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Processo nº 748/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra intentou
A. meio processual acessório visando serem alterados os rendimentos líquidos de
€ 54.867,77, € 54.867,77 e € 54.867,77 que, por métodos indirectos, lhe foram
fixados, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, para
os anos de 2002, 2003 e 2004.
No petitório daquele meio processual, a impugnante fez
indicação de diversas testemunhas, com vista a, caso tal se tornasse necessário,
prestarem depoimento sobre a matéria de facto que alegou naquele petitório.
Após ter sido deduzida oposição pelo Director-Geral dos
Impostos, a Juíza daquele Tribunal, em 8 de Agosto de 2006, proferiu o seguinte
despacho: –
“No presente recurso, interposto ao abrigo do
art. 146° B do CPPT, a contribuinte A. veio alegar factos que carecem não só de
prova documental mas também de prova diversa desta.
São estes: o dinheiro emprestado pelos filhos e
a sua utilização do negócio em causa e que deu origem à presunção de rendimentos
superiores.
Acontece, porém que a norma que regula este tipo
de recurso não admite prova para além da documental (art. 146º B, nº3 do CPPT).
Contudo, afigura-se-nos que tal norma à luz da
Constituição da República Portuguesa poderá ser inconstitucional, em concreto
violando o art. 20º da Lei Fundamental.
Com efeito tem-se entendido que a efectiva
garantia de acesso ao direito e aos Tribunais importa a «consagração de um
verdadeiro «direi to de prova» e «a eliminação de disposições especiais que
(...) limitassem o tipo de meios probatórios admissíveis».
Não se pretende, como é claro, que o princípio
seja interpretado como a consagração constitucional da livre admissibilidade dos
meios de prova. A lei ordinária consagrava várias limitações ao exercício do
direito de defesa no aceso aos meios probatórios umas [de] índole material,
(como as dos arts. 364º e 393º do Código Civil) e outras adjectivas, com
finalidades como a eficácia e celeridade processuais.
No presente caso a lei determina que a decisão
seja proferida no prazo de 90 dias por conseguinte a produção da prova
testemunhal não é incompatível com tal prazo, e, também, não se vê que a
eficácia da actuação da administração fiscal saia prejudicada.
Diga-se por fim que inúmeros processos urgentes
(recurso da decisão do órgão de execução fiscal, arrolamentos e arresto)
comportam prova testemunhal sem qualquer prejuízo para a celeridade processual.
A oportunidade da admissão deste meio de prova
é, no direito tributário, concretamente ponderada pelo juiz, que poderá
dispensar ou não as provas através de um juízo de prognose sobre a necessidade
da mesma.
Por outro lado, a própria administração fiscal
não está no procedimento de derrogação do sigilo bancário condicionada por tais
limites já que o seu instrutor poderá utilizar todos os meios de prova
legalmente previstos e que sejam necessários à decisão, tal como ouvir o
contribuinte ou outras pessoas envolvidas e juntar as respectivas declarações
reduzidas a escrito ao processo instrutor fundamentando assim a decisão a
proferir a final (arts. 72º da LGT e 50º do CPPT e 55º do Regulamento
Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária).
Não há dúvida que uma tutela efectiva tem de
passar também pela consagração efectiva de um processo equitativo que assegure a
igualdade de armas na tramitação processual, como decorre do nº4 do art. 20º da
Lei Fundamental.
Não será difícil descortinar que a prova
testemunhal nestes processos, em que está em causa o recurso à tributação
indirecta, se apresente como a mais adequada e até a única capaz de esclarecer
alguns dos factos controvertidos.
Desta feita, julgando-se materialmente inconstitucional, à luz do art. 20º da
Constituição, a norma do art. 146º B, nº3 do CPPT, na parte em que estatui que
os meios de prova: «devem revestir natureza exclusivamente documental», impede o
recurso à prova testemunhal, admito a inquirição da prova arrolada.
Notifique.
Face à obrigatoriedade de interposição de recurso para o Mº
Pº notifique o/a Exm. Procurador (a)
Oportunamente conclua para designar data para inquirição.”
Do transcrito despacho recorreu, ao abrigo da alínea a) do nº
1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a Representante do Ministério
Público junta do indicado Tribunal, visando a apreciação da “disposição do artº
146º-B, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário na parte em que,
prescrevendo que os meios de prova ‘devem revestir natureza exclusivamente
documental’, impede o recurso à prova testemunhal”.
O recurso foi admitido por despacho lavrado em 10 de Agosto
de 2006 pela referida Juíza.
2. Determinada a feitura de alegações, concluiu a entidade
recorrente a por si produzida, formulando as seguintes «conclusões»: –
“1 – O segmento final da norma constante do artigo 146°-B, nº 3, do CPPT, ao
restringir à prova documental o tipo de meios probatórios ao dispor do
contribuinte que pretenda recorrer da decisão da administração tributária que
determina a avaliação indirecta da matéria colectável – precludindo qualquer
apreciação ou valoração judicial, susceptível de permitir adequar os meios
probatórios requeridos à natureza dos factos controvertidos e à previsível
utilidade para a justa composição do litígio – viola o direito de acesso aos
tribunais, na dimensão do ‘direito à prova’ por parte do litigante onerado com o
‘ónus da prova’.
2 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado
pela decisão recorrida.”
Não houve qualquer resposta à alegação.
Cumpre decidir.
3. A norma sub iudicio, inserida no artº 146º-B do Código de
Processo e de Procedimento Tributário aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99, de 26
de Outubro, e alterado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, apresenta a seguinte
redacção (apõe-se, em negrito, o preceito que a contém): –
Artigo 146.º-B
Tramitação do recurso interposto pelo contribuinte
1 – O contribuinte que pretenda recorrer da decisão da
administração tributária que determina o acesso directo à informação bancária
que lhe diga respeito deve justificar sumariamente as razões da sua discordância
em requerimento apresentado no tribunal tributário de 1.ª instância da área do
seu domicílio fiscal.
2 – A petição referida no número anterior deve ser
apresentada no prazo de 10 dias a contar da data em que foi notificado da
decisão, independentemente de a lei atribuir à mesma efeito suspensivo ou
devolutivo.
3 – A petição referida no número anterior não obedece a
formalidade especial, não tem de ser subscrita por advogado e deve ser
acompanhada dos respectivos elementos de prova, que devem revestir natureza
exclusivamente documental.
4 – O director-geral dos Impostos ou o director-geral das
Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo não notificados para,
querendo, deduzirem oposição no prazo de 10 dias, a qual deve ser acompanhada
dos respectivos elementos de prova.
5 – As regas dos números precedentes aplicam-se, com as
necessárias adaptações, ao recurso previsto no artigo 89.º-A da lei geral
tributária.
Anote-se que, de harmonia com os números 1 e 2 do artº 89º-A
da Lei Geral Tributária aprovada pela Lei nº 41/98, de 4 de Agosto (e que sofreu
já algumas alterações – cfr. citada Lei nº 15/2001, Lei nº 55-B/2004, de 30 de
Dezembro, e Lei nº 50/2005, de 30 de Agosto), há lugar a avaliação indirecta da
matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte
evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4
(anexa àquela Lei) ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção
superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da
referida tabela, para cuja aplicação se tomam em consideração os bens adquiridos
no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou qualquer
elemento do respectivo agregado familiar, os bens de que frua no ano em causa o
sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar, adquiridos
nesse ano ou nos três anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa
ou indirectamente, participação maioritária, ou por entidade sediada em
território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o
titular respectivo.
E, de acordo com o nº 3, também do dito artº 89º-A,
verificadas as situações que conduzam à avaliação indirecta da matéria
colectável, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os
rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna
evidenciadas, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja
obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito, sendo que
(nº 4 desse artigo), se não efectuar essa prova, considera-se como rendimento
tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam
indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no art.º 90.º (que cura
da determinação da matéria tributável por métodos indirectos), que permitam à
administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado
nos termos da tabela seguinte:
Manifestações de fortunaRendimento padrão
1 – Imóveis de valor de aquisição
igual ou superior a 50 000 contos. 20% do valor de aquisição.
2 – Automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a 10000
contos e motociclos de valor igual ou superior a 2000 contos.50% do valor
no ano de matrícula com o abatimento de 10% por cada um dos anos
seguintes.
3 – Barcos de recreio de valor igual ou Superior a 5000 contos.Valor no
ano de registo com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes.
4 – Aeronaves de turismo.Valor no ano de registo com o abatimento de 20%
por cada um dos anos seguintes.
Perante o que se consagra no nº 6, ainda do mesmo artº 89º-A,
da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante
deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a
tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos
artigos 91.º e seguintes (que tratam dos pedido de revisão da matéria tributável
e do procedimento de revisão dessa matéria).
Destas citadas disposições resulta, pois, não olvidando o que
se dispõe no nº 8 do artº 89º-A da Lei Geral Tributária, que ao recurso da
decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto previsto no seu
artº 89º-A é aplicável o que se prescreve na parte final do nº 3 do artº 146º-B
do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou seja, que não é possível
ao contribuinte apresentar prova testemunhal destinada à comprovação de factos
que invoque e que, na sua perspectiva, são susceptíveis de infirmar os dados que
conduziram à avaliação indirecta, sendo que é sobre o mesmo contribuinte que
recai o ónus de demonstrar que a declaração de rendimentos que apresentou
corresponde à realidade ou que outra foi a fonte das «manifestações de fortuna»
evidenciadas.
A questão que, assim, se coloca, reside em saber se a
limitação decorrente daquela parte final é de considerar como conflituante com a
Lei Fundamental, enquanto se reporta à exclusão da prova testemunhal nos casos
em que esta é admissível como meio de prova (e isto atendendo a que foi nessa
dimensão que o despacho recorrido operou a desaplicação normativa em causa).
3.1. Recaindo sobre o contribuinte, como se disse acima, o
ónus de demonstração da realidade das declarações tributárias, não obstante as
«manifestações de fortuna» indiciarem a percepção de rendimentos superiores aos
constantes daquelas declarações, entendeu o legislador, com a norma em apreço,
que os elementos de prova a carrear pelo contribuinte no sentido de infirmar a
«presunção» decorrente de tais «manifestações» somente poderiam ser apresentados
desde que revestissem a natureza documental.
Certamente que o fez com base na consideração, em primeiro
lugar, que esses meios se apresentavam como detendo maior eficácia e fiabilidade
do que os restantes; em segundo, que, como as declarações tributárias
apresentadas são, em regra, demonstradas por documentos, igualmente por estes
haveria de ser provado que as «manifestações de fortuna» indiciadoras de uma
percepção de superiores rendimentos não corresponderiam à indiciação; em
terceiro, que, como o processo é, por sua natureza, urgente, a utilização de
outros meios de prova, designadamente testemunhal, não se compadeceria com a
desejada celeridade adjectiva.
Justamente por isso, é de aceitar que – nas situações em que
a prova de que as «manifestações de fortuna» não correspondem a um auferir de
rendimentos superiores ao declarado possa, com suficiência, ser alcançada por
meio documental – o intento do legislador precipitado no normativo em causa não
se anteveja como desrazoável.
Na verdade, como tem este Tribunal assinalado por mais de uma
vez (cfr., verbi gratia, o seu Acórdão nº 489/2002, publicado nos Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 54º volume, 861 e seguintes), goza o legislador,
nomeadamente o legislador fiscal, de um grau de discricionariedade no
estabelecimento, quer dos pressupostos que condicionam a invocabilidade de
determinados factos sujeitos a tributação ou das causas de abatimento ou dedução
à matéria colectável, quer dos meios de prova, ainda que «tarifada», das
circunstâncias que atestem a seriedade e plausibilidade das declarações.
Neste particular, como refere Miguel Teixeira de Sousa (As
partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, 1995, 228) “o direito de
acesso à justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova. E,
ainda segundo esse mesmo autor, tal “não significa, porém, que o direito
subjectivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em
direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do
litígio ou que não sejam possíveis limitações quantitativas na produção de
certos meios de prova (por exemplo, limitação a um número máximo de testemunhas
arroladas por cada parte). Bastará percorrer as normas de direito probatório
constantes do Código Civil ou do Código de Processo Civil para verificar que há
diversas proibições de utilização de certos meios de prova cuja
constitucionalidade nunca foi posta em causa”. “Em muitos casos, a
inadmissibilidade, estabelecida pela lei, de prova testemunhal tem como
fundamento o juízo do legislador sobre as graves consequências de um testemunho
inverídico, dada a especial fiabilidade desse meio probatório. Tais casos de
inadmissibilidade têm, porém, natureza excepcional e hão-de ter uma justificação
racional” (cfr., ainda, sobre o que se insere no direito de acesso aos
tribunais, o Acórdão deste Tribunal nº 86/88, in Diário da República. II Série,
de 22 de Agosto de 1988).
3.2. Simplesmente, mesmo aceitando o que se expôs no
antecedente ponto, e partindo agora da premissa que o direito de acesso à
justiça integra, inter alia, o direito de o interessado produzir demonstração
dos factos que, na sua óptica, suportam o «direito» ou o «interesse» que visa
defender pelo recurso aos tribunais, o problema que se põe há-de residir na
formulação de um juízo que pondere se o legislador, ao editar a norma em
análise, respeitou, proporcionada e racionalmente, aquele direito na vertente em
questão, em termos de conduzir a que, para a generalidade de situações, o
interessado se não veja constrito à impossibilidade de uma real defesa dos seus
direitos ou interesses em conflito.
Este Tribunal, no seu Acórdão nº 187/2001 (in II Série do
Diário da República de 26 de Junho de 2001) teve ocasião de referir: –
“(…)
enquanto a administração está vinculada à prossecução de finalidades
estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a
finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a
determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e
o grau de consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações
complexas, no próprio plano empírico (social e económico). É de tal avaliação
complexa que pode, porém, depender a resposta à questão de saber se uma medida é
adequada a determinada finalidade
(…)
Ora, não pode deixa de reconhecer-se ao legislador – diversamente da
administração –, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as
suas finalidades, uma ‘prerrogativa de avaliação’, como que um crédito de
confiança’, na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas
entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela
resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução
dos objectivos visados com a medida
(…)
Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que,
perante o caso concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe
violação – ou não existe – e a norma é constitucionalmente conforme. Tal
objecção, segundo a qual apenas poderia existir uma ‘resposta certa’ do
legislador, conduz a eliminar a liberdade de conformação legislativa, por lhe
escapar o essencial: a própria verificação jurisdicional da existência de uma
inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma
determinada norma, depende justamente de se poder detectar um erro manifesto de
apreciação da relação entre a medida e os seus efeitos, pois aquém desse erro
deve deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e
economicamente complexa.
(…)”
Ora, são cogitáveis situações em que, no que ora importa, a
demonstração de que as «manifestações de fortuna» não produziram rendimentos
diversos daqueles que foram trazidos às declarações se não alcança unicamente
(ou, mais propriamente, não se pode alguma vez atingir) através de meios
documentais, carecendo-se de prova testemunhal e, obviamente, nos casos em que
esta seja admissível nos termos gerais de direito.
Nessas situações, perante a determinação ínsita na norma em
causa, o interessado, perante uma, então, manifesta e, quiçá, insuperável,
dificuldade em alcançar o objecto probandi, ver-se-ia postado numa
impossibilidade de demonstrar os factos que suportavam os seus direitos ou
interesses.
Essa limitação, que, em tais situações, redunda numa absoluta
constrição de quanto à utilização desse específico meio de prova, não se revela
ponderada e adequada em face do direito fundamental que deflui do nº 1 do artigo
20º da Constituição.
O direito à tutela judicial efectiva, como vincam Gomes
Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª
edição, 163) “sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa,
verificar-se-á, sobretudo, quando a não observância … de princípios gerais de
processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu alegar [e,
acrescentar-se-á agora, de provar], daí resultando prejuízos efectivos para os
seus interesses.
Também Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa
Anotada, Tomo I, 190) referem que, muito embora disponha o legislador de uma
ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não sendo
incompatível com a tutela jurisdicional a imposição de determinados ónus
processuais às «partes», o que é certo é que o direito ao processo inculca que
“os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do
processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando,
portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e
3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma
desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional
efectiva”.
Neste circunstancialismo, e perante situações em que, face ao
normativamente consagrado, a demonstração dos factos – que, no entendimento da
«parte», conduzam à defesa do seu direito ou interesse legalmente protegido –
não é possível, de todo, deixar de fazer-se através de prova testemunhal, desde
que, repete-se, essa seja, nos termos gerais legalmente admissível, claramente
que vai ficar afectada aquela defesa, porventura tornando inviável ou
inexequível o direito de acesso aos tribunais.
E, nesse contexto, a solução legislativa que isso consagre
não pode deixar de considerar-se como desproporcionada e afectadora do direito
consagrado no nº 1 do artº 20º da Lei Fundamental, pois que totalmente preclude
uma apreciação e valoração dos factos invocados como consubstanciadores da
pretensão deduzida em juízo.
4. Em face do que deixa dito o Tribunal decide: –
a) Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20º, nº
1, em conjugação com o artigo 18º, nº 1, ambos da Lei Fundamental, a norma
constante da parte final do nº 3 do artº 146º-B do Código de Processo e
Procedimento Tributário aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro,
quando aplicável por força do disposto no nº 8 do artº 89º-A da Lei Geral
Tributária, na medida em que exclui em absoluto a produção de prova testemunhal,
nos casos em que esta é, em geral, admissível;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso na medida do
julgamento de inconstitucionalidade ora formulado.
Lisboa, 28 de Novembro de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício