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Processo n.º 818/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nestes autos, vindos do Pleno da 1ª Secção Supremo Tribunal Administrativo,
em que é recorrente o Ministério Público e recorrida a A., S.A., foi proferido o
seguinte acórdão, em que se concedeu “provimento ao recurso jurisdicional,
revogando o Acórdão recorrido e a decisão do TAC, devendo o processo prosseguir
os seus ulteriores termos no agora TAF de Lisboa, se a isso nada obstar.”
“[...] 1 - RELATÓRIO
A A., SA, com sede em …, Santa Maria da Feira, com fundamento em oposição de
julgados, vem recorrer do Acórdão da 1ª Secção, de 19-4-05, a fls. 231- 239, que
negou provimento ao recurso jurisdicional por si interposto da decisão do TAC de
Lisboa, de 8-1-01, que absolveu da instância o Réu Estado Português, por ter
julgado procedente a excepção de incompetência absoluta em razão da matéria.
Como Acórdão fundamento indicou o que foi proferido por este STA, em 27-11-97,
no Proc. 34366.
1.2 No acórdão interlocutório de fls. 270-273, foi julgada verifica a invocada
oposição de julgados. [...]
2- FUNDAMENTAÇAO
2.1 — O Acórdão recorrido manteve a decisão do TAC de Lisboa, de 8-1-01, que
tinha absolvido da instância o Réu Estado Português, por ter julgado procedente
e “verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da
matéria”.
E, isto, por se ter entendido, no essencial, que em causa estava a atribuição de
uma indemnização decorrente de alegada ocupação ilegal dos prédios pertencentes
à agora Recorrente, bem como da invocada privação dos rendimentos que teriam
sido obtidos não fosse a expropriação decretada ao abrigo das leis da reforma
agrária, indemnização essa cuja fixação seria de competência do Ministro da
Agricultura, cabendo, do respectivo despacho, recurso contencioso, tudo nos
termos dos artigos 8° e 9°, do DL 199/88, de 31-5, sendo que, de acordo com o
Acórdão recorrido, na situação em análise, a indemnização apenas poderia ser
obtida através da via consignada nos preceitos acabados de citar e não mediante
acção de indemnização, nos termos do DL 48051, de 21-11-67.
Sucede que, como já se viu no Acórdão interlocutório, de fls. 270-273, outra foi
a solução consagrada no Acórdão fundamento para um caso similar ao dos autos,
nele se tendo decidido nada obstar ao acesso à via judiciária através da acção
de indemnização, daí o se ter reconhecido a existência de oposição de julgados,
decisão essa que aqui se reitera.
Vejamos, então, qual das soluções em confronto é de coonestar.
2.2 Desde já se adianta que é de seguir a tese acolhida no Acórdão fundamento,
e, isto, pelas razões que, seguidamente, se enunciam.
Ora, como é sabido, a determinação do tribunal materialmente competente para o
conhecimento da pretensão deduzida pelo Autor deve partir do teor dessa
pretensão e dos fundamentos em que se baseia sendo, para este efeito,
irrelevante qualquer outro tipo de considerações não atinentes com o pressuposto
processual agora análise, designadamente, um qualquer juízo de prognose que se
pudesse eventualmente fazer relativamente à viabilidade da mesma pretensão (por
se tratar de questão relativa ao mérito da causa).
A competência terá, por isso, de se aferir pelos termos da relação
jurídico-processual tal como foi apresentada em juízo pelo Autor.
Ou seja, é a estrutura da causa apresentada pela parte que recorre ao tribunal
que fixa o tema decidendum para efeitos de competência material.
Temos, assim, que a competência se afere, essencialmente, pelo quid disputatum,,
em antítese com o que será mais tarde o quid decisum. Vide, neste sentido, entre
outros, os Acs. do Tribunal de Conflitos, de 31-1-91 — AD 361, de 6-7-93
(Conflito n° 253, de 23-9-04 (Conflito n° 05/04), de 21-10-04 (Conflito n°
08/04) do STJ, de 3-2-87, in BMJ 364°, a págs. 591, de 2-2-90 — BMJ 394-453, de
12-1-94 — CJ/STJ, 1994, 1°, 328 e de 9-45-95 — CJ/STJ, 1995, 2°, 968 e do STA,
de 9-3-89 — Rec. 25084, de 13-5-93 — Rec. 31478, de 27-1-94 — Rec. 32278, de
28-5-96 — Rec. 39911, de 27-11-96 — Rec. 39544, de 19-2-97 — Rec. 39589, de 24-
11-98 — Rec. 43737, de 3-3-99 — Rec. 40222, de 23-3-99 — Rec. 43973, de 26-5-99
— Rec. 40648, de 13-10-99— Rec. 44068, de 26-9-00 — Rec. 46024, de 6-7-00 — Rec.
46161, de 3-10-00 — Rec. 356, de 11-7-00 — Rec. 318, de 27-2-03 — Rec. 285/03 e
de 24-3-04 — Rec. 112/03.
Na mesma linha ver, em especial, A. dos Reis, in “Comentário...” 1°, 110 e
Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1° - 88.
Sucede que, no caso em apreço, atendendo aos termos em que vem formulado o
pedido e definida a causa de pedir na petição apresentada pela Autora, agora
Recorrente, é de concluir que o Tribunal demandado (o TAC de Lisboa) era o
competente para a acção de indemnização nele intentada.
Com efeito, é inequívoco que, na acção intentada pela Autora, se está perante
uma relação jurídica administrativa, tal como definida nos artigos 212, n° 3 da
CRP e 3° do ETAF, decorrente do invocado direito a indemnização, que dimanaria
da alegada prática de factos ilícitos, imputados ao Estado, fundamentalmente
ligados à ocupação de prédios rústicos, no âmbito da reforma agrária
Questão diferente da de “competência” é a de saber se a Autora preteriu ou não,
uma “forma” especial, supostamente, imposta por lei para a solução do litígio.
Cfr., a este propósito, o voto de vencido no Ac. deste STA, de 18-6-96 - Rec.
39586 e o Ac. deste STA, de 24-3-04 — Rec. 112/03.
De qualquer maneira, tendo o Acórdão recorrido perspectivado a questão em termos
não integralmente passíveis de recondução ao pressuposto da competência, sempre
se dirá que a decisão nele tomada não é de subscrever, antes se sufragando a
tese acolhida no Acórdão fundamento. [...]
[...] este particular entendimento, acolhido no Acórdão recorrido, não se adequa
ao figurino delineado no texto constitucional, como se verá de seguida. [...]
Pode, assim, concluir-se que, mesmo que não fosse de considerar
inconstitucional, por violação do princípio da reserva do juiz ( artigo 202°, n°
2, da CRP) a atribuição à Administração da competência para fixar, em primeira
linha, o valor da indemnização, a inconstitucionalidade sempre se verificaria,
já que não está legalmente assegurada no DL 199/88 a possibilidade de impugnação
do acto do Ministro através de um meio contencioso de plena jurisdição,
consequentemente, se atentando contra o disposto nos artigos 20º, n° 1 e 268°,
n° 4, da CRP). É, assim, de concluir não ser de subscrever o entendimento
acolhido no Acórdão recorrido. [...]
2. Deste acórdão foi interposto o recurso, nos termos seguintes:
“[...] A Magistrada do Ministério Público em exercício nesta Secção do Supremo
Tribunal Administrativo vem, ao abrigo do disposto no art° 280°, n.º 1 alínea a)
da CRP, e dos art°s 70°, n°1, alínea a), 71°, n°1, 72°, n°s 1, alínea a), e 3,
da Lei n°28/82, de 15.11, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do
acórdão do Tribunal Pleno [...], na parte em que julgou inconstitucionais as
normas dos art°s 108° e seguintes do DL n° 199/88, de 31.05.
O acórdão recorrido considerou as referidas normas violadoras do art° 202°, n.°
2, da CRP, na interpretação segundo a qual as mesmas consagram uma espécie de
“reserva” da Administração que obsta à intervenção, em primeira linha, dos
Tribunais, em sede de indemnização pelas ocorrências da reforma agrária, por
competir a primeira palavra a um Ministro, seguindo-se o recurso contencioso do
despacho que fixa a indemnização.
Segundo o mesmo aresto, ainda que seja de ver nos citados preceitos não a
consagração de uma qualquer “reserva” da Administração, mas, apenas, a
concretização do dever de indemnizar visto como dever de administrar, ainda
assim tal via interpretativa não deixará de ser inconstitucional, por violação
dos art°s 20°, n°1,e 268°, n°4, daCRP. [...]”
3. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte relevante, o seu teor:
“[...] Admitido o recurso no Supremo Tribunal Administrativo, cumpre, antes de
mais, decidir se pode conhecer-se do seu objecto, uma vez que tal decisão não
vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76º, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional - LTC).
Com efeito, como este Tribunal tem repetidamente afirmado (cfr., entre muitos
outros nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 337/94, 498/96 e 3/2000 – publicados,
respectivamente, no Diário da República, II Série, de 4 de Novembro de 1994, de
22 de Julho de 1996 e de 8 de Março de 2000 -, e os Acórdãos n.ºs 283/97,
556/98, 490/99 – disponíveis na página Internet do Tribunal, em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), o recurso de
constitucionalidade, tal como previsto no artigo 280º da Constituição e nos
artigos 70º e seguintes da LTC, desempenha uma função instrumental. Isso
significa, como se afirmou, por exemplo, no Acórdão n.º 498/96, já citado, que
há-de aferir-se da “sua utilidade no concreto processo de que emerge, de tal
forma que o interesse no conhecimento de tal recurso há-de depender da
repercussão da respectiva decisão na decisão final a proferir na causa”. Como
então se acrescentou “não visando os recursos dirimir questões meramente
teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso de
constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera questão académica
sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação deste interesse
representa uma condição de admissibilidade do próprio recurso”. Em síntese, e
retomando agora as palavras do acórdão n.º 556/98, também já citado, só tem
sentido conhecer do recurso de constitucionalidade quando a decisão aí proferida
“se pode projectar com utilidade sobre a causa”, concluindo-se, assim, “que dele
se não deve conhecer quando se não verifique qualquer efeito útil do mesmo sobre
ela”.
Vejamos, então.
No acórdão recorrido, considerando-se que estava em causa uma questão de
competência, entendeu-se que a mesma deve ser resolvida no sentido de que “no
caso em apreço, atendendo aos termos em que vem formulado o pedido e definida a
causa de pedir na petição apresentada pela Autora, agora Recorrente, é de
concluir que o Tribunal demandado (o TAC de Lisboa) era o competente para a
acção de indemnização nele intentada” e decidiu-se revogar o acórdão recorrido e
determinar que o processo deve “prosseguir os seus ulteriores termos no agora
TAF de Lisboa”.
Após decidir a questão que lhe estava colocada, o acórdão entendeu referir uma
“questão diferente da de «competência»”, e afirmando que, “de qualquer maneira,
tendo o Acórdão recorrido perspectivado a questão em termos não integralmente
passíveis de recondução ao pressuposto da competência, sempre se dirá que a
decisão nele tomada não é de subscrever”, chegou à conclusão de que “mesmo que
não fosse de considerar inconstitucional, por violação do princípio da reserva
do juiz ( artigo 202°, n° 2, da CRP) a atribuição à Administração da competência
para fixar, em primeira linha, o valor da indemnização, a inconstitucionalidade
sempre se verificaria, já que não está legalmente assegurada no DL 199/88 a
possibilidade de impugnação do acto do Ministro através de um meio contencioso
de plena jurisdição, consequentemente, se atentando contra o disposto nos
artigos 20º, n.º 1 e 268°, n.º 4, da CRP” (negrito aditado).
Ora, a forma como se estrutura o acórdão recorrido leva a concluir que, ainda
que este Tribunal pronunciasse juízo diverso sobre a questão de
constitucionalidade, tal não seria susceptível de se projectar em termos úteis
no acórdão recorrido, já que sempre se manteria a decisão de considerar que era
competente “para a acção de indemnização nele intentada”, “o Tribunal demandado
(o TAC de Lisboa)”, “devendo o processo prosseguir os seus ulteriores termos no
agora TAF de Lisboa, se a isso nada obstar.” Assim sendo, não se afigurando
existir qualquer efeito útil sobre a decisão recorrida, apenas resta, reiterando
a jurisprudência antes referida, concluir pelo não conhecimento do objecto do
recurso.”
4. É desta decisão que vem interposta pelo Representante do Ministério Público
neste Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 3 da LTC, a presente
reclamação para a Conferência, que o reclamante fundamenta nos seguintes termos:
“1 – Não se questionando, naturalmente, a natureza instrumental dos recursos de
fiscalização concreta, afigura-se que - no caso particular dos autos e perante a
interpretação dos termos do acórdão recorrido - haverá interesse na dirimição da
questão de constitucionalidade, consubstanciada na recusa de aplicação normativa
enunciada pelo Ministério Público/recorrente.
2 – Na verdade, o acórdão recorrido começa por dirimir questão processual
estranha a tal recusa de aplicação normativa, fundamentadora do recurso do
Ministério Público, afirmando que a competência do tribunal se afere face aos
precisos termos da pretensão deduzida pelo autor e respectivos fundamentos (sem
qualquer ligação ao que vier a ser decidido quanto ao mérito da causa): a
competência afere-se face aos “termos da relação jurídico-processual tal como
foi apresentada em juízo pelo Autor”.
3 – Concluindo-se, de seguida, que – sendo a relação delineada pelo autor “uma
relação jurídico-administrativa”, seriam obviamente os tribunais
administrativos, nos termos do artigo 212º, nº 3, da Constituição, os
competentes para conhecer de tal pretensão indemnizatória.
4 – Passa, seguidamente, o acórdão recorrido a abordar a questão que culminou na
recusa de aplicação normativa que fundamentou o recurso do Ministério Público,
perspectivando-a quanto à existência de uma “forma” especial, supostamente,
imposta por lei para a solução do litígio – e traduzida, em termos sintéticos,
na necessária colocação prévia ao Ministro competente da questão da indemnização
pelas “ocorrências da reforma agrária”, sendo a via judiciária ulteriormente
assegurada exclusivamente pelos meios típicos do contencioso administrativo
(recurso contencioso ou, eventualmente, acção para reconhecimento de um
direito).
5 – E sendo tal interpretação normativa expressamente afastada com base em
considerações de natureza jurídico-constitucional, decorrentes, pelo menos, da
impossibilidade de impugnação do acto administrativo “através de um meio
contencioso de plena jurisdição”.
6 – Ora, a nosso ver, é esta a prioritária e essencial “ratio decidendi” do
acórdão recorrido: uma vez assente que seria inconstitucional a atribuição ao
ministro de “competência” para se pronunciar, em fase pré-jurisdicional, sobre a
questão da indemnização por vicissitudes da reforma agrária, é que fará sentido
abordar a questão procedimental da aferição do pressuposto processual da
competência do tribunal para tal acção, tomando posição sobre a respectiva
determinação, face ao pedido e causa de pedir concretamente formulados.
7 – Na verdade, a decisão recorrida acaba por tomar sucessivamente posição sobre
dois problemas: o da jurisdição e o da competência – o primeiro ligado à
articulação entre a administração e os tribunais, e o segundo conexionado com a
determinação do órgão jurisdicional competente para certa causa – e sendo
naturalmente prioritário o primeiro.
8 – Deste modo – e salvo melhor opinião – entendemos que não é inútil a
dirimição da questão de constitucionalidade enunciada pelo Ministério Público
recorrente: na verdade, se fosse de considerar não inconstitucional “a
atribuição à Administração da competência para fixar, em primeira linha, o valor
da indemnização”, a “forma” processual a seguir seria a da “via administrativa”
estabelecida no Decreto-Lei nº 199/88 – o que precludiria a questão
procedimental inicialmente resolvida no acórdão recorrido, ligada ao critério de
aferição da competência do tribunal para uma causa que deve ser, “ab origine”,
submetida a um órgão jurisdicional.
9 – Termos em que se afigura dever prosseguir os seus termos o recurso
obrigatório interposto pelo Ministério Público.”
5. A reclamada, notificada da presente reclamação, nada disse.
Cumpre decidir.
II – Fundamentação
6. Na decisão sumária reclamada entendeu-se não dever conhecer-se do objecto do
recurso que vinha interposto, porquanto “a forma como se estrutura o acórdão
recorrido leva a concluir que, ainda que este Tribunal pronunciasse juízo
diverso sobre a questão de constitucionalidade, tal não seria susceptível de se
projectar em termos úteis no acórdão recorrido, já que sempre se manteria a
decisão de considerar que era competente “para a acção de indemnização nele
intentada”, “o Tribunal demandado (o TAC de Lisboa)”, “devendo o processo
prosseguir os seus ulteriores termos no agora TAF de Lisboa, se a isso nada
obstar”.
Diferentemente, no entendimento do ora reclamante, a “prioritária e essencial
«ratio decidendi» do acórdão recorrido” é outra e assenta decisivamente no juízo
de inconstitucionalidade que, na decisão recorrida, se adiantou, embora,
diga-se, sem recusa expressa de aplicação de qualquer norma. Conclui, por isso,
“que não é inútil a dirimição da questão de constitucionalidade enunciada pelo
Ministério Público recorrente”.
7. Para decidir a questão de saber se o juízo de inconstitucionalidade que na
decisão recorrida se enuncia sobre os artigos 8º e seguintes do Decreto-Lei nº
199/88, de 31 de Maio, constitui verdadeira ratio decidendi do acórdão recorrido
e, portanto, se é útil ou inútil dela tomar conhecimento no contexto do presente
recurso, tem de partir-se da questão a decidir, tal como (bem ou mal, tema que a
este Tribunal não cabe apreciar) foi fixado na decisão recorrida, da concreta
estrutura argumentativa que suporta a decisão e da repercussão que tal
conhecimento possa ter nessa mesma decisão.
Alega o Ministério Público, ora reclamante, que “a decisão recorrida acaba por
tomar sucessivamente posição sobre dois problemas: o da jurisdição e o da
competência – o primeiro ligado à articulação entre a administração e os
tribunais, e o segundo conexionado com a determinação do órgão jurisdicional
competente para certa causa – e sendo naturalmente prioritário o primeiro”.
Verifica-se, porém, que este modo de descrever a estrutura argumentativa da
decisão recorrida não coincide com o conteúdo dessa mesma decisão. Com efeito, o
primeiro (e, na sua perspectiva, o decisivo) problema abordado pelo acórdão
recorrido não é de jurisdição mas de competência, chegando à conclusão, que
expressamente formula, de que o Tribunal demandado (o então TAC, hoje TAF de
Lisboa) é o competente para decidir a acção, por razões que nada têm a ver com
qualquer juízo de inconstitucionalidade relativo aos preceitos referidos do
Decreto-Lei nº 199/88, de 31 de Maio. Ou seja: a questão da competência para a
acção, que é a que, primeira e decisivamente, é abordada pelo acórdão recorrido
e que era a que vinha a ser discutida nas instâncias anteriores, que se haviam
julgado absolutamente incompetentes, foi assim resolvida exclusivamente por
aplicação dos preceitos relativas à competência dos tribunais, designadamente os
artigos 212º, n.º 3 da CRP e 3° do ETAF, e não por aplicação dos preceitos
citados do Decreto-Lei nº 199/88.
É certo que, depois, o acórdão entende discretear sobre outra questão, uma vez
que, o Acórdão recorrido terá “perspectivado a questão em termos não
integralmente passíveis de recondução ao pressuposto da competência”. Mas fá-lo,
“de qualquer maneira”, utilizando a expressão “sempre se dirá que a decisão nele
tomada não é de subscrever” (negrito aditado), nomeadamente por razões de
(in)constitucionalidade.
Ora, entender, como o faz o reclamante, que essas razões possam constituir “a
prioritária e essencial «ratio decidendi» do acórdão recorrido” ultrapassa a
interpretação que se possa legitimamente fazer do teor do acórdão recorrido.
8. Nestas circunstâncias, também pelas razões já constantes da decisão
reclamada, que agora se reiteram, é efectivamente de não conhecer do objecto do
recurso que foi interposto.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 28 de Novembro de 2006
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes (Vencido; atenderia a
reclamação pelo essencial dos seus fundamentos).
Artur Maurício (vencido,
pelo essencial das razões aduzidas pelo MP na sua reclamação)