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Processo n.º 705/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do
Tribunal Constitucional,
1. A., L.da, apresentou reclamação para a
conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 25 de Setembro de
2006, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito,
não conhecer do objecto do recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte
teor:
“1. A., L.da, apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, ao abrigo
do artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT),
reclamação da decisão proferida, em 16 de Dezembro de 2005, pelo Chefe do
Serviço de Finanças de Tondela, que ordenou a sua citação para pagar a quantia
de € 1 029 937,75, proveniente de dívidas ao Instituto da Vinha e do Vinho,
alegando falta de pressuposto processual e falta de requisitos essenciais do
título executivo.
Por sentença de 13 de Março de 2006, a reclamação foi
indeferida, por um triplo fundamento: (i) a decisão de ordenar a citação da
reclamante, porque não afecta os seus direitos e interesses legítimos, não é
reclamável nos termos do artigo 276.º do CPPT; (ii) atentos os fundamentos
invocados na reclamação (falta de pressuposto processual e falta de requisitos
essenciais do título executivo), o meio processual adequado que devia ser
utilizado era a oposição à execução fiscal (artigo 204.º, n.º 1, alíneas c) e
i), do CPPT) e não a reclamação prevista no artigo 276.º e seguintes deste
diploma; e (iii) mesmo que assim se não entendesse, não estavam reunidas as
condições para a apreciação imediata da reclamação pelo tribunal, nos termos do
artigo 278.º, n.º 3, do CPPT, pois não foi tomada qualquer decisão sobre a
penhora dos bens, nem determinada a prestação de garantia indevida ou superior à
devida, nem a reclamante invocou qualquer facto concreto, integrador da
ocorrência de prejuízo irreparável.
A reclamante interpôs recurso desta decisão para o Supremo
Tribunal Administrativo (STA), mas, como resulta das respectivas alegações,
cingiu a impugnação à parte em que se decidira não ter a reclamação subida
imediata, suscitando, a este respeito, a questão da inconstitucionalidade da
interpretação da norma contida no artigo 278.º do CPPT “segundo a qual a subida
imediata das reclamações se restringe aos casos taxativamente previstos nos n.ºs
3 e 5”, que supostamente teria sido aplicada na sentença impugnada.
O STA, por acórdão de 7 de Junho de 2006, negou provimento ao
recurso jurisdicional, desde logo porque, não tendo a recorrente censurado a
sentença recorrida quer enquanto decidiu que da ordem de citação, porque não
lesiva, não cabia reclamação, quer enquanto decidiu que, atentos os fundamentos
invocados, o meio processual adequado era a oposição à execução fiscal, sobre
essas decisões constituiu‑se caso julgado e, sendo as mesmas suficientes, só
por si, para alicerçar a improcedência da reclamação, era inútil conhecer, em
sede de recurso jurisdicional, da questão do regime de subida de uma reclamação
já tida por, de todo, inadmissível. Mas mesmo que se entendesse não se ter
constituído caso julgado sobre a decisão que considerou a ordem de citação
insusceptível de reclamação, o STA, reanalisando a questão, chegou à mesma
conclusão, tal como confirmou o decidido quanto à inidoneidade do meio
processual adequado.
É contra este acórdão que vem interposto recurso para o
Tribunal Constitucional.
Apesar de o requerimento de interposição de recurso não conter
nenhuma das especificações exigidas pelo artigo 75.º‑A da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), o recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do STA,
mas, como é sabido, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional (artigo
76.º, n.º 3, da LTC), e, de facto, entende‑se que, no caso, o recurso é
patentemente inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de
não conhecimento do seu objecto, ao abrigo do disposto no artigo 78.º‑A, n.º 1,
da LTC, sem necessidade, por inútil, de prévia formulação do convite previsto no
n.º 6 do referido artigo 75.º‑A.
2. Na verdade, no contexto dos presentes autos, o único
recurso, em princípio, cabível seria o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC.
Porém, a admissibilidade desta espécie de recurso pressupõe que
a decisão recorrida haja feito aplicação, como ratio decidendi, da dimensão
normativa anteriormente arguida de inconstitucional pelo recorrente. Ora, a
única questão de inconstitucionalidade suscitada pela recorrente cingiu-se à
interpretação do n.º 3 do 278.º do CPPT no sentido de conter uma enumeração
taxativa dos casos de subida imediata da reclamação, dimensão esta que não foi
aplicada no acórdão ora recorrido, que – tal como já o havia feito a decisão da
1.ª instância – considerou que a ordem de citação não era susceptível de
reclamação, ao abrigo do artigo 276.º do CPPT, o que tornava obviamente
destituída de sentido a questão do regime de subida de uma reclamação cuja
existência não fora reconhecida.
Não tendo o acórdão recorrido feito aplicação, como ratio
decidendi, da única dimensão normativa arguida de inconstitucional pela
recorrente, o presente recurso surge como inadmissível, o que determina o não
conhecimento do respectivo objecto.”
1.2. A reclamação da recorrente apresenta a
seguinte fundamentação:
“A decisão de V. Ex.a assenta em equívoco porquanto o presente
recurso de constitucionalidade versa sobre a interpretação normativa do artigo
278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário aplicada pelo acórdão
de 7 de Junho de 2006.
O acórdão recorrido aplica uma dimensão normativa do artigo
278.º do CPPT que é inconstitucional porquanto a reclamação/recurso perderia
qualquer utilidade caso não subisse imediatamente e com efeito suspensivo, nos
termos dos n.ºs 3 e 5 do artigo 278.º do CPPT ou os que se retiram da
prevalência da Lei Geral Tributária (LGT) sobre a demais legislação de carácter
fiscal (artigo 1.º do CPPT), designadamente, o disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1
e 2, alínea j), e 103.º, n.º 2, da LGT, e, para o caso aqui em apreço, será de
acrescentar a garantia constitucional aos administrados de tutela jurisdicional
efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo,
nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses e a adopção de
medidas cautelares adequadas (artigo 268.º, n.º 4, da CRP).
Com efeito, a restritiva dimensão normativa encontrada e
aplicada enferma de inconstitucionalidade orgânica e material.
Desde logo, a inconstitucionalidade orgânica da norma extraída
do artigo 278.º do CPPT, na dimensão normativa aplicada, resulta da violação do
disposto na Lei n.º 87‑B/98, de 31 de Dezembro, que autoriza o Governo a aprovar
o CPPT «no respeito pela compatibilização das suas normas com as da lei geral
tributária e regulamentação das disposições da referida lei que desta careçam»
(cf. artigo 51.º, alínea c), da Lei n.º 87‑B/98, de 31 de Dezembro). Ora, o
direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os actos lesivos
vem afirmado pelos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea j), e 103.º, n.º 2, da Lei
Geral Tributária. Pelo que a referida limitação implica a falta de
compatibilização dessa norma com as da lei geral tributária. Extravasando, por
conseguinte, o âmbito da referida lei de autorização legislativa e, por
consequência, o âmbito da competência do Governo nesta matéria, no quadro da
reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (artigo
165.º, n.º 1, alínea i), da CRP).
De outro lado, a inconstitucionalidade material dessa dimensão
normativa extraída do artigo 278.º do CPPT resulta da violação do disposto nos
artigos 26.º, n.º 1 (direitos ao bom nome e reputação, à imagem e à protecção
legal contra quaisquer formas de discriminação), 103.º, n.º 3 (ninguém pode ser
obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da
lei), e 268.º, n.º 4 (garantia aos administrados de tutela jurisdicional
efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos), todos da
Constituição. Na verdade, a decisão do órgão da execução fiscal de emitir
mandado de citação pressupõe, necessariamente, o controlo da validade formal do
título executivo. Tanto resulta, no plano legal, do disposto no artigo 163.º do
Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT): «1 – Carece de força
executiva, devendo ser devolvido à entidade que o tiver extraído ou remetido,
o título a que falte algum dos seguintes requisitos: a) Menção da entidade
emissora ou promotora da execução e respectiva assinatura ...». Por assim ser,
a decisão de instaurar a execução e mandar citar a recorrente não foi meramente
liminar, tendo implicado o uso da autoridade que modifica a esfera jurídica da
executada. Deu início a uma sucessão de actos que, mais do que causarem
transtorno à recorrente, afectam o seu bom nome e crédito bancário, colocando em
causa os seus direitos, liberdades e garantias, constitucionalmente tutelados
nos termos do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), podendo
pôr em causa a sua própria sobrevivência enquanto reunião de factores de
produção: a recorrente, como qualquer outra empresa, vive do seu crédito e bom
nome, necessariamente afectados por um processo de execução fiscal ilegalmente
iniciado, com base em título viciado, extraído ilegalmente quando ainda pende no
tribunal administrativo a competente acção de impugnação da legalidade da
liquidação. Aquele acto reclamado não pode deixar de revestir‑se de dignidade e
garantias formais adequadas. Não pode deixar de poder ser judicialmente
sindicável. E é, por isso, necessariamente, sempre ressalvando melhor opinião,
susceptível de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância, nos
termos do artigo 276.º do CPPT; não existem outros termos.
A Constituição assegura que ninguém pode ser obrigado a pagar
impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei (artigo
103.º da CRP). A Constituição assegura que os actos administrativos estão
sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de
fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses
legalmente protegidos (artigo 268.º, n.º 3, da CRP). E a Constituição assegura
que a todos é garantida tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou
interesses legalmente protegidos (artigo 268.º, n.º 4, da CRP). O que, tudo, a
dimensão normativa encontrada para o artigo 278.º do CPPT não respeita.
A decisão de instaurar a execução e mandar citar a recorrente
assume natureza decisória e atinge directa e imediatamente a esfera jurídica da
executada, envolvendo de per si a definição autoritária de uma situação
jurídica, pelo que constitui acto lesivo e reclamável nos termos do artigo 276.º
e seguintes do CPPT. Para mais quando, como é o caso, essa decisão assenta em
título executivo nulo; não dispondo a lei qualquer outro modo adjectivo de
reclamar desse vício que, para empregar a expressão utilizada no artigo 286.º,
n.º 4, da Constituição, é lesivo dos direitos ou interesses da recorrente.
A decisão recorrida veicula a ultrapassagem dos limites fixados pela
Constituição para a prevalência do princípio pro actione, na constante disputa
com o princípio formalista. O princípio da tutela jurisdicional efectiva sai
irremediavelmente ferido na interpretação normativa consagrada pela decisão
recorrida, a qual coarcta ou dificulta gravemente a possibilidade de os
interessados fazerem valer adequadamente os seus direitos em juízo.
A reclamação sub specie iuditio sempre terá de subir imediatamente,
independentemente da invocação dos aludidos prejuízos irreparáveis, porque a sua
retenção e subida diferida, além de pôr em causa os legítimos direitos,
liberdades e garantias da reclamante/recorrente, torná‑la‑ia inútil – o que se
reconduz à denegação da possibilidade de reclamação em contravenção da
Constituição e da Lei correctamente interpretada na conformidade com a mesma.
Pelo que, em conclusão:
1) A decisão recorrida faz aplicação da norma contida no artigo 278.º do Código
de Procedimento e de Processo Tributário na dimensão normativa segundo a qual a
subida imediata das reclamações se restringe aos casos taxativamente previstos
nos n.ºs 3 e 5.
2) Padecendo essa dimensão normativa encontrada e aplicada de
inconstitucionalidade orgânica e material.
3) O acórdão recorrido deverá, por isso, vir revogado e substituído por o que é
de Direito, com as legais consequências.
A questão veio suscitada nas alegações de recurso e veio apreciada no acórdão do
Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de Junho de 2006, aqui recorrido, para que
este Tribunal Constitucional se pronuncie em recurso.
Pode, pois, tomar‑se conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.”
1.3. Notificada da apresentação desta
reclamação, a recorrida (Fazenda Pública) não apresentou resposta.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. A recorrente consome a quase totalidade da
sua reclamação no esforço de demonstrar a inconstitucionalidade da dimensão
normativa questionada, o que, nesta sede, é manifestamente irrelevante. Essa
demonstração, concernente ao mérito do recurso, caberia na alegação do recurso
de constitucionalidade, se este tivesse sido admitido. Ora, na presente fase
processual, o que está em discussão é a própria admissibilidade do recurso, e o
que à recorrente incumbia fazer era demonstrar o desacerto da decisão sumária
enquanto esta deu por não verificados os requisitos dessa admissibilidade,
porquanto a ratio decidendi do acórdão recorrido não radicou na única dimensão
normativa arguida de inconstitucional pela recorrente, reportada aos n.ºs 3 e 5
do artigo 278.º do CPPT, relativos à subida imediata da reclamação, mas antes,
e em primeira linha, na norma do artigo 276.º do mesmo diploma, relativa à
própria delimitação dos actos reclamáveis, entre os quais se entendeu não caber
o acto que determina a citação para a execução fiscal.
Para demonstrar que o acórdão recorrido não fez
aplicação, como ratio decidendi, da dimensão dos n.ºs 3 e 5 do artigo 278.º do
CPPT arguida de inconstitucional, basta recordar a respectiva fundamentação
jurídica, do seguinte teor:
“3 – Foram os seguintes os argumentos invocados na sentença recorrida para
indeferir a presente reclamação:
Por um lado, decidiu‑se que o despacho que ordena a citação da reclamante, por
si só, não é um acto lesivo e, como tal, reclamável, nos termos do disposto no
artigo 276.º do CPPT, pois:
«não afecta a sua esfera jurídica, os seus direitos e interesses. Esta só é
atingida pelos actos subsequentes à instauração da execução fiscal, como, por
exemplo, a penhora dos bens.
Acresce referir que a citação, ao contrário de lesar os interesses da
reclamante, dá‑lhe a oportunidade de exercer os seus direitos, designadamente o
direito de oposição à execução, direito que a reclamante na presente petição
inicial referiu ‘… que oportunamente exercerá ...’.
Alegando a falta de pressuposto processual e a falta de
requisitos essenciais do título executivo, entendo que o meio idóneo para
arguir tais vícios é em sede de processo de oposição à execução fiscal (artigo
204.º, n.º 1, alíneas c) e i), do CPPT) e não em reclamação ao abrigo dos
artigos 276.º e seguintes do CPPT.»
Por outro lado, decidiu‑se, também, que não estavam reunidas as
condições para a apreciação imediata da reclamação pelo Tribunal, nos termos do
artigo 278.º, n.ºs 3 e 5 do CPPT:
«Não foi tomada qualquer decisão sobre a penhora de bens, nem que determine a
prestação de uma garantia indevida ou superior à devida, nem a reclamante
invocou qualquer facto concreto, integrador da ocorrência de prejuízo
irreparável.»
Assim como, também, se decidiu que não havia motivo para a subida diferida a
Tribunal «porque a reclamante alega a falta de pressuposto processual e a falta
de requisitos essenciais do título executivo, fundamentos próprios do processo
de oposição à execução fiscal, nos termos supra expostos».
4 – Ora, da análise das conclusões da sua motivação do recurso, que são
decisivas para delimitar o seu objecto (cf. artigo 684.º, n.º 3 do CPC),
ressalta à evidência que a recorrente não censura a sentença recorrida quanto ao
primeiro e terceiro daqueles fundamentos.
Na verdade, limita‑se tão‑só a demonstrar que a decisão recorrida «faz aplicação
da norma contida no artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo
Tributário na dimensão normativa segundo a qual a subida imediata das
reclamações se restringe aos casos taxativamente previstos nos n.ºs 3 e 5».
Para concluir que essa dimensão normativa encontrada e aplicada padece de
inconstitucionalidade orgânica e material.
Assim sendo, não atacando a recorrente a sentença recorrida quanto às referidas
questões, está este Supremo Tribunal Administrativo impedido de tomar posição
sobre as mesmas, nomeadamente, não as poderá alterar nessa parte não recorrida,
já que se afirmou na ordem jurídica com a força de caso julgado.
Como dispõe o artigo 684.º, n.º 4, do CPC: «os efeitos do caso julgado, na parte
não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela
anulação do processo».
Pelo que é de todo inútil estar a conhecer, em sede de recurso jurisdicional,
do fundamento invocado pela recorrente, pois mesmo que se lhe reconhecesse
razão, sempre teria que ficar inalterada, por não ter sido censurada a sentença
sobre aqueles fundamentos, que importa, assim, considerar transitada.
E tanto bastaria para negar provimento ao presente recurso.
5 – De qualquer forma e ainda que assim se não entendesse, sempre o presente
recurso não poderia deixar de estar condenado ao insucesso.
Como vimos, decidiu o M.mo Juiz a quo que o acto reclamado do CRF não era um
acto lesivo e, como tal, reclamável por não se encontrarem preenchidos os
pressupostos do artigo 276.º do CPPT.
Dispõe este normativo que «as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal
e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os
direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis
de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância».
Sendo assim, haverá que verificar se o acto que provocou a reclamação será ou
não um acto lesivo e, se o for, se a não subida imediata provocará prejuízo
irreparável.
A este propósito e em situação em tudo idêntica à dos presentes autos, em que a
recorrente era a mesma, escreveu-se no Acórdão desta Secção do STA, de 25 de
Fevereiro de 2005, in recurso n.º 256/05, que:
«a questão da lesividade tem sido largamente abordada em acórdãos da Secção do
Contencioso Administrativo, dos quais se respigam alguns excertos:
‘Só os actos administrativos que operam, por si, a modificação da situação
jurídica concreta dos recorrentes podem ser considerados lesivos’ – acórdão [no
proc. n.º] 194/02, de 13 de Outubro de 2004;
‘O artigo 268.º, n.º 4, da CRP assegura aos administrados o direito de impugnar
contenciosamente quaisquer actos administrativos que lesem os seus direitos,
devendo considerar‑se imediatamente lesivos, e por isso imediatamente
impugnáveis contenciosamente, todos os actos administrativos que tenham
repercussão negativa imediata na esfera jurídica dos destinatários, quando a sua
lesividade não puder ser diferida por meios administrativos de impugnação’ –
acórdão [no proc. n.º] 1999/03, de 6 de Outubro de 2004;
‘I – A adopção pelo n.º 4 do artigo 268.º da CRP do critério da lesividade do
acto administrativo para a determinação da sua recorribilidade não implica que
todo o acto lesivo seja imediatamente sindicável e que o interessado esteja
dispensado do esgotamento dos procedimentos graciosos para a abertura da via
contenciosa.
II – Só assim não será quando o percurso imposto por lei para a abertura da via
contenciosa esteja de tal modo eriçado de dificuldades que, na prática, suprima,
ou restrinja em medida intolerável, o direito ao recurso contencioso’ – acórdão
[no proc. n.º] 202/02, de 16 de Outubro de 2002.
Do que se transcreve facilmente se concluirá que, mesmo para efeitos de
inconstitucionalidade, não basta que um acto do chefe da repartição de finanças
cause algum prejuízo ao interessado para que ele possa desde logo recorrer à
reclamação a que se refere o artigo 276.º do CPPT. Se assim fosse, esta via
excepcional passaria a ser o meio ordinário de recurso. Ora, no caso vertente, o
acto praticado consistiu na citação da interessada para, nos termos e com as
formalidades prescritas no artigo 190.º do CPPT, deduzir oposição, requerer o
pagamento em prestações ou a dação em pagamento relativamente a uma dívida não
paga. Por isso, a própria citação destina-se a que o executado se possa
defender, pelo que seria uma grave entorse à lógica considerar que tal citação
era um acto lesivo dos direitos ou interesses legítimos da executada. Esta
poderia, e para isso foi notificada, defender os seus direitos na oposição à
execução. Do que temos vindo a referir teremos de concluir que o acto do chefe
da repartição de finanças que mandou citar a recorrente não era susceptível de
reclamação nos termos do artigo 276.º do CPPT, não violando tal entendimento a
garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou
interesses legalmente protegidos dos administrados prevista no artigo 268.º, n.º
4, da CRP.»
Pelo que o recurso, nesta parte, não pode deixar de improceder.
6 – Por último, também não tem lugar aqui a subida diferida, uma vez que e como
bem se anota na sentença recorrida, «a reclamante alega a falta de pressuposto
processual e a falta de requisitos essenciais do título executivo, fundamentos
próprios do processo de oposição à execução fiscal».
7 – Nestes termos, acorda‑se em negar provimento ao presente recurso e manter a
sentença recorrida que indeferiu a reclamação.”
Como é patente, a ratio decidendi por si só
determinante da confirmação pelo STA do indeferimento da reclamação radicou numa
interpretação do artigo 276.º do CPPT segundo a qual o acto que determina a
citação para a execução fiscal não é lesivo de direitos ou interesses legítimos,
pelo que é insusceptível de reclamação para o tribunal tributário, não tendo o
STA – por ter ficado obviamente prejudicada pela resposta dada à anterior
questão – entrado na apreciação da questão do regime de subida que deveria ser
fixada a essa reclamação, se admissível. Consequentemente, não fez aplicação do
critério, reportado ao artigo 278.º, n.ºs 3 e 5, do CPPT, cuja
constitucionalidade a recorrente pretendia ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional.
Por esta razão, entendeu‑se na decisão sumária
ora reclamada que o recurso interposto era inadmissível, com a consequente
impossibilidade de conhecimento do respectivo mérito, entendimento esse que ora
se confirma.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a
presente reclamação.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de
justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 31 de Outubro de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos