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Processo nº 621/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é
recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1,
alínea f), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 15 de Março de 2006.
2. Em 18 de Julho de 2006, foi proferida decisão sumária (artigo 78º-A, nº 1, da
LTC), pela qual se decidiu não conhecer do objecto do recurso interposto, com os
seguintes fundamentos:
«1. Em cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 75º-A da LTC, o recorrente
indica a alínea f) do nº 1 do artigo 70º da LTC como alínea ao abrigo da qual o
recurso é interposto. Não indica, porém, a norma cuja ilegalidade pretende que o
Tribunal aprecie nem, tão-pouco, a norma ou princípio legal que considera
violado, não satisfazendo os requisitos dos nºs 1 e 2 daquele artigo 75º-A.
Considerando o teor da decisão recorrida (fl. 1065 a 1074) e que o recurso
previsto na alínea f) do nº 1 do artigo 70º da LTC cabe de decisões que apliquem
norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos
fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e) deste artigo, não se justifica
convidar o recorrente a prestar as indicações em falta, tal como previsto no nº
6 do artigo 75º-A da LTC.
Com efeito, tratando-se de acórdão que não pronunciou arguido pela prática de
crime é manifesto que o Tribunal da Relação do Porto não aplicou norma constante
de acto legislativo, cuja ilegalidade foi suscitada durante o processo com
fundamento em violação de lei de valor reforçado; norma constante de diploma
regional, cuja ilegalidade foi suscitada durante o processo com fundamento em
violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República; ou norma
emanada de um órgão de soberania, cuja ilegalidade foi suscitada durante o
processo com fundamento em violação do estatuto de uma região autónoma.
Não pode, pois, conhecer-se do objecto do recurso de ilegalidade interposto,
justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A da LTC).
2. Ainda que a indicação da alínea f) do nº 1 do artigo 70º se deva a mero
lapso, pretendendo afinal interpor um recurso de constitucionalidade, ao abrigo
da alínea b) deste nº 1 – o recorrente acaba por se reportar a “questão
jurídico-constitucional” e à “violação dos artigos 27º e 37º da Constituição da
República Portuguesa” – justificar-se-ia também a prolação de decisão sumária,
não havendo justificação para convidar o recorrente a indicar a norma cuja
inconstitucionalidade pretende que este Tribunal aprecie (cf. parte final do nº
1 do artigo 75º-A da LTC).
Confrontada a peça processual indicada pelo recorrente (fl. 642 a 653 dos autos)
e os demais elementos dos autos, resulta que, durante o processo, não foi
suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, que permita dar
como verificado um dos requisitos daquele recurso de constitucionalidade (cf.
artigo 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC)».
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, “nos termos
do artigo 77º, nº 1, da LTC”, concluindo e requerendo o seguinte:
«A – O recorrente interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo
do artigo 70°, n.° 1 b), por interpretação inconstitucional dos artigos 26°, n.°
1, e 37°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa, disposições legais
suscitadas na motivação de anterior recurso.
B – Tendo havido lapsos de escrita no requerimento de interposição de recurso
para este Tribunal Constitucional, sempre caberia ao reclamante a faculdade de
correcção, a que se reportam os n.°s 5 e 6 do artigo 75°-A da LTC.
C – O requerente suscitou, no decurso do processo, inconstitucionalidade,
estritamente em termos de interpretação de normas, estas constitucionais –
artigos 26°, n.° 1 e 37°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa.
D – O Tribunal da Relação do Porto decidiu não pronunciar o arguido, sendo tal
decisão sindicável, na medida em que o despacho de não pronúncia tem
subordinação normativa, não estando dependente de mero juízo fáctico do
julgador.
E – O arguido abusou do direito de resposta, relativamente à notícia publicada
em 15/06/01, na medida em que o texto daquela resposta não tinha qualquer
relação ou vínculo de utilidade com o teor do referido artigo de 15/06/01.
F – Com efeito, o arguido elaborou e subscreveu um texto onde invadiu a esfera
privada do assistente, através dos meios de comunicação social.
G – Com a referida atitude, o arguido pôs em causa a interpretação que deve ser
feita dos acima identificados direitos fundamentais, como o direito ao bom-nome
e reputação, à imagem e, acima de tudo, à reserva da intimidade da vida privada,
no que respeita à esfera laboral.
TERMOS EM QUE:
Deve ser concedida, ao recorrente, a possibilidade contida no artigo 75°-A, n.°s
5 e 6, da LTC, no sentido de reformular o requerimento de interposição de
recurso, devendo prosseguir os presentes autos, com todas as legais
consequências».
4. Notificados os recorridos, B. respondeu pugnando pela manutenção da decisão
sumária e o Ministério Público sustentou que “não se descortinam razões para pôr
em causa a decisão reclamada, pelo que deverá aquela ser indeferida”.
Cumpre apreciar e decidir a presente reclamação, a qual se considera apresentada
ao abrigo do consagrado no nº 3 do artigo 78-A da LTC.
II. Fundamentação
A decisão reclamada concluiu pelo não conhecimento do objecto do recurso
interposto ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da LTC, não tendo sido
esta parte da decisão objecto de qualquer reclamação.
O recorrente assumiu que, afinal, pretendeu recorrer ao abrigo da alínea b) do
nº 1 deste artigo, contrariando a decisão sumária na parte em que, admitindo
haver lapso na indicação da alínea em causa, concluiu pelo não conhecimento do
objecto do recurso e pela inutilidade do convite previsto no nº 6 do artigo
75º-A da LTC.
1. Admitindo que o recurso interposto pretendia sê-lo ao abrigo da alínea b) do
nº 1 do artigo 70º da LTC, concluiu-se que da peça processual indicada pelo
recorrente (fl. 642 a 653 dos autos) e dos demais elementos dos autos resultava
que, durante o processo, não foi suscitada qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, que permitisse dar como verificado um dos
requisitos daquele recurso de constitucionalidade (cf. artigo 70º, nº 1, alínea
b), e 72º, nº 2, da LTC).
Esta conclusão em nada é posta em causa na presente reclamação, a qual denota
que, de facto, não foi em tal peça processual suscitada qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa. Tal resulta da conclusão no sentido de que “o
requerente suscitou, no decurso do processo, inconstitucionalidade, estritamente
em termos de interpretação de normas, estas constitucionais – artigos 26°, n.° 1
e 37°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa” (conclusão C), no
seguimento da seguinte alegação (fl. 1110 dos presentes autos):
“O recorrente pretendeu questionar a decisão de 2ª instância, ao abrigo do
artigo 70º, nº 1 b), da LTC, na perspectiva jurídico-constitucional da violação
dos artigos 26º, nº 1, e 37º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa.
A pretensão concreta do recorrente consistia, enfim, em declarar-se
inconstitucional a interpretação feita pelo Tribunal da Relação do Porto, das
normas constitucionais acima identificadas, relativamente ao caso em apreço.
A inconstitucionalidade, em termos de interpretação dos dispositivos legais
referidos, foi suscitada na motivação apresentada pelo recorrente, no aludido
processo nº 1856/04 – 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, na sequência de
decisão instrutória de não pronúncia do arguido”.
O reclamante não identifica qualquer norma de direito infraconstitucional cuja
constitucionalidade tenha questionado à luz daqueles artigos da Constituição da
República Portuguesa, devendo reiterar-se que tal já havia sucedido na peça
processual por si indicada, onde podemos ler, com relevo para esta decisão, que
“por erro de interpretação e em nosso entender, a douta decisão instrutória em
apreciação violou os artigos 27º a 37º da Constituição da República Portuguesa,
os artigos 180º, nº 1 e 182º, nº 2 do Código Penal e o artigo 25º, n. 4 da Lei
da Imprensa” (fl. 452 dos autos).
2. Por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia da
questão de inconstitucionalidade normativa, a decisão sumária concluiu que não
se justificava convidar o recorrente a indicar a norma cuja
inconstitucionalidade pretendia que este Tribunal apreciasse (cf. parte final do
nº 1 do artigo 75º-A da LTC).
Com efeito, tratar-se-ia de acto inútil, uma vez que, ainda que o recorrente
suprisse, com êxito, os requisitos do artigo 75º-A da LTC, não se poderia dar
como verificado um dos requisitos do recurso de constitucionalidade, o que
justificaria sempre a prolação de decisão de não conhecimento do objecto do
recurso. Este Tribunal tem vindo a entender que o convite previsto no nº 6
daquele artigo “apenas é admissível quando o vício de que enferma o requerimento
é susceptível de sanação, por deficiência do próprio requerimento e não por
falta de um pressuposto de admissibilidade do recurso” (Acórdão nº 344/99, não
publicado, e, no mesmo sentido, entre outros, Acórdãos nºs 76/2000 e 99/2000,
não publicados).
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão sumária proferida.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte ) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Outubro de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício