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Processo nº 580/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Inconformado com a decisão proferida em 29 de Novembro de
2005 pelo Governador Civil de Viana do Castelo que, pela infracção ao disposto
no nº 1 do artº 60º e na alínea a) do artº 65º, um e outro do Regulamento de
Sinalização do Trânsito aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1 de
Outubro, lhe impôs a sanção acessória de inibição de conduzir, especialmente
atenuada, pelo período de trinta dias, impugnou tal decisão perante o 2º Juízo
de Competência Criminal do Tribunal de comarca de Viana do Castelo o acoimado
A..
O Juiz daquele Juízo, por decisão de 26 de Abril de 2006,
julgando procedente a impugnação, impôs a mesma sanção acessória, mas
determinando a suspensão da sua execução pelo período de um ano.
Para tanto, no que ora releva, recusou a aplicação, por
inconstitucionalidade orgânica, da “norma do art. 141 do DL 114/94, de 3-5, pelo
DL 44/05, de 23-02”.
Para o que interessa, pode ler-se nessa decisão: –
“(…)
Importa, assim, apreciar da justeza da sanção imposta.
O que referir quanto à sanção acessória de inibição de conduzir estabelece o
art. 138, n.º 1, do Código da Estrada, na redacção anterior à entrada em vigor
do DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, aplicável ao caso:
‘As contra-ordenações graves e muito graves são sancionadas com coima e com
sanção acessória’.
Verificada, pois, a prática da infracção, a aplicação da sanção acessória é
consequência que se impõe, apenas podendo haver lugar à sua atenuação especial
ou suspensa na sua execução.
A atenuação especial da sanção acessória mostra-se regulada pelo art. 140 do
C.E. e quanto a esta importa referir que se afigura, em abstracto, susceptível
de aplicação ao presente caso considerando os seus pressupostos legais e a
factualidade provada. Esta só é susceptível de ser aplicada para as
contra-ordenações muito graves.
Tal suspensão está sujeita à verificação dos pressupostos de que a lei penal
geral faz depender a suspensão da execução da pena (art. 141, n.º 1, do Código
da Estrada) e desde que se encontre paga a coima, sendo que a mesma só é
susceptível de ser aplicada às contra-ordenações graves.
Tais pressupostos assentam na conclusão de que, atendendo à personalidade do
agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior aos factos
e às circunstâncias destes, a simples censura do facto e a ameaça da execução
realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art. 50,
n.º 1, do Código Penal).
(…)
Considerando que se mostram reunidos os pressupostos que à luz da lei anterior
levariam este tribunal a aplicar a suspensão da execução da sanção acessória,
designadamente por o arguido não ter antecedentes estradais, importa analisar a
constitucionalidade da nova redacção dada ao artigo 141, n.º 1, do CE.
A norma em causa foi aditada ao regime inicial do DL 114/94, de 3-5, pelo DL
44/05, de 23-02.
Assim sendo, e tendo em conta o tipo de diploma legal – Decreto-Lei –
verifica-se que a sua proveniência orgânica é o Governo.
Nos termos do art. 165, n.º 1 c) da CRP vigente - Reserva relativa de
competência legislativa - 1- É da exclusiva competência da Assembleia da
República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
(...) d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos
actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo; (...) 2 - As
leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e
a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada. 3- As autorizações
legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua
execução parcelada. 4 - As autorizações caducam com a demissão do Governo a que
tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da
Assembleia da República. 5 - As autorizações concedidas ao Governo na lei do
Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria
fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam.
Tal significa que o Governo, para poder legislar sobre tais matérias, porque da
reserva relativa da AR, tem que se ver munido da respectiva autorização
legislativa e observar a mesma nos seus estritos preceitos e limitações, tais
quais aquelas que genericamente o próprio corpo do artigo da CRP fixa.
Com inobservância dessas regras cai-se no âmbito da inconstitucionalidade
orgânica.
O DL 44/05, de 23-02, surgiu por via da LAL 53/04, de 4.11.
Essa LAL permitia ao Governo criar o corpo do art. 141?
A resposta é negativa.
De facto da referida LAL não consta qualquer referência que permita sustentar a
actuação do Governo a afastar a aplicação da suspensão da sanção acessória de
inibição de conduzir às contra-ordenações muito graves. Daquela resulta, na
parte que interessa ao caso em análise, que:
‘m) A previsão de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção
acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio pagamento da coima e
ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções no período fixado;
n) A consagração do princípio de que a suspensão da execução da sanção acessória
possa ser condicionada, além da prestação de caução de boa conduta, à frequência
de acções de formação ou ao cumprimento de deveres específicos previstos em
legislação própria;’
Verifica-se, deste modo uma violação do objecto.
Padecerá, assim a referida norma de inconstitucionalidade orgânica.
Nos termos do art. 204 da CRP vigente - Apreciação da inconstitucionalidade -
nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que
infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
Face à constatada violação da CRP, por inconstitucionalidade orgânica, de que
padece a norma do art. 141 do DL 114/94, de 3-5, pelo DL 44/05, de 23-02, está o
Tribunal impedido de a aplicar na parte que exclui a sua aplicação às
contra-ordenações muito graves.
(…)”
Da decisão de que parte se encontra extractada interpôs o
Representante do Ministério Público junto daquele juízo recurso para o Tribunal
Constitucional ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15
de Novembro, por seu intermédio pretendendo a apreciação “da norma contida no
art. 141º, nº 1, do Código da Estrada, com a redacção introduzida pelo
Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro”.
Neste órgão de administração de justiça foi, ex vi do nº 6 do
artº 78º-A daquela Lei, formulado convite à entidade recorrente no sentido de
ser concretamente especificada a dimensão normativa do preceito cuja
compatibilidade com a Constituição se intentava fazer apreciar por este
Tribunal.
Na sequência desse convite, o Ex.mo Representante do
Ministério Público junto deste Tribunal veio dizer que: –
“O presente recurso obrigatório, fundado na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da
Lei nº 28/82, tem como objecto a norma constante do artigo 141º, nº 1, do Código
da Estrada, na redacção emergente do Decreto-Lei nº 44/05, de 23 de Fevereiro,
interpretada em termos de impedir a aplicação jurisdicional da suspensão da
sanção acessória de inibição de conduzir às contra-ordenações muito graves,
inviabilizando a ponderação das circunstâncias do caso concreto que poderiam,
nos termos gerais, justificar a dita suspensão.
Na verdade, tal norma viu a sua aplicação recusada pela sentença recorrida, com
fundamento em inconstitucionalidade orgânica, decorrente de violação do artigo
165º, nº 1, alínea c) da Constituição da República Portuguesa (não constando da
respectiva lei de autorização legislativa – a Lei nº 53/04, de 4 de Novembro –
título bastante para excluir as referidas contra-ordenações graves do regime
geral da suspensão da execução da medida de inibição de conduzir).”
2. Determinada a feitura de alegações, concluiu a entidade
impugnante a por si formulada com as seguintes «conclusões»: –
“1 - Por não se reportar a matéria atinente ao regime geral de punição dos actos
ilícitos de mera ordenação social, a que alude o artigo 165°, nº 1, alínea c) da
Constituição, a norma do artigo 141º do Código da Estrada, na redacção
do Decreto-Lei nº 44/05, de 23 de Fevereiro, ao não prever a suspensão da
execução de sanção acessória de inibição de conduzir nas contra-ordenações muito
graves, não é organicamente inconstitucional.
2- Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
Por seu turno, o acoimado não respondeu à alegação.
Cumpre decidir.
3. O preceito cuja recusa de aplicação foi operada na decisão
impugnada (nº 1 do artº 141º do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei nº
114/94, de 3 de Maio, na redacção resultante do Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de
Fevereiro) tem a seguinte redacção: –
Artigo 141.º
Suspensão da execução da sanção acessória
1 – Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada
a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a
lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se
encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
5 – (…)
6 – (…)
A decisão recorrida fez uma interpretação da actual redacção
do nº 1 do artº 141º de harmonia com a qual a suspensão da execução da pena tão
somente poderá ser decretada se em causa estiverem contra-ordenações graves, o
que implicaria que, no tocante às contra-ordenações muito graves, um tal
instituto não poderia operar.
E, na senda dessa interpretação, a norma assim atingida
padeceria, na perspectiva da dita decisão, de vício de inconstitucionalidade
orgânica, por isso que a lei de autorização legislativa ao abrigo da qual foi
editado o Decreto-Lei nº 44/2005 (que veio a conferir nova redacção ao
mencionado nº 1 do artº 141º) – a Lei nº 53/2004, de 4 de Novembro – não teria
conferido ao Governo credencial parlamentar bastante para emiti-la.
3.1. Por via daquela Lei, ficou o Governo autorizado a
proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94,
de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 2/98, de 3
de Janeiro, e 265-A/2001, de 28 de Setembro, e pela Lei n.º 20/2002, de 21 de
Agosto, e ainda a criar um regime especial de processo para as contra-ordenações
emergentes de infracções ao Código da Estrada, seus regulamentos e legislação
complementar (cfr. seu artº 1º).
De acordo com o prescrito no artº 3º da referida Lei, a
autorização em causa, no que agora releva, contemplou, nas suas alíneas g), j),
m), n) e o): –
g) A qualificação como contra-ordenações de todas as infracções rodoviárias e a
aplicação do regime contra-ordenacional previsto no Código da Estrada a todas
elas;
j) A determinação da medida e regime de execução das sanções tendo em conta os
antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou seus
regulamentos;
m) A previsão de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção
acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio pagamento da coima e
ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções no período fixado;
n) A consagração do princípio de que a suspensão da execução da sanção acessória
possa ser condicionada, além da prestação de caução de boa conduta, à frequência
de acções de formação ou ao cumprimento de deveres específicos previstos em
legislação própria;
o) A alteração dos limites mínimo e máximo da caução de boa conduta para,
respectivamente, € 500 e €5000.
Torna-se claro que, para a dilucidação da questão em apreço,
deve ser ponderado, num primeiro passo, se necessitava o Governo de credencial
parlamentar para, relativamente a infracções do jaez da em causa [não olvidando
que ela é consubstanciadora de desrespeito ao disposto no nº 1 do artº 60º e na
alínea a) do artº 65º, um e outro do Regulamento de Sinalização do Trânsito –
transposição da linha longitudinal contínua separadora dos sentidos do trânsito
– pelo que, de acordo com o que se consagra no nº 3 do artº 136º e na alínea o)
do artº 146º, é de considerar como integrando uma contra-ordenação muito grave],
emitir normação tal como a alcançada pelo processo interpretativo levado a
efeito na decisão recorrida, isto é, o decretamento legal da regra segundo a
qual não é possível a suspensão da execução da pena acessória de inibição
temporária da faculdade de conduzir aplicável a tal tipo de infracções.
E isto tendo em atenção que nos situamos perante um regime
especial atinente às contra-ordenações emergentes de infracções ao Código da
Estrada, seus regulamentos e legislação complementar.
3.2. Em 1993 entendeu o legislador proceder a uma profunda
revisão do Código da Estrada, cuja primeira versão – na qual foram introduzidas
inúmeras alterações – datava de 20 de Maio de 1954.
Na sequência de um tal desiderato, emitiu o Parlamento uma
credencial legislativa ao Governo, o que se operou por via da Lei nº 63/93, de
21 de Agosto, a qual, no que para o caso interessa, dispôs, de entre o mais, que
o autorizando corpo de leis a aprovar pelo executivo contemplaria [cfr. artº 2º,
nº 2, alíneas j) e l)] a consagração da faculdade de suspensão da sanção
acessória de inibição de conduzir, entre seis meses e dois anos, verificando-se
os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução das
penas criminais e a consagração do princípio de que a suspensão da sanção
acessória de inibição de conduzir possa ser condicionada à prestação de caução
de boa conduta a fixar entre 20 000$ e 200 000$, tendo em conta a medida da
sanção e a situação económica do condutor.
Em 3 de Maio de 1994 surgiu a lume o Decreto-Lei nº 114/94,
por intermédio do qual foi aprovado o novo Código da Estrada.
Na versão originária desse Código surpreende-se, no nº 1 do
artº 145º, a consagração da possibilidade de suspensão da execução da sanção
acessória (de inibição de conduzir, aplicável às contra-ordenações graves e
muitos graves – cfr. artigos 141º e seguintes), verificando-se os pressupostos
de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas.
Posteriormente, com a revisão do Código da Estrada aprovado
pelo Decreto-Lei nº 114/94, revisão essa decorrente do Decreto-Lei nº 2/98, de 3
de Janeiro, veio aquela possibilidade a ficar consagrada no nº 1 do artº 142º,
rezando assim este último preceito: –
1 – Pode ser suspensa a execução da sanção de inibição de
conduzir no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz
depender a suspensão da execução das penas.
Tendo em conta que a prescrição que, na versão originária do
dito Código, constava no nº 1 do seu artº 141º, não sofreu alteração no texto
emergente da revisão levada a efeito pelo Decreto-Lei nº 2/98, haverá que
considerar que a mencionada possibilidade, conferida pelo preceito imediatamente
acima transcrito, tanto se reportava a contra-ordenações graves como a
contra-ordenações muito graves.
3.3. Compulsado o regime geral das contra-ordenações
(Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro), fácil é verificar que no mesmo não se
encontra expressamente consagrada a possibilidade de suspensão da execução das
sanções acessórias.
Na verdade, naquele regime geral (cfr. seu artº 32º)
prevê-se, como regime subsidiário, que, em tudo o que não for contrário à
presente lei aplicar-se-ão, subsidiariamente, no que respeita ao regime
substantivo da contra-ordenações, as normas do Código Penal.
Ora, o diploma substantivo criminal, como sabido é, no que à
suspensão da execução da pena concerne, apenas a prevê quando em causa estiver
uma pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos (cfr. Secção II
do Capítulo I do Título II do Livro I e artº 50º, nº 1).
Daí que se possa dizer que, no domínio do regime geral das
contra-ordenações, não se preveja, ainda que subsidiariamente, a possibilidade
de suspensão da execução das penas acessórias.
Porventura por isso, se viu o legislador parlamentar na
contingência de, referentemente ao desenho de um específico regime
contra-ordenacional – o atinente às infracções estradais –, prever a
possibilidade (e no tocante a certo tipo dessas infracções) de suspensão da
execução da sanção acessória de inibição de conduzir.
3.4. Em 4 de Novembro de 2004 foi emitida a Lei nº 53/2004,
que, tendo autorizado o Governo a proceder à revisão do Código da Estrada
aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94 (com as sucessivas alterações decorrentes
dos Decretos-Leis números 2/98 e 265-A/2001, de 28 de Setembro, e pela Lei nº
20/2002, de 21 de Agosto) e a criar um regime especial de processo para a
contra-ordenações emergentes de infracções àquele Código, seus regulamentos e
legislação complementar, previu, como extensão específica dessa alteração, a
possibilidade de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção
acessória de inibição de conduzir, nos termos da acima transcrita alínea m) do
artº 3º.
Quiçá não necessitando de prever essa especificidade – já
que, no que se refere à possibilidade de suspensão da execução daquela sanção
acessória, essa possibilidade estava já consagrada num regime especial estradal
(justamente o que veio a ficar consagrado no Código da Estrada aprovado pelo
Decreto-Lei nº 114/94) – o que é certo é que, uma vez mais, o legislador
parlamentar entendeu por bem fazê-lo.
E, se bem que o fizesse de um modo genérico, não restringindo
essa possibilidade a uma qualquer espécie de entre as infracções graves ou muito
graves, o que é certo é que da leitura da citada alínea m) do artº 3º não
resulta que o autorizando diploma tivesse, obrigatoriamente, ao definir as
concretas infracções e ao prescrever as respectivas sanções, nestas se incluindo
a previsão de aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir, de prever
também que, em relação àquelas que incluísse na espécie de infracções muito
graves, uma tal possibilidade viesse a ficar consagrada.
Isso significa que, estabelecida que estava relativamente ao
específico regime especial das contra-ordenações estradais – quer pela Lei nº
6/93, quer pela Lei nº 53/2004 – um «desvio» relativamente ao regime geral das
contra-ordenações no que se prende com a consagração da possibilidade de
suspensão da execução da sanção acessória, podia o Governo definir, alterar,
eliminar ou modificar a punição e as condições de execução das infracções
contra-ordenacionais estradais. É que, de um lado, aquelas definição,
eliminação, modificação e estabelecimento de condições de execução, desde que
não ofensivas de um regime geral, cabem na competência legislativa concorrente
do Governo, como, sem discrepâncias, tem sido realçado por este Tribunal (cfr.,
a título meramente exemplificativo, os Acórdão números 56/84, in Diário da
República, I Série, de 9 de Agosto de 1984, 74/95, idem, II Série, de 12 de
Junho de 1995, 69/90, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15º
volume, 253 a 265, 436/2000, no Diário da República, II Série, de 17 de Novembro
de 2000, 461/2000, idem, idem, de 29 de Novembro de 2000, e 236/2003, idem,
idem, de 24 de Junho de 2003).
De outro, mesmo admitindo que, ao se gizar um regime
específico que, no particular de que curamos (isto é, partindo do pressuposto de
que o regime geral que deflui do Decreto-Lei nº 433/82 não permite, por si ou
por meio da remissão que faz no seu artº 33º para as normas do Código Penal, a
suspensão da execução tão somente em relação às penas acessórias), se impunha
uma «consagração, também especial», da possibilidade da suspensão da execução da
sanções acessórias, consagração essa que se incluiria na reserva relativa de
competência legislativa do Parlamento a que alude a alínea d) do nº 1 do artigo
165º da Constituição, o que é certo é que estava já criado esse particular
regime.
O que conduz a que se possa dizer que, na edição do
Decreto-Lei nº 44/2005, o legislador governamental, não interferindo na
definição da natureza dos ilícitos, no tipo de sanções e seus limites, tão
somente desenhou um modo de facultar o cumprimento de certa espécie de sanções
(a sanção acessória de inibição de conduzir) com reporte a dado tipo de
infracções, ao abrigo de uma possibilidade que lhe estava «aberta» pela
«consagração especial» decorrente da Lei nº 53/2004 (e que já se encontrava
especificamente prevista desde a Lei nº 6/93 e do Código da Estrada aprovado
pelo Decreto-Lei nº 114/94), e isto, claro está, mesmo não se perfilhando o
entendimento segundo o qual a suspensão de execução de uma pena,
verdadeiramente, se posta, não como uma forma direccionada à sua execução, mas
sim como uma pena de substituição em sentido próprio (cfr., verbi gratia,
Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime,
337 e seguintes, e Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1º
volume, 639).
Haverá, desta arte, que concluir que o legislador
governamental, ao editar a norma sub iudicio, não desbordou a sua competência
legislativa, pelo que se não divisa enfermar a norma em apreço do vício de
inconstitucionalidade orgânica.
Em face do que se deixa dito, concede-se provimento ao
recurso, em consequência se determinando a reforma da decisão impugnada de
harmonia com o juízo ora efectuado sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 14 de Novembro de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício