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Processo n.º 524/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
“1. Por sentença do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia,
de 1 de Fevereiro de 2005, proferida nos autos de processo comum singular n.º
107/01.7DPRT, foi decidido condenar os arguidos A., B. e C., pela prática de um
crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.ºs 1,
2 e 5, da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho, nas penas de 3 anos de prisão, de 2 anos
e 9 meses de prisão e de 2 anos e 10 meses de prisão, respectivamente, e ainda a
arguida sociedade “D., SA., pela prática do mesmo crime, esta punida ainda ao
abrigo do artigo 7º da mesma Lei, na pena de 800 dias de multa, à taxa diária de
5 euros.
Decidiu-se ainda «suspender a pena aplicada aos arguidos A., B. e C. pelo
período de 5 anos, condicionada à obrigação de, atento o disposto no artº 14º,
da Lei nº 15/01, de 5/06, os referidos arguidos pagarem, também no prazo de 5
anos, a quantia global que fizeram ingressar na esfera patrimonial da arguida
sociedade (902.065,83 €), e acréscimos legais.»
2. Inconformados vieram os arguidos A., B. e C. interpor recursos para o
Tribunal da Relação do Porto.
O arguido C. concluiu a sua motivação do recurso do seguinte modo [segue
transcrição integral das conclusões]:
«a) Foi dada como provada a existência de uma decisão colegial dos membros do
conselho de administração da D. no sentido de esta sociedade deixar de pagar
impostos. A existência desta decisão colegial não tem qualquer suporte na prova
produzida pois não consta de qualquer acta ou outro documento nem a ela se
referiram quaisquer das testemunhas ouvidas.
b) A conclusão pela existência desta decisão colegial resulta de uma
inadmissível transposição para o domínio do direito penal da responsabilidade
solidária dos membros dos órgãos sociais prevista pela lei comercial.
c) Tal resulta na “consagração de uma responsabilidade penal objectiva”.
d) Ficou provado que o poder de decisão em matéria de pagamento de impostos da
D. pertenceu ao arguido A. e, depois, ao Dr. E..
e) Não ficou provado ter o Recorrente C. qualquer poder de decisão nesta
matéria, salvo durante um pequeno período (a que a seguir se referirá)
f) Ficou provado que o Recorrente aceitou integrar a conselho de administração
da D. apenas por crer que assim contribuiria para um processo de recuperação da
sociedade que permitiria a regularização da situação fiscal desta, convicção que
sempre manteve.
g) Tal exclui a existência de uma actuação dolosa (mesmo dolo eventual). Sendo
este um crime doloso, tal deve determinar a absolvição do Recorrente da autoria
de tal crime.
h) A decisão do Recorrente em se manter no conselho de administração da D.,
apesar de conhecer a ilegalidade da situação fiscal desta, preenche a figura da
cumplicidade pois que se limitou a ser conivente com uma situação que, só por
si, não podia inverter. Tal enquadramento legal implica uma atenuação especial
da pena, o que não foi feito em violação do disposto no n.º 2 do art.º 27° do
CP, sendo que a tal atenuação especial deverá acrescer a resultante dos factos
que a seguir se referem.
i) Não foi sequer valorada a actuação do Recorrente que, no período em que teve
poderes para tal, conseguiu que a D. regularizasse parcialmente a situação
relativa às retenções de IRS. Mereceria especial consideração, em termos de
graduação da pena, o facto de ter sido este o único administrador a ter actuado,
nos limites das suas possibilidades, em prol dos interesses do fisco.
j) O Recorrente foi condenado a, como condição de suspensão da pena, pagar os
impostos em dívida pela D. e respectivos juros.
k) Ora, o Recorrente não é devedor desses impostos, pelo que o preenchimento de
uma tal condição é, desde logo, inexequível em termos práticos.
l) O Recorrente só será responsável pelo pagamento de impostos da D. se e quando
a administração fiscal proferir um despacho de reversão ( e o notificar) no qual
fixará o montante do imposto devido pelo ora Recorrente.
m) Contra tal eventual despacho poderá, ainda, o Recorrente, usar os meios de
defesa que a lei lhe faculta.
n) O decidido, ao impor ao Recorrente como condição para não ser preso, que
pague um imposto de que não é devedor, que não lhe foi ainda notificado nos
termos legais e contra o qual se poderá, ainda, opor nas instâncias próprias,
viola o disposto no art.º 103°, n.º 3, da CRP.
o) Uma interpretação conforme à Constituição do disposto no art.º 14°, ° 1, do
RGIT determina que se entenda que a suspensão da pena ficará condicionada ao
pagamento pelo Recorrente do montante relativo aos impostos em causa da D. que
venha a ser liquidado em seu nome enquanto responsável fiscal desta sociedade -
pela administração fiscal, no prazo de cinco anos contados desde a data em que
tal decisão de reversão, a existir, se tenha tornado definitiva.
p) Termos em que se pugna pela alteração do decidido.
Para além de diversos erros na apreciação da prova, foram violados: art.º 27°,
n.º 1 e 2 do Código Penal; art.º 24 da LGT; art.º 14°, n.º 1, do RGIT foi
aplicado por forma que viola o art.º 103°, n.º 3, da CRP.»
Os arguidos A. e B. apresentaram a motivação de recurso conjuntamente tendo
formulado as seguintes conclusões [segue transcrição da parte das conclusões
relevante para a questão de constitucionalidade]:
«XLVIII - Por último, ainda sem prescindir dir-se-á que mesmo admitindo, por
mera hipótese ser a conduta dos Recorrentes passível de censura penal, jamais
poderia a pena concretamente aplicável ser suspensa condicionada ao pagamento
das prestações tributárias que se entende estarem em falta e demais acréscimos
legais.
XLIX - Afigura-se aos Recorrentes que o regime concretamente aplicável é o
estabelecido pelo Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção que lhe foi
dada pelo Decreto-Lei 394/93 de 24/11 e Decreto-Lei 140/95, de 14/06 (RJIFNA).
L - Verdade é que o RJFINA, tal como o RGIT, estabelece no art.º 11. n.º 7, que
a suspensão da execução da pena de prisão fica condicionada ao pagamento das
prestações tributárias e acréscimos legais.
LI - Na aplicação daquele normativo terá de atender-se, por um lado, à
interpretação da vontade do legislador e, por outro lado, às circunstâncias do
caso concreto sob pena de serem injusta e ilegalmente violados princípios
fundamentais da justiça penal.
LII - Ora, conforme demonstrado, os Recorrentes estão absolutamente
impossibilitados de efectuar o pagamento do montante em causa, pois que o
Recorrente A. foi declarado falido e o Recorrente B. encontra-se desempregado,
não possuindo quaisquer fontes de rendimento.
LIII - Deste modo, o Tribunal “a quo” ao sujeitar a suspensão a condição de
pagamento das prestações tributárias sem atender às condições
económico-financeiras dos Recorrentes, violou o disposto no art. 51.º. n.º 2 do
Cód. Penal, visto ter imposto àqueles obrigações cujo cumprimento sabe
antecipadamente que não podem cumprir .
LIV - Acresce salientar que fazer depender a suspensão da pena aplicada ao
referido dever de pagamento das prestações tributárias consubstancia expressa
violação do princípio da igualdade consagrado no n.º 2 do artigo 13° da
Constituição da República Portuguesa.
LV- Radica esta flagrante discriminação única e exclusivamente na situação
económica dos agentes. De facto, os Recorrentes correm o risco de serem privados
do seu direito à liberdade, simplesmente porque se encontram impedidos de
cumprir a condição imposta.
LVI - À violação do princípio da igualdade, acrescenta-se que a situação
descrita determina também efectiva prisão por dívidas em manifesta violação do
disposto nos art.º 27° e 28° da Constituição da Republica Portuguesa.
LVII – Finalmente, de referir que o avultado património da D. permitirá efectuar
o pagamento da totalidade ou quase totalidade das prestações tributárias em
causa.
LVIII - Assim, condicionar a suspensão da execução da pena ao pagamento daquelas
mesmas prestações tributárias significaria - caso os Recorrentes possuíssem
meios de efectuar o seu pagamento, o que manifestamente não ocorre - permitir
que os Estado obtivesse um enriquecimento ilegítimo, recebendo duas vezes a
mesma quantia.
LIX - A douta decisão recorrida viola as normas e os princípios jurídicos
constantes dos art.º 24°., n.ºs 1 e 5, do Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro,
na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 394/93, de 24/11 e Decreto-Lei
140/95, de 14/06, nos art.ºs 105, n.ºs 1 a 5 da Lei 15/01, no art.º. 31°., n.º
2, al. d) do Código penal, no art.º. 51º., n.º 2, do Cód. Penal, no art.º. do
art.º. 71°., 72°, .nº 2, al. d), 73°., n.º 1 e 2 também do Código Penal, e nos
art.ºs 13°., 27°. e 28°. da Constituição da Republica Portuguesa, porquanto as
mesmas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido versado nas
considerações anteriores.»
3. Por acórdão de 26 de Fevereiro de 2006, o Tribunal da Relação do Porto
decidiu negar provimento aos recursos, mantendo, em consequência, a sentença
recorrida. Este aresto, na parte que é relevante para efeito das questões de
constitucionalidade é do seguinte teor:
«Do recurso do arguido C.:
Recuperando a decisão quanto a este arguido, diga-se que foi condenado na pena
de 2 anos e 10 meses de prisão pela prática de um crime de abuso de confiança
fiscal p. e p. pelo art.º 105° n.ºs 1, 2 e 5 da lei 15/01 de 5 de Junho. Tal
pena de prisão foi suspensa na sua execução pelo período de 5 anos condicionado
à obrigação, e nos termos do art.º 14° da citada lei, a pagar, no prazo de 5
anos, solidariamente, a quantia global de 902.065,83€.
As questões colocadas por este recorrente são as seguintes:
- A decisão colegial dos membros do conselho de administração da D. não têm
suporte na prova produzida;
- Não se provou ter o recorrente poder de decisão na matéria e pagamento de
impostos;
- Inexiste actuação dolosa do recorrente e, por isso, deve ser absolvido;
- A decisão do recorrente em manter-se no conselho da administração, apesar de
conhecer a ilegalidade da situação fiscal, preenche a figura da cumplicidade, o
que conduz a uma atenuação especial da pena;
- Não se justifica a condição imposta na sentença de pagar os impostos pois o
recorrente não é devedor deles;
- Violação do disposto no art.º 103° n.º 3 da CRP;
- Diversos erros na apreciação da prova.
(…)
Quanto à condição da suspensão da execução da pena:
Começa o recorrente por dizer que não é devedor dos impostos, que não recebeu
notificação da administração fiscal a proferir despacho de reversão e que o
decidido viola o art.º 103° n.º 3 da CRP.
A este respeito vejamos o que se diz na decisão recorrida: “A referida pena
aplicada aos arguidos será, nos termos do disposto no art.º 50° do CP,
considerando a circunstância de não terem antecedentes criminais, de suspender
pelo período de 5 anos, por se concluir que a simples censura e ameaça da pena
se mostram suficientes para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção
do crime”.
Diz o art.º 50° do CP:
'1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não
superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua
vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste,
concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma
adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Este preceito consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador,
que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se
afigurar mais conveniente para a realização das finalidades da punição, isto é,
a protecção do bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como
vêm apontadas no art.º 71º do CP; no caso concreto, estão reunidos os
pressupostos legais para ser decretada a suspensão da execução da pena.
Quanto à condição do a pagamento da quantia apurada e acréscimos legais em que o
recorrente foi condenado solidariamente:
É importante dizer que o Tribunal “a quo” não fez mais do que aplicar ao caso o
disposto no art.º 14° n.º 1 da Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho, lei que acautela
os prejuízos causados com a conduta dos arguidos fazendo, por isso, depender a
suspensão da entrega dos montantes devidos. Na verdade, diz o artº 14º nº 1
desta última lei:
“1 - A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao
pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à
condenação, da prestação tributária e acréscimos Iegais, do montante dos
benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz entenda, ao pagamento de quantia
até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
2 - ...
a)…
b)…
c)…”
Este dispositivo da lei, corresponde ao art.º 11° n.º 7 do RJIFNA onde se
estabelecia igualmente que a suspensão da pena de prisão ficava condicionada ao
pagamento ao Estado do imposto em falta e acréscimos legais.
É inquestionável que os preceitos da lei, quando determinam a suspensão da pena
de prisão condicionada ao pagamento das quantias em dívida, são bem explícitos
e, o conteúdo de tais normas não viola qualquer imperativo de norma
constitucional, por não pressupor a intervenção do juiz no sentido de adequação
da condição à culpa ou às circunstâncias do caso concreto, pois tais
circunstâncias terão sempre de ser ponderadas se se vier a colocar a questão da
revogação da suspensão. Como é sabido, os art.ºs 55° e seguintes do CP não
deixam dúvidas no sentido de que o não pagamento não tem como consequência
automática a revogação da suspensão; é forçoso sempre averiguar e formular um
juízo de culpa sobre os motivos determinantes que levaram o condenado a não
cumprir o dever imposto.
Por tudo quanto vem sendo afirmado entende-se que não assiste razão ao
recorrente nas questões que colocou a este Tribunal Superior; daí que seja de
manter a decisão impugnada.
Do recurso dos arguidos A. e B.
O recurso vem da decisão que os condenou nas penas de 3 anos e 2 anos e 9 meses
de prisão, respectivamente, e cuja execução ficou suspensa por 5 anos sob a
condição de solidariamente pagarem o montante de 902.065,83f e demais acréscimos
em tal prazo.
Como diz e bem o Exmo Magistrado do M.º Pº na 1ª Instância, os recorrentes
alegam:
- Erro notório na apreciação da prova;
- Impugnação da matéria de facto relativamente à autoria e culpa dos arguidos;
- O consentimento do lesado;
- Medida da pena;
- Suspensão da execução da pena condicionada ao apagamento daquela quantia.
Analisando:
(…)
A questão da condição da suspensão da execução da pena:
Dá-se aqui por reproduzida a argumentação desenvolvida atrás no que concerne à
apreciação do recurso do arguido C..
E no que diz respeito à condição imposta na sentença recorrida, pese embora a
argumentação desenvolvida pelos recorrentes, certo é que não pode o Tribunal “a
quo” nem pode este Tribunal da Relação fugir ao expendido no art.º 14° da Lei
n.º 15/2001 de 5 de Junho que diz o seguinte:
'1. A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao
pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à
condenação, da prestação tributária e acréscimos Iegais, do montante dos
benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz entenda, ao pagamento de quantia
até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
2. …
a) …
b) …
c) …”
Dir-se-á que tal preceito corresponde, como se sabe, ao art.º 11° n.º 7 do
RJIFNA e que quer esta, como aquela, não violam quaisquer preceitos
constitucionais por não pressuporem a intervenção do juiz no sentido de
adequação da condição à culpa ou às circunstâncias do caso concreto, pois tais
circunstâncias terão sempre de ser ponderadas se se vier a colocar a questão da
revogação da suspensão.
Também não se mostram violados o disposto no art.º 27° e 28° da Constituição da
República pois não se trata de uma prisão por dívidas; o que temos é uma
condenação em prisão efectiva suspensa na sua execução ao abrigo do disposto no
art.º 50° do CP porque estão verificados todos os pressupostos legais e a
suspensão da execução da pena de prisão foi condicionada ao abrigo do disposto
no art. 14° da Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho, ou seja, por imperativo legal. Se
eventualmente o pagamento não ocorrer haverá que, em fase posterior, ponderar
tudo o que decorre dos art.ºs 55° e seguintes do CP, pois o não pagamento não
tem como consequência automática a revogação da suspensão; importa sempre
formular primeiro um juízo de culpa sobre o facto de o condenado não ter
cumprido o dever imposto.
Por tudo quanto vem sendo dito improcedem as conclusões dos recorrentes.»
4. Inconformado com este aresto veio o arguido Calos Peixoto dos Santos Branco
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos [cfr.
requerimento de fls. 1535]:
«- o presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na al. b) do n° 1 do
artº 70° da Lei 28/82, de 15 de Novembro.
- pretende-se ver apreciada a constitucionalidade do artº 14°, n° 1, do RGIT,
aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho, na interpretação que lhe foi dada
por este Tribunal, entendimento que se considera violar o disposto no artº 103°,
n° 3, da CRP.
- esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada pelo Recorrente no decurso
do processo, nomeadamente nos pontos I) a O) das suas alegações de recurso para
este Tribunal, tendo, aliás, sido objecto de expressa apreciação pela sentença
ora recorrida.»
Também os arguidos A. e B. interpuseram recurso para este Tribunal, nos termos
do requerimento de fls. 1537 a 1539 do seguinte teor:
«1. Os Recorrentes não se conformam com o douto acórdão proferido pelo Venerando
Tribunal da Relação do Porto que considerou conformes com a Constituição da
Republica Portuguesa a disposição normativa do artº. 14, nº 1, do Decreto-Lei
15/2001, de 5/06 (RGIT), condicionando a suspensão da pena de prisão aplicada
aos Arguidos, ora Recorrentes, ao pagamento, durante o período da suspensão, da
prestação tributária e acréscimos legais, pelo que dele interpõem recurso para o
Tribunal Constitucional,
2. Os Recorrentes suscitaram a questão da (in)constitucionalidade da norma em
causa nas alegações de recurso, o que fizerem, quer reportando-se à norma do
art°. 14-1 do RGIT, quer à norma do art°, 11- 7 do RGIFNA, a qual, no seu
entender deveria constituir o normativo aplicável, pelo que se encontra
preenchido o requisito estabelecido pelo artº 75°-A, nº 2, da Lei do Tribunal
Constitucional, para a fiscalização concreta da constitucional idade - cfr ponto
V, pág. 45 das alegações.
3. O recurso é tempestivo por ser interposto dentro do prazo estabelecido no
artº. 75°, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, contando-se o seu inicio da
notificação da decisão recorrida
4. O douto acórdão recorrido não admite recurso ordinário, pelo que se mostra
verificado o pressuposto do artº 70°- 2 da Lei do Tribunal Constitucional.
5. Os Recorrentes têm manifesta legitimidade para interpor o presente recurso
de acordo com o preceituado no artº 72° - 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
6. A inconstitucionalidade cuja apreciação se requer consiste em violar aquela
disposição legal os princípios fundamentais da igualdade, proporcionalidade,
adequação e proibição da “prisão por dívidas” estabelecidos nos artºs. 13°,
18° e 27° da Constituição, quando interpretada com o sentido de a pena de prisão
cuja suspensão foi decretada dever ser condicionada ao pagamento dos impostos e
acréscimos legais, apesar de declarada e demonstrada a insolvência/falência do
agente e a sua manifesta insuficiência económica para o pagamento dessas
quantias.
7. Requer-se, igualmente, a apreciação inconstitucionalidade da norma do art°
14°-1 do RGIT no sentido de que a mesma não pode ser interpretada como
condicionante da suspensão da pena de prisão quando está em causa a condenação
de mais do que um arguido/agente uma vez que não esclarece qual a medida do
pagamento que é imputado a cada um, sendo certo que é inconstitucional, por
violação do principio da proporcionalidade constante artº. 18° da Constituição,
quando interpretada no sentido de que cada um dos agentes/arguidos fica obrigado
ao pagamento da totalidade da divida de imposto e acréscimos legais,
independentemente do pagamento que o ou os demais arguidos efectue desses mesmos
impostos com vista a igual suspensão da execução da pena.
8. A decisão recorrida é omissa quanto a esta questão, o mesmo sucedendo com a
previsão normativa do art°. 14-1 do RIGT.
9. Assim, impõe-se agora apreciar a interpretação sentido da norma,
designadamente declarando a sua inconstitucionalidade quanto interpretada como
dela decorrendo que a obrigação de efectuar o pagamento dos impostos como
condicionante da suspensão da pena de prisão não é uma obrigação solidária.
10. Por último refere-se que não se desconhece existir jurisprudência oriunda do
Tribunal Constitucional que é contrária à perfilhada pelos Recorrentes. Não
obstante, verdade é que o Tribunal Constitucional, na apreciação que fez da
constitucionalidade em concreto da norma em causa não apreciou, porque tais
questões lhe não foram submetidas, a circunstância de o agente estar declarado
falido/insolvente e o modo como, sendo vários os agentes, deve interpretar-se o
pagamento que condiciona a suspensão da pena de prisão.»
5. Entende-se no caso ser de proferir decisão sumária, ao abrigo do disposto no
n.º1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, como se passa a
fundamentar.
6. Pretende o recorrente Calos Peixoto dos Santos Branco a apreciação da
constitucionalidade da norma do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei
n.º 15/01, de 5 de Junho, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão
recorrido, que o recorrente entende violar o disposto no artigo 103.º da
Constituição.
Como se sabe, o recurso de constitucionalidade em apreço – com fundamento na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro – implica
para que possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, a congregação de
vários pressupostos, entre os quais a aplicação pelo Tribunal recorrido, como
sua ratio decidendi, de norma cuja (in)constitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado
segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida.
O recorrente não especificou no requerimento de interposição de recurso qual a
concreta interpretação dada pela decisão recorrida à norma do artigo 14.º, n.º
1, do RGIT, que pretende ver apreciada, referindo, apenas que “esta questão de
inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente no decurso do processo,
nomeadamente nos pontos I) a O) das suas alegações de recurso para este Tribunal
[Relação do Porto], tendo, aliás, sido objecto de expressa apreciação pela
sentença ora recorrida”.
Porém, nas ditas alegações o recorrente não suscitou de modo processualmente
adequado a questão da constitucionalidade da norma em apreço.
Na verdade, embora tenha invocado que a imposição do pagamento dos impostos em
causa como condição de suspensão da execução da pena não era exequível em termos
práticos, por o recorrente não ser o devedor desses impostos e que só o será se
e quando a administração fiscal proferir um despacho de reversão, no qual fixará
o montante do imposto devido pelo recorrente, que ainda poderá usar dos meios de
defesa legais, conclui que “o decidido, ao impor ao recorrente como condição
para não ser preso, que pague um imposto de que não é devedor, que não lhe foi
ainda notificado nos termos legais e contra o qual se poderá, ainda, opor nas
instâncias próprias, viola o disposto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP”.
Deste modo, não suscitou o recorrente uma questão de constitucionalidade
normativa – com referência à norma do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT – antes
impugnou os fundamentos da decisão e imputou a esta, em si mesma considerada, o
vício de inconstitucionalidade.
Acresce que também não constitui forma adequada de suscitar a questão de
constitucionalidade a indicação de um sentido normativo que se entende ser
conforme o texto constitucional, como o recorrente fez na conclusão o) das suas
alegações, sem se especificar qual a interpretação da norma em apreço que se
julga inconstitucional [por lapso, escreveu-se “inconstitucionalidade”].
É que, competindo ao recorrente o ónus de suscitação, deverá este cumpri-lo,
referenciando-o normativamente, pondo desse modo em causa, por alegada violação
de preceito ou de princípio constitucional, o critério jurídico utilizado na
decisão ao aplicar a norma jurídica questionada e, quando, como é o caso, se
discuta uma dimensão interpretativa, deverá fazê-lo não só atempadamente mas de
forma clara e perceptível, em termos de o Tribunal recorrido saber que tem essa
questão para resolver e não subsistam dúvidas quanto ao sentido da mesma – até
porque, frequentemente, não se revela tarefa fácil traçar com nitidez a linha de
demarcação entre a interpretação discutida e a decisão qua tale, cuja
reapreciação não pode, nesta sede, ser reaberta.
Deste modo, não pode tomar-se conhecimento do objecto deste recurso, não
obstante se poder vir a apreciar a questão da inconstitucionalidade da norma do
artigo 14.º, n.º 1 do RGIT, a propósito do recurso interposto pelos co-arguidos.
7. Os recorrentes A. e B. começam por afirmar que não se conformam com o acórdão
proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que considerou conforme com a
Constituição a disposição normativa do artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei
15/2001, de 5 de Junho (RGIT), condicionando a suspensão da pena de prisão
aplicada aos arguidos [cfr. ponto 1 do requerimento de interposição de recurso],
invocando, depois, que pretendem a apreciação da constitucionalidade desta
norma, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, adequação e
proibição da “prisão por dívidas”, previstos nos artigos 13.º, 18.º e 27.º da
Constituição, “quando interpretada com o sentido de a pena de prisão cuja
suspensão foi decretada dever ser condicionada ao pagamento dos impostos e
acréscimos legais, apesar de declarada e demonstrada a insolvência/falência do
agente e a sua manifesta insuficiência económica para o pagamento dessas
quantias” [cfr. ponto 6 daquele requerimento].
Ora, o Tribunal Constitucional teve já, por diversas vezes, oportunidade de se
pronunciar sobre a questão de constitucionalidade em apreço, a respeito das
normas dos artigos 11.º, n.º 7, do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº
394/93, de 24 de Novembro, e do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 15/01, de 5 de Junho, na parte em que condicionam a suspensão da
execução da pena de prisão ao pagamento pelo arguido do imposto em dívida e
respectivos acréscimos legais.
Fê-lo, concretamente, nos acórdãos nºs 256/03 (tirado por unanimidade na 1ª
Secção), 335/03 (tirado por unanimidade na 2ª Secção), 376/03 (tirado com um
voto de vencido na 2ª Secção) e 500/05 (tirado por unanimidade na 3ª Secção),
(publicados, o primeiro, no Diário da República, II Série, de 2 de Julho de
2003, o terceiro, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56º vol., págs. 737 e
ss., e, os restantes, inéditos, mas todos disponíveis em:
www.tribunalconstitucional.pt/tc/acórdãos), tendo sempre concluído pela sua não
inconstitucionalidade.
Como se escreveu no acórdão n.º 256/03, para o qual remetem, no essencial, os
demais arestos citados:
“[...] 10.4. Comparando o artigo 11º, n.º 7, do RJIFNA com o (posterior) artigo
14º do RGIT, verifica-se que ambos condicionam a suspensão da execução da pena
de prisão ao pagamento das quantias em dívida.
Não sendo pagas tais quantias, o primeiro preceito remetia (em parte) para o
regime do Código Penal relativo ao não cumprimento culposo das condições da
suspensão; já o segundo preceito – que englobou tal regime do Código Penal – é
mais dúbio, porque não faz referência à necessidade de culpa do condenado.
De qualquer modo, deve entender-se que a já referida aplicação subsidiária do
Código Penal, prevista no artigo 3º, alínea a), do RGIT (cfr. os artigos 55º e
56º do referido Código), bem como a circunstância de só o incumprimento culposo
conduzir a um prognóstico desfavorável relativamente ao comportamento do
delinquente implicam a conclusão de que o artigo 14º, n.º 2, do RGIT, quando se
refere à falta de pagamento das quantias, tem em vista a falta de pagamento
culposa (refira-se, a propósito, na sequência de Jorge de Figueiredo Dias,
Direito Penal Português / Parte Geral, II – As Consequências Jurídicas do Crime,
Aequitas, 1993, pp. 342-343, que pressuposto material de aplicação da suspensão
da execução da pena de prisão é a existência de um prognóstico favorável a esse
respeito).
[...]
10.7. A questão que ora nos ocupa tem algumas afinidades com uma outra que já
foi discutida no Tribunal Constitucional.
Assim, no acórdão n.º 440/87, de 4 de Novembro (publicado em Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 10º volume, 1987, p. 521), o Tribunal Constitucional
não julgou inconstitucional a norma do artigo 49º, n.º 1, alínea a), do Código
Penal de 1982 (versão originária), na parte em que ela permite que a suspensão
da execução da pena seja subordinada à obrigação de o réu “pagar dentro de certo
prazo a indemnização devida ao lesado”. Nesse acórdão, depois de se ter
salientado que se deve considerar como princípio consagrado na Constituição a
proibição da chamada “prisão por dívidas”, entendeu-se, para o que aqui releva,
o seguinte:
“(...)nos termos do artigo 50º, alínea d), do actual Código Penal, o tribunal
pode revogar a suspensão da pena, «se durante o período da suspensão o condenado
deixar de cumprir, com culpa, qualquer dos deveres impostos na sentença», v.g.,
o de «pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado» [artigo 49º,
n.º 1, alínea a), primeira parte]. Nunca, porém, se poderá falar numa prisão em
resultado do não pagamento de uma dívida: – a causa primeira da prisão é a
prática de um «facto punível» (artigo 48º do Código). Como se escreveu no
acórdão recorrido, «o que é vedado é a privação da liberdade pela única razão do
não cumprimento de uma obrigação contratual, o que é coisa diferente».
Aliás, a revogação da suspensão da pena é apenas uma das faculdades concedidas
ao tribunal pelo citado artigo 50º para o caso de, durante o período da
suspensão, o condenado deixar de cumprir, com culpa, qualquer dos deveres
impostos na sentença: – na verdade, «conforme os casos», pode o tribunal, em vez
de revogar a suspensão, «fazer-lhe [ao réu] uma solene advertência [alínea a)],
exigir-lhe garantias do cumprimento dos deveres impostos» [alínea b)] ou
«prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas
não por menos de um ano» [alínea c)].”
Por outro lado, no acórdão n.º 596/99, de 2 de Novembro (publicado no Diário da
República, II Série, n.º 44, de 22 de Fevereiro de 2000, p. 3600), o Tribunal
Constitucional não considerou inconstitucional, designadamente por violação do
artigo 27º, n.º 1, da Constituição, a norma constante do artigo 51º, n.º 1,
alínea a), do Código Penal, na parte em que permite ao juiz condicionar a
suspensão da execução da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados
ao ofendido. Foram os seguintes os fundamentos dessa decisão:
“(...) 8. A alegada inconstitucionalidade do artigo 51º, nº 1, alínea a) do
Código Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março.
Dispõe o artigo 51º, nº 1, alínea a) do Código Penal que «a suspensão da
execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres
impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente pagar
dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a
indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução
idónea».
Trata-se mais uma vez, no entender do recorrente, da previsão de uma situação de
«prisão por dívidas», proibida pela Constituição.
Desde logo deve notar-se que tem inteira razão o Ministério Público quando
refere que, a proceder, a argumentação do recorrente acabaria por redundar em
seu próprio prejuízo, «na medida em que a considerar-se inconstitucional a norma
ora objecto de recurso, estaria afastada a possibilidade de suspensão da
execução da pena – que só se justifica pela ‘condição’ estabelecida naquele
preceito – restando-lhe o inexorável cumprimento da pena de prisão que a decisão
recorrida, em primeira linha, lhe impôs...».
É, no entanto, manifestamente improcedente a alegação de que a norma que se
extrai do artigo 51º, nº 1, alínea a) do Código Penal, traduz uma violação do
princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de
não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e
à segurança (artigo 27º, n.º 1 da Constituição).
Na realidade, e mais uma vez, não se trata aqui da impossibilidade de
cumprimento como única razão da privação da liberdade, mas antes da consideração
de que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite
realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição se a ela –
suspensão da execução – se associar a reparação dos danos provocados ao lesado,
traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de pagamento) da indemnização
devida.(...).”
Apesar da afinidade com a questão de que ora cumpre apreciar, nos arestos
citados não estava em causa o problema da conformidade constitucional (à luz dos
princípios da adequação e da proporcionalidade) da imposição de uma obrigação
que, no próprio momento em que é imposta, pode ser de cumprimento impossível
pelo condenado, mas um outro (que Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 353,
aliás, considerou absolutamente infundado), que era o de “saber se o
condicionamento da suspensão pelo pagamento da indemnização não configuraria,
quando aquele pagamento não viesse a ser feito, uma (inconstitucional) prisão
por dívidas”.
De qualquer modo, dos arestos citados extrai-se uma ideia importante para a
resolução da presente questão: é ela a de que não faz sentido analisá-la à luz
da proibição da prisão por dívidas. Na verdade, mesmo que se considere – e é
isso que importa determinar – desproporcionada a imposição da totalidade da
quantia em dívida como condição de suspensão da execução da pena, o certo é que
o motivo primário do cumprimento da pena de prisão não radica na falta de
pagamento de tal quantia, mas na prática de um facto punível.
10.8. A questão em análise tem também algumas afinidades com a questão da
conformidade constitucional do estabelecimento dos limites da pena de multa em
função do valor da prestação em falta, analisada pelo Tribunal Constitucional a
propósito dos artigos 24º, n.º 1, e 23º, n.º 4, do RJIFNA (cfr., por exemplo, os
acórdãos n.ºs 548/01, de 7 de Dezembro, e 432/02, de 22 de Outubro,
respectivamente publicados no Diário da República, II Série, n.º 161, de 15 de
Julho de 2002, p. 12639, e n.º 302, de 31 de Dezembro de 2002, p. 21183).
Neste último aresto, disse-se nomeadamente o seguinte:
“(...) Por outro lado – e sendo certo que o legislador goza de ampla margem de
liberdade na fixação dos limites mínimo e máximo das molduras penais –, não se
afigura que o critério da vantagem patrimonial pretendida pelo agente, adoptado
na norma em apreço, se revele ofensivo dos princípios da necessidade,
proporcionalidade e adequação das penas. Contrariamente ao que sustenta o
recorrente, a adopção de um tal critério não significa que a pena aplicável ao
crime de fraude fiscal prossiga o fim da retaliação ou da expiação. É que a
conduta que lhe subjaz é tanto mais grave e socialmente mais lesiva quanto mais
elevado for o montante envolvido: como tal, é ainda a protecção de um bem
jurídico o que se visa e não a mera censura do agente. (...).”
Desta passagem retira-se uma importante consideração para o problema que nos
ocupa.
É ela a de que, podendo a realização dos fins do Estado – dependente do
cumprimento do dever de pagar impostos – justificar a adopção do critério da
vantagem patrimonial no estabelecimento dos limites da pena de multa, não há
qualquer motivo para censurar, como desproporcionada, a obrigação de pagamento
da quantia em dívida como condição da suspensão da execução da pena. As razões
que, relativamente à generalidade dos crimes, subjazem ao regime constante do
artigo 51º, n.º 2, do Código Penal [...] não têm necessariamente de assumir
preponderância nos crimes tributários: no caso destes crimes, a eficácia do
sistema fiscal pode perfeitamente justificar regime diverso, que exclua a
relevância das condições pessoais do condenado no momento da imposição da
obrigação de pagamento e atenda unicamente ao montante da quantia em dívida.
[...]
10.9. As normas em apreço não se afiguram, portanto, desproporcionadas, quando
apenas encaradas na perspectiva da automática correspondência entre o montante
da quantia em dívida e o montante a pagar como condição de suspensão da execução
da pena, atendendo à justificável primazia que, no caso dos crimes fiscais,
assume o interesse em arrecadar impostos.
Cabe, todavia, questionar se não existirá desproporção quando, no momento da
imposição da obrigação, o julgador se apercebe de que o condenado muito
provavelmente não irá pagar o montante em dívida, por impossibilidade de o
fazer.
Esta impossibilidade, que não chegou a ser declarada pelo tribunal recorrido –
pois que este analisou a questão em abstracto, sem averiguar se o ora recorrente
efectivamente estava impossibilitado de cumprir [...] –, não altera, todavia, a
conclusão a que se chegou.
Em primeiro lugar, porque perante tal impossibilidade, a lei não exclui a
possibilidade de suspensão da execução da pena.
Dir-se-á que tal exclusão se encontra implícita na lei, atendendo a que não
seria razoável que a lei permitisse ao juiz condicionar a suspensão da execução
da pena de prisão ao cumprimento de um dever que ele próprio sabe ser de
cumprimento impossível.
Todavia, tal objecção não procede, pois que traz implícita a ideia de que o juiz
necessariamente elabora um prognóstico quanto à possibilidade de cumprimento da
obrigação, no momento do decretamento da suspensão da execução da pena. Ora,
nada permite supor a existência de um tal prognóstico: sucede apenas que a lei –
bem ou mal, mas este aspecto é, para a questão de constitucionalidade que nos
ocupa, irrelevante –, verificadas as condições gerais de suspensão da execução
da pena (nas quais não se inclui a possibilidade de cumprimento da obrigação de
pagamento da quantia em dívida), permite o decretamento de tal suspensão. O
juízo do julgador quanto à possibilidade de pagar é, para tal efeito,
indiferente.
Em segundo lugar, porque mesmo parecendo impossível o cumprimento no momento da
imposição da obrigação que condiciona a suspensão da execução da pena, pode
suceder que, mais tarde, se altere a fortuna do condenado e, como tal, seja
possível ao Estado arrecadar a totalidade da quantia em dívida.
A imposição de uma obrigação de cumprimento muito difícil ou de aparência
impossível teria assim esta vantagem: a de dispensar a modificação do dever
(cfr. artigo 51º, n.º 3, do Código Penal) no caso de alteração (para melhor) da
situação económica do condenado. E, neste caso, não se vislumbra qualquer razão
para o seu tratamento de favor, nem à luz do princípio da culpa, nem à luz dos
princípios da proporcionalidade e da adequação.
Em terceiro lugar, e decisivamente, o não cumprimento não culposo da obrigação
não determina a revogação da suspensão da execução da pena. Como claramente
decorre do regime do Código Penal para o qual remetia o artigo 11º, n.º 7, do
RJIFNA, bem como do n.º 2 do artigo 14º do RGIT, a revogação é sempre uma
possibilidade; além disso, a revogação não dispensa a culpa do condenado (supra,
10.4.).
Não colidem, assim, com os princípios constitucionais da culpa, adequação e
proporcionalidade, as normas contidas no artigo 11º, n.º 7, do RJIFNA, e no
artigo 14º do RGIT.[...]”.
É este entendimento que se reitera, nele se encontrando já resposta ao essencial
dos argumentos invocados pelos recorrentes e, designadamente, quanto à
circunstância de o acórdão recorrido ter condicionado a suspensão ao pagamento
da quantia em dívida “apesar de declarada e demonstrada a insolvência/falência
do agente e a sua manifesta insuficiência económica para o pagamento dessas
quantias”.
Esta circunstância, que os recorrentes parecem querer integrar na dimensão
normativa impugnada, não é mais do que um dos argumentos que fundamentam o
pedido de inconstitucionalidade do preceito em causa, e, apesar de só
abstractamente se poder afirmar que o acórdão recorrido a ponderou - uma vez que
não emitiu pronúncia sobre a “impossibilidade” de os recorrentes cumprirem a
condição -, tal “impossibilidade”, como se referiu, não exclui a possibilidade
de suspensão da execução da pena, antes relevando em momento posterior para
aquilatar da culpa do agente em caso de incumprimento da condição.
Assim, não é inconstitucional a norma do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, que
condiciona a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento pelos arguidos
do imposto em dívida e respectivos acréscimos legais.
8. Pretendem, ainda, os recorrentes A. e B. a apreciação da constitucionalidade
da norma do artigo 14.º, n.º 1 do RGIT, quando interpretada no sentido “de que
cada um dos agentes/arguidos fica obrigado ao pagamento da totalidade da divida
e imposto e acréscimos legais, independentemente do pagamento que o ou os demais
arguidos efectue desses mesmos impostos com vista a igual suspensão da execução
da pena”, que entendem violar o princípio da proporcionalidade, constante do
artigo 18.º da Constituição.
Em primeiro lugar, a norma não foi aplicada com a interpretação que os
recorrentes invocam, uma vez que o acórdão recorrido entendeu que a
responsabilidade dos arguidos pelo pagamento da dívida de que depende a
suspensão da execução da pena era solidária. O que significa que, embora cada um
dos devedores responda pela totalidade da dívida, a prestação que algum deles
faça a todos libera. E não que de todos e cada um pode ser exigido a totalidade
da dívida, independentemente do que os outros paguem. Depois, também é certo que
os recorrentes não suscitaram durante o processo tal questão de
constitucionalidade. Assim, nesta parte, não pode tomar-se conhecimento do
objecto do recurso.
9. Em face do exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, decide-se:
a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto pelo
recorrente C.;
b) Julgar improcedente o recurso dos recorrentes A. e B., quanto à
norma do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/01, de 5 de
Junho, e, no mais, não conhecer do objecto do mesmo.
Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de
conta para cada um.
2. Os recorrentes reclamaram, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, nos
termos seguintes:
A) O recorrente C.
Para este recorrente nenhum dos fundamentos da decisão recorrida pode manter-se.
Conclui a reclamação nos termos seguintes:
“a) A decisão ora reclamada apenas se pode entender – salvo melhor opinião –
como resultado da incompreensão do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator quanto
ao significado (melhor, ao contexto em que surgiram) as palavras utilizadas pelo
recorrente na formulação das suas conclusões no recurso interposto para o
Tribunal da Relação do Porto e, consequentemente, no requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
b) Daí a conclusão – que não se aceita – de que ‘o recorrente não suscitou de
modo processualmente adequada questão da constitucionalidade da norma em apreço’
(pág. 11).
c) As palavras utilizadas pelo Recorrente poderão não ser as que o Exmo. Relator
utilizaria. Porém, são a tradução (porventura, não a mais feliz) de modo como o
Recorrente entende a questão da ‘dimensão interpretativa de uma norma’ por uma
decisão judicial e o modo como encara a questão da (in)constitucionalidade de
uma norma, quando suscitada no quadro de um processo judicial e,
consequentemente, em sede de recurso de fiscalização concreta.
d) Entendimentos esses que o recorrente crê corresponderem ao ensinamento da
melhor Doutrina.
e) Mais importante, a recusa de apreciação de um recurso só em última instância
se pode estribar em argumentos de índole formal, para mais quando possam ser
havidos por (muito) discutíveis.
f) O problema de constitucionalidade suscitado pelo Recorrente é, certamente,
claro.
g) Tem-se por importante que o TC dele conheça, porquanto (mais que pelas
consequências que o juízo deste Tribunal possa ter no caso concreto), tal
problema existe e nunca foi objecto de apreciação por esse Tribunal.
h) Pelo que se conclui que, na procedência desta reclamação, deverá ser decidido
que seja tomado conhecimento do objecto do recurso interposto pelo ora
Recorrente.”
B) Os recorrentes A. e B.
Sustentam estes recorrentes, em síntese, que nos antecedentes
jurisprudenciais em que, na parte que lhes respeita, a decisão sumária se fundou
nunca o Tribunal Constitucional foi confrontado com as questões neste recurso
colocadas, a saber a de se encontrar judicialmente decretada a insolvência do
agente e a de o condicionamento da suspensão não especificar a medida do
pagamento que é imputado a cada um.
O Ministério Público respondeu que não se descortinam razões para pôr em
causa a decisão reclamada, devendo indeferir-se as reclamações.
3. Reclamação do recorrente C.
3.1. A decisão reclamada não assenta na distinção metodológica entre
interpretação e aplicação do direito que o reclamante lhe atribuiu. Pode mesmo
dizer‑se que lhe preside a ideia de que, também para efeitos de fiscalização
concreta de constitucionalidade, “a norma é como interpretada”, para usar a
expressão citada pelo reclamante. Mas é precisamente por isso, porque o que pode
ser sujeito a fiscalização concreta de constitucionalidade não é o sentido que,
de modo abstracto, do preceito extrairia um intérprete ideal, mas aquele com que
ele foi aplicado pela decisão recorrida e porque o ónus de indicação da norma
que é objecto do recurso incumbe ao recorrente e deve constar do respectivo
requerimento de interposição (n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC), que não basta
dizer, sem mais, que se pretende ver apreciado a constitucionalidade de um dado
preceito legal “na interpretação que lhe foi dada” pelo tribunal que proferiu a
decisão impugnada. Qual é o conteúdo normativo que emerge dessa mediação entre a
realidade do caso e o critério normativo que a fonte interpretanda ofereça deve
o recorrente enunciá-lo, sob pena de transferir para o Tribunal um ónus que a
lei, com toda a razoabilidade, põe a seu cargo.
É também uma certeza banal que o sentido da interpretação feita pelo tribunal a
quo é dado pelo texto da decisão recorrida (o que não significa que esta não
comporte interpretação) e não pelas das palavras do recorrente. Mas isso não
dispensa, nem torna inúteis, as exigências legais quanto ao requerimento de
interposição do recurso (artigo 75.º-A da LTC). É sempre o recorrente que tem de
apresentar, de modo claro, o objecto do recurso, como ponto de partida
necessário para toda a tramitação posterior, designadamente para que possa
proceder-se à verificação dos respectivos pressupostos.
Não foi, todavia, com fundamento na não satisfação deste requisito do
requerimento que se rejeitou o recurso. Assinalou-se a deficiência, como ponto
de partida do discurso fundamentador. Mas, se se entendesse que só isso impedia
o prosseguimento do recurso, isto é, que só faltava a enunciação da norma,
notificar‑se‑ia o recorrente para suprir a deficiência, nos termos dos n.ºs 5 e
6 do artigo 75.º-A da LTC.
3.2. O que foi decisivo para a decisão de não tomar conhecimento do objecto do
recurso foi ter-se julgado que o recorrente não dera satisfação ao ónus de
suscitar perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de modo
processualmente adequado, em termos de esse tribunal estar obrigado a dela
conhecer, a questão de constitucionalidade que quer ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional (n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
Efectivamente, conforme vem sendo reiteradamente afirmado por este Tribunal, a
questão de inconstitucionalidade tem de ser colocada com clareza e
inteligibilidade suficientes para permitir ao tribunal da causa aperceber-se de
que, sob pena de incorrer em omissão de pronúncia, deverá incluir no elenco das
questões a resolver o preciso vício de inconstitucionalidade ulteriormente
suscitado no requerimento de fiscalização concreta. E como se disse no acórdão
n.º 508/2006, (disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt), “enunciar a
dimensão que se pretende ver sindicada consiste sempre na definição, pela
positiva, do contexto situacional que, na perspectiva seguida, tornará a sua
aplicação inconstitucional e não, conforme facilmente se concederá, na indicação
da única interpretação tida por constitucionalmente possível, para assim excluir
todas as demais”.
Admite-se, porém, a um melhor exame, que os termos em que a questão foi
colocada perante a Relação ainda possam satisfazer o referido ónus, embora no
grau mínimo de exigência. Apesar das comprometedoras referências ao decidido,
que inclinaram a ver no n.º 6 da motivação do recurso uma censura ao concreto
condicionalismo de suspensão da pena, e não à norma que vinculou o juiz a
estabelecê-lo nesses termos, o confronto entre aquilo que o recorrente alega
nesse capítulo autónomo da motivação do recurso (fls. 1185 a 1187), com o
sentido que a decisão de 1ª instância dera ao n.º 1 do artigo 14.º do RGIT,
permite interpretar essa passagem da motivação do recurso como questionando
directamente a validade constitucional desta norma, embora admitindo ou propondo
para a mesma uma interpretação conforme.
Deste modo, não se mantém o fundamento adoptado pela decisão reclamada para o
não conhecimento do objecto do recurso.
3.3. Mas, assim sendo, o recurso tem de ser julgado imediatamente
improcedente, como o teria sido na decisão sumária se não tivesse rejeitado o
seu conhecimento, pelas razões que foram referidas a propósito dos demais
recorrentes e que o recorrente conhece porque constam do mesmo texto que lhe foi
notificado.
Com efeito, a novidade que o presente recurso apresenta consiste em propor o
confronto da norma do n.º 1 do artigo 14.º do RGIT com o princípio da legalidade
quanto à liquidação e cobrança dos impostos (n.º 3 do artigo 103.º da
Constituição). Em síntese, o recorrente sustenta que a norma como foi aplicada,
ao impor ao agente que pague um imposto devido pela pessoa colectiva de que foi
administrador, antes de a Administração fiscal proferir um despacho de reversão
e lho notificar nos termos legais, contra cuja liquidação e cobrança poderá
ainda opor-se, nas instâncias próprias, viola o disposto no artigo 103.º, n.º 3,
da CRP.
Sucede, porém, que este parâmetro – independentemente de saber qual o
significado da reserva de lei quanto aos momentos da liquidação e cobrança dos
impostos (cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 3.ª ed., pág. 138 e segs.) –
não é pertinente para a questão agora em apreço, pelo que a sua invocação se
apresenta como manifestamente insusceptível de acrescentar, aos termos em que a
questão da imposição de tal condição de suspensão tem sido analisada na
abundante jurisprudência do Tribunal, tanto a propósito desta norma como do n.º
7 do artigo 11.º do RJIFNA, algo que justifique o prosseguimento do processo
para alegações.
Efectivamente, a imposição do pagamento da prestação tributária e acréscimos
como condição da suspensão da execução da pena de prisão não equivale à
determinação da obrigação tributária do agente na qualidade de responsável
fiscal, designadamente, à efectivação da sua responsabilidade tributária nos
termos do artigo 24.º da Lei Geral Tributária. A imposição da condição não é um
modo de efectivar essa responsabilidade, antes radica, na hipótese de condenação
por crime de abuso de confiança fiscal, como é o caso dos autos, na falta dolosa
de entrega à administração fiscal de uma prestação tributária deduzida ou
recebida nos termos da lei, perante a qual o agente tem os meios de defesa do
processo penal, incluindo as que resultam da aplicação do princípio da
suficiência (artigo 7.º do Código de Processo Penal). Não se trata aqui de
exigir do responsável tributário a prestação a que nessa qualidade pode ser
sujeito, de acordo com os pressupostos da responsabilidade fiscal subsidiária
das pessoas que exerçam funções de administração nas sociedades (artigo 24.º da
LGT), mas de impor ao agente da prática de um crime um pagamento essencialmente
indemnizatório, considerado necessário para tornar comunitariamente suportável a
suspensão da execução da prisão (cfr. artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código
Penal). É um domínio em que operam as exigências constitucionais da lei penal e
processual penal, nomeadamente as que respeitam aos pressupostos da suspensão da
execução da pena de prisão, não as que possam ser convocadas quanto às normas
respeitantes à responsabilidade tributária ou de liquidação e cobrança dos
impostos, regime jurídico com o qual não interfere. Que o arguido foi autor de
factos que se traduziram na apropriação indevida, em benefício da sociedade, da
quantia (base) fixada como condição de suspensão, é um dado resultante da
condenação pelo crime, perante cuja acusação teve possibilidade de se defender.
É por causa desta acção ilícita que se fixa a condição de suspensão da pena, ao
abrigo desta norma que especialmente acresce às que no artigo 50.º e seguintes
do Código Penal estabelecem o regime geral de suspensão da execução da pena de
prisão. Coisa diversa é a efectivação da responsabilidade tributária, que
depende de outros pressupostos. Só para a fiscalização das normas que lhe
respeitam é razoável invocar o n.º 3 do artigo 103.º da Constituição.
Tanto basta para que se considere manifesto que a norma do n.º 1 do artigo 14.º
do RGIT, para além do que já foi examinado e consta da decisão sumária
transcrita, também não viola o n.º 3 do artigo 103.º da Constituição.
Consequentemente, embora por fundamento diverso daquele que foi adoptado na
decisão sumária, a reclamação do recorrente C. improcede, negando-se agora
provimento ao recurso que interpôs.
4. Reclamação dos recorrentes A. e B.
4.1. Insistem os recorrentes em que a questão que querem debater não tem
similitude com os acórdãos referidos na decisão sumária porque em nenhum desses
arestos o tribunal apreciou a conformidade com a Constituição da norma do n.º 1
do artigo 14.º do RGIT quando, no momento da decisão, se encontra judicialmente
declarada a insolvência do agente.
Sem razão, tratando-se de aspecto a que a decisão reclamada já ponderou.
Admitindo que esse fosse um aspecto atendível no presente recurso de
constitucionalidade – e mesmo que o fosse só respeitaria ao recorrente A. (cfr.
conclusão LII da motivação do recurso perante a Relação – fls. 1242 e fls. 1257)
–, o facto de se encontrar judicialmente estabelecida a impossibilidade actual
de o arguido cumprir as suas obrigações vencidas nada acrescenta, no plano do
juízo a efectuar quanto à validade constitucional da norma, ao que foi ponderado
nos antecedentes jurisprudenciais citados, designadamente no n.º 10.9 do acórdão
n.º 256/20003, que a decisão reclamada transcreve.
4.2. Afirmam os recorrentes que é manifesto que a condenação de diversos a
arguidos no pagamento da prestação tributária como condição de suspensão da pena
de prisão não se mostra regulamentada, pelo que sempre teria de admitir-se uma
lacuna da lei (n.º 1 do artigo 14.º do RGIT) que o Tribunal da Relação não
integrou; dessa ausência de regulamentação decorre a inconstitucionalidade da
norma, quando interpretada no sentido de que cada um dos agentes/arguidos fica
obrigado ao pagamento da totalidade da dívida, independentemente do pagamento do
imposto que os demais efectuem com igual finalidade.
Também nesta parte a reclamação é manifestamente improcedente,
independentemente de outras razões, porque é absolutamente certo que não pode
imputar-se ao acórdão recorrido a aplicação da norma com este sentido. Basta ver
o que o acórdão confirmou a decisão de 1ª instância e que a interpretou nos
seguintes termos “O recurso vem da decisão que os condenou nas penas de 3 anos e
2 anos e 9 meses de prisão, respectivamente, e cuja execução ficou suspensa por
5 anos sob a condição de solidariamente pagarem o montante de 902.065,83€ e
demais acréscimos em tal prazo” (itálico aditado). Seja o que for que se pense
quanto a tal solução e à sua base legal, sabido o que significa juridicamente a
solidariedade passiva nas obrigações e que o Tribunal só fiscaliza a
constitucionalidade de normas (ou interpretações normativas) efectivamente
aplicadas, é inquestionável que não pode conhecer-se da norma do n.º 1 do artigo
14.º com tal hipotético sentido.
Improcede, portanto, também esta reclamação.
4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se indeferir as reclamações e condenar os
recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta, individualmente.
Lisboa, 31 de Outubro de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício