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Processo nº 685/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
1. Nos presentes autos, A. instaurou, junto do Tribunal do Trabalho de Coimbra,
acção contra o Instituto de Estradas de Portugal impugnando o despedimento de
que havia sido objecto. A acção foi julgada procedente.
O Instituto de Estradas de Portugal interpôs recurso de apelação, tendo o
Tribunal da Relação de Coimbra confirmado a decisão da 1ª Instância.
2. O Instituto de Estradas de Portugal interpôs recurso de revista, concluindo
o seguinte:
1ª Tendo sido provado que por ajuste verbal, entre A. e R., foi acordado um
contrato a termo, autorizado em 24.10.2001, que teve o seu [sic] em 15 de
Novembro de 2001 e apenas foi formalizado em 20 de Dezembro de 2001 – porque a
tramitação do processo de assinatura do contrato, com aprovação prévia pelo
Conselho de Administração e assinatura presencial por ambas as partes não se
coadunou com a urgência do início das funções –, com efeitos reportados a partir
de 15 de Novembro de 2001, tem de se concluir, nos termos do nº. 3 do art°. 42°
do DL 64-A/89, que não é nula a estipulação do termo.
2ª Estando provado que:
a) o contrato a termo foi celebrado com o motivo justificativo de acréscimo
excepcional de recolha e tratamento de dados no âmbito do programa de temporais,
instituído por causa das intempéries ocorridas no Inverno de 2000/2001 que
causaram a danificação de grande parte das estradas do país;
b) o A. – desenhador – foi contratado e exerceu as funções, essenciais, de
execução de trabalhos na área da cartografia, com participação na gestão do
arquivo de cartografia e das bases cartográficas das estradas do país;
c) entre outras, são atribuições estatutárias do R., assegurar a conservação e
exploração das estradas e pontes nacionais e manter actualizado o registo e
diagnóstico do estado de conservação do património rodoviário nacional;
d) o DL 38-A/2002, de 8/2, criou um regime excepcional de contratação, pelo R.,
de empreitadas – por ajuste directo – para a reparação das estradas da rede
nacional especialmente afectadas por condições climáticas adversas no inverno de
2000/2001:
Tem de se considerar, até por presunção, que o A. foi contratado, e exerceu
funções na área da cartografia, no âmbito, e com relação directa, do programa de
temporais, manifestador do acréscimo de actividade do R.
3ª Independentemente da conclusão anterior, e competindo ao A. o ónus da prova
– que não a fez – do carácter não transitório do trabalho para o qual foi
contratado a prazo, nos termos do n°. 1 do art°. 342° do Cód. Civil, não pode o
Tribunal decidir como se o ónus da prova fosse do R, no sentido de obrigar o R.
a provar a excepcionalidade e transitoriedade do trabalho, invertendo, assim, o
ónus da prova, com ofensa do art°. 350º, n°. 1 do Cód. Civil.
4ª Nos termos das conclusões anteriores, tendo sido validamente celebrado um
contrato de trabalho com termo certo, este caducou com a comunicação do R. da
vontade de não o renovar, nos termos do art°. 46°, n° 1 do Decreto-Lei n°.
64-A189, de 27 de Fevereiro, daí que a relação iniciada depois, qualquer que ela
seja, tem o seu início nessa data, e nunca com efeitos retrotraídos à data da
celebração do contrato a termo.
5ª Após a caducidade do contrato de trabalho a termo, o A. para além de
apresentar livremente proposta para uma prestação de serviços, recebeu, sem
reserva, as quantias devidas pela cessação do contrato de trabalho, incluindo a
compensação pela caducidade, o que prefigura um contrato de remissão como
renúncia à tutela de direitos decorrentes do contrato de trabalho.
6ª R. e A., até porque não era possível renovar o contrato a termo ou celebrar
um outro contrato de trabalho – o que era do conhecimento do A. –, negociaram,
com base em proposta apresentada pelo A., e quiseram celebrar um contrato
titulado como de prestação de serviços.
7ª Por outro lado, e apesar das funções serem exercidas “por conta, ordem e
direcção do R.” em local pré-determinado, com materiais fornecidos pelo R. e
dentro de um horário pré-estabelecido:
– a admissão do A. foi efectuada através de convite, com a correspondente
proposta, para apresentação de proposta para prestação de serviços.
– o pagamento, pela prestação de serviços acordada, foi efectuado contra
emissão pelo A. de “nota de honorários” e não através de “recibo “ ou “boletim
de remunerações”.
– pagamento efectuado com adiantamento de 10% do valor global dos honorários
e o restante em seis prestações mensais.
– pagamento esse sem retenção da TSU e sem pagamentos à segurança social.
– ao pagamento dos honorários acresceu o IVA à taxa legal.
– não pagamento de férias, subsídio de férias ou natal.
– o A. é desenhador e a actividade contratada – dentro do âmbito do desenho
informático/base cartográfica das estradas e pontes – é por natureza também
exercida com autonomia e dirigida a um resultado.
– nada ficou provado quanto ao modo e forma como as funções/serviços foram
exercidos.
8ª Face aos elementos contidos nas Conclusões 6ª e 7ª não ficou demonstrado, e
tal prova cabia ao A., que o A. ficou, na pendência do titulado contrato de
prestação de serviços, numa situação de subordinação jurídica, podendo, antes,
concluir-se que na relação contratual foram enxertadas regras do contrato de
trabalho e do contrato de prestação de serviços, sem prevalência de qualquer uma
delas.
9ª Se se entendesse, o que apenas em tese se concebe, que estávamos perante um
contrato de trabalho, seria sempre um contrato de trabalho a termo pelo período
de 6 meses, e não um contrato por tempo indeterminado:
– porque o titulado contrato de prestação de serviços contêm todas as menções
essenciais referidas no art°. 42° do Decreto‑Lei n°. 64-A/89, de 27/2;
– porque as partes quiseram vincular-se por um período limitado de 6 meses;
– porque nada, legalmente, obstava à renovação do anterior contrato de
trabalho a termo;
– porque não se pode impor, contra a vontade das partes, um contrato de
trabalho por tempo indeterminado.
10ª Ainda que formalmente o pessoal do R. esteja sujeito ao regime do contrato
individual de trabalho, deve atender-se, principalmente na constituição da
relação de trabalho, a especificidades inerentes à natureza jurídica do R., e
que levam a que a constituição da relação de trabalho no R. siga as regras do
emprego público, como a igualdade de acesso ao emprego e o concurso como base de
selecção do pessoal, bem como a proibição da conversão dos contratos a termo em
contratos por tempo indeterminado, nos termos do Dec. Lei n°. 427/89 e da Lei
n°. 23/2004.
11ª A quantia a que o R. foi condenado a pagar ao A. foi baseada na remuneração
ilíquida (692 €) e não a lÍquida, como é de direito, o que sempre implica a sua
rectificação.
12ª Além de que a referida quantia inclui o montante de 430,37 € relativo ao
diferencial do subsídio de Natal de 2003, mas como a acção deu entrada em 06 de
Novembro de 2003, apenas se contam as retribuições desde 06/10/2003, o que
implica que o A., no caso da procedência da acção, apenas teria direito a 3/12
de 692,00 €.
13ª Ainda, não se deduziu à referida quantia a compensação a que alude o art°.
46° do DL 64- A/89, paga na altura da cessação do contrato a termo, como é
obrigatória, sendo, por isso, de presumir que tal pagamento foi efectuado.
14ª Pelo facto da acção ser julgada procedente não implica que o A. não seja
condenado como litigante de má fé.
15ª Alegando o A. factos pessoais, muito relevantes para a decisão da causa –
alegou que após um mês e meio de trabalho o R. lhe impôs a assinatura do
contrato a termo, que ele assinou para não perder o emprego e que após a
cessação do contrato a termo o R. lhe impôs a prestação de serviços e que ele
aceitou para não perder o posto de trabalho – sabendo perfeitamente que estava a
alterar a verdade dos mesmos, fazendo-o consciente e voluntariamente, pleitou de
má fé.
16ª Deve, por isso, ser condenado em multa e indemnização, 456°., nº. 1 e 457,
n°. 2 do CPC.
Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se
o acórdão da Relação de Coimbra, por assim ser de inteira
Justiça
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 18 de Maio de 2006, concedeu
parcialmente a revista, alterando a decisão recorrida apenas em relação ao
diferencial não pago do subsídio de Natal no ano de 2003. Quanto ao resto,
confirmou o acórdão recorrido.
O Instituto de Estradas de Portugal requereu a reforma do acórdão de 18 de Maio
de 2006, alegando a inconstitucionalidade da “interpretação que o (…) acórdão
faz do artigo 44º do Decreto-Lei nº 427/89”.
O pedido de reforma foi indeferido por acórdão de 21 de Junho de 2006.
3. O Instituto de Estradas de Portugal interpôs recurso de constitucionalidade
nos seguintes termos:
INSTITUTO DE ESTRADAS DE PORTUGAL, Recorrente nos autos à margem referenciados,
não se conformando com o douto Acórdão que lhe foi notificado, vem dele interpor
recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos seguintes termos:
– o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n°. 1 do art°. 70°. da Lei
n°. 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n°. 85/89, de 7 de
Setembro, e pela Lei n°. 13-A/98, de 26 de Fevereiro;
– pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do n°. 1 do art°. 44° do
Decreto-Lei n°. 427/89, de 7 de Dezembro, com a interpretação com que foi
aplicado no Acórdão recorrido, ou seja, de que tal norma salvaguarda um regime
especial e diferenciado para o pessoal do ICERR (instituto público
personalizado) e impede que se aplique o regime geral da relação jurídica de
emprego na Administração Pública editado pelo Decreto-Lei n°. 427/89,
aplicando-se, antes, o regime jurídico do contrato individual de trabalho
previsto no art°. 13° dos Estatutos do ICERR;
– tal interpretação do n°. 1 do art°. 44° do Decreto-Lei n°. 427/89, bem como
do art°. 13° dos Estatutos do ICERR, violam o n°. 2 do art°. 47° da Constituição
da República Portuguesa;
– a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, no recurso de
revista;
– o recurso tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos.
Nestes termos, porque tem legitimidade e está em tempo, requer a V. Exa se digne
admitir o presente recurso e feito o mesmo subir, com o efeito próprio,
seguindo-se os demais termos legais.
Cumpre apreciar.
4. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea
b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é
necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão
de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De
acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se
pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente
identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma
constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que
sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma
questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a
afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem
indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a
inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão
de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão
recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se
considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade
normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade
ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre
muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
Nos presentes autos, o recorrente apenas invoca uma questão de
constitucionalidade (e ainda assim de modo pouco claro) no requerimento de
reforma do acórdão recorrido.
Uma vez que o recorrente não invoca qualquer interpretação objectivamente
imprevisível (que, de resto, inexiste nos presentes autos), é manifesta a não
suscitação de modo processualmente adequado da questão de constitucionalidade
normativa. Desse modo, não se tomará conhecimento do objecto do presente recurso
de constitucionalidade.
5. Em face do exposto, decide‑se não tomar conhecimento do objecto do presente
recurso.
2. O recorrente vem agora reclamar nos seguintes termos:
O IEP – INSTITUTO DE ESTRADAS DE PORTUGAL, notificado que foi da decisão sumária
da Exma. Juíza Conselheira Relatora, de não tomar conhecimento do objecto do
recurso, vem, nos termos do n°. 3 do art°. 78°-A da LTC, RECLAMAR PARA A
CONFERÊNCIA, o que faz nos seguintes termos:
Em termos de pressupostos relativos ao objecto do recurso para o Tribunal
Constitucional, temos os seguintes:
– pode suscitar-se a questão da constitucionalidade, não de uma decisão
judicial, mas de normas que nela hajam sido aplicadas;
– que tenha sido suscitada durante o processo a inconstitucionalidade das
normas aplicadas.
Foi, exactamente, da aplicação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, da norma
constante do n°. 1 do art°. 44° do Decreto-Lei n°. 427/89, de 7/12, com a
interpretação que lhe foi dada pelo Supremo, que o Recorrente recorreu para o
Tribunal Constitucional.
Previamente, no seu recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o
Recorrente veio alegar, e passamos a citar:
“Ainda que formalmente o pessoal do R. esteja sujeito ao regime do contrato
individual de trabalho (art°. 13° dos Estatutos), deve atender-se,
principalmente na constituição da relação de trabalho, as especificidades
inerentes à natureza jurídica do R. (Instituto Público), que levam, salvo melhor
entendimento, que a constituição da relação de trabalho siga as regras do
emprego público.
Tanto assim que o novo regime jurídico do contrato individual de trabalho da
administração pública, aprovado pelo DL 23/2004, de 22 de Junho aplica-se ao R.
(art°. 1°.), e proíbe a conversão dos contratos a termo em contratos por tempo
indeterminado (n°. 2 do art°. 10°).
É claro que os factos em causa se deram em data anterior ao início da sua
vigência e nº. 1 do art°. 26° dispõe que “Ficam sujeitos ao regime da presente
lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de
trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor que abranjam
pessoas colectivas públicas, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos
de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento “.
Entendemos, contudo, que a ressalva da parte final do citado n°. 1 do art°. 26°
não se aplica ao caso dos autos.
Diga-se, por princípio, que não tem natureza constitucional (salvo casos da lei
penal) o princípio da não retroactividade das leis. Nada o impede, como também
dispõe a parte final do n°. 2 do art° 12° do CC.
No caso da Lei 23/2004, apenas ressalva da sua aplicação às condições de
validade de contratos de trabalho e aos efeitos de factos ou situações
totalmente passados que tenham motivado a celebração ou aprovação de contratos
de trabalho.
Ora, não está em causa qualquer condição de validade do contrato de trabalho.
Quanto aos efeitos de factos ou situações que, na tese da autora, tenham
motivado a celebração ou aprovação de contrato de trabalho, não são totalmente
passados.
Tanto que não se encontra constituída, na data da entrada em vigor da Lei
23/2004, qualquer relação de trabalho entre o R. e a A.
Por outro lado, o DL 427/89, de 7 de Dezembro, é aplicável ao R. (art°. 2°),
sendo que este diploma prescreve que a nomeação, o contrato de provimento e o
contrato de trabalho a termo certo eram as formas taxativas de constituição de
relação jurídica de emprego.
Apesar dos estatutos do R. preverem o regime do contrato individual de trabalho
para o seu pessoal (ressalvando aqueles que não optaram pelo mesmo): uma coisa é
a constituição da relação de emprego, através de uma das citadas formas, outra
coisa é o regime aplicável à execução e cessação do contrato.
Ainda, e por fim, o n°. 2 do art°. 47° da Constituição da República Portuguesa
proíbe a conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado:
Esta disposição diz que “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função
pública, em condições de igualdade, em regra por via de concurso”.
Faltando o concurso para a admissão da A. (e tenha-se em conta que a excepção ao
princípio do concurso deve justificar-se com base em princípios materiais – p.e.
DL 323/89 -) aquela seria sempre inconstitucional, por violação do art°. 47°,
n°. 2.
Como, também, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de
21/04/20005 – rec. nº 3765/04 (que ainda não transitou em julgado) – tendo por
base os mesmos factos daqueles que se discutem nos presentes autos: conversão do
contrato a termo, celebrado pelo ICERR, em contrato por tempo indeterminado.
Citando o douto acórdão da Relação de Coimbra:
“O regime jurídico da constituição da relação jurídica de emprego na
Administração Central e nos Institutos Públicos (como é o caso do R.) prevista
no citado Dec. Lei nº. 427/89 prevê, pois, apenas duas modalidades de
contratação (contrato administrativo de provimento e contrato de trabalho a
termo certo), pelo que se deve concluir pela impossibilidade legal de
contratação sem termo e de conversão do contrato a termo em contrato sem termo.
A entender-se diversamente, estaria aberta a possibilidade de, por forma lateral
e à revelia da lei, se obter uma terceira ou quarta vias de formação do contrato
de pessoal (cfr Ac. do STJ de 2/12/98, Revista n°. 13/1/99 e de 13/1/99, Revista
n°. 338/98; Ac. do STJ de 6/3/96 in Co!. Jur. do STJ 1996 – tomo 1º – pág. 264;
de 23/9/98 in BMJ 479°, pág. 351; e de 28/10/98 in BMJ 480°, pág. 236)”.
Vindo a concluir – 10ª conclusão – que:
“ainda que formalmente o pessoal do R. esteja sujeito ao regime do contrato
individual de trabalho, deve atender-se, principalmente na constituição da
relação de trabalho, a especificidades inerentes à natureza jurídica do R., e
que levam a que a constituição da relação de trabalho no R. siga as regras do
emprego público, como a igualdade de acesso ao emprego e o concurso como base de
selecção do pessoal, bem como a proibição da conversão dos contratos a termo em
contratos por tempo indeterminado, nos termos do Dec. Lei n°. 42 7/89 e da Lei
nº. 23/2004”.
Face a alegação e conclusão, que antecedem, o douto acórdão do STJ – pág. 34 –,
veio a tomar a seguinte posição e decisão:
“6.a O direito de acesso à função pública está consagrado no n°. 2 do art°. 47°
da Constituição da República Portuguesa, que determina que o mesmo se deve
processar “em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”.
Porém, nos termos do n°. 1 do artigo 13° dos estatutos do extinto ICERR, anexos
ao Decreto-Lei nº. 237/99, o seu pessoal encontrava-se sujeito ao regime
jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas
nos seus estatutos e no diploma que os aprovou, sendo que a contratação do autor
em 15 de Novembro de 2001, bem como a celebração do contrato de trabalho a termo
em causa decorreram à luz do regime jurídico do contrato individual de trabalho,
e não do regime de constituição da relação jurídica de emprego na Administração
Pública”.
E mais à frente – págs. 34, 35 e 36 – veio a decidir da seguinte forma:
“6.2. O recorrente invoca, ainda, a aplicação do Decreto-Lei n°. 427/89, de 7 de
Dezembro (....).
(…)
O certo é, porém, que o Decreto-Lei n°. 427/89, ao mesmo tempo que prescrevia
que as relações de emprego público não se poderiam constituir por forma diversa
das previstas no dito artigo 14°, veio determinar no n°. 1 do seu artigo 44°,
epigrafado “Salvaguarda de regimes especiais ‘ que ao pessoal dos institutos
públicos que revistam a forma de serviços personalizados ou de fundos públicos
abrangidos pelo regime aplicável às empresas públicas ou pelo contrato
individual de trabalho aplicava-se as respectivas disposições estatutárias.
(…)
Consequentemente, estes dois preceitos salvaguardam a existência de regimes
especiais, determinando a aplicação das respectivas disposições estatutárias ao
pessoal dos institutos públicos (...).
Os contratos em causa nos autos foram celebrados com um instituto público na
modalidade de serviço personalizado e que se regia pelo regime do contrato
individual de trabalho, pelo que vigora a salvaguarda de regime especial
consagrada no n°. 4 do artigo 41° do Decreto-Lei n°. 184/89 e no n°. 1 do artigo
44° do Decreto-Lei n°. 42 7/89, razão pela qual a disciplina dessas relações
contratuais devem observar as disposições estatutárias do instituto em causa e
não o regime geral da relação jurídica de emprego na Administração Pública.
Deste modo, a salvaguarda de um regime especial e diferenciado para o pessoal do
extinto ICERR impede que se aplique, no caso, o regime geral da relação jurídica
de emprego na Administração Pública editado pelo Decreto-Lei n° 427/89.
Não faz, por isso, sentido argumentar-se com as três formas de constituição da
relação jurídica de emprego na Administração Pública (artigo 3° do Decreto-Lei
n°. 427/89) para concluir pela impossibilidade de conversão dos contratos a
termo em contratos por tempo indeterminado, nem com a proibição de conversão dos
contratos de trabalho a termo certo, em contratos por tempo indeterminado,
prevista no n°. 4 do artigo 18° do Decreto-Lei n°. 42 7/89, na redacção dada
pelo Decreto-Lei n°. 218/98.
Por outro lado, também carece de fundamento legal invocar-se a violação da regra
de concurso para ingresso na função pública, quando o legislador estabeleceu um
regime especial para a relação de emprego no extinto ICERR, em que não se previa
a obrigatoriedade de tal forma de selecção e recrutamento de pessoal”.
Ou seja, o Recorrente, alegando que, nos termos do seu artigo 2°., lhe era
aplicável o regime do Dec.-Lei 427/89, de 7 de Dezembro, e que este diploma
prescreve apenas duas modalidades de contratação (contrato administrativo de
provimento e contrato de trabalho a termo certo), conclui pela impossibilidade
legal de conversão do contrato a termo, em causa nos autos, em contrato sem
termo.
A entender-se diversamente, e tenha-se em conta que esse entendimento diverso
importaria necessariamente a interpretação do Dec.-Lei 427/89, no sentido do seu
regime não ser aplicável ao Recorrente, através da aplicação do seu n°. 1 do
artigo 44º, estaria a violar-se o n°. 2 do art°. 47° da Constituição da
República Portuguesa, que proíbe, no âmbito das entidades abrangidas pelo
Dec.-Lei 427/89, a conversão do contrato a termo em contrato por tempo
indeterminado.
Isto é, o Recorrente considerou antecipadamente a hipótese de interpretação do
citado diploma – salvaguarda do regime especial prevista no nº 1 do artigo 44° –
e suscitou antecipadamente a inconstitucionalidade daí decorrente.
Vindo esse tribunal de recurso a apreciar e decidir essa questão.
Como decorre da doutrina do Tribunal Constitucional (Ac. 36/91), para se poder
“recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº. 1 do
art°. 70° da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro, de uma decisão de um tribunal de
recurso, que tenha aplicado determinada norma jurídica cuja
inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado perante o juiz de cuja decisão
então recorreu, necessário é que ele tenha suscitado a inconstitucionalidade da
norma em causa também perante esse tribunal de recurso, em termos de este saber
que tinha que apreciar e decidir essa questão”.
Mais ainda, a norma em questão – que exclui a aplicação ao Recorrente do regime
previsto no diploma – constitui ela o fundamento normativo do conteúdo da
decisão: inconstitucionalidade ou não constitucionalidade, por eventual violação
do n°. 2 do artigo 47° da Constituição, da conversão do contrato a termo em
contrato sem termo.
É verdade, e não custa admitir-se, que a questão da constitucionalidade
suscitada pelo Recorrente, durante o processo, não o foi com o rigor e clareza
com que deveria sê-lo.
Mais ainda, a técnica jurídico-formal utilizada não foi propriamente brilhante,
longe disso.
Não pode, contudo, é condicionar-se o acesso aos tribunais, neste caso ao
Tribunal Constitucional, pela falta de rigor formal ou por deficiente técnica
jurídica utilizada na alegação da inconstitucionalidade de uma certa
interpretação da norma de um diploma legal.
Em conclusão, e no essencial, foi suscitada a questão da constitucionalidade,
por violação do n°. 2 do artigo 47°. da Constituição, da interpretação do
Dec.-Lei nº. 427/89 – neste caso, e necessariamente, do n°. 1 do seu art°. 44° –
no sentido de permitir a conversão do contrato a termo em contrato sem termo.
Preenchendo-se, assim, o respectivo pressuposto relativo ao objecto do recurso
para o Tribunal Constitucional.
Tanto assim que, em outro processo – Recurso n°. 684/06, da 3ª Secção do
Tribunal Constitucional –, de todo semelhante àquele que se discute nos
presentes autos, o Recorrente invocou, no processo, nos mesmos moldes e forma a
mesma questão de inconstitucionalidade da mesma norma e diploma, e o recurso
para o Tribunal Constitucional foi admitido em 26 de Julho de 2006,
conhecendo-se, consequentemente do objecto do recurso.
Termos em que deve ser deferida a presente reclamação, recaindo sobre a mesma
Acórdão que decida que deve conhecer-se do objecto do recurso, ordenando o
respectivo prosseguimento.
O reclamado pronunciou‑se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre decidir.
3. A Decisão Sumária proferida fundamentou‑se na não suscitação durante o
processo de uma questão de constitucionalidade normativa.
O reclamante afirma, porém, que suscitou a questão de constitucionalidade que
pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional. Para fundamentar a
afirmação, transcreve várias passagens das suas alegações de recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça e do próprio acórdão do tribunal recorrido.
Contudo, ao contrário do que pretende o reclamante, nas passagens das suas
alegações em momento algum é questionada na perspectiva da constitucionalidade a
norma do nº 1 do artigo 44º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro. Com
efeito, o reclamante somente impugnou decisões e entendimentos constantes dos
arestos proferidos nos autos, nunca delineando uma qualquer questão de
constitucionalidade normativa (como se demonstrou na Decisão Sumária reclamada).
Por seu turno, o Supremo Tribunal de Justiça não apreciou qualquer questão de
constitucionalidade normativa, desde logo porque não havia sido suscitada uma
questão dessa natureza (a passagem que o reclamante transcreve demonstra
precisamente o que se deixa dito já que fundamentalmente se refere à
interpretação e aplicação do direito infraconstitucional).
Assim, não foi suscitada durante o processo uma questão de constitucionalidade
normativa. Desse modo, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do
recurso interposto, pelo que a presente reclamação improcede.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação, confirmando a Decisão Sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 17 de Outubro de 2006
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos