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Processo n.º 631/05
2.ª Secção
Relator : Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por decisão sumária de 12 de Outubro de 2005 foi decidido não tomar
conhecimento do recurso interposto por A. por não se acharem preenchidos os
requisitos necessários a esse conhecimento, desde logo, por a questão de
constitucionalidade dos artigos 1268.º, n.º 1, do Código Civil e 7.º do Código
do Registo Predial, quando interpretados no sentido de que “a presunção da
titularidade do direito de propriedade derivada do registo predial não dá ao
requerente o direito de ver expressamente reconhecido por decisão judicial o seu
direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo
Predial de Esposende sob o n.º 003333/282189 da freguesia de Forjães,
independentemente das respectivas área e confrontações”, não ter sido suscitada
durante o processo, e ainda por as referidas normas não terem sido aplicadas na
decisão recorrida com o sentido impugnado pela recorrente. Tal decisão tem o
seguinte teor:
«1. Em 17 de Dezembro de 1996, B. e mulher, A., melhor identificados nos autos,
interpuseram, no Tribunal de Comarca de Esposende, acção comum sumária para
obter o seu reconhecimento como donos e legítimos possuidores de um prédio
urbano sito no lugar de Cerqueiral, freguesia de Forjães, município de
Esposende. Pediam igualmente que os demandados, A. e marido, C., D. e E., todos
melhor identificados nos autos, fossem condenados a abster-se de praticarem
qualquer acto lesivo do seu direito e, ainda, que fossem declaradas nulas ou
anuladas a escritura de rectificação notarial e as alterações produzidas na
Repartição de Finanças e na Conservatória do Registo Predial de Esposende que
contendiam com o seu direito sobre o prédio identificado nos autos.
Em reconvenção, os primeiros réus pediram que lhes fosse reconhecido o seu
direito de propriedade sobre o prédio adquirido aos segundos réus, nos termos
resultantes da escritura de rectificação notarial.
Por sentença de 15 de Junho de 2001, a acção foi julgada totalmente
improcedente, e totalmente improcedente foi também julgado o pedido
reconvencional.
Interpostos recursos para o Tribunal da Relação de Guimarães, quer pelos
demandantes, quer pelos demandados, e, após incidentes que agora não relevam e
que trouxeram o processo ao Tribunal Constitucional, ambos os recursos foram
julgados improcedentes por acórdão de 26 de Novembro de 2002.
Novos incidentes suscitados, a propósito do pedido de reforma do acórdão, da
desistência do pedido reconvencional por parte de um dos demandados e da
revogação da procuração ao mandatário decidida por outra, trouxeram de novo os
autos ao Tribunal Constitucional, mas para discussão de matérias que ora não
relevam. O pedido de reforma acabou por ser decidido, em conferência, na Secção
Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 18 de Maio de 2005,
que lhe negou provimento.
2. De tal decisão foi interposto recurso de constitucionalidade por parte da
demandada A., ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal
Constitucional), para apreciação das normas do artigo 1268.º, n.º 1, do Código
Civil e do artigo 7.º do Código de Registo Predial “quando interpretadas no
sentido acolhido quer na sentença da 1.ª instância, quer no Acórdão que a
confirmou, quer finalmente na decisão ora recorrida, de que a presunção da
titularidade do direito de propriedade derivada do registo predial não dá ao
requerente o direito de ver expressamente reconhecido por decisão judicial o seu
direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo
Predial de Esposende sob o n.º 00333/282189 da freguesia de Forjães,
independentemente das respectivas área e confrontações”.
3. Embora admitido o recurso no tribunal a quo, tal decisão não vincula este
Tribunal (artigo 76.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional), pelo que, não
estando reunidos os requisitos necessários ao seu conhecimento, é de proferir
decisão sumária nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da mesma lei.
II. Fundamentos
4. Constituem requisitos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional que na decisão
recorrida tenha havido aplicação de normas a que, durante o processo, tenha sido
assacada desconformidade constitucional e que tais normas tenham sido aplicadas,
com o sentido impugnado, como ratio decidendi da decisão do tribunal a quo.
No caso ora trazido à apreciação deste Tribunal a suscitação da
inconstitucionalidade não ocorreu de forma adequada durante o processo, nem as
decisões recorridas aplicaram as normas impugnadas com um sentido que pudesse,
ainda que remotamente, coincidir com o que foi acusado de desconformidade
constitucional. Ainda que qualquer das razões fosse, só por si, bastante para
excluir o conhecimento do recurso, far-se-á breve referência a ambas.
5. Quanto ao modo e tempo da suscitação da inconstitucionalidade, invoca a
recorrente que impugnou a conformidade constitucional das normas trazidas à
apreciação deste Tribunal “no seu requerimento de fls. 469 a 473”.
Porém, o que aí se escreveu quanto a tal matéria foi apenas o seguinte:
“21 – Sendo certo que uma interpretação das normas em causa diversa da ora
preconizada será manifestamente inconstitucional por violação do princípio da
tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20.° da CRP;
22 – Inconstitucionalidade essa, que, desde já, se deixa aqui invocada para
todos os efeitos legais;”
Quanto a quais podiam ser as “normas em causa”, podia apenas especular-se, pois
havia várias normas anteriormente referidas e potencialmente “em causa”: no
parágrafo imediatamente anterior aos transcritos (§ 20) havia referência ao
artigo 669.º, n.º 2, als. a) e b), do Código de Processo Civil, o § 18
mencionava o artigo 668.º, n.º 1, al. b), do mesmo Código, no § 16 invocava-se o
artigo 1268.º do Código Civil, no § 10 a norma citada era a do artigo 7.º do
Código do Registo Predial, e no proémio do requerimento havia menção aos artigos
669.º, n.º 2, al. b), e 716.º do Código de Processo Civil. Demais, no § 5
transcreviam-se as conclusões do recurso dirigido ao Tribunal da Relação de
Guimarães, e nelas se incluíam referências a diversas outras normas.
Assim, sem identificação clara de quais fossem as “normas em causa”, cuja
interpretação “diversa da ora preconizada será manifestamente inconstitucional”,
não constitui surpresa que o Tribunal da Relação de Guimarães não se tenha
pronunciado sobre tal questão.
Aliás, só no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade –
momento já não adequado para o efeito – é que as normas que corporizariam o tal
entendimento inconstitucional foram identificadas e lhes foi atribuído um
sentido preciso, alegadamente desconforme com a Constituição.
Só por si, constituiria isto fundamento bastante para a decisão de rejeitar o
conhecimento do recurso.
6. Quanto ao sentido supostamente inconstitucional em causa nos presentes autos,
embora seja obviamente impossível associar às disposições uma qualquer
interpretação normativa que implique referência ao “prédio descrito na
Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º 00333/282189 da
freguesia de Forjães”, o óbice ao conhecimento da questão de constitucionalidade
está menos na troca de um sentido normativo por um sentido concreto do que na
não correspondência de tal sentido com o que foi aplicado nos autos.
É que, como os próprios recorrentes reconheceram no ponto 1.º da sua petição
inicial, o que eles invocavam era a propriedade e posse de “um prédio urbano com
a área total de cerca de 550 m2, com a superfície coberta de 125 m2 e superfície
descoberta ou quintal com 425 m2 situado no lugar Cerqueiral, na freguesia de
Forjães, deste concelho, a confrontar a Norte com estrada municipal, a Sul e
Poente com Padre Manuel Vilas Boas Lima e Nascente com os 1. °s RR., inscrito em
nome do A. marido na matriz urbana sob o número 712/urbano de Forjães – apesar
da descrição incorrecta, facto este que adiante se abordará – e omisso na
Conservatória do Registo Predial de Esposende – doc. nº 1.”
Sendo o prédio omisso na Conservatória de Registo Predial, conforme invocaram os
demandantes e conforme se estabeleceu na sentença do 2.º Juízo do Tribunal
Judicial de Esposende (f. 218 dos autos: “os autores não beneficiam da presunção
do registo prevista no art.º 7.º do Cód. Reg. Predial, uma vez que o prédio
identificado no art.º 1.º da petição, com as características aí mencionadas,
está omisso na Conservatória de Registo Predial”), é evidente que não faz
sentido invocar uma “presunção da titularidade do direito de propriedade
derivada do registo predial.”
Não tendo as normas sido aplicadas com o sentido impugnado, não pode, também por
esta razão, conhecer-se do recurso interposto, pelo que é de proferir a
correspondente decisão sumária nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do
Tribunal Constitucional.»
2.Em 3 de Outubro de 2005, o mandatário da recorrente, por requerimento dirigido
ao Tribunal da Relação de Guimarães, veio renunciar ao mandato que lhe havia
sido conferido pela mesma.
Sobre esse requerimento proferiu o relator no Tribunal Constitucional o seguinte
despacho, em 21 de Outubro de 2005:
“Renúncia ao mandato (fls. 844): proceda às notificações previstas no artigo
39.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, com a advertência dos efeitos
previstos no n.º 3 do mesmo artigo 39.º (aplicável por força do artigo 69.º da
Lei do Tribunal Constitucional).”
Em 27 de Outubro de 2005, o mandatário da recorrente apresentou novamente
requerimento de renúncia ao mandato, desta vez dirigido ao Tribunal
Constitucional, acompanhado de requerimento de reclamação para a conferência da
decisão sumária de 12 de Outubro de 2005, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A
da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, nos
seguintes termos:
«1 – Salvo o devido respeito por opinião contrária, a decisão sumária ora
reclamada parte de dois pressupostos errados, ou seja,
2 – O de que a suscitação da inconstitucionalidade durante o processo não
ocorreu de forma adequada;
3 – E o de que as decisões recorridas não aplicaram as normas impugnadas com o
sentido que é ora acusado de desconformidade constitucional;
4 – Com efeito, cumpre desde logo referir que, conforme se alegou no item do
nosso requerimento de interposição de recurso, a questão concreta de
inconstitucionalidade foi suscitada pela ora reclamante no seu pedido de reforma
do douto acórdão de 26/11/2003, constante do seu requerimento de fls. 469 a 473;
5 – E não se venha dizer que a recorrente não identifica de forma clara quais as
normas cuja constitucionalidade é posta em causa,
6 – Porquanto, salvo o devido respeito por opinião contrária, deduz-se com
mediana clareza do teor do seu requerimento de fls. 469 a 473 que as normas cuja
constitucionalidade é questionada são as constantes dos art.ºs 7.° do Código do
Registo Predial e 1268. ° do Código Civil;
7 – Até porque as normas processuais constantes dos itens 18.º e 20. ° do
aludido requerimento apenas foram invocadas para sustentar do ponto de vista
técnico-processual o respectivo pedido de reforma do dito acórdão, bem com a
própria nulidade deste último;
8 – De qualquer forma, se o tribunal recorrido tivesse tido quaisquer dúvidas
quanto às normas em causa certamente que teria mandado notificar a recorrente
para vir prestar os necessários esclarecimentos;
9 – Por outro lado, não obstante a posição assumida pelo Exmo. Conselheiro
Relator na decisão ora reclamada, continuamos a entender que as normas cuja
constitucionalidade foi posta em causa foram aplicadas com o sentido preconizado
pela recorrente no seu requerimento de interposição de recurso;
10 – Pois que, quanto a esta questão e salvo o devido respeito por opinião
contrária, a decisão reclamada parte também de um errado pressuposto, ou seja, o
de que o prédio cujo direito de propriedade é reclamado pela recorrente está
omisso na Conservatória do Registo Predial de Esposende,
11 – É que o Exmo. Relator parece ter confundido o prédio reivindicado pela ora
recorrente com o prédio reivindicado pelos AA ora reclamados que são, aliás,
prédios diferentes (vd. art.ºs 1.° da P.I. e 22.° da contestação/reconvenção);
12 – Com efeito, são os AA ora reclamados que alegam no art.º 1.º da sua petição
inicial que o prédio de que se arrogam proprietários está omisso na
Conservatória do Registo Predial de Esposende;
13 – Sendo que, ao invés, a Ré/Reconvinte e ora reclamante alegou no art.º 22.°
da sua contestação/reconvenção que o prédio de [que] se arroga proprietária, e
nesse artigo melhor identificado, se encontra descrito na Conservatória do
Registo Predial de Esposende sob a ficha n.º 00333/281289, em conformidade,
aliás, com o teor da certidão junta à P.I. sob o doc. n.º 11;
14 – Acresce que, quando se socorre da douta sentença da 1.ª instância, o Exmo.
Relator incorre em novo lapso, porquanto a posição processual da ora reclamante,
se bem que também seja demandante, não é a de Autora, mas sim a de
Ré/Reconvinte;
15 – Pelo que, toda a argumentação plasmada pelo Exmo. Relator na decisão ora
reclamada se vale efectivamente para os AA/Reconvindos/reclamados por o prédio
destes se encontrar omisso no Registo Predial já não pode colher para a
Ré/Recovinte/Reclamante porque o seu prédio se encontra descrito e registado a
seu favor na competente Conservatória do Registo Predial;
16 – De resto, por paradoxal que pareça, o próprio tribunal da 1.ª instância
questiona a utilidade e interesse prático do pedido reconvencional formulado
pelos réus, quando escreve: “Não se discutindo agora a sua pertinência (e
razoabilidade prática, face às escrituras e registos documentados nos
autos)...”;
17 – E depois acaba por julgar tal pedido improcedente;
18 – Pelo que, sob pena de violação do art.º 20.° da C.R.P., não obstante as
escrituras e registo documentados nos autos, a ora reclamante têm o direito de
ver judicialmente reconhecido o seu direito de propriedade sobre o imóvel
descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º 00333/282189
da freguesia de Forjães;
19 – Ora, se não fossem os lapsos manifestos em que incorreu o Exmo. Relator,
certamente que a sua decisão seria outra no sentido da admissibilidade do
recurso interposto pela ora reclamante.
Termos em que a presente reclamação deverá ser julgada totalmente procedente,
com a consequente revogação da decisão sumária ora reclamada e a sua
substituição por outra em que seja admitido o recurso interposto pela ora
reclamante.»
Em 4 de Novembro de 2005, a recorrente veio aos autos, por si mesma, apresentar
um requerimento em que pediu o esclarecimento do “efeito de não constituição de
novo mandatário, ou seja, se é, de facto, o que consta do teor da notificação
que lhe foi efectuada ou se, ao invés, é o que consta do n.º 6 do art.º 39.º do
CPC (‘ficar a reconvenção sem efeito’)”.
Tal requerimento foi objecto do seguinte despacho do relator no Tribunal
Constitucional, datado de 9 de Novembro de 2005:
“Requerimento de fls. 870: esclareça que o efeito da não constituição de
advogado será o do n.º 3 ou o do n.º 6 do artigo 39.º do Código de Processo
Civil (aplicável por força do artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional ao
recurso de constitucionalidade), conforme a hipótese em causa, não sendo a este
Tribunal que compete a declaração de tal efeito nos autos, designadamente para a
reconvenção.”
Os recorridos, por sua vez, responderam à referida reclamação para a conferência
defendendo a manutenção da decisão reclamada “por assentar em fundamentos
certeiros”.
Em 25 de Novembro de 2005, a recorrente, novamente sem patrocínio judiciário,
veio apresentar novo requerimento, desta vez pretendendo reclamar para a
conferência, nos termos do artigo 78.º-B, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional, do despacho do relator de 9 de Novembro de 2005. Dizia nesse
requerimento:
«Salvo o devido respeito por opinião contrária, uma vez que estamos perante uma
causa em que é obrigatória a constituição de advogado, a notificação a efectuar
à ora reclamante da renúncia do mandato apresentada pelo seu primitivo
mandatário terá de conter necessariamente a cominação dos concretos efeitos
processuais da não constituição de novo advogado no prazo que lhe for concedido
para efeito (vd. art.º 39.°, n.ºs 3 e 6, do CPC);
Pelo que, atenta a situação processual dos presentes autos e tendo em vista a
sua decisão de constituir ou não novo mandatário, a ora reclamante carece de
saber se o efeito da não constituição de novo advogado é efectivamente o
prosseguimento da reclamação apresentada pelo seu anterior mandatário,
Ou se, ao invés, e como é aliás o entendimento da própria requerente (pelas
razões plasmadas no seu requerimento de fls. 870 e que se dão aqui por
integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais), a consequência
processual de tal facto é a reconvenção por si deduzida ficar sem efeito, nos
termos do n.º 6 do art.º 39.° do CPC;
E se é certo que a requerente se a declaração dos efeitos da não constituição de
advogado compete ou não a este tribunal, [sic]
Também é certo que não se percebe muito bem que seja este tribunal a proceder às
notificações a que se refere o art.º 39.° do CPC e à advertência referida no
respectivo n.º 2,
E depois ser outro tribunal a declarar os efeitos concretos da não constituição
de novo advogado;
Ora, uma vez que a resolução de tal questão poderá levar à inutilidade da
reclamação para a conferência apresentada pela requerente, o melhor seria o
processo baixar ao tribunal competente para declarar os efeitos da não
constituição de novo advogado que procederá, de igual modo, à respectiva
notificação e advertência;
O certo é que a reclamante terá de ser advertida dos concretos efeitos
processuais que lhe advirão da não constituição de novo advogado.
Termos em que a presente reclamação deverá ser julgada totalmente procedente,
com a consequente revogação da decisão ora impugnada e a sua substituição por
outra em que se ordene a repetição da notificação efectuada à ora reclamante nos
termos e para os efeitos do art.º 39.° do CPC, devendo, desta feita, ser aquela
devidamente advertida dos concretos efeitos processuais da não constituição de
novo advogado.»
Em 31 de Janeiro de 2006 o relator proferiu novo despacho com o seguinte teor:
“Reclamação de fls. 877-878: notifique a requerente para constituir mandatário
no prazo de 20 dias, sob pena de esta reclamação não poder ter seguimento
(artigo 83.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, e artigo 39.º, n.º 3, do
Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º daquela Lei).
Requerimento de fls. 862: notifique a recorrente/reclamante da renúncia ao
mandato, conforme solicitado pelo mandatário, depois de entregar no Tribunal
Constitucional a reclamação para a conferência que a acompanha, dando-se sem
efeito a notificação anteriormente ordenada, em 21 de Outubro de 2005 (fls.
845). Mais esclareça que a cominação para a não constituição de mandatário, que
se determinou no parágrafo anterior, não impedirá o conhecimento da reclamação
da decisão sumária de 12 de Outubro de 2005 para a conferência (fls. 852-855) –
a menos que, no mesmo prazo, dela venha desistir (nos termos do disposto no
artigo 300.º do Código de Processo Civil) –, tendo as consequências da falta de
mandatário, para efeitos a produzir no tribunal recorrido, de vir a ser
apreciados quando o processo aí retornar, após o termo da instância neste
Tribunal Constitucional.”
Notificada do despacho transcrito, a recorrente/reclamante, sempre por si
própria, sem patrocínio judiciário, apresentou nova reclamação para a
conferência, nos seguintes termos:
«1 – Na sequência da notificação do douto despacho de 9/11/2005, a ora
reclamante apresentou o seu requerimento de fls. 877 e 878 através do qual
reclamou para a conferência nos termos do art.º 78.°-A, n.º 2, da LTC e, a
final, pediu a revogação do despacho reclamado por outro em que fosse ordenada a
repetição da notificação efectuada à reclamante nos termos e para os efeitos do
art.º 39.° do CPC, devendo, desta feita, ser aquela devidamente advertida dos
concretos efeitos processuais da não constituição de advogado;
2 – Sucede que, sem que o aludido requerimento tenha sido submetido à
conferência, a ora reclamante foi notificada do douto despacho do Ex.mo
Conselheiro Relator de 31/01/2006 que, por um lado, determinou a notificação da
“requerente para constituir mandatário no prazo de 20 dias, sob pena de esta
reclamação não poder ter seguimento...”;
3 – E que, por outro lado, deu “sem efeito a notificação anteriormente ordenada,
em 21 de Outubro de 2005 (fls. 845)”, ordenou a nova notificação da
recorrente/reclamante da renúncia ao mandato e esclarece “que a cominação para a
não constituição de mandatário, que se determinou no parágrafo anterior, não
impedirá o conhecimento da reclamação da decisão sumária de 12/10/2005 para a
conferência (fls. 852-855)”;
4 – Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, a reclamação de fls.
877-878 deverá ser apreciada pela conferência, nos termos do art.º 78.°-A, n.ºs
3 e 4, e 78.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC, o que, desde já, se deixa aqui
expressamente requerido para todos os efeitos legais;
5 – Acresce que, o douto despacho de 31-1-2006 é manifestamente contraditório,
6 – Pois que, no primeiro parágrafo determina-se que a cominação para a não
constituição de mandatário no prazo indicado será o não seguimento da reclamação
de fls. 877-878 e no segundo parágrafo adverte-se que tal omissão não impedirá o
conhecimento da reclamação de fls. 852-855;
7 – Cremos, no entanto, que o Ex.mo Conselheiro carece de razão!
8 – Com efeito, como consta expressamente dos presentes autos, a sentença do
tribunal da 1.ª instância que julgou a acção improcedente e absolveu os réus dos
pedidos contra si formulados pelos autores já há muito transitou em julgado;
9 – Por outro lado, o objecto do recurso para este Tribunal prende-se
exclusivamente com o pedido reconvencional deduzido por ambos os
réus/reconvintes, mas actualmente apenas sustentado pela ré esposa e ora
reclamante, sendo certo que o réu (e reconvinte) marido já há longa data
desistiu do pedido reconvencional.
10 – Pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, a norma aplicável
à situação ora em apreço não é a constante do n.º 3 do artigo 39.° do Código de
Processo Civil, mas sim a do respectivo n.º 6.
11 – Porquanto, a ré ora reclamante deduziu reconvenção e, quanto a esta, a
sentença da primeira instância ainda não transitou em julgado.
12 – E, assim sendo, a consequência processual da não constituição de advogado
por parte da ora reclamante é a reconvenção por si deduzida ficar sem efeito,
nos termos do n.º 6 do art.º 39.° do CPC;
Termos em que a presente reclamação deverá ser julgada totalmente procedente,
com a consequente revogação da decisão ora impugnada e a sua substituição por
outra em que se ordene o prosseguimento da normal tramitação da reclamação para
a conferência de fls. 877-878 ou em que, simplesmente, se ordene a repetição da
notificação efectuada à ora reclamante nos termos e para os efeitos do art.º
39.° do CPC, devendo, desta feita, ser aquela devidamente advertida que a
consequência processual da não constituição de advogado é a reconvenção por si
deduzida ficar sem efeito, nos termos do n.º 6 do art.º 39.° do CPC.»
Cumpre agora apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Começar-se-á por delimitar as pretensões sobre as quais o Tribunal se pode
pronunciar, dando concomitantemente conta das razões que levaram à específica
tramitação processual relatada.
Com efeito, antes de ser proferida a decisão sumária de 12 de Outubro de 2005,
mas sem que disso tivesse notícia o Tribunal Constitucional, já o patrono da ora
reclamante tinha, junto do Tribunal da Relação de Guimarães, renunciado ao
mandato e pedido “a notificação da mesma, nos termos e para os efeitos dos n.ºs
1, 2, 3 e 4 do artigo 39.º do CPC (ex vi art.º 4.º do CPP)”. Foi justamente essa
notificação a que foi efectuada na sequência de despacho do relator de 21 de
Outubro, por ser de presumir que a renúncia ao mandato junto daquele Tribunal
implicaria também, do mesmo modo, renúncia ao mandato junto do Tribunal
Constitucional.
A circunstância, porém, de a decisão sumária do recurso de constitucionalidade
ter sido proferida no espaço de tempo que medeou entre a apresentação daquela
renúncia e o seu conhecimento por este Tribunal, bem como o facto de,
posteriormente, a recorrente ter vindo, por intermédio ainda do mesmo mandatário
judicial, simultaneamente a deduzir reclamação para a conferência e a apresentar
novamente, agora em requerimento dirigido ao Tribunal Constitucional,
comunicação de renúncia ao mandato, levou que se desse sem efeito aquela
primeira notificação. Ficou, assim, salvaguardada a possibilidade de se tomar
conhecimento da reclamação para a conferência, por se dever entender que, quando
ela foi apresentada, a reclamante estava ainda devidamente representada (como
resulta, aliás, do facto de ter sido ainda o seu mandatário a apresentar a
reclamação prevista no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional).
O despacho apenas salvaguardou a possibilidade de a reclamante ter perdido o
interesse na reclamação.
Já as posteriores reclamações para a conferência (apresentadas ao abrigo do
artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo
69.º da Lei do Tribunal Constitucional) dos despachos do relator proferidos em 9
de Novembro de 2005 e 31 de Janeiro de 2006, assinadas pela própria recorrente –
isto é, sem patrocínio judiciário – não poderão, porém, ser apreciadas, pois,
como se sabe, é obrigatório o patrocínio judiciário para litigar perante o
Tribunal Constitucional (artigo 83.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
A recorrente foi, aliás, convidada a constituir mandatário, sendo expressamente
advertida da necessidade de tal constituição para a sua primeira reclamação
(fls. 877 e segs. dos autos) poder ter seguimento.
4. Passando a conhecer da reclamação para a conferência da decisão sumária,
prevista no artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, importa
reconhecer que a reclamante tem razão quando alega ter-se verificado um lapso
manifesto na identificação do prédio omisso na Conservatória e na sua posição
processual, devendo, pois desconsiderar-se o que se escreveu no ponto 6 da
decisão sumária proferida em 12 de Outubro de 2005.
A reclamante reitera, porém, “o sentido preconizado pela recorrente no seu
requerimento de interposição de recurso”, e o sentido das normas cuja
constitucionalidade aí requereu que fosse apreciada (as dos artigos 1268.º, n.º
1, do Código Civil e 7.º do Código do Registo Predial) foi o de que
“a presunção de titularidade do direito de propriedade derivada do registo
predial não dá à requerente o direito de ver expressamente reconhecido por
decisão judicial o seu direito de propriedade sobre o prédio descrito na
Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º 00333/282189 da
freguesia de Forjães, independentemente das respectivas área e confrontação.”
Ora, nesta medida, vale a observação, feita naquele ponto 6 da decisão sumária
reclamada, de que se operou a troca de um sentido normativo por um sentido
concreto, por ser obviamente impossível associar a normas, ou interpretações
normativas, uma qualquer interpretação que implique referência ao concreto
prédio acima identificado. O que a recorrente pretendia sindicar era, pois, a
aplicação da norma, não a sua interpretação.
Em todo o caso, como se escreveu na decisão sumária, qualquer das razões nela
invocadas seria, “só por si, bastante para excluir o conhecimento do recurso” –
o que implicaria que, mesmo a admitir que ainda pudesse ser divisado um (outro)
sentido normativo para as normas impugnadas, tal teria de ter sido impugnado
durante o processo. E não o foi. Por um lado, porque não se deduz das peças
processuais que apresentou, ao contrário do que invoca a reclamação, que as
normas cuja constitucionalidade era questionada fossem “as constantes do art.º
7.º do Código do Registo Predial e art.º 1268.º do Código Civil”, e, ainda que
se deduzisse, tal suscitação da inconstitucionalidade ocorreu num momento em que
o poder jurisdicional do tribunal a quo estava já esgotado. Por outro, porque,
também ao contrário do que diz, o “tribunal recorrido” não teria, em caso de
dúvida “quanto às normas em causa”, de ter “mandado notificar a recorrente para
vir prestar os necessários esclarecimentos”.
Comecemos por esta última pretensão. Se bem se percebe o argumento da
reclamante, afirma que o tribunal recorrido está, quanto a uma questão de
constitucionalidade que lhe é, entre as mais, posta, obrigado ao mesmo dever de
proferir um despacho de aperfeiçoamento que recai sobre o relator – no tribunal
recorrido ou no próprio Tribunal Constitucional – perante um recurso de
constitucionalidade. Obviamente, não é assim. A obrigação de proferir um
despacho de aperfeiçoamento nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A da Lei do
Tribunal Constitucional vale exclusivamente para o requerimento de interposição
do recurso de constitucionalidade – e, aliás, nunca pode tal despacho suprir a
falta de indicação, durante o processo, das normas a apreciar nesse recurso.
Trata-se de um despacho de aperfeiçoamento formal, não de sanação de uma
insuficiência de requisitos substanciais para se poder tomar conhecimento do
recurso.
O que se escreveu na decisão sumária foi isso mesmo: a reclamante estava
obrigada a, perante (ao menos) o Tribunal da Relação de Guimarães, suscitar de
forma adequada as questões de constitucionalidade que pretendia que tal tribunal
apreciasse. Não tendo cumprido esse ónus de “adopção de uma estratégia
processual adequada”, fica precludida a possibilidade de obter uma reapreciação,
por parte do Tribunal Constitucional, do juízo de constitucionalidade (emitido
ou omitido) pelo tribunal a quo.
Ora, como se escreveu na decisão sumária, a reclamante não suscitou, perante
esse tribunal, nenhuma questão de constitucionalidade balizada na identificação
de uma ou mais normas e de um sentido correspondente. Limitou-se a invocar uma
“interpretação das normas em causa diversa da ora preconizada”, desconforme com
o “princípio da tutela jurisdicional efectiva”, sem concretizar, nem a
interpretação, nem as normas a que se pretendia imputá-la. Assim, nem o acórdão
do Tribunal da Relação de Guimarães emitiu (ou omitiu indevidamente) qualquer
pronúncia sobre uma tal questão, nem há qualquer correcção a fazer à decisão
sumária que, com este fundamento, resolveu não conhecer do recurso de
constitucionalidade.
Mas também não procede a invocação da “meridiana clareza do teor do seu
requerimento de fls. 469 a 473” de que resultaria “que as normas cuja
inconstitucionalidade é questionada são as constantes do art.º 7.º do Código do
Registo Predial e art.º 1268.º do Código Civil”. Por um lado porque, como se
referiu na decisão sumária, tais normas (cuja suposta inconstitucionalidade era
invocada no § 21 do requerimento), não eram nem as mencionadas no § 20, nem a
referida no § 18, nem sequer a referida no § 16. Correspondiam, sim, a uma norma
que era mencionada no § 10, e a uma outra que se referia, só, no proémio do
requerimento. Por outro lado, porque, mesmo a não ser assim, o requerimento em
causa já não constituía momento adequado para suscitar a questão de
constitucionalidade em relação a tais normas, visando, como visava, a reforma de
uma decisão já anteriormente proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
Estando, nesse momento, já esgotado o poder jurisdicional desse tribunal para
poder apreciar uma tal questão, ela foi suscitada já não durante o processo,
como tinha de ter sido, mas para além dele. O que, também só por si, levaria ao
não conhecimento do recurso.
A decisão sumária reclamada deve, pois, ser confirmada, embora com os
fundamentos enunciados.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento das reclamações para a conferência apresentadas sem
patrocínio judiciário, a fls. 877 e seg. e 886 e seg. dos autos;
b) Corrigir a decisão sumária proferida em 12 de Outubro de 2005, dando por
não escrito o seu ponto 6;
c) Confirmar, no mais, a decisão de não conhecimento do recurso, com os
fundamentos enunciados;
d) Condenar a reclamante em custas, pelo mínimo legal de 5 (cinco) unidades de
conta.
Lisboa, 9 de Novembro de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos