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Processo n.º 847/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam em conferência na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que
figuram como recorrente A. e como recorridos o Município de Abrantes, B. e C.,
foi proferida, em 12 de Julho de 2006, decisão que, com fundamento no não
preenchimento dos pressupostos previstos no nº 1 do artigo 150º do CPTA, não
admitiu o recurso que havia sido interposto pela ora recorrente da decisão do
Tribunal Central Administrativo Sul, de 6 de Abril de 2006, que negara
provimento ao recurso jurisdicional que a mesma havia interposto da decisão do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a qual, por sua vez, com fundamento
em extemporaneidade, havia indeferido um pedido de suspensão de eficácia de uma
deliberação da Câmara Municipal de Abrantes, de 28 de Fevereiro de 2005, que
ordenara a posse administrativa, com vista à demolição já anteriormente
ordenada, de um prédio sito na freguesia do Pego.
2. Na sequência deste Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, a não admitir
a revista, foi interposto o presente recurso de constitucionalidade, através de
um requerimento que tem o seguinte teor:
“[…], não se conformando com a, aliás, douta decisão proferida nos autos, que
antecede,
- sendo certo que ela aplicou norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada
durante o processo,
Dela pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
A peça processual na qual foi, pela Requerente, suscitada a questão da
inconstitucionalidade foi a alegação de recurso para o Supremo Tribunal
Administrativo.
O preceito violado é o do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é a
constante do artigo 112º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, na interpretação segundo a qual está sujeita ao prazo de
impugnação dos actos anuláveis, de 3 meses, a providência cautelar relativa a
actos nulos ou inexistentes. […]”.
3. Na sequência, foi proferida pelo Relator, ao abrigo do disposto no n.º 1 do
artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não
conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o
seu teor:
“[...] Cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do presente
recurso uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal
Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional).
Verifica-se, desde logo, que a recorrente não identifica no requerimento de
interposição do recurso, ao menos de forma expressa, a decisão de que pretende
recorrer para o Tribunal Constitucional, limitando-se, a este propósito, a
referir-se à “douta decisão proferida nos autos, que antecede”. Pode, porém,
admitir-se que pretenda referir-se ao Acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo, de 12 de Julho de 2006, que não admitiu o recurso de revista
(uma vez que é a decisão “que antecede” imediatamente) ou, então, ao Acórdão do
Tribunal Central Administrativo Sul, de 6 de Abril de 2006 [...]. Acontece,
porém, como sumariamente se demonstrará já de seguida, que, em qualquer dos
casos, nunca poderá conhecer-se do objecto do recurso, por manifesta falta dos
seus pressupostos legais de admissibilidade, o que torna inútil – e, por isso,
inviabiliza - um eventual convite para o aperfeiçoamento, nesta parte, do
requerimento de interposição do recurso.
3.1. Com efeito, se a recorrente pretende recorrer do Acórdão proferido pelo
Supremo Tribunal Administrativo, em 12 de Julho de 2006, não pode conhecer-se do
seu objecto por duas razões, qualquer delas só por si suficiente para
fundamentar tal decisão. Em primeiro lugar, porque esse acórdão não aplicou,
para concluir pela inadmissibilidade da revista, a norma cuja
constitucionalidade a ora recorrente pretende ver apreciada – recorde-se, o
artigo 112, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na
interpretação segundo a qual está sujeita ao prazo de impugnação dos actos
anuláveis, de 3 meses, a providência cautelar relativa a actos nulos ou
inexistentes – mas, como resulta expressamente da sua própria fundamentação, o
artigo 150º, nº 1, do mesmo diploma legal. Em segundo lugar porque, ao contrário
do que refere a recorrente, nas alegações de recurso que apresentou perante
aquele Supremo Tribunal a mesma nunca suscitou a inconstitucionalidade do artigo
112, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, mas, como
resulta claramente da conclusão 4ª dessa peça processual, única onde surge
colocada uma questão de constitucionalidade normativa, a do artigo 58º, nº 2,
al. a), daquele diploma legal. [...]
3.3. Assim sendo, sem necessidade de maiores considerações, apenas resta
concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso, por evidente
falta dos seus pressupostos legais de admissibilidade.
4. Inconformada com esta decisão, veio a recorrente, ao abrigo do disposto no
artigo 78º-A, nº 3, da LTC, reclamar para a Conferência, concluindo assim a
reclamação:
“[...] 1º) Mostram-se preenchidos, no requerimento de interposição de recurso
todos os requisitos legalmente exigíveis, nos termos do artigo 75º-A, da Lei
Orgânica do Tribunal Constitucional, o que não foi, aliás, posto em causa;
2º) Sendo o recurso, obviamente, interposto do acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo, o dispositivo legal citado no respectivo requerimento de
interposição não vincula o Tribunal Constitucional, posto que, delimitado embora
o objecto do recurso à questão de constitucionalidade suscitada no processo (que
a exigência da menção da norma aplicada tem a mera função de indiciar), vale
plenamente, dentro desse âmbito, o princípio do conhecimento oficioso do Direito
pelo Tribunal Constitucional, não estando, assim, vinculado às alegações das
partes;
2º) O douto acórdão recorrido aplicou a norma cuja inconstitucionalidade se
arguiu, ainda que de modo implícito, mas fundamentado nas razões que nele se
aduzem, nomeadamente, ao considerar não ser claramente necessário admitir a
revista para melhor aplicação do direito, o que não poderia afirmar, como é
evidente, a não ser no caso de um juízo negativo sobre a questão de
inconstitucionalidade suscitada;
3º) A norma aplicada, não se encontra enunciada em nenhum preceito legal, mas
resulta da interpretação, feita pela jurisprudência, aliás, dominante, dos
preceitos conjugados dos artigos (58º, nº 2, e 112º, nº 1 e nº 2, al. a);
4º) E foi claramente formulada na douta sentença proferida pelo Tribunal
Administrativo e Fiscal de Leiria, nos seguintes termos: “(...) o prazo de três
meses, previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 58º do CPTA, para impugnação de
actos anuláveis é o prazo único para requerer a suspensão da eficácia de actos
administrativos, independentemente do tipo de vícios a estes imputados (..)”;
5º) O facto de a adesão a essa regra de Direito ser maioritária, se bem que não
unânime, na jurisprudência dos tribunais administrativos não significa que não
possa vir a ser declarada inconstitucional, à semelhança do que se verificou,
nomeadamente, no tempo em que os assentos tinham força obrigatória geral, no
caso do Assento nº 4/79, de 20 de Setembro, que foi primeiro declarado
inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 40/84, de 3 de Maio,
e veio a ser declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo
Acórdão nº 8/87, de 13 de Janeiro de 1987.”
5. Notificados os reclamados para se pronunciarem, querendo, sobre a presente
reclamação, nada disseram.
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
6. Na decisão sumária reclamada o Tribunal concluiu pela impossibilidade de
conhecer do objecto do recurso que a ora reclamante pretendeu interpor.
Fundamentou-se aquela decisão, para o que agora importa, em duas razões, como
então se disse, qualquer delas só por si suficiente para alcançar aquela
conclusão: em primeiro lugar porque a decisão recorrida “não aplicou, para
concluir pela inadmissibilidade da revista, a norma cuja constitucionalidade a
ora recorrente pretende ver apreciada – recorde-se, o artigo 112, nº 1, do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na interpretação segundo a
qual está sujeita ao prazo de impugnação dos actos anuláveis, de 3 meses, a
providência cautelar relativa a actos nulos ou inexistentes – mas, como resulta
expressamente da sua própria fundamentação, o artigo 150º, nº 1, do mesmo
diploma legal. Em segundo lugar porque, ao contrário do que refere a recorrente,
nas alegações de recurso que apresentou perante aquele Supremo Tribunal a mesma
nunca suscitou a inconstitucionalidade do artigo 112, nº 1, do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos, mas, como resulta claramente da
conclusão 4ª dessa peça processual, única onde surge colocada uma questão de
constitucionalidade normativa, a do artigo 58º, nº 2, al. a), daquele diploma
legal. [...]”.
7. Com a presente reclamação a reclamante pretende contestar aquelas conclusões.
Porém, como se verá já de seguida, é manifesto que não lhe assiste qualquer
razão.
7.1. Começa a reclamante por contestar a conclusão a que se chegou na decisão
sumária reclamada de que não teria suscitado de modo processualmente adequado
perante o Supremo Tribunal Administrativo a questão de constitucionalidade que
pretende ver apreciada. E, sustenta esta alegação, na síntese que a própria
formula na conclusão 2ª da sua reclamação, no pressuposto de que “o dispositivo
legal citado no respectivo requerimento de interposição não vincula o Tribunal
Constitucional, posto que, delimitado embora o objecto do recurso à questão de
constitucionalidade suscitada no processo (que a exigência da menção da norma
aplicada tem a mera função de indiciar), vale plenamente, dentro desse âmbito, o
princípio do conhecimento oficioso do Direito pelo Tribunal Constitucional, não
estando, assim, vinculado às alegações das partes”. (Negrito aditado). Ou seja,
no seu entendimento, o Tribunal Constitucional não estaria vinculado à
apreciação da constitucionalidade dos preceitos/normas indicados(as) pela
recorrente no requerimento de interposição do recurso, posto que estes teriam
“mera função de indiciar” a questão de constitucionalidade que a recorrente
pretende ver apreciada. É evidente, porém, que não tem qualquer razão. Com
efeito, são já incontáveis os Acórdãos em que o Tribunal Constitucional tem
repetido que não é assim (cf., por todos, o Acórdão nº 20/97, disponível na
página Internet do Tribunal em www.tribunalconstitucional.pt), reafirmando
sistematicamente que o requerimento de interposição do recurso é o acto idóneo
para a fixação do respectivo objecto, não podendo o Tribunal pronunciar-se sobre
a constitucionalidade de normas/preceitos que nele não vêem sequer referidos.
7.2. Contesta ainda a reclamante a conclusão a que também se chegou na decisão
sumária reclamada no sentido de que a decisão recorrida não teria aplicado, para
concluir pela inadmissibilidade da revista, a norma cuja constitucionalidade a
ora reclamante pretendia, nos termos do requerimento de interposição do recurso,
ver apreciada – o artigo 112, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos – mas, como resulta expressamente da sua própria fundamentação,
o artigo 150º, nº 1, do mesmo diploma legal. Alega, em suma, que aquele preceito
teria sido aplicado implicitamente, o que seria suficiente para considerar
preenchido o requisito de admissibilidade do recurso que pretendeu interpor.
Mais uma vez, porém, sem qualquer razão. Não porque, em abstracto, não seja
suficiente uma aplicação implícita de um determinado preceito para permitir o
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, mas porque, em
concreto, essa aplicação implícita não teve lugar. Com efeito, a decisão
recorrida não negou provimento à revista, reafirmando a correcção da
interpretação que as instâncias anteriores haviam feito do artigo 112º, nº 1, do
CPTA, mas, diferentemente, não a admitiu, por entender que não estavam reunidos
os pressupostos previstos no nº 1 do artigo 150º do CPTA, pelo que é
efectivamente este preceito, e não aquele, a sua verdadeira ratio decidendi.
7.3. Assim sendo, apenas resta, reiterando as razões constantes da decisão
reclamada, que em nada são abaladas pela reclamação apresentada, confirmar o
julgamento que ali se formulou no sentido da impossibilidade de conhecer do
objecto do recurso
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 4 de Dezembro de 2006
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício