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Processo n.º 745/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A., deduziu reclamação para o Tribunal Constitucional de
diversos despachos proferidos pela Juíza do Tribunal de Família e Menores de
Lisboa que não admitiram os recursos de constitucionalidade que pretendia
interpor.
2. Resulta dos autos que:
2.1. No âmbito de uns autos de procedimento cautelar para atribuição
provisória de casa de morada de família que correm termos no Tribunal de Família
e Menores de Lisboa, A. interpôs recurso de agravo de diversos despachos
proferidos pela Juíza, requerendo que tais recursos fossem admitidos com subida
imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Os recursos foram admitidos, com subida a final e efeito meramente devolutivo
(cfr. fls. 12 a 57 dos presentes autos de reclamação).
2.2. Dos despachos que fixaram o regime de subida e os efeitos dos
recursos, pretendeu A. interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional (requerimento que consta de fls. 58 a 74).
2.3. Os recursos para o Tribunal Constitucional não foram admitidos
com o seguinte fundamento (cfr. o testo comum dos diversos despachos constantes
de fls. 75 a 87):
“[…]
Conforme resulta de fls. […], o requerido interpôs recurso de tal despacho,
recurso esse que foi admitido como de agravo, a subir com o primeiro recurso
que, depois de ele interposto, haja de subir imediatamente, com efeito meramente
devolutivo.
Nos termos do art. 70º, n.º 2 da LOTC os recursos previstos nas alíneas b) e f)
do n.º 1 apenas cabem das decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei
não o prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo
os destinados a uniformização de jurisprudência.
De acordo com o n.º 4 do art. 70° da LOTC entende-se que se acham esgotados
todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2, quando tenha havido renúncia,
haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os recursos não
possam ter seguimento por razões de ordem processual.
Ora, tendo o requerido interposto recurso de agravo do despacho de fls. […], o
qual foi admitido, não pode o mesmo vir interpor em simultâneo recurso para o
Tribunal Constitucional.
Nestes termos, ao abrigo do disposto no art. 70º, n.ºs 1, b), 2 e 4 da LOTC não
admito o recurso interposto a fls. […].
[…].”.
2.4. A. veio, invocando o disposto no artigo 77º da Lei do Tribunal
Constitucional, deduzir reclamação dos despachos de não admissão dos recursos
para o Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 2 a 10, em que
se lê:
“[…]
[…] resulta claro que não será, de facto, de admitir recurso para o Tribunal
Constitucional, quando da decisão objecto desse mesmo recurso caiba ainda
recurso ordinário (sendo que as reclamações para os presidentes dos tribunais
superiores e as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a
conferência são àqueles equiparados), e ao mesmo não tenha havido renúncia, não
tenha decorrido o prazo ou não tenham ocorrido circunstâncias processuais
impeditivas da sua apreciação.
E, do mesmo modo, obviamente, também não será de admitir recurso para o Tribunal
Constitucional quando da decisão em causa tenha sido já interposto e admitido
recurso.
Mas nada disso se verifica nos casos agora em apreço!
O que se verificou, e só isso pode justificar os doutos despachos recorridos,
foi lapso da Meritíssima Senhora Juíza na identificação das decisões recorridas,
confundindo as decisões de que se agravou com aquelas outras de que se pretende
interpor recurso de constitucionalidade.
Com efeito, e como já mencionado,
O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que,
admitindo os agravos por si interpostos, lhes fixaram subida diferida e
atribuíram efeito não suspensivo.
Objecto destes recursos para o Tribunal Constitucional não são, pois,
evidentemente e ao contrário do que a Meritíssima Senhora Juíza aparentemente
supôs, as decisões agravadas.
Objecto destes recursos, que o despacho agora reclamado não admitiu, são –
diferentemente – as próprias decisões de admissão dos agravos.
Com efeito, nesta sede, junto do Tribunal Constitucional, o Reclamante apenas
queria ver apreciadas as decisões quanto ao regime de subida e aos efeitos dos
seus agravos.
E dessas decisões, cabe de facto, em seu entender, recurso para esse Venerando
Tribunal Constitucional.
Por uma razão muito simples mas fundamental e determinante.
Da decisão que admitiu os agravos e lhes fixou o regime de subida e os efeitos
não cabe recurso ordinário nem reclamação para o Presidente do Tribunal ad quem.
Com efeito, nos termos do n.º 4 do artigo 687° do Código de Processo Civil, da
decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie ou determine o efeito que lhe
compete, cabe somente impugnação em sede de alegações de recurso.
Não cabe, portanto, nem recurso – não sendo permitido recorrer autonomamente de
uma decisão naquele sentido –, nem reclamação para, por exemplo, o Presidente do
Tribunal Superior, como previsto nos termos da lei processual penal.
Ora, tendo sido suscitada a questão da inconstitucionalidade durante o processo
e não cabendo recurso ordinário, nem cabendo reclamação da decisão (que sempre
seria equiparável ao recurso ordinário), encontra-se preenchido o
condicionalismo previsto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 70° da Lei
Orgânica do Tribunal Constitucional para a admissão de recurso para esse
Venerando Tribunal.
Termos em que,
Na procedência da presente reclamação, dignem-se Vossas Excelências admitir os
recursos interpostos pelo reclamante.
[…].”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional emitiu o seguinte parecer (fls. 97 v.º):
“A presente reclamação é manifestamente improcedente, já que se não mostram
esgotados os «recursos ordinários possíveis» faltando, deste modo, um
pressuposto de admissibilidade dos numerosos recursos interpostos para este
Tribunal ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82.
Na verdade, pretendendo o ora reclamante questionar a retenção dos vários
recursos de agravo que interpôs, admitidos no regime de subida diferida,
dispunha naturalmente da possibilidade de lançar mão da reclamação para o
Presidente do Tribunal da Relação, nos termos consentidos pelo n.º 1 do art.
688º do CPC – meio impugnativo que não curou de exaurir, precludindo-lhe
consequentemente a possibilidade de aceder directamente a este Tribunal
Constitucional.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. O ora reclamante pretendeu interpor recurso para o Tribunal
Constitucional de vários despachos proferidos pela Juíza do Tribunal de Família
e Menores de Lisboa, através dos quais foram admitidos certos recursos de
agravo, no regime de subida diferida e com efeito meramente devolutivo (supra,
2.2.).
A Juíza do Tribunal de Família e Menores de Lisboa não admitiu os recursos
para o Tribunal Constitucional por entender, em síntese, que, tendo o recurso
sido interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei
do Tribunal Constitucional, não se encontravam no caso esgotados os recursos
ordinários possíveis, tal como exige o n.º 2 do mesmo artigo 70º (supra, 2.3.).
Na reclamação deduzida, vem o reclamante sustentar, em resumo, que “da
decisão que admitiu os agravos e lhes fixou o regime de subida e os efeitos não
cabe recurso ordinário nem reclamação para o Presidente do Tribunal ad quem”,
pelo que estariam preenchidos os requisitos estabelecidos na alínea b) do n.º 1
e no n.º 2 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional (supra, 2.4.).
5. De acordo com o disposto no artigo 70º, n.º 2, da Lei do
Tribunal Constitucional, os recursos previstos na alínea b) do n.º 1 do mesmo
preceito – como é o caso dos recursos que o ora reclamante pretendia interpor
(supra, 2.2.) – “apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por
a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam,
salvo os destinados a uniformização de jurisprudência”.
Visa o referido n.º 2 do artigo 70º evitar que o Tribunal Constitucional se
pronuncie sobre normas ou interpretações normativas aplicadas em decisões que
não sejam finais, isto é, que ainda possam ser revogadas por outras provenientes
do tribunal que as proferiu ou de tribunal superior: trata-se, em suma, de
salvaguardar a própria utilidade do recurso para o Tribunal Constitucional.
Como o Tribunal Constitucional esclareceu logo no acórdão n.º 21/87 (Diário
da República, II Série, n.º 75, de 31 de Março de 1987, p. 4072),
“[…]
Nos termos da mencionada norma da Lei do Tribunal Constitucional [a norma do
artigo 70º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional], os recursos para o
Tribunal Constitucional das decisões judiciais que apliquem norma cuja
constitucionalidade haja sido suscitada no processo, só têm lugar quando se
trate de decisões que já constituam decisão definitiva na ordem judicial de onde
provêm, por já não admitirem recurso ordinário, em virtude de a lei não o
admitir ou de terem sido esgotados os que a lei admite.
A lógica desta solução consiste em só admitir a intervenção do Tribunal
Constitucional quando a questão tenha sido examinada e decidida por todas as
instâncias possíveis na ordem respectiva, por forma a não facilitar o
levantamento gratuito de questões de inconstitucionalidade e de modo a poupar a
intervenção desnecessária do Tribunal Constitucional
[…].”.
A necessidade de exaustão dos recursos ordinários, no caso das alíneas b) (e
também da alínea f)) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
implica assim que só a decisão final (com o esgotamento do poder jurisdicional
sobre a questão) seja recorrível para o Tribunal Constitucional. Nos recursos
interpostos ao abrigo desses preceitos apenas é recorrível a última decisão
proferida, da qual não caiba recurso ordinário, e não todas as que foram sendo
emitidas ao longo do processo.
6. No caso presente, verifica-se que o ora recorrente pretendia
interpor recurso para o Tribunal Constitucional de vários despachos proferidos
pela Juíza do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, através dos quais haviam
sido admitidos certos recursos de agravo, mas em que se determinara a subida dos
recursos a final, e com efeito meramente devolutivo.
Contra o despacho que determina a retenção do recurso cabe – ao contrário do
que afirma o reclamante – reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação,
nos termos previstos no n.º 1 do artigo 688º do Código de Processo Civil.
Não tendo utilizado tal meio, as decisões proferidas no Tribunal de Família e
Menores de Lisboa não são decisões finais e, por isso, não são recorríveis para
o Tribunal Constitucional.
Tanto basta para concluir que os recursos não podiam ser admitidos, por falta
de um pressuposto processual – a exaustão dos recursos ordinários –, e que a
presente reclamação tem de ser indeferida.
III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte )
unidades de conta.
Lisboa, 24 de Outubro de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos