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Processo n.º 404/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Em 21 de Fevereiro de 2006, A. apresentou reclamação do despacho de 7 de
Fevereiro de 2006, que lhe não admitiu o recurso que pretendeu interpor para o
Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido em 20 de Dezembro de 2005, pelo
Tribunal da Relação de Évora, que revogou a decisão do 1.º Juízo do Tribunal de
Comarca de Silves “no que concerne à repartição em partes iguais do montante de
€ 50.000,00 atribuído às recorrentes a título de indemnização por danos de
natureza não patrimonial – perda do direito à vida do B.– devendo tal
importância, acrescida dos competentes juros legais, contados a partir da
decisão proferida em 1.ª instância, ser paga pela demandada Companhia de Seguros
Fidelidade – C., S.A., e por inteiro, à recorrente D.”.
A reclamante suscitou a questão da inconstitucionalidade do disposto no artigo
400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando interpretado “no sentido de
que não é possível recorrer para o S.T. de Justiça quanto à indemnização civil,
porque a correspondente decisão penal é irrecorrível”, por violação do disposto
nos artigos 13.º, n.º 1, 20.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa.
Por despacho de 17 de Março de 2006, o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça, invocando o Acórdão n.º 1/2002 desse Tribunal (publicado no Diário da
República, I Série-A, de 21 de Maio de 2002) e os Acórdãos n.ºs 201/94 e 525/98
do Tribunal Constitucional (publicados, respectivamente, nos Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 27.º vol., pp. 473 e segs., e no Diário da República,
II Série, de 30 de Junho de 1999), indeferiu a reclamação, considerando não se
poder dizer que “esta interpretação desrespeite o princípio da igualdade ou
qualquer outro preceito da Lei Fundamental”.
2.Inconformada, a reclamante veio interpor recurso de constitucionalidade ao
abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, pretendendo obter a apreciação da conformidade com a
Constituição da República do artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal,
na interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça “de que não há recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça, neste caso sub judice”.
Admitido o recurso, a recorrente encerrou assim as suas alegações:
«1. A recorrente interpôs o presente recurso para o Venerando Tribunal
Constitucional da douta decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei Constitucional, porquanto a
recorrente na reclamação do não recebimento do recurso para o Presidente do
Venerando Supremo Tribunal de Justiça alegou que a interposição dada pelo
Acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Évora é contra a letra e o espírito
da lei, é contra o senso comum, e é inconstitucional a interpretação dada ao
art.º 432.°, alínea b), do CPP, com referência ao art.º 400.°, n.º 1, alínea e),
do mesmo diploma, pois tal interpretação vai contra o princípio da igualdade
(art.º 13.º, n.º 1, da CRP), priva a ora reclamante de acesso ao direito e à
tutela jurisdicional (art.º 20.º da CRP) e não está conforme ao n.º 1 do art.º
205.º da CRP, pois as entidades recorridas beneficiam da interpretação dada pelo
Tribunal a quo.
2. A recorrida fica privada de defender os seus direitos, permitindo-se assim
que as entidades recorridas desrespeitem os direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos (Art.º 266.º da CRP).
3. Efectivamente, no processo sub judice, o inditoso filho da reclamante morreu
em consequência dum acidente de viação ocorrido por culpa do condutor do outro
veículo que foi condenado pelo crime de homicídio por negligência, na pena de 18
meses de prisão, cuja execução suspendeu por três anos.
4. Tanto o recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora, quanto o
presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça versam sobre o pedido de
indemnização civil e sobre a indemnização atribuída ou não à recorrente.
5. Aí se discutem apenas assuntos de natureza civil que, pela sua complexidade e
pelas soluções contraditórias da primeira e da segunda instância, necessitam que
sobre elas se pronuncie o Supremo Tribunal de Justiça, sendo certo que está em
causa um pedido de indemnização civil de montante elevado e a decisão do
Tribunal da Relação decidiu nada atribuir, a título de indemnização, à mãe do
inditoso: nem por danos patrimoniais nem por danos morais, retirando-lhe mesmo a
indemnização fixada pela primeira instância como compensação pela perda do
direito à vida que foi atribuído em partes iguais pela mãe e pela ainda mulher
(de que estava separado de facto, já tinham tudo acordado quanto ao divórcio),
nos termos do art.º 2133.º do C.C.
6. Não faz pois sentido retirar-se à assistente este direito de recorrer para o
Supremo Tribunal de Justiça, sendo certo que este pedido civil se fosse objecto
duma acção no Tribunal Civil pelo valor da causa e pelas decisões contraditórias
da primeira e segunda instância podia subir sempre até ao Supremo Tribunal de
Justiça.
7. E este entendimento propicia soluções contraditórias perante o mesmo caso.
8. Nos termos do art.º 71.º do CPP, o pedido de indemnização civil fundado na
prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em
separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.
9. E, nos termos do art.º 72.º, o pedido civil pode ser deduzido em separado,
perante o Tribunal civil, nos casos aí taxativamente enumerados.
10. Ora, é perfeitamente possível, que, por exemplo, num acidente de viação, um
dos sinistrados deduza o pedido de indemnização civil no processo penal
respectivo e outro sinistrado porque o podia fazer nos termos do art.º 72.º do
CPP, deduziu o pedido civil em separado, ou seja, nos tribunais cíveis.
11. E pode acontecer que o arguido seja condenado no tribunal criminal, na pena
de 2 anos de cadeia, com execução suspensa, pelo facto de ter cometido dois
crimes de homicídio por negligência (art.º 137.º do C.P.), e o pedido
indemnizatório, embora muito elevado, só pode ser discutido até ao Tribunal da
Relação, na interpretação dada.
12. Os herdeiros do outro sinistrado, por hipótese intentaram a acção no
tribunal cível, o pedido indemnizatório era elevado e subiu até ao Supremo
Tribunal de Justiça onde foi feita justiça.
13. É pois manifestamente inconstitucional o entendimento de que só se pode
recorrer da questão cível no caso de ser recorrível a decisão penal.
14. Ora, se o recorrente aceita a decisão penal que condenou o arguido e por
isso legitimou o pedido de indemnização cível, por que motivo os aspectos cíveis
que devem ser julgados de acordo com o Código Civil no que concerne às
indemnizações, não podem, em termos de recurso, ser julgados pelo Supremo
Tribunal de Justiça?
15. Assim, como se alegou, a decisão do Tribunal da Relação ao não admitir o
presente recurso viola directa e necessariamente a letra e o espírito da lei
(art.º 400.º, n.º 2, do C.P. Penal).
16. E o entendimento versado neste Acórdão, a interpretação dada ao referido
artigo de que não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, neste caso sub
judice, é inconstitucional, como acima se alegou, violando-se o princípio da
igualdade (art.º 13.º, n.º 1, do CRP), priva a ora recorrente do acesso ao
direito e à tutela jurisdicional (art.º 20.º da CRP) até à última instância, e
não está conforme ao n.º 1 do art.º 205.º do CRP, pois as entidades recorridas
(Companhia de Seguros, a ainda mulher e portanto viúva) beneficiam da
interpretação dada pelo Tribunal a quo, sendo certo também que tal decisão fere
o senso comum, pois as leis são feitas por pessoas inteligentes, e por pessoas
inteligentes devem ser interpretadas. E tão absurda é esta interpretação que
repugna ao senso comum e não se compreende num Estado democrático, onde todos os
cidadãos devem ser tratados igualmente perante a lei e, neste caso, a pobre mãe
que perde um filho, num brutal acidente de viação, filho esse que, após a
separação da ainda mulher que o abandonou, com ela convivia, nada recebe a
título de indemnização, no seu entender por erro manifesto da análise das
questões jurídicas já na primeira instância mas sobretudo na segunda instância,
que chega ao cúmulo de não admitir o recurso de decisões tão contraditórias.
Termos em que a interpretação dada ao art.º 400.º, n.º 2, do C. P. Penal no
douto acórdão recorrido é inconstitucional o que deve ser decidido pelo
Venerando Tribunal Constitucional e, em consequência, o recurso interposto do
acórdão do Tribunal da Relação de Évora deve ser recebido e subir para o
Venerando Supremo Tribunal de Justiça.
Decidindo-se assim far-se-á justiça e história na correcta interpretação da lei,
sempre na salvaguarda dos direitos constitucionais dos cidadãos acima alegados —
o que se espera do Venerando Tribunal Constitucional.»
Por sua vez, o Ministério Público concluiu as suas contra-alegações desta forma:
«1 - O regime consagrado no n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal,
segundo o qual não cabe recurso ordinário da decisão proferida pela Relação
sobre a matéria da indemnização civil quando não seja recorrível a
correspondente decisão sobre a matéria penal, não afronta o direito de acesso ao
direito e aos tribunais, nem o princípio da igualdade.
2 – Termos em que deve improceder o presente recurso.»
Importa decidir.
II. Fundamentos
3.Convém começar por esclarecer que no presente recurso não está em causa a
apreciação de qualquer decisão sobre o pedido de indemnização civil efectuado
pela recorrente, mas apenas a questão da conformidade com a Constituição de uma
norma processual, relativa à possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça. A questão de (in)constitucionalidade do artigo 400.º, n.º 2, do Código
de Processo Penal, na interpretação precisada pela recorrente e aplicada pelo
acórdão recorrido, segundo a qual não cabe recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça de decisão do Tribunal da Relação relativa à indemnização civil,
proferida em segunda instância, se for irrecorrível a correspondente decisão
penal, foi recentemente objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional,
tendo o mesmo concluído pela sua conformidade com a Lei Fundamental no Acórdão
n.º 338/2005 (disponível no sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt), em
cuja fundamentação se lê:
“4. Como se sabe, não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre
qual é a melhor interpretação do direito infra-constitucional aplicável ao caso,
ou aplicado pelo tribunal recorrido (cfr., por exemplo, os acórdãos n.ºs 44/85 e
186/2000, publicados, respectivamente, em Acórdãos do Tribunal Constitucional,
5.º vol., págs. 403-409, e 46.º, págs. 745-758). Também por esta razão, não
poderão ser ponderadas as razões aduzidas pelo recorrente (coerência global,
adequação ao caso) na medida em que não relevem para a questão da
constitucionalidade, e antes como fundamentos para a crítica à solução jurídica
adoptada, por alegadamente não corresponder ao melhor direito.
Isto assente, pode partir-se do que se escreveu no acórdão n.º 201/94 (publicado
em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27.º vol., págs. 473-482):
«1. No vigente diploma adjectivo criminal consagrou-se, por intermédio do seu
art.º 71.º, a regra da obrigatoriedade de dedução em processo criminal do pedido
de indemnização civil baseado na prática de actos ilícitos que revistam a
natureza de crime, regra que só pode ser afastada nos casos reportados no art.º
72.º, sendo que se admite mesmo a dedução desse pedido no processo crime (cfr.
art.º 73.º) dirigido contra pessoas que, não sendo responsáveis criminalmente, o
sejam já no campo meramente civil.
Por outro lado, estatui-se no n.º 1 do art.º 403.º do mesmo corpo de leis que é
admissível a limitação do recurso de uma decisão a uma sua parte, e isto se for
possível separar a parte impugnada da parte que o não for, de molde a aquela
primeira ser objecto de uma apreciação distinta da segunda, tornando‑se esta
última autónoma, embora tal autonomia, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, não
prejudique o dever de retirar da procedência do recurso da parte impugnada “as
consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida”.
Perante a consagração, no citado art.º 71.º, do denominado “princípio de
adesão”, compreende-se que na alínea a) do n.º 2 do aludido art.º 403.º se dê
como exemplo de autonomia de parte da decisão, com a consequente recorribilidade
dela, a “matéria penal, relativamente àquela que se referir a matéria civil”,
compreendendo-se igualmente que no art.º 401.º, n.º 1, alínea c), se confira
legitimidade para recorrer às partes civis “da parte das decisões contra si
proferidas”, que no art.º 402.º, n.º 2, alínea c), se estabeleça que, salvo no
caso de recurso fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto
pelo responsável civil aproveita ao arguido, mesmo para efeitos penais, e no
art.º 404.º se comande que, em caso de recurso interposto por uma das partes
civis, a parte contrária possa interpor recurso subordinado.»
Depois de transcrever as normas então em apreciação (o n.º 2 do artigo 400.º -
na redacção anterior à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto –, o artigo 427.º e o
artigo 432.º do Código de Processo Penal), escreveu-se ainda no referido
acórdão:
«4.1. A consagração do sistema de adesão, em regra obrigatório, da acção cível à
acção penal, não significa que, pela unidade da causa, se confundam as
pretensões que fundamentam uma e outra ou que ambas deixem de ter autonomia
(cfr. sobre a questão, Figueiredo Dias, “Sobre a reparação de perdas e danos
arbitrada em processo penal”, estudo publicado no Boletim da Faculdade de
Direito de Coimbra, 1966, págs. 88 e segs., Direito Processual Penal, 1.º vol.,
págs. 540 e segs., e Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 15).
Simplesmente, a ritologia processual a que obedecerão ambas as pretensões é
regulada pela lei adjectiva criminal, pelo que será esta a matriz a que deverão
obedecer os trâmites destinados a fazer reconhecer em juízo, ou a tornar
coercivelmente realizada, a pretensão cível, sendo certo que em tal lei
adjectiva é unitário o recurso ordinário, aí não se consagrando as figuras da
apelação e revista.
Por isso, será de harmonia com as regras próprias daquela lei adjectiva que os
recursos tocantes à pretensão cível hão-de obedecer, não se podendo, pois, dizer
que - no que concerne a matéria cível objecto de pretensão processual deduzida
em tribunal civil perante as regras da lei adjectiva civil e matéria da mesma
natureza, fundada na prática de um acto ilícito de natureza penal, que terá, em
princípio, de ser objecto de reconhecimento em juízo através do processo penal -
haja uma identidade de situações reclamante de tratamento semelhante.
4.2. O princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, como
sabido é, exige a dação de tratamento igual àquilo que, essencialmente, for
igual, reclamando, por outro lado, a dação de tratamento desigual para o que for
dissemelhante, não proibindo, por isso, a efectivação de distinções. Ponto é que
estas sejam estabelecidas com fundamento material bastante e, assim, se não
apresentem como irrazoáveis ou arbitrárias (cfr., na jurisprudência deste
Tribunal, por todos, o Acórdão n.º 188/90, publicado na 2.ª Série do Diário da
República, de 12 de Setembro de 1990).
Sendo assim, há que saber se existe arbitrariedade, irrazoabilidade ou não há
fundamento bastante para a diferenciação no que respeita ao regime de recursos
respeitante à matéria cível, quando ela for objecto de pretensão deduzida em
acção regulada no Código de Processo Civil, ou for objecto de pretensão fundada
na prática de um acto ilícito de natureza penal, caso em que, em princípio, terá
de ser deduzida no processo criminal.
A resposta a uma tal questão não pode, na perspectiva do Tribunal, deixar de ser
negativa.
Efectivamente, viu-se já que da circunstância de se consagrar o sistema de
adesão - e essa consagração, advinda da norma do art.º 71.º do Código de
Processo Penal, não foi questionada pelo recorrente do ponto de vista da sua
conformidade constitucional - resulta que a pretensão de pedido de indemnização
derivado da responsabilidade civil conexionada com a prática de um acto ilícito
de natureza criminal tem de ser efectivada jurisdicionalmente por intermédio da
coorte de leis adjectivas penais, às regras destas se subordinando.»
Importa explicitar o que estava em causa no caso que deu origem ao citado
aresto: um pedido de indemnização civil contra um lesante e sua seguradora,
julgado procedente (em parte) por decisão singular do Tribunal de 1.ª instância,
que foi confirmada por decisão do Tribunal da Relação e à qual o Supremo
Tribunal de Justiça, já em fase de vistos, recusou reapreciação porque,
«tratando-se de sentença de um Juiz Singular não é permitido recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, salvo se a lei previr especialmente o caso, o que
não se dá na hipótese que nos ocupa».
O segmento das normas impugnadas que então foi julgado não inconstitucional não
coincidiu, porém, exactamente com esta interpretação, uma vez que se entendeu
que:
«Da concatenação dos transcritos textos legais e de acordo com a leitura que
deles fez, in casu, o Supremo Tribunal de Justiça, resulta que, caso alguém com
legitimidade para recorrer se não conforme com a parte decisória de um acórdão
proferido pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, mas unicamente na
parte relativa a matéria civil, só poderá impugná-la se essa parte decisória lhe
for desfavorável em mais de Esc. 250.000$00 (metade da alçada daqueles tribunais
- cfr. art.º 20.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro), impugnação que terá
lugar directamente perante o Supremo Tribunal de Justiça; se, por outro lado,
alguém com legitimidade para recorrer se não conformar com a parte restrita à
matéria civil constante de uma decisão proferida em processo criminal por um
tribunal de 1.ª instância que não seja tribunal do júri ou tribunal colectivo,
igualmente só poderá impugná-la, e perante o tribunal da relação, se essa parte
lhe for desfavorável em mais do que a quantia acima indicada.»
Mesmo com este sentido alargado para lá das circunstâncias do caso, todavia,
estava ainda em causa apenas a limitação decorrente do valor do decaimento de
quem pretendia recorrer, como, também, no caso julgado por este Tribunal pelo
acórdão n.º 722/98 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, proferido num
caso em que eram partes um advogado e um magistrado judicial, e em que o recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça foi vedado, não obstante o Tribunal da
Relação ter intervindo como Tribunal da 1.ª Instância), e no caso julgado por
este Tribunal pelo acórdão n.º 100/2002, publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 52.º vol., pp. 477-489 (em que, interposto recurso para o
Tribunal da Relação, ele não foi admitido com fundamento no não preenchimento do
duplo limite introduzido no artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal
pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto: valor do pedido superior à alçada do
tribunal recorrido e decisão desfavorável para o recorrente em valor superior a
metade desta alçada).
Em ambas as situações, o procedimento criminal fora declarado extinto por
aplicação da lei da amnistia antes da decisão judicial de que se pretendia
recorrer. E a extinção do procedimento criminal também ocorrera no caso decidido
por este Tribunal no acórdão 94/2001 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 49.º vol., págs. 359-367), em que estava em causa a arguição de
nulidades da sentença no recurso que se pretendeu interpor para o Tribunal da
Relação, e não foi admitido.
Já no caso decidido pelo acórdão n.º 138/98 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), o que estava em causa era antes a articulação
das normas dos artigos 400.º, n.º 2, 427.º e 432.º do Código de Processo Penal
em termos tais que, não obstante se verificar a condição estabelecida pelo n.º 2
do artigo 400.º do Código de Processo Penal quanto ao montante do decaimento,
não se admitia o recurso por falta de verificação das condições dos artigos
427.º e 432.º, ressalvadas no artigo 400.º do mesmo Código (“Sem prejuízo do
disposto nos artigos 427.º e 432.º…”). E a decisão então tomada foi fundamentada
com remissão para os fundamentos do acórdão n.º 201/94, por a argumentação aí
expendida ter sido considerada aplicável também neste caso.
Exactamente a mesma questão – «das decisões do Tribunal da Relação proferidas em
recurso da decisão do Tribunal Singular de 1.ª instância, ainda que
circunscritas ao pedido cível de valor superior à alçada do Tribunal da Relação,
não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos
427.º e 432.º do Código de Processo Penal» - foi decidida, do mesmo modo, no
acórdão n.º 429/99 (disponível também em www.tribunalconstitucional.pt), onde se
escreveu o seguinte, depois de sintetizar a posição assumida no acórdão n.º
201/94:
«O Tribunal considera que, na sua essência, este entendimento se aplica ao caso
sub judicio.
Com efeito, ao sistema de adesão subjazem razões de economia processual, de
uniformização de julgados (ou, dito de outro modo, de coerência entre a decisão
civil e a decisão penal) e de celeridade processual (cf., sobre esta matéria,
Jorge Ribeiro de Faria, Indemnização por perdas e danos arbitrada em processo
penal - o chamado processo de adesão, 1978, p. 117 e ss.; Germano Marques da
Silva, Direito processual penal, I, 1993, p. 254). Mas a apreciação num mesmo
processo - no processo penal - da questão criminal e da questão civil funda-se,
essencialmente, na existência de uma conexão entre os dois ilícitos, resultante
da unidade do facto simultaneamente gerador de responsabilidade civil e de
responsabilidade penal (cf. Jorge Ribeiro de Faria, ob. cit., p. 59 e ss., e
Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.º vol., 1974, p. 540 e
ss., onde se refere como razão de ser do sistema de adesão a “natureza
tradicionalmente absorvente do facto que dá causa às duas acções”). É essa
unidade que justifica um julgamento global do caso, fundamental para a coerência
e racionalidade da decisão final.
Ora, o julgamento no processo penal do pedido de indemnização civil implicará a
aplicação a este último das regras do processo penal quanto a recursos,
exactamente para obter os resultados de coerência e celeridade processual
referidos.
São alheias à lógica dos recursos em processo penal as regras de recurso do
processo civil que se referem ao valor da acção. O facto de no processo penal
prevalecer sobre a realização do interesse das partes uma dimensão,
insusceptível de avaliação pecuniária, de reparação dos danos do crime, tanto no
plano colectivo como no do ofendido, implica que a sujeição de uma causa ao
processo penal, nomeadamente por opção do autor da queixa quanto ao pedido de
indemnização civil (artigo 72.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), tenha como
consequência uma dimensão relativamente à qual não prevalece a afectação do
sistema dos recursos pelo valor da alçada.
Esta dimensão distinta do objecto processual condiciona, consequentemente, os
critérios do respectivo sistema de recursos. Porém, estes critérios não se
encontram questionados em si mesmos neste processo, mas apenas na medida em que,
quanto ao pedido de indemnização civil, não são adoptados os critérios do valor
da alçada.
Assim, sob a pura perspectiva da igualdade, pela qual a recorrente pretende que
seja apreciada a questão, não há, obviamente, qualquer tratamento diferenciado
de situações idênticas. Com efeito, o pedido de indemnização civil deduzido no
processo penal é processualmente tratado de modo idêntico à causa penal e
sujeito aos seus critérios processuais de recurso, justificados pela dignidade
pública da justiça penal.
Nessa medida, não é legítima a pretendida identidade entre as duas situações,
dado que existem razões justificadoras de um diferente tratamento, em razão do
facto gerador de eventual responsabilidade civil ter natureza criminal.»
O mesmo se diga do caso decidido pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º
183/2001 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 49.º vol., págs.
667-679), em que estava em causa a inadmissibilidade do recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça da condenação no pagamento de indemnização cível após a
extinção do procedimento criminal (por descriminalização da conduta), então por
força do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo
Penal. Invocou-se aí o que se escreveu no acórdão n.º 429/99 «depois de invocar
a jurisprudência contida no acórdão n.º 201/94». E no acórdão n.º 320/2001
(publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50.º vol., págs. 753-770), em
que estava em causa, também, a exclusão do recurso de uma decisão do Tribunal da
Relação, que seria admitido em processo civil, com base no disposto nos artigos
400.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, e 432.º do Código de Processo Penal, após
extinção do procedimento criminal, por amnistia, anteriormente à decisão da
primeira instância, considerou-se o seguinte, antes de remeter para a anterior
jurisprudência do Tribunal sobre a questão e de se transcrever o mesmo acórdão
n.º 201/94:
«5. - Tal como consta da decisão recorrida, era “entendimento estabilizado” na
jurisprudência do STJ que, no regime de recursos anterior às alterações de 1998,
face às disposições conjugadas dos artigos 400.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2,
427.º e 432.º do CPP, não poderia haver recurso de acórdãos das Relações
proferidos em recursos das decisões de primeira instância. Com efeito, entendia
o STJ que a norma do n.º 2 do artigo 400.º não constituía excepção à alínea d)
do n.º 1, por forma a alargar a sua competência: de facto, o preceituado no
artigo 432.º não comportava esse sentido e as implicações do sistema de adesão
constantes do artigo 71.º e ss. do CPP contrariavam tal entendimento.
Segundo o STJ, as alegações de se tratar de uma limitação injustificada do
direito de recurso eram afastadas na medida em que o artigo 72.º, n.º 1, alínea
d), do CPP permite a dedução do pedido de indemnização civil em separado do
processo penal quando o valor permitisse a intervenção no processo civil do
Colectivo. O n.º 2 do artigo 400.º consubstanciava uma limitação do direito de
recurso, na medida em que exigia que a decisão impugnada relativamente à
indemnização civil fosse desfavorável ao demandante em valor superior a metade
da alçada do tribunal requerido, para poder ser admitido o recurso.
Sobre este regime - muito sucintamente caracterizado, seguindo, de perto, a
decisão recorrida - já este Tribunal Constitucional se teve de pronunciar,
existindo várias decisões em que se apreciou a questão da constitucionalidade da
norma do n.º 2 do artigo 400.º do CPP, na redacção anterior à Lei n.º 59/98,
exactamente na parte em que tal norma não permitia o acesso ao Supremo
relativamente às decisões proferidas pelas relações em processos de adesão.»
E depois dessa transcrição acrescentou-se:
«Esta fundamentação - a que se adere, no que tem de essencial - mantém inteira
validade face à legislação anterior às alterações da Lei n.º 59/98.»
Estabilizada esta jurisprudência, este tipo de casos passou a ser decidido por
decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional. Assim, na decisão sumária n.º 126/2003 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), de novo se transcreveu a fundamentação do
acórdão n.º 201/94, agora a propósito da irrecorribilidade da decisão final do
Tribunal da Relação relativa à indemnização civil, «se for irrecorrível a
correspondente decisão penal, de acordo com a jurisprudência firmada no Acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Março de 2002, proferido no recurso
extraordinário n.º 2235/01 (‘Assento n.º 1/2002’, no Diário da República, I
Série-A, n.º 117, de 21 de Maio de 2002).»
5. O alargado grupo de decisões que se referiu demonstra que o Tribunal
Constitucional já foi confrontado com as diversas particularidades
constitucionalmente relevantes do caso que agora foi trazido à sua apreciação:
já houve hipóteses em que as regras dos recursos penais obstaram ao conhecimento
de recursos relativos a indemnizações cíveis, em situações em que não houve
decisão penal por tal procedimento se ter extinto por amnistia, e em que os
valores da indemnização fixada, de que se pretendia recorrer, não obstariam a
esse conhecimento.
Assim, embora podendo aplicar-se integralmente o que anteriormente foi decidido
sobre o assunto, ponderar-se-á apenas se, como invoca o recorrente,
«os demandados civis julgados em processo penal e os demandados civis julgados
em processo civil [se] encontram, objectiva e materialmente, em situação
idêntica; a diferença é meramente formal e conceptual!
Sustentar que a situação do demandado civil julgado em processo penal é
diferente da situação do demandado civil julgado em processo civil, pelo facto
de o primeiro se encontrar sujeito ao princípio da adesão e, como tal, se
encontrar sujeito ao conjunto de normas processuais penais, traduz um argumento
puramente conceptual e formal, baseado, apenas, no tipo de lei processual
tendencialmente aplicável e no foro com competência decisória, sendo certo que
tal competência, no mais das vezes, resulta de uma escolha do demandante.
Pelo que se desatende, em toda a linha, à materialidade subjacente a ambas as
situações!»
Ora, entende-se que a diferença entre as situações dos demandados referidos,
ainda que resultante de uma opção do demandante civil, não é arbitrária, e antes
possui uma justificação razoável: a circunstância de o princípio da adesão valer
para as situações em que se cumulam pretensões penais e civis, incluindo as
hipóteses em que, excepcionalmente – como são os casos de aplicação de amnistias
– possa, por vicissitudes do processo penal, vir a sobreviver apenas a pretensão
civil. É certo que o legislador poderia, nesses casos, ter remetido o processo
iniciado como penal para a esfera civil. Mas não está obrigado a fazê-lo, pois
as razões (economia processual, uniformização de julgados, celeridade
processual, conexão entre os dois ilícitos) que o levaram a estabelecer o
princípio da adesão e a distinção do regime processual quando o processo penal
não perdem todo o sentido (designadamente, quando o processo se veio a
extinguir, como no presente caso, por amnistia), não valendo a objecção de que,
num certo caso, nenhuma delas se verifica.
Aliás – e mesmo independentemente do juízo que se possa fazer quanto à
verificação, no caso, das razões para afirmar a regra ou, antes, para apurar uma
excepção -, a verdade é que o legislador não tem de prever todas as possíveis
vicissitudes que venham a afectar um dos processos conexos, mormente quando elas
resultam de outras intervenções legislativas supervenientes e excepcionais (como
é o caso das leis de amnistia). Ora, estando a regra estabelecida bem fundada
materialmente para a generalidade das situações, também não é a identificação de
tal situação excepcional que destrói o seu suporte material.
E como a (alegada) improcedência das razões justificativas do princípio da
adesão ao caso dos autos resultaria unicamente de uma intervenção legislativa –
a lei da amnistia que, aliás, poderia até dizer-se, numa certa perspectiva, ter
também já colocado o ora recorrente, demandado penalmente, numa situação de
desigualdade em relação a outros demandados que por ela não foram abrangidos
(designadamente em razão dos limites temporais fixados nessa lei) -, é também
plenamente aplicável ao caso o que se escreveu no acórdão n.º 580/99 (publicado
em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45.º vol., págs. 237-247) e se repetiu
no acórdão n.º 183/2001 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 49.º
vol., págs. 667-679):
«importa ter presente que o legislador tem uma ampla liberdade no que respeita à
alteração do quadro normativo vigente num dado momento histórico. Na verdade, o
legislador, de acordo com opções de política legislativa tomadas dentro de uma
ampla zona de autonomia, pode proceder às alterações da lei que se lhe
afigurarem mais adequadas e razoáveis, tendo presente, naturalmente, os
interesses em causa e os valores ínsitos na ordem jurídica.
Uma alteração legislativa para operar, consequentemente, uma modificação do
tratamento normativo conferido a uma dada categoria de situações. Com efeito, as
situações abrangidas pelo regime revogado são objecto de uma valoração diferente
daquela que incidirá sobre as situações às quais se aplica a lei nova. Nesse
sentido, haverá situações substancialmente iguais que terão soluções diferentes.
Contudo, não se pode falar neste tipo de casos de uma diferenciação
verdadeiramente incompatível com a Constituição. A diferença de tratamento
decorre, como resulta do que se disse, da possibilidade que o legislador tem de
modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção
de conferir um diferente tratamento legal à categoria de situações em causa é
afinal a razão de ser da própria alteração legislativa.
O entendimento propugnado pela recorrente levaria à imutabilidade dos regimes
legais, pois qualquer alteração geraria sempre uma desigualdade. Ora, tal
posição não é reclamável pelo princípio da igualdade no quadro constitucional
vigente.»
Note-se, aliás, que, podendo embora ser da escolha do demandante a opção pela
dedução do pedido de indemnização civil em separado (ao abrigo, por exemplo, do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 72.º do Código de Processo Penal), em
vez de no próprio processo penal, é absolutamente seguro que as regras que o ora
recorrente põe em causa tanto restringem o recurso do demandado como do
demandante. Não é, assim, procedente, do ponto de vista constitucional, a
invocação de que o carácter facultativo da demanda civil neste caso aproveita
apenas ao demandante.
6. Também não procede a invocação de que a norma em causa viola os princípios de
acesso ao direito e à tutela jurisdicional, mormente considerando que, como se
disse, tal garantia de acesso ao direito já foi actuada, no presente caso, em
mais do que um grau de jurisdição (com um grau de recurso).
É, na verdade, reconhecido uniformemente na jurisprudência do Tribunal
Constitucional que não pode inferir-se do artigo 20.° da Constituição da
República Portuguesa qualquer irrestrita possibilidade de acesso, em via de
recurso, ao Supremo Tribunal de Justiça. E é também pacífica e uniforme a
jurisprudência que afirma a inexistência de um direito a um triplo grau de
jurisdição (ou a um duplo recurso) – v. g. acórdãos n.ºs 402/99, 215/2001,
435/2001 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Assim, por
exemplo, no acórdão n.º 189/2001 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 50.º vol., págs. 285-294), escreveu-se:
«A Constituição da República Portuguesa não estabelece em nenhuma das suas
normas a garantia da existência de um duplo grau de jurisdição para todos os
processos das diferentes espécies.
Importa, todavia, averiguar em que medida a existência de um duplo grau de
jurisdição poderá eventualmente decorrer de preceitos constitucionais como os
que se reportam às garantias de defesa, ao direito de acesso ao direito e à
tutela judiciária efectiva.
Não pode deixar de se referir que a jurisprudência do Tribunal Constitucional
tem tratado destas matérias, estando sedimentados os seus pontos essenciais.
Assim, a jurisprudência do Tribunal tem perspectivado a problemática do direito
ao recurso em termos substancialmente diversos relativamente ao direito penal,
por um lado, e aos outros ramos do direito, pois sempre se entendeu que a
consideração constitucional das garantias de defesa implicava um tratamento
especifico desta matéria no processo penal. A consagração, após a Revisão de
1997, no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, do direito ao recurso, mostra que
o legislador constitucional reconheceu como merecedor de tutela constitucional
expressa o princípio do duplo grau de jurisdição no domínio do processo penal,
sem dúvida, por se entender que o direito ao recurso integra o núcleo essencial
das garantias de defesa.
Porém, mesmo aqui e face a este específico fundamento da garantia do segundo
grau de jurisdição no âmbito penal, não pode decorrer desse fundamento que os
sujeitos processuais tenham o direito de impugnar todo e qualquer acto do juiz
nas diversas fases processuais: a garantia do duplo grau existe quanto às
decisões penais condenatórias e também quanto às respeitantes à situação do
arguido face à privação ou restrição da liberdade ou a quaisquer outros direitos
fundamentais (veja-se, neste sentido, o Acórdão n.º 265/94, in “Acórdãos do
Tribunal Constitucional”, 27.º v., pág. 751 e ss.).
Embora o direito de recurso conste hoje expressamente do texto constitucional, o
recurso continua a ser uma tradução das garantias de defesa consagradas no n.º 1
do artigo 32.º (O processo criminal assegura todas as garantias de defessa,
incluindo o recurso). Daí que o Tribunal Constitucional não só tenha vindo a
considerar como conformes à Constituição determinadas normas processuais penais
que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de determinados despachos ou
decisões proferidas na pendência do processo (v.g., quer de despachos
interlocutórios, quer de outras decisões, Acórdãos n.ºs 118/90, 259/88, 353/91,
in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vols. 15.º, pg. 397; 12.º, pg. 735 e
19.º, pg. 563, respectivamente, e Acórdão n.º 30/2001, sobre a irrecorribilidade
da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da
acusação particular quando o Ministério Público acompanhe tal acusação, ainda
inédito), como também tenha já entendido que, mesmo quanto às decisões
condenatórias, não tem que estar necessariamente assegurado um triplo grau de
jurisdição, assim se garantindo a todos os arguidos a possibilidade de
apreciação da condenação pelo STJ (veja-se, neste sentido, o Acórdão n.º 209/90,
in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.º v., pg. 553)
Uma tal limitação da possibilidade de recorrer tem em vista impedir que a
instância superior da ordem judiciária accionada fique avassalada com questões
de diminuta repercussão e que já foram apreciadas em duas instâncias. Esta
limitação à recorribilidadade das decisões penais condenatórias tem, assim, um
fundamento razoável.»
Assim, a limitação do recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo em conta que
a decisão recorrida já fora proferida em recurso pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, e, portanto, que o ora recorrente teve já acesso a dois graus de
jurisdição, também não se afigura censurável do ponto de vista do princípio
constitucional do acesso ao direito e aos tribunais.”
Aderindo-se ao essencial da fundamentação expendida no transcrito Acórdão n.º
338/2005, para a qual se remete, decide-se não julgar inconstitucional a norma
do artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de
que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão do Tribunal
da Relação relativa à indemnização civil, proferida em segunda instância, se for
irrecorrível a correspondente decisão penal. Pelo que há que negar provimento ao
recurso.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional o artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo
Penal, interpretado no sentido de que não cabe recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça de decisão do Tribunal da Relação relativa à indemnização civil,
proferida em segunda instância, se for irrecorrível a correspondente decisão
penal;
b) Consequentemente, confirmar a decisão recorrida quanto a esta questão de
constitucionalidade;
c) Condenar a recorrente em custas, com 20 ( vinte ) unidades de conta de taxa
de justiça.
Lisboa, 18 de Outubro de 2006
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos