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Processo nº 808/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e B., LTD e recorrido C. S.L., foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b),
da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), do acórdão daquele Tribunal de 25 de Maio de 2006.
2. Em 7 de Novembro de 2006, foi proferida decisão sumária (artigo 78º-A da
LTC), para o que agora releva, com a seguinte fundamentação.
«Nos termos do disposto nos artigos 75º-A, nº 1, parte final, 76º, nº 2, e
78º-A, nº 2, da LTC constitui um ónus para o recorrente indicar a norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade pretende que o Tribunal aprecie.
Atendendo ao teor das disposições legais indicadas no requerimento de
interposição de recurso (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 116/2002,
Diário da República, II Série, de 8 de Maio de 2002), não pode dar-se como
cumprido tal ónus, não se justificando, porém, que as recorrentes sejam
convidadas a indicar, com precisão, as normas cuja constitucionalidade
questionam (artigo 75º-A, nº 6, daquela Lei). Com efeito, como as recorrentes
não cumpriram o ónus da suscitação prévia e de forma adequada das questões de
inconstitucionalidade normativa agora formuladas no requerimento de interposição
de recurso, a falta de tal requisito, consagrado no nº 1 alínea b) do artigo 70º
e no nº 2 do artigo 72º da LTC, determinaria sempre uma decisão de não
conhecimento do objecto do recurso interposto (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
1. Relativamente ao artigo 65º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil,
assinale-se que do ponto III. d) e do nº 11. das conclusões da motivação do
recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa decorre de forma particularmente
clara que as recorrentes questionavam então a constitucionalidade de uma decisão
e não de qualquer norma. Por outro lado, se dos nºs 231. e 232. da motivação do
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não resulta de todo qual a norma cuja
constitucionalidade estava a ser posta em causa, da epígrafe da alíena G), do nº
233. e do nº 43. das conclusões desta peça processual decorre que as recorrentes
não identificaram afinal qual a norma que consideravam contrária à Constituição
da República Portuguesa, limitando-se a remeter para a interpretação normativa
feita pelo acórdão recorrido.
Ora, não é, como “vem reiteradamente decidindo o Tribunal Constitucional, forma
idónea e adequada de suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa a
simples invocação de que seria inconstitucional (…) certa ou certas normas
legais na interpretação que a decisão das instâncias lhes conferiu, não
suficientemente definida ou precisada pelo recorrente (…), cabendo sempre à
parte que pretende suscitar adequadamente uma questão de inconstitucionalidade
normativa o ónus de especificar qual é, no seu entendimento, o concreto sentido
com que tal norma ou normas foram realmente tomadas no caso concreto pela
decisão que se pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional” (Lopes do
Rego, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da
constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, nº 3, 2004, p. 8)».
3. Desta decisão reclamam as recorrentes para a conferência, ao abrigo do
disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos seguintes termos:
«1 – Com o devido respeito pela decisão sumária, as recorrentes identificaram “a
norma que consideravam contrária à Constituição da República Portuguesa” e
precisaram, em termos suficientes, a interpretação normativa do artigo 65°, nº
1, alínea d), do C.P.C., realizada pelas instâncias, que tornou tal norma
inconstitucional.
2 – É o que resulta de uma leitura atenta dos n°s 231 a 233 das alegações de
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (a fls. 1010) que, em cumprimento do
disposto no artigo 75°-A, nº 2, da L.O.T.C., foram devidamente indicados no
requerimento de interposição de recurso. Passamos a transcrever os referidos
n°s:
“231. A Lei não pode restringir os direitos, liberdades e garantias previstos na
Constituição Portuguesa, nomeadamente o direito de acesso ao direito e de tutela
jurisdicional efectiva (art. 20° C.R.P.).
232 As Autoras, nacionais de um país com o qual “Portugal mantém laços
privilegiados de amizade e cooperação” (art. 7°, nº 4, da C.R.P.) não podem ser
discriminadas (art. 13°, da C.R.P.) no exercício desse Direito, como o faz o
Acórdão recorrido, ao exigir uma prova, quase impossível, de factos negativos (a
“diabolica probatio”) para afirmar a competência dos Tribunais portugueses: não
ser exigível às Autoras a propositura da acção no estrangeiro.
233 Assim, a interpretação normativa do artigo 65° do C.P.C., maxime, do
disposto no seu N° 1 al. d), a que procedeu o acórdão recorrido, conduz à
inconstitucionalidade desta norma, por violação dos preceitos constitucionais
citados.”
3 – Estes números formam uma sequência e, como tal devem ser lidos – o que
resulta do termo “assim”, com que se inicia o nº 233, ligando-o aos n°s
anteriores –, não podendo ser considerados isoladamente, como sucede na decisão
sumária, que considerou que “dos n°s 231 e 232 (...) não resulta de todo qual a
norma cuja constitucionalidade estava a ser posta em causa”.
4 – De uma leitura global destes n°s, resulta que as recorrentes realmente
identificaram a norma que consideram contrária à Constituição da República
Portuguesa: o artigo 65°, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
5 – E resulta também que as recorrentes determinaram, com precisão e definição
suficientes, a interpretação normativa daquele preceito realizada pelas
instâncias que consideram incompatível com o direito de acesso e de tutela
jurisdicional efectiva (art. 20º C.R.P.) e com o princípio da igualdade (artigo
13° da C.R.P.).
6 – De facto, no nº 232, as recorrentes precisam a interpretação normativa do
artigo 65º, nº 1, alínea d), do C.P.C., que consideram contrária à constituição:
a exigência, pelo Tribunal recorrido, de uma prova quase impossível de factos
negativos (a “diabolica probatio”) para afirmar a competência dos Tribunais
portugueses - não ser exigível às Autoras a propositura da acção no estrangeiro.
7 – Recorde-se que o artigo 65°, nº 1, alínea d) (na redacção em causa, no
recurso) estabelece como factor de atribuição de competência internacional à
ordem jurídica portuguesa, “Não poder o direito invocado tornar-se efectivo
senão por meio de acção proposta em território português, ou não ser exigível ao
autor a sua propositura no estrangeiro”.
8 – As recorrentes entendem que o facto de se encontrar arrestado no País o
único bem conhecido da Ré e ainda o facto de terem alegado motivos que as levam
a crer que já ocorreu a extinção da Ré (nº 215 das alegações de recurso para o
S.T.J.), preenchem o critério legal de inexigibilidade de propositura da acção
no estrangeiro, previsto no artigo 65°, nº 1, alínea d), do C.P.C..
9 – E afirmam, nos n°s 231, 232 e 233, que a interpretação do artigo 165°, nº 1,
alínea d), do C.P.C., no sentido de as recorrentes terem de realizar outras
provas “de factos negativos”, para se considerar verificada a inexigibilidade de
propositura da acção no estrangeiro, contraria os artigos 20° e 13° da C.R.P.».
4. Notificada do requerimento de reclamação para a conferência, a recorrida não
respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Na decisão que é objecto da presente reclamação entendeu-se que, relativamente
ao artigo 65º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, as recorrentes
não haviam suscitado, de forma adequada, uma questão de inconstitucionalidade
normativa, nas passagens das peças processuais indicadas em cumprimento da parte
final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC. Por referência às passagens agora
referidas na reclamação, concluiu-se, por um lado, que dos nºs 231. e 232. da
motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não resultava qual a
norma cuja inconstitucionalidade estava a ser posta em causa; e, por outro, que
no nº 233 da mesma peça não era identificada a norma considerada contrária à
Constituição da República Portuguesa, já que havia mera remissão para a
interpretação normativa feita pelo acórdão recorrido.
Sustentam agora as reclamantes que identificaram a norma cuja
constitucionalidade pretendiam questionar, precisando a interpretação normativa
do artigo 65º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil – a interpretação
normativa feita pela decisão recorrida – no nº 232 daquela peça processual:
«As Autoras, nacionais de um país com o qual “Portugal mantém laços
privilegiados de amizade e cooperação” (art. 7°, nº 4, da C.R.P.) não podem ser
discriminadas (art. 13°, da C.R.P.) no exercício desse Direito, como o faz o
Acórdão recorrido, ao exigir uma prova, quase impossível, de factos negativos (a
“diabolica probatio”) para afirmar a competência dos Tribunais portugueses: não
ser exigível às Autoras a propositura da acção no estrangeiro».
Porém, esta alegação não demonstra que, afinal, durante o processo, foi
suscitada, de forma adequada uma questão de inconstitucionalidade normativa
relativamente àquele artigo do Código de Processo Civil. O Tribunal
Constitucional tem vindo entender, reiteradamente, que, quando “se suscita a
inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas)
normas jurídicas, necessário é que se identifique essa interpretação em termos
de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na
decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do direito em
geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um
tal sentido” (Acórdão nº 106/99, não publicado). Exigência que aquela formulação
não respeita, ainda que lida juntamente com o ponto 233. da peça processual
indicada pelas recorrentes.
Importa, pois, concluir, como na decisão reclamada, pelo não conhecimento desta
parte do objecto do recurso interposto.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte ) unidades
de conta.
Lisboa, 9 de Janeiro de 2007
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício