
i) O recorrente reclamou deste despacho para o Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, tendo a reclamação sido indeferida por despacho do
Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, do
seguinte teor:
“O arguido A. interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça do acórdão
proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães que indeferiu a arguição de
nulidades imputadas ao acórdão condenatório contra ele proferido.
Por despacho do Ex.mo Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido, nos
termos do art. 400.°, n.° 1, alínea e), do CPP.
Desse despacho reclama o recorrente sustentando, além do mais, que a não
admissão do recurso quando esteja em causa acórdão condenatório proferido pela
Relação, que não confirmou a decisão absolutória proferida em lª instância, onde
houve manifesto erro judiciário e o incumprimento de regras processuais e
procedimentais, viola os arts. 20.°, n.° 4, 32.°, 1, e 205.° da CRP e 6.º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem; termina invocando a
inconstitucionalidade do art. 400.°, n.° 1, alínea e), do CPP.
II. Cumpre apreciar e decidir.
Na hipótese em análise, está em causa um acórdão do Tribunal da Relação que
indeferiu a arguição de nulidades, deduzida pelo ora reclamante.
Tal pedido reporta-se ao acórdão condenatório proferido pela Relação que alterou
a decisão da ia instância, condenando o arguido pela prática do crime p. e p. no
art. 30.º, n.° 2, da Lei de Bases Gerais da Caça, na pena de 70 dias de multa à
taxa diária de € 10,00.
O acórdão de 06.02.2006 da Relação, ora recorrido, conheceu das nulidades
imputadas a acórdão anterior da mesma Relação. E essa nulidade foi correctamente
arguida perante a Relação, atento o disposto no art. 668.°, n.° 3, do CPC,
aplicável ex vi do art. 4º do CPP, porque do acórdão da Relação não podia haver
recurso, nos termos do art. 400.º, n.° 1, alínea e), do CPP, (cf neste sentido o
Acórdão do S.T.J. de 19.01 2005, in CJ, Acórdãos do S.T.J, Ano XIII, Tomo 1, p.
173).
E, respeitando a invocação das nulidades a um acórdão irrecorrível, não passa a
ser recorrível a decisão que as apreciou, porque se trata de um processo por
crime a que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a cinco anos.
Quanto ao direito ao recurso, cabe dizer que o princípio da tutela jurisdicional
efectiva a que alude o art. 20º, n.° 1, da CRP se concretiza através da
instância única, só se impondo o direito ao recurso em processo criminal, nos
termos do n.º 1 do art.° 32° da CRP.
E, mesmo neste caso, segundo o Acórdão do T.C. n.º 209/90, de 19-06-90, BMJ,
398, p. l52, “...o princípio constitucional das garantias de defesa apenas impõe
ao legislador que consagre a faculdade de os arguidos recorrerem das sentenças
condenatórias, e bem assim o direito de recorrerem de quaisquer actos judiciais
que, no decurso do processo, tenham como efeito a privação ou restrição da
liberdade ou de quaisquer outros dos seus direitos fundamentais”.
Ora, não é desse tipo a decisão que se pretende seja apreciada por este S.T.J.,
uma vez que se reporta a um problema de nulidades de acórdão.
E também a não admissão do recurso não viola o art. 6° da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, por a questão que o ora reclamante submeteu à apreciação
jurisdicional ter sido objecto de um processo equitativo, que, para o ser, não
impõe a intervenção do tribunal de revista.
Por último, no respeitante à inconstitucionalidade imputada ao art. 400.°, n.°
1, alínea e) do CPP, em que se apoia o despacho reclamado, refere-se que
Tribunal Constitucional já apreciou esta questão, no acórdão n.° 49/2003, de 29
de Janeiro (DR, II Série, de 16.04.2003), concluindo pela não
inconstitucionalidade do art. 400.°, n.° 1, alínea e), do CPP.
Diz-se neste acórdão, na parte que releva, que não desrespeita o n.° 1 do art.
32.°da CRP a norma da alínea e) do n.° 1 do art. 400.° do CPP, quando
interpretada no sentido de não admitir o recurso para o STJ a decisão
condenatória proferida pela Relação em recurso de decisão absolutória da 1ª
instância, por o acórdão da Relação consubstanciar a garantia do duplo grau de
jurisdição, tendo em conta que perante ela o arguido tem a possibilidade de
expor a sua defesa.
III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação. Custas pelo reclamante,
com a taxa de justiça de 3 UC.
Notifique. “
j) O recorrente foi notificado deste despacho por carta registada de 19
de Maio de 2006.
k) Em 1 de Junho de 2006, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, por requerimento do seguinte teor:
“A., recorrente nos autos do processo crime comum identificado em epígrafe, vem
ao abrigo do disposto nas als. b), f) e i), n.° 1, do Art.° 70.°, da Lei do
Tribunal Constitucional — Lei n.° 28/82, de 15/11, com as sucessivas alterações
–, interpor recurso para este Venerando Tribunal, da interpretação de normas, no
sentido acolhido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em sede de decisão
condenatória, que desconsiderou decisão de absolvição em primeira instância
emanada do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, no âmbito do processo n.°
1068/03.3GAEPS, 1.° Juízo.
A interpretação das normas cuja inconstitucionalidade e ilegalidade se pretende
que o Tribunal Constitucional aprecie e declare é as seguintes:
A – A norma contida na al.b) do art. 137.°, do Decreto-Lei n.° 202/2004, de
18/08, que revogou o Decreto-Lei n.° 227-B/220, de 15/09, quando interpretada no
sentido acolhido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, segundo o qual não tem a
virtualidade de descriminalizar a conduta a que se refere o Artigo 30.º, n.º 2,
da Lei n,º 173/99, de 21/09 – Leis de Bases Gerais (LBGC).
Normas violadas: art. 2°, n.° 2, do Código Penal e art. 29°, n.° 4, da
Constituição. B- A norma contida no Artigo 30.°, n.° 2, da Lei n.° 173/99, de
21/09, da LBGC, quando interpretado no sentido, segundo o qual um caçador
arrendatário de terrenos, inseridos em zona de caça municipal, reunindo todos os
requisitos de acesso, não tem legalmente acesso a caçar nessa mesma zona de
caça, sem prévio “consentimento” da Entidade Gestora da respectiva Zona de Caça
Municipal. Normas violadas: art. 17.°, n.° 1, da LBGC, art. 1.º do Código Penal
e art. 29.°, n.° 1, da Constituição.
C - A norma compreendida no artigo 52.°, n.° 2, do Dec. Lei n.° 227- B/2000, de
15-09, com as alterações efectuadas pelo Dec. –Lei n.° 338/2001, de 26-12,
quando interpretado no sentido acolhido no acórdão recorrido, segundo o qual a
violação do consentimento de quem de direito para caçar nas zonas de caça
previsto no artigo 30.°, n.° 2, da Lei n.° 173/99, de 21/09, da LBGC, é
aplicável às zonas de caça municipais.
Normas violadas: art. 17°, n° 1 e art. 30.°, da LBGC, art. 1.º do C. Penal e
art. 29.°, n.° 1, 112.°, n.° 2 e 3, 165.° n.1 al.c), da Constituição.
D – A norma compreendida, na al. e), do art. 400.° do C.P.Penal, quando
interpretada no sentido acolhido pelo do Supremo Tribunal de Justiça, em sede de
reclamação para o seu Juiz Presidente, segundo o qual não é admissível recurso
de acórdãos proferidos, em recurso pelas relações, em processo por crime a que
seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo
em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da
faculdade prevista no art.° 16.°, n.° 3, mesmo nos casos de acórdãos
condenatórios que não confirmem a decisão proferida em 1.º instância, em que
haja reapreciação da prova, e havendo lugar à arguição das nulidades previstas
nos artºs, 379.º e 425.º, n.º 4 do C.P.Penal.
Normas Violadas: Art. 20.°, n.° 4, art. 32.°, n.° 1 e art. 205.° da
Constituição, e art. -6.°, da Convenção Europeia dos Direito do Homem, aplicável
ex vi art. 8.°, n.1 e 2, art. 16.°, n.° 1 e 2, da Constituição.
Invocação de inconstitucionalidade e ilegalidade da interpretação de normas que
foram suscitadas, -nas seguintes peças processuais:
A – em sede de resposta a recurso interposto pelo Ministério Público da decisão
absolutória proferida em primeira instância, e em requerimento de pedido de
nulidade de Acórdão perante o Tribunal da Relação de Guimarães.
B – em requerimento de pedido de nulidade de Acórdão perante o mesmo Tribunal da
Relação de Guimarães.
C – em sede de contestação à acusação pública proferida no Tribunal Judicial de
Esposende, e em requerimento de pedido de nulidade de Acórdão perante o mesmo
Tribunal da Relação de Guimarães.
D – em requerimento de pedido de nulidade de Acórdão perante o Tribunal da
Relação de Guimarães, em sede admissão de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça e em sede de reclamação perante o Juiz Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça.
l) Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho [ ora reclamado]
:
“A fls. 222 e ss. com data de 28-11-05, foi proferido o acórdão correspondente
ao recurso interposto pelo arguido e que lhe foi notificado em 29-11-05.
Desse acórdão, veio o arguido, em 13-12-05, arguir nulidades, as quais foram
conhecidas pelo acórdão de fls. 257 e ss, de 06-02-06, notificado em 07-02-06.
A fls. 262 e ss., o arguido veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, o qual, como se vê de fls. 275, não foi recebido.
Desse não recebimento está interposta reclamação, a correr termos perante o
Venerando Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para onde foi remetida em
15-05-06.
Agora, em 01-06-06, o arguido diz que não se conformando com o douto acórdão
proferido a fls. ..., que o condenou pela prática, de um crime de caça ilegal
p.p. pelo art° 30°, n° 2, da Lei no 173/99, de 21/09 (..) vem interpor recurso
para o Tribunal Constitucional.
Nos termos do artigo 70º da LTC:
1. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos
tribunais:
(…)
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo;
(...)
2. Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de
decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já
haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a
uniformização de jurisprudência.
3. São equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos
tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem
como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.
E nos termos do artigo 75º da mesma Lei:
1. O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional á de 10
dias e interrompe os prazos para a interposição de outros que porventura caibam
da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção.
2. Interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência,
que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo
para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se toma
definitiva a decisão que não admite recurso.
A ratio deste preceito parece facilmente alcançável corno sendo a de dilatar (ou
acrescentar) 10 dias o prazo de interposição de outros recursos quando se
recorra também para o Tribunal Constitucional, pois se compreende o acréscimo
substancial de trabalho nessas circunstâncias e se pretende obviar a que um
sujeito processual fique limitado ao prazo normal nessa situação especial.
Não se trata de efeitos do recurso - que, esses, vêm no art° 78° - nem,
consequentemente, de se dizer que as decisões que não são objecto de recurso
para o Tribunal Constitucional esperam o resultado da decisão desse Tribunal,
pois a esta segue-se o que vem disposto no art° 800, n°s2, 3 e 4 da citada Lei.
Ora, tendo o arguido optado pela via ordinária, e deixando, por isso, de
interpor recurso do acórdão desta Relação para o Tribunal Constitucional, não
pode agora fazê-lo por já não estar em tempo. Por consequência, não recebo o
recurso.
Notifique.”
5. O n.º 2 do artigo 75.º da LTC dispõe que:
“2. Interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de
jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da
decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do
momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso.”
Com esta regra, o legislador preveniu os riscos da incerteza, resultantes da
conjugação do princípio da exaustão dos recursos ordinários com discrepâncias
sobre a admissibilidade de recurso ordinário. Se o recurso ordinário não for
admitido, o recorrente estará sempre a tempo de interpor o recurso de
constitucionalidade, reabrindo-se o prazo para interposição deste a partir do
momento em que se torne definitivo que a decisão não admitia o recurso
ordinário, que se interpôs.
Deste modo, o despacho reclamado não pode ser confirmado pelo
fundamento nele invocado (extemporaneidade de interposição). Com efeito, o
recurso de fls. 283 e segs. (alínea k) do n.º 4) foi seguramente interposto
antes de decorridos 10 dias sobre o trânsito em julgado do indeferimento da
reclamação pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (alínea i) do n.º
4), que considerou inadmissível o recurso ordinário. Estaria em tempo, de acordo
com o n.º 2 do artigo 75.º da LTC.
5. Todavia, no julgamento das reclamações a que se refere o
artigo 77.º da LTC, o Tribunal Constitucional não se limita a examinar o
fundamento de rejeição acolhido pelo despacho reclamado. É entendimento uniforme
que, fazendo a decisão que revogar o despacho de indeferimento caso julgado
quanto à admissibilidade do recurso (n.º 4 do artigo 77.º da LTC), mesmo que o
Tribunal não confirme esse fundamento, a reclamação deve ser indeferida se
qualquer outra razão obstar ao conhecimento do recurso.
Ora, como sustenta o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, outras
razões concorrem para que o requerimento de interposição do recurso devesse ser
indeferido e, portanto, para que a reclamação improceda.
5.1. É manifestamente descabida a invocação da hipótese de recurso prevista na
alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, uma vez que não houve recusa de
aplicação de qualquer norma constante de acto legislativo com fundamento em
convenção internacional ou a sua aplicação em desconformidade com anterior
decisão – que o recorrente não identifica (cfr. n.º 4 do artigo 75.º-A da LTC)
– do Tribunal Constitucional.
5.2. O acórdão recorrido não aplicou qualquer norma extraída da
alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, pelo que é
manifesto que o recurso não pode ser admitido quanto à norma referida na alínea
D) do requerimento de interposição (alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC). A
não admissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça foi definitivamente
decidida pelo despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que
indeferiu a reclamação, decisão esta que no presente recurso não está em causa.
5.3. Constitui pressuposto do recurso previsto nas alíneas b) e
f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a questão de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade por violação de lei com valor reforçado tenha sido suscitada, de
modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo
72.º da LTC).
Ora, independentemente de saber se a Lei n.º 173/99, de 21 de
Setembro é, para este efeito, lei de valor reforçado – questão que teria de
colocar-se relativamente à alínea C) do requerimento de interposição – é seguro
que o recorrente não cumpriu este ónus.
5.3.1. Em primeiro lugar não é exacto que reclamante tenha
suscitado a questão referida na alínea A) na resposta ao recurso interposto pelo
Ministério Público. Nessa peça processual (fls 184 e segs.) o ora reclamante, aí
na posição de recorrido, contrapôs que o Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de
Agosto viera despenalizar a conduta pela qual o Ministério Público o tinha
acusado e pretendia que fosse condenado pela Relação, revogando a sentença
absolutória do tribunal de comarca. Mas limita-se a argumentar, no plano do
direito ordinário, com a sucessão de leis, sustentando que, quer se conclua que
a falta de eventual “autorização” da entidade gestora de Zona de Caça Municipal
pode subsumir-se à contra-ordenação prevista na alínea a), quer à prevista na
alínea b) do n.º 1 do artigo 137.º do Decreto‑Lei n.º 202/2004, a conduta pela
qual foi acusado deixou de constituir crime e a concluir que “nos termos
constitucionais e legais (cfr. n.º4, artigo 29.º da CRP e n.º 2 artigo 2.º do
Código Penal) ter-se-ia de concluir que a responsabilidade penal, se a ela
houvesse lugar, do ora respondente encontrava-se extinta, por força da entrada
em vigor de lei despenalizadora” (fls. 187). A mera invocação do princípio da
aplicação da lei penal modo diverso, não é modo adequado de suscitar qualquer
questão de inconstitucionalidade, em termos de abrir a via de recurso para o
Tribunal Constitucional.
5.3.2. Quanto ao mais, os momentos em que o reclamante diz ter
suscitado as questões que agora quer ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional
não são processualmente idóneos para efeito das disposições conjugadas da alínea
a) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Com efeito, não basta ter colocado a questão “em sede de
contestação à acusação pública” perante o tribunal de 1ª instância para dar por
cumprida essa exigência. Com a nova redacção do n.º 2 do artigo 72.º da LTC,
emergente da Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, consagrou-se o entendimento,
que já antes correspondia a uma das correntes jurisprudenciais, de que, naqueles
casos em que o recorrente tenha suscitado a questão e obtido ganho de causa por
fundamento diverso da inconstitucionalidade, ainda tem o ónus de suscitar a
questão perante o tribunal superior, em caso de recurso interposto pela parte
vencida (cfr. acórdãos n.º 114/2000 e 292/2002,disponíveis em
http://www.tribunalconstitucional.pt).
E, como constitui jurisprudência pacífica, para colocar uma
questão do género daquelas que o recorrente quer ver apreciadas, também não é
processualmente adequada a arguição de nulidade da decisão que fez aplicação das
normas em causa. Com efeito, a aplicação das normas identificadas nas alíneas
A), B) e C) do requerimento de interposição, com o sentido que veio a ser
adoptado pelo acórdão da Relação – sem necessidade de precisar aqui se este
sentido é rigorosamente coincidente com o indicado pelo recorrente, em especial
quanto à alínea B) do requerimento de interposição – , era perfeitamente
previsível face aos termos da causa, designadamente, perante a acusação e o
recurso do Ministério Público. O recorrente dispôs de inequívoca oportunidade
processual de levantar essas questões na contra‑motivação de recurso, para a
hipótese de vir a ser acolhida a pretensão de enquadramento jurídico-penal
proposto pelo Ministério Público, como, no essencial, veio a ser.
6. Decisão
Pelo exposto, embora por razões não coincidentes com as do
despacho reclamado, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu
o recurso.
Custas pelo reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 22 de Setembro de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício