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Processo nº 470/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que
figura como recorrente A. e como recorrido o Presidente da Comissão de Inscrição
da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, o Supremo Tribunal Administrativo
proferiu o seguinte acórdão, datado de 12 de Julho de 2005:
1 – A., id. a fls. 2, recorre da sentença do TAC de Lisboa, de 07.10.2004 (fls.
199/208), que negou provimento ao recurso contencioso por si interposto do acto
praticado pela COMISSÃO DE INSCRIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE
CONTAS que recusou a sua inscrição na Associação de Técnicos Oficiais de Contas
(ATOC).
Nas suas alegações (fls. 214/241 cujo conteúdo se reproduz) formulou CONCLUSÕES
que se podem resumir ao seguinte:
A – Não era possível à recorrente fazer a prova da sua actividade como
responsável durante três anos – entre 1989 e 1995 – se o regulamento estabelecia
como meio de prova apenas a apresentação dos mod. 22 assinados pela recorrente
quando, naquele período, tal assinatura não era obrigatória, como se reconhece
no preâmbulo do DL 265/95, de 17/10.
B – A recorrente tinha outros modelos 22 posteriores a 1989, que não estão
assinados por si e por isso, teve de apresentar o Mod. 22 de 1995, por ser um
dos que assinou, por mera casualidade.
C – Não é verdade, ao contrário do decidido na sentença recorrida, que a
ilegalidade e a invalidade do Regulamento, que foi aplicado pelo acto impugnado,
não o afectaram, pois o acto impugnado reporta-se ao Regulamento e aos meios de
prova ali estabelecidos.
D – Alegada a ilegalidade e mesmo inconstitucionalidade do Regulamento e das
normas que o acto impugnado aplicou, cabia ao “juiz a quo” conhecer de tais
questões, pelo que a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de
pronúncia (art° 668°/1/d) do CPC).
E – O Regulamento aplicado pelo acto é ilegal, na medida em que define, de forma
redutora, “responsável directo pela contabilidade” como aqueles que assinaram as
declarações tributárias Mod. 22 quando a lei não exigia ao tempo tal assinatura,
prescreve “contra legem”.
F – Não é licito também ao Regulamento excluir o exercício de 1995. Sobre essa
questão está levantada nos autos, a violação do princípio da autovinculação dos
entes públicos à conduta anteriormente adoptada, consistente na circunstância da
ATOC ter, na aplicação do Regulamento da ATOC de 22.09.97 (doc. 3 junto com a
petição – al. c) ponto 1) por execução do Despacho do Ministro das Finanças
1179/97, de 16.09.97 e perante a mesma redacção, ter considerado relevante o
exercício de 1995, sendo que esta parte da questão não foi conhecida pela
sentença recorrida, ocorrendo assim nulidade da sentença recorrida por omissão
de pronúncia (art° 668°/l/d) do CPC).
G – O Regulamento enferma de vício de usurpação de poder ao dispor “contra
legem” e ao invadir a competência da Assembleia da República, enfermando ainda
de inconstitucionalidade, por violação do art° 115º n° 5 da CRP, sendo que só à
Assembleia da República cabe dispor sobre o acesso a actividades profissionais
representadas por associações públicas – art° 165°/1/b) da CRP, não podendo por
via do Regulamento restringir tal acesso, por constituir violação do art° 18° da
CRP, questão que a sentença recorrida ignorou apesar de ter sido arguida nos
autos, gerando nulidade por omissão de pronúncia (art° 668°/1/d) do CPC).
H – O regulamento aplicado pelo acto impugnado (al. d) do n° 1 do art. 1°)
restringe os meios de prova dos requisitos do art° 1° da Lei 27/98, com ofensa
do princípio da livre admissibilidade de prova (art° 345º n° 2 do CC e art° 87º
do CPA) questão que a sentença também não conheceu cometendo nulidade por
omissão de pronúncia (art° 668°/1/d) do CPC).
I – A sentença recorrida decidiu mal quando se recusou a conhecer dos vícios do
acto impugnado, designadamente da falta de fundamentação e dos vícios do
Regulamento, o que viola ainda a alínea d) do n° 1 do art° 668° do CPC.
2 – Em contra-alegações (fls. 278/279) a entidade recorrida sustenta a
improcedência do recurso.
3–O M°P° emitiu parecer a fls. 287 (cujo conteúdo se reproduz), no sentido da
improcedência do recurso.
+
Cumpre decidir:
+
4 – A sentença recorrida deu como demonstrado o seguinte:
A – Em 04.06.98 a recorrente dirigiu ao Presidente da Comissão de Inscrição da
Associação dos Técnicos Oficiais de Contas o seguinte requerimento:
“A..... considerando preencher as condições previstas na Lei n° 27/98, datada de
30 de Abril de 1998 (art° 19 vem requerer a sua Inscrição como Técnico de
Oficial de Contas e a sua inclusão na Lista dos Técnicos de Oficias de Contas,
declarando para o efeito...
Para o efeito junta:
a) Fotocópia autenticada do BI;
b) Fotocópia simples do Cartão de Contribuinte;
c) Certificado do Registo Criminal;
d) Cópias autenticadas das declarações Mod 22 de IRC, onde consta
inequivocamente a assinatura do candidato, o n° de contribuinte e a
identificação da entidade sujeita ao imposto sobre o rendimento, comprovativo de
ter sido responsável directo por contabilidade organizada nos termos do Plano
Oficial de Contabilidade desde 1 de Janeiro de 1989 até à data da publicação do
DL n° 265/95, de 17 de Outubro, durante 3 anos seguidos ou interpolados;
e) Relações das entidades a quem presta os seus serviços, com a indicação do
correspondente volume de negócios;
f)...”
B – As declarações mod. 22 mencionadas na alínea anterior dizem respeito aos
seguintes períodos, sujeito passivo e data de entrega:
(i) – 01.01.93, respeitante a “B., Lda,” recepcionada pelos serviços fiscais em
14.07.94;
(ii) – de 01.01.94 a 31.12.94, respeitante a “B., Lda “, recepcionada pelos
serviços fiscais em 01.06.95;
(iii) – de 01.01.95 a 31.12.95, respeitante a “B., Lda”, recepcionada pelos
serviços fiscais em 30.05.96.
C – A recorrente recebeu da ATOC o ofício n° A016, datado de 31.07.98,
documentado a fls. 24/25 que se reproduz), onde e além do mais se referia o
seguinte:
“Assunto: Lei nº 27/98 de 3 de Junho (pedido de inscrição)
Recebemos no dia 4 de Junho de 1998 o pedido de inscrição de V Ex.a nesta
associação, ao abrigo da Lei em epígrafe.
Nos termos daquela Lei os profissionais de contabilidade que tivessem durante 3
anos seguidos ou interpolados, no período de 1 de Janeiro de 1989 a 17 de
Outubro de 1995, sido os responsáveis directos por contabilidade organizada de
entidades a ela obrigadas, podem requerer até 31 de Agosto próximo, a sua
inscrição nesta Associação.
Nos temos do art° 11° do Estatuto Técnicos Oficiais de Contas...
Porque aqueles requisitos não podem comprovar-se por nenhum dos documentos
previstos no referido art° 11º do Estatuto... esta associação, para cumprir com
o mandato que a Lei lhe conferiu, emitiu o Regulamento de que se junta cópia.
De acordo com aquele regulamento a prova de responsabilidade directa pela
contabilidade organizada durante o período considerado relevante terá de ser
feita através da entrega com o requerimento de inscrição de cópias autenticadas
de declarações mod 22 do IRC ou anexo C às declarações mod 2 do IRS, assinadas
pelo responsável de contabilidade no quadro destinado pelas mesmas ao
responsável pela escrita
Verfica-se que a documentação apresentada por V.Ex.a não está conforme com o
exigido pelos referidos Estatutos e Regulamento estando em falta os documentos a
seguir assinalados:
(...)
1 cópia autenticada de declarações mod 22 do IRC e/ou o anexo C) às declarações
mod 2 do IRS ou certidão por cópia dessas declarações, emitida pela Direcção
Distrital de Finanças competente, de onde conste a assinatura do candidato, o
número de contribuinte e a designação da entidade a que respeitam as ditas
declarações, referentes aos exercícios compreendidos entre os anos de 1989 a
1984 inclusive, cuja data de apresentação não seja posterior a 17 de Outubro de
1995;
Dado apresentar somente 2 exercícios do período compreendido entre 89 a 94. Os
exercícios apresentados foram 93 e 94.
Assim, caso V.Exa. até ao termo concedido pela Lei n°27/98 para apresentação dos
requerimentos de inscrição nesta Associação, 31 de Agosto próximo, não ofereça
os documentos em falta, o seu pedido de inscrição considerar-se-á sem efeito.”.
Com eventual interesse para decisão, resulta ainda dos autos o seguinte:
D – A 3 de Junho de 1998 a Comissão Instaladora da ATOC emitiu regulamento sobre
a execução da Lei n.° 2 7/98, de 3 de Junho, nos termos constantes de fls. 31 a
33 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
E – A 24 de Setembro de 1998 a Comissão de Inscrição da ATOC deliberou
“Terminado o prazo de inscrição ao abrigo da Lei n.° 27/98 de 3 de Junho...
confirmar junto dos candidatos que não juntaram os documentos solicitados, a
deliberação tomada a 14.07.98 de considerar os pedidos sem efeito” (cfr. acta
n.° 68 inserta a fls. 78 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzindo);
F – Em 09.11.98 a Comissão de Inscrição da ATOC deliberou:
“Analisados 728 processos de candidatura, de acordo com a lista anexa (tipo
2793), não se verificaram os requisitos referidos no art° 1° da Lei n° 27/98 e
Regulamento, após ter sido pedido aos candidatos a documentação em falta, pelo
que de acordo com a deliberação desta Comissão em 14.07.98, aos mesmos vão ser
enviadas cartas a confirmar aquela deliberação” (cfr. acta n.° 70 inserta a fls.
79 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzindo);
G – O nome da recorrente figurava na “lista anexa” referenciada em F)– doc. de
fls. 80.
+
5 – DIREITO:
Como expressamente refere na petição de recurso, a recorrente impugna nos
presentes autos o acto “praticado pela COMISSÃO DE INSCRIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DOS
TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS, de 31 de Julho de 1998” que recusou a sua inscrição
na Associação de Técnicos Oficiais de Contas (ATOC) e cuja prática demonstra
através do “doc. 1” cujo conteúdo se mostra vertido na alínea C) da matéria de
facto.
Que tal acto se apresenta como contenciosamente recorrível, é questão que se
mostra decidida por despacho transitado em julgado, datado de 19.12.2001 (fls.
1021104).
A sentença recorrida negou provimento ao recurso contencioso, fundamentando-se
essencialmente no seguinte:
“...Sendo um dos requisitos para a inscrição na ATOC, a responsabilidade
directa, durante 3 anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma
de sociedade, por contabilidade organizada nos termos do plano oficial de
contabilidade, de entidade que naquele período possuíssem ou devessem possuir
contabilidade organizada, importa antes de mais averiguar se tal exigência foi
demonstrada no caso sub júdice.
Isto por razões que mais adiante se aduzirão, correlacionadas com a relevância
ou não dos vícios invocados pela recorrente no tocante à invalidade do acto.
Conforme resulta da matéria de facto provada a recorrente não logrou apresentar
provas de que teve responsabilidade directa; durante três anos seguidos ou
interpolados, por contabilidade organizada nos termos do Plano Oficial de
Contabilidade.
E que as declarações que apresenta referem-se aos anos de 1993 a 1995, sendo que
neste último abrangem o período que decorre entre 17 de Outubro de 1995 e 12 de
Dezembro do mesmo ano. Ou seja, não provam o requisito exigido pelo art° 1° da
Lei n° 27/98 no período em referência no preceito, pois “só se poderá inscrever
na ATOC quem, em 17.10.95, tivesse três anos completos de exercício da
profissão”.
Resumindo: com a apresentação das declarações referidas nas alíneas a) e b)
supra, conclui-se que a recorrente não logrou demonstrar o preenchimento do
falado requisito, sublinhando-se que a apresentação das declarações foi feita
espontaneamente, antes mesmo de lhe ser exigida, com cópia do questionado
regulamento, a apresentação de....
Quer isto dizer que não está em causa saber se à recorrente podia ou não ser
exigido qualquer outro meio de prova, visto que é da prova que espontaneamente
ofereceu que se retira a conclusão acima referida.
(…)
Resumindo, para terminar, não estando a recorrente na posse dos pressupostos
materiais ou dos requisitos legais para a inscrição na ATOC, previstos no art°
1º da Lei 27/98, ou seja o exercício durante mais de três anos, entre 01.01.89 e
17.10.95 das funções de profissional de contabilidade, responsável directo por
contabilidade organizada nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, torna-se
despiciendo averiguar em concreto da existência ou não dos vícios que imputa ao
acto recorrido, o qual é, pois, de manter”.
5.1 – Contra o assim decidido insurge-se desde logo a recorrente, invocando a
nulidade por omissão de pronúncia da sentença recorrida, já que não conheceu de
determinadas questões relacionadas nomeadamente com a ilegalidade ou
inconstitucionalidade do Regulamento ATOC que o recorrente invocara na petição
de recurso, ou mesmo outros vícios que imputara ao acto, incorrendo assim na
previsão do art° 668°/1/d) do CPC.
Entendemos não lhe assistir razão:
Nos termos do art° 668° nº 1/d) do CPC é nula a sentença “quando o juiz deixe de
pronunciar–se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que
não podia tomar conhecimento”.
Como dela resulta, a sentença conheceu de mérito e disse quais as razões pelas
quais nela se entendeu dever ser negado provimento ao recurso – pelo facto de,
face ao que imperativamente determina o art° 1° da Lei n° 27/98 e aos elementos
de prova apresentados, não poder a recorrente ser inscrita como TOC.
Deve no entanto sublinhar-se que, como é jurisprudência corrente, o facto de a
sentença não se ter eventualmente pronunciado sobre todos os argumentos
apresentados pelos recorrentes não envolve a nulidade em apreço, pois esta
pressupõe uma falta de apreciação das questões que o juiz devesse conhecer, o
que se não confunde com o conhecimento ou ponderação de todas as razões ou
argumentos invocados pelas partes tendentes a demonstrar o seu ponto de vista.
E, no tocante às ilegalidades apontadas ao Regulamento, considerou‑se na
sentença que, mesmo que o Regulamento seja ilegal, o acto recorrido só seria de
anular se a posição da recorrente tivesse sido prejudicada por tal regulamento
acabando por considerar irrelevante as eventuais ilegalidades de que padeça o
Regulamento aprovado pelo ATOC, por se constatar que essa ilegalidade não
afecta, no caso concreto o recorrente.
Tendo concluído que a recorrente não estava “na posse dos pressupostos materiais
ou dos requisitos legais para a inscrição na ATOC, previstos no art° 1º da Lei
27/98, ou seja o exercício durante mais de três anos, entre 01.01.89 e 17.10.95
das funções de profissional de contabilidade, responsável directo por
contabilidade organizada nos termos do Plano Oficial de Contabilidade”
considerou-se na sentença tomar-se “despiciendo averiguar em concreto da
existência ou não dos vícios que imputa ao acto recorrido, o qual é, pois, de
manter”, o que desde logo integra em si um juízo de prejudicialidade no tocante
aqueles vícios ou questões que a recorrente considera que deveriam ter sido
apreciados na sentença.
A sentença recorrida limitou-se assim a aplicar apenas o art° 1° da Lei 27/98 e
a concluir no sentido de que a recorrente, face aos elementos de prova que
apresentou, não podia ser inscrita como TOC ao abrigo dessa norma.
Ou seja, a sentença refere os motivos ou razões que na óptica do julgador
justificam o não conhecimento daquelas questões que, assim foram tidas como
prejudicadas porque, no entender da sentença recorrida, o pedido de inscrição da
recorrente, na situação tinha forçosamente que ser indeferido por a recorrente
não estar na posse dos requisitos exigidos pelo art. 1º da Lei 27/98 para poder
ser inscrita na ATOC (no mesmo sentido cfr. ac. deste STA de 22.01.03, rec.
47.831 e de 02.10.2003, rec. 493/03).
Improcedem por conseguinte as arguidas nulidades.
5.2 – Importa seguidamente verificar se a sentença recorrida, ao decidir pela
manutenção do acto contenciosamente impugnado nos autos, é ou não merecedora das
críticas que a recorrente lhe dirige.
Como resulta da matéria de facto, em 04.06.98 a recorrente, ao abrigo do art° 1º
da Lei 27/98, solicitou ao Presidente da Comissão de Inscrição da Associação dos
Técnicos Oficiais de Contas a sua Inscrição como Técnico de Oficial de Contas e
a sua inclusão na Lista dos Técnicos de Oficias de Contas, tendo instruído o seu
requerimento, além do mais, com 3 declarações Mod. 22 de IRC respeitante aos
seguintes períodos:
(i) – 01.01.93 respeitante a “B., Lda,” recepcionada pelos serviços fiscais em
14.07.94;
(ii) – de 01.01.94 a 31.12.94. respeitante a “B., Lda”, recepcionada pelos
serviços fiscais em 01.06.95;
(iii) – de 01.01.95 a 31.12.95. respeitante a “B., Lda “, recepcionada pelos
serviços fiscais em 30.05.96.
É a própria recorrente que expressamente refere no requerimento em que
solicitava a sua inscrição como TOC, que essas declarações mod 22 visavam
demonstrar ou comprovar “ter sido responsável directo por contabilidade
organizada nos termos do Plano Oficial de Contabilidade desde 1 de Janeiro de
1989 até à data da publicação do DL nº 265/95, de 17 de Outubro, durante 3 anos
seguidos ou interpolados”.
Posteriormente (em 31.07.98) é que a entidade recorrida remeteu à recorrente o
ofício que integra o acto contenciosamente impugnado, solicitando à recorrente
“1 cópia autenticada de declarações mod. 22 do IRC e/ou o anexo C) às
declarações mod 2 do IRS ou certidão por cópia dessas declarações, emitida pela
Direcção Distrital de Finanças competente, de onde conste a assinatura do
candidato, o número de contribuinte e a designação da entidade a que respeitam
as ditas declarações, referentes aos exercícios compreendidos entre os anos de
1989 a 1984 inclusive, cuja data de apresentação não seja posterior a 17 de
Outubro de 1995” dado, como nesse ofício se referia ter a recorrente apresentado
“somente 2 exercícios do período compreendido entre 89 a 94. Os exercícios
apresentados foram 93 e 94.”.
Acrescentava-se em tal ofício que, caso a recorrente “até ao termo concedido
pela Lei n° 27/98 para apresentação dos requerimentos de inscrição nesta
Associação, 31 de Agosto próximo, não ofereça os documentos em falta; o seu
pedido de inscrição considerar-se-á sem efeito.”.
A recorrente todavia e apesar de tal convite, não juntou ao procedimento
qualquer outro meio de prova.
Por outra via a entidade recorrida não chegou a recusar à recorrente qualquer
elemento de prova por ela apresentado.
A Lei n.° 27/98, ao abrigo da qual a recorrente solicitou a sua inscrição como
TOC, estabelece o seguinte:
“Artigo 1.º
No prazo de 90 dias a contar da publicação da presente lei, os profissionais de
contabilidade que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação do
Decreto-Lei n..° 265/95, de 17 de Outubro, tenham sido, durante três anos
seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade,
responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial
de Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou devessem
possuir contabilidade organizada podem requerer a sua inscrição como técnicos
oficiais de contas na Associação de Técnicos Oficiais de Contas (ATOC).
Artigo 2.º
1 – Verificados os requisitos referidos no artigo 1.º, não pode a inscrição como
técnicos oficiais de contas na ATOC, desde que requerida no prazo fixado, ser
recusada.
2 – Se a ATOC não proceder à inscrição dos interessados que satisfaçam os
requisitos do artigo 1º, no prazo de 15 dias após a apresentação do respectivo
pedido, os mesmos considerar-se-ão automaticamente inscritos naquela Associação
e habilitados ao pleno exercício da profissão de técnicos oficiais de contas.
3 – Para tanto, valerá para todos os efeitos como prova bastante o duplicado do
requerimento do pedido de inscrição ou cópia notarialmente autenticada com o
carimbo de entrada na ATOC.
Artigo 3.º
1 – Todos os actos dos profissionais de contabilidade que se inscrevam na ATOC
ao abrigo do presente diploma ocorridos perante a administração fiscal desde 1
de Janeiro de 1998 são tidos como praticados por técnicos oficiais de contas
legalmente habilitados.
2 – São revogadas e consideradas de nenhum efeito todas as normas, directivas,
instruções ou despachos que disponham em contrário do estabelecido no número
anterior.
Como resulta do transcrito art° 1 para se poderem inscrever como TOC era exigido
aos profissionais de contabilidade terem sido “durante três anos seguidos ou
interpolados responsáveis directos por contabilidade organizada” devendo ainda
esse período de três anos situar-se obrigatoriamente entre “1.01.1989 e
17.10.1995”.
Embora tal aspecto nem sequer tenha sido questionado nos presentes autos, é de
referir que a prova daqueles factos ou seja a demonstração, perante a ATOC, da
exigida “responsabilidade directa por contabilidade organizada” durante “três
anos seguidos ou interpolados” que obrigatoriamente tinham de se situar entre
“01.01.89 e 17.10.95” tinha de ser feita pela recorrente.
No sentido de demonstrar que exerceu durante três anos a “responsabilidade
directa” por contabilidade organizada, a recorrente apenas juntou as já
referidas declarações mod. 22, que, como se entendeu na sentença recorrida,
acabam por não demonstrar o exercício como profissional de contabilidade
“durante três anos”, já que essas declarações embora se reportem ao exercício
dos anos de 1993, 1994 e 1995, por força do disposto no citado art° 1° não pode
nesse período de três anos ser contemplado o tempo que decorreu após 17.10.95.
Ou seja, no aludido período compreendido entre “01.01.89 e 17.10.95” a
recorrente apenas demonstrou ter exercido funções como profissional de
contabilidade durante 2 anos e 10 meses, o que é insuficiente, face às
exigências do disposto no art° 1° da Lei 27/98.
Não tendo feito aquela demonstração, não podia ser autorizada a inscrição da
recorrente como TOC, nos precisos termos do decidido na sentença recorrida,
independentemente da maior ou menor exigência no que à prova diz respeito, ou de
tal exigência de prova resultar do Regulamento invocado pela recorrente e do
qual apenas teve conhecimento em momento posterior à apresentação do
requerimento que dirigiu à ATOC e que acabou por ser indeferido.
É que, como se salienta na sentença recorrida, a apresentação daquelas
declarações “foi feita espontaneamente, antes mesmo de lhe ser exigida, com
cópia do questionado regulamento, a apresentação de «cópias autenticadas...»”
Aliás, no próprio ofício que integra o acto contenciosamente impugnado a
entidade recorrida expressamente alertou a recorrente para o facto de apenas ter
apresentado “somente 2 exercícios do período compreendido entre 89 a 94” e que
“os exercícios apresentados foram 93 e 94.”.
Pelo que e ainda que se entenda que as referidas declarações apresentadas pela
recorrente, provem ter esta sido a responsável directa pela contabilidade da
empresa a que respeitam, sempre a declaração relativa ao ano de 1995 só poderia
ser considerada até 17.10.95, atento o limite temporal estabelecido no citado
art° 1º da Lei n° 27/98.
Por outra via, ainda que se considere aquele Regulamento aprovado pela ATOC como
ilegal, não se pode considerar que a recorrente tivesse sido afectada por
eventual ilegalidade que o mesmo contenha já que, face aos elementos de prova
oportunamente fornecidos pela recorrente, esta nunca poderia ser inscrita como
TOC por força do imperativo contido no art. 1º da Lei 27/98.
A propósito de idêntica questão, entendeu-se no acórdão do STA de 11.12.01, rec.
47 549 o seguinte:
“Assim demonstrado que o recorrente, face aos elementos de prova que forneceu,
não poderia ser inscrito como técnico oficial de contas ao abrigo do art° 1° da
Lei 27/98, de 03.06, por não preencher um dos pressupostos vinculados para que
tal pudesse ocorrer, seria, como é, irrelevante (e mostrava-se também
prejudicado atento o que cumpria decidir) indagar se as normas do Regulamento
que interpretou a aplicação daquela lei, subverteram o regime decorrente da Lei
27/98, concretamente por sofrerem, ou não, das inconstitucionalidades ou
ilegalidades, que o recorrente lhe imputa, pois que, independentemente das
normas fixadas naquele Regulamento, o seu pedido de inscrição, face ao exposto,
teria sempre que ser indeferido por falta de comprovação do pressuposto fixado
na lei que o regulamento pretendeu interpretar. (...)
Concluindo-se, pois, pela não verificação de um dos pressupostos vinculados que
a lei prescreve com vista à inscrição na ATOC como técnico oficial de contas,
não importa indagar se foram violados os princípios constitucionais da
igualdade, da boa fé, da responsabilidade das informações prestadas, da
auto-vinculação e o da interpretação abusiva da Lei 27/98 ou o da restrição dos
meios de prova. Efectivamente, perante a indemonstração do referido pressuposto
vinculado, e nos já enunciados termos, sempre a Administração teria de indeferir
a pretensão formulada ao abrigo do referido art° 1° da Lei 27/98, de 3.06, por
não preenchimento do requisito atinente ao exercício efectivo daquele tipo de
actividade durante o período mínimo de 3 anos” – no mesmo sentido, vide os acs.
do STA de 09.10.01, rec. 47.669, de 04.12.01, rec. 47.670, de 22.01.03, rec.
47.831, de 02. 10.2003, rec. 493/03 e de 07.10.03, rec. 863/03.
Assim e concordando com tal jurisprudência, temos igualmente de concordar com o
decidido na sentença recorrida que, aliás, se limitou a aplicar o art° 1° da Lei
nº 2/98 que imperativamente impunha o indeferimento da pretensão da recorrente
dada a falta de comprovação de um dos pressupostos fixados na norma, sem esse
indeferimento ter sido afectado pelo estabelecido no Regulamento emitido pela
Comissão Instaladora da ATOC. Em conformidade, não tinha a sentença que indagar
sobre a validade das normas do invocado Regulamento que alegadamente visou
interpretar e aplicar a Lei 27/98 já que, independentemente do estabelecido
nesse Regulamento, o pedido de inscrição da recorrente, independentemente do
acto estar ou não devidamente fundamentado, teria sempre que ser indeferido uma
vez que, face aos elementos de prova apresentados e nos termos do anteriormente
referido, a recorrente não podia ser inscrita como técnica oficial de contas.
Insiste no entanto a recorrente alegando que não era lícito ao regulamento
excluir o exercício de 1995, estando nos autos levantada a violação do princípio
da autovinculação dos entes públicos à conduta anteriormente adoptada,
consistente na circunstância da ATOC ter, na aplicação do Regulamento aprovado
em 22.09.97 (doc. de fls. 26 a 29 dos autos) em execução do despacho do Ministro
das Finanças de 16.09.97, considerado relevantes os exercícios de 1989 a 1995
(inclusive), o que não acontece actualmente.
Como anteriormente se referiu a abrangência de apenas parte do ano de 1995 (até
17.10.95) resulta vinculadamente do disposto no art° 1° do DL 27/98,
independentemente da existência de eventual regulamento que e neste aspecto se
revele como mais benéfico para os profissionais da contabilidade.
Diga-se no entanto que, por despacho do Ministro das Finanças de 16.09.97, foi
aberto um “concurso extraordinário para inscrição como TOC” “destinado a
candidatos que, além de terem de satisfazer determinados requisitos, tinham
ainda de se submeter a um exame que compreendia “provas de contabilidade geral,
contabilidade analítica e fiscalidade” (cf. Ponto 6 do despacho do Ministro das
Finanças de 16.09.97, junto a fls. 26). A esse concurso apenas podiam
candidatar-se os interessados que, além do mais, possuíssem como habilitação
mínima o 9º ano de escolaridade obrigatória (n° 1/b) e tenham sido, no período
ocorrido entre 1/1/89 e 17/10/95, “durante três exercícios seguidos ou
interpolados, os responsáveis directos por contabilidade organizada...” (n°
1/c).
O Regulamento para “concurso extraordinário para a inscrição como TOC’” datado
de 07.10.97 e emitido ao abrigo do nº 13 do despacho de 16.09.07 do Ministro das
Finanças considerou que aqueles exercícios abrangiam os exercícios de 1989 a
1995 (inclusive).
Por sua vez a Lei 27/98, a título excepcional, veio posteriormente a permitir a
inscrição dos interessados como TOC, nos termos anteriormente referidos, sem
necessidade de prestarem provas, o que comporta uma realidade totalmente
diferente, pelo que se nos afigura não se poder falar, como o faz a recorrente,
em autovinculação, quando estamos perante situações diversas que por sua vez
justificam a existência de diferentes exigências ou requisitos.
Aliás, se a situação fosse idêntica, sempre teríamos de considerar a prevalência
do estabelecido no art° 10 da Lei 27/98 relativamente ao estabelecido de modo
diverso naquele regulamento relativo ao concurso.
Assim, improcedendo as invocadas nulidades bem como as restantes conclusões da
recorrente sem necessidade de qualquer outra consideração temos igualmente de
concluir no sentido da improcedência do presente recurso.
Interposto recurso por oposição de julgados, recurso indeferido por acórdão de
21 de Março de 2005, foi interposto recurso de constitucionalidade nos seguintes
termos:
A., recorrente nos autos de recurso à margem identificados, em que é recorrida a
COMISSÃO DE INSCRIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS, não podendo
conformar‑se com o douto Acórdão deste S.T.A., de fls., de 12‑07‑2005, vem, nos
termos dos art°s 70°, 75° e 75°-A, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as
alterações introduzidas pelas Leis n°s 143/85, de 26/11, 85/89, de 7/09, 88/95,
de 1/09 e 13-A/98, de 26/02, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, só
o fazendo agora, por haver esgotado os recursos ordinários, o presente recurso é
tempestivo (n°s 5. e 6. do art° 70° da Lei n° 28/82, de 15/11).
O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1., do art° 70° da Lei
28/82, de 15 de Novembro, porquanto o Acórdão recorrido fez aplicação de normas
– o Regulamento aprovado pela ATOC, em especial a alínea d), do n° 1., do art°
1° e art° 3°, cuja inconstitucionalidade e ilegalidade tinha sido suscitada nos
autos, por violação do disposto nos art°s 13°, 18°, 112°, n° 8., e art° 165°, n°
1., alínea b) da Constituição da República Portuguesa, bem como violação do art°
1° da Lei n° 27/98, de 3 de Junho, norma que aplicada com o mesmo sentido e
alcance do Regulamento foi inconstitucionalizada pelo Acórdão recorrido, já que
considerou não observado, pela recorrente, o exigido pelo art° 1° da Lei n°
27/98, de 3 de Junho, porquanto aceitou a limitação dos meios de prova,
inconstitucionalmente impostos por aquele Regulamento.
Assim, requer a V. Exa. se digne admitir o presente recurso, a processar-se como
o de apelação e a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito suspensivo,
sob pena de se comprometer a utilidade da decisão a proferir.
A Relatora proferiu Despacho ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do Tribunal
Constitucional, convidando a recorrente a explicitar a dimensão normativa que,
aplicada pela decisão recorrida, pretende ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional (fls. 381).
A recorrente respondeu o seguinte:
A., recorrente nos autos à margem identificados, em que é recorrida a Comissão
de Inscrição da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, notificada do despacho
da Meritíssima Juíza Conselheira – Relatora de fls., para efeitos do art° 75°-A
da Lei do Tribunal Constitucional, vem dizer o seguinte:
1. De recurso em recurso e de tribunal em tribunal avoluma-se o risco de
denegação de justiça e de verdadeira recusa, em termos efectivos, de acesso ao
Direito e aos Tribunais, o que já vem sendo compreendido por este Venerando
Tribunal Constitucional, como aconteceu no Acórdão n° 355/2005, de 6-07-2005.
2. Basta ver os termos que foram introduzidos na Lei n° 27/98, de 3 de Junho,
para perceber que o legislador quis, efectivamente, ultrapassar as resistências
corporativas, injustas e ilegais da ATOC e da sua Comissão de Inscrição, ora
recorrida, que cerceavam (e continuam a cercear) o acesso à profissão de técnico
de contas a vários profissionais de contabilidade que reuniam os vários
requisitos para tanto. (V. os n°s 1. e 2. do art° 2° da Lei n° 27/98)
3. Publicada a Lei n° 27/98 e estabelecidas até, face à previsível resistência
da recorrida e dos demais órgãos da ATOC, mecanismos de deferimento tácito de
pedidos de inscrição na ATOC, logo esta se apressou a aprovar o regulamento que
foi junto como Doc. 5 com a petição de recurso.
4. Tal regulamento envolve um chorrilho de ilegalidades e de
inconstitucionalidades, que foram, oportuna e formalmente, suscitadas nos autos.
5. Aliás, levantou-se, oportunamente, a questão da inconstitucionalidade daquele
regulamento resultar a violação do disposto nos art°s 13°, 18°, 112°, n° 8.,
115°, n°5 e 165°, n° 1., alínea b) da Constituição da República Portuguesa. (V.
art° 149° da p.i. e alegações de fls., nos termos do art°s 67° do RSTA).
6. Em primeiro lugar regista-se, desde logo, a inconstitucionalidade que decorre
da circunstância dos órgâos da ATOC não terem competência para aprovar o
regulamento em causa, atento o princípio da primariedade ou da procedência da
lei, segundo o qual todos os regulamentos carecem de habilitação legal,
exigência que vem expressamente consagrada no n° 8., do art° 112° da C.R.P..
7. Efectivamente, o Regulamento da ATOC veio, de motu proprio, executar a Lei n°
27/98, de 3 de Junho, sem para tal estar habilitado, quer pela própria Lei, quer
pelo Estatuto da Associação e ao dispor contra legem invadindo a área da
competência reservada da Assembleia da República, enfermando de ilegalidade e
inconstitucionalidade que se alegou nos autos (V. conclusão 2. e 18. das
alegações de recurso para o S.T.A., de fls., onde se alega também a
inconstitucionalidade do Regulamento por violação do art° 18° da C.R.P..
8. Na verdade, transcrevendo as doutas palavras do Prof. Vital Moreira:
“Todo o poder regulamentar, incluindo o das administrações autónomas
corporativas, é um poder normativo derivado, conferido pela Constituição ou pela
lei, e não pode invadir a reserva de lei nem infringir a lei (prevalência da
lei). É um poder que carece de atribuição do legislador ou directamente da
Constituição, visto que não existe poder regulamentar inerente, sem lei. Como
frisa A.R. Queiró (1976:432), «a competência regulamentar autónoma carece de
atribuição expressa pelo legislador»”.
9. Aliás, como ensina aquele Professor:
“O que distingue a administração legal da administração corporativa é o facto de
a primeira ter constitucionalmente reconhecido o seu poder regulamentar, não
podendo por isso este ser-lhe retirado pelo legislador, que pode delimitá-lo mas
não suprimi-lo, enquanto que tal não sucede com a segunda, pelo que este só
existe se reconhecido pelo legislador”.
10. Acresce que, de harmonia com o princípio da especificidade (art° 267°, n° 3,
da Constituição da República Portuguesa), o qual constitui «no dizer de Eggert
(…) a magna charta dos filiados obrigatórios das corporações públicas», as
associações públicas “... só podem ter as atribuições públicas que lhe sejam
directamente confiadas pelo legislador ou pelo Estado‑Administração mediante
credencial legislativa ...”.
11. Tal princípio, comum a todas as pessoas colectivas públicas, significa, no
caso em apreço, que a ATOC só tem as atribuições definidas na lei ou nos
respectivos Estatutos e só pode exercer os poderes que lhe foram conferidos a
fim de desempenhar as referidas atribuições.
12. Por outro lado, a Lei 27/98, ao contrário do que, ilegalmente, diga‑se,
aconteceu com o Despacho 8470/97, do Ministro das Finanças, que abriu o concurso
extraordinário para inscrição como técnico de contas, (ponto 13), não atribuiu à
ATOC competência para regulamentar as condições da sua aplicação.
13. Não atribuiu, nem podia atribuir, uma vez que se trata de matéria relativa a
direitos, liberdades e garantias e de direitos de natureza análoga, a saber, o
direito de escolha e exercício de uma profissão, o direito à segurança no
emprego e o direito de iniciativa privada (art°s 47°, 53° e 61° da Constituição
da República Portuguesa), direitos fundamentais sujeitos ao regime qualificado
do art° 18° da Constituição da República Portuguesa, designadamente ao regime de
reserva da lei material e formal.
14. A este respeito transcrevem-se, por elucidativas, as palavras do Prof. Vital
Moreira:
“... a regulação corporativa tem de respeitar a reserva de lei
constitucionalmente estabelecida para a regulação dos direitos, liberdades e
garantias, em especial para o estabelecimento de restrições. Como se mostrou na
altura própria, a auto-regulação corporativa não afasta a reserva de lei, lá
onde ela exista. Desse modo carecem de fixação legislativa – estando precludida
a regulamentação corporativa – todos os aspectos que, por poderem configurar
restrições à liberdade de escolha de profissão (ou do seu exercício, quando
afectem a liberdade de escolha), pertencem à reserva de lei (Constituição da
República Portuguesa, art° 18°‑3). Entre eles contam-se, além dos requisitos de
inscrição e de acesso às especialidades profissionais eventualmente existentes
(por exemplo, os colégios de especialidades na ordem dos Médicos), as
incompatibilidades, os deveres deontológicos e outros que possam configurar
restrições àquele direito (v.g. proibição de publicidade profissional e fixação
corporativa de honorários), os pressupostos das penas de suspensão e de expulsão
(porquanto se traduzem em interdições de exercício profissional). O regulamento
corporacional não pode fazer mais do que organizar ou procedimentalizar as
restrições estabelecidas por lei. E dado que a lei não pode delegar no
regulamento a disciplina de matérias que entram na reserva de lei, está excluída
a possibilidade de o estatuto da associação pública ou outra lei habilitar esta
a fazê-lo. Como afirma J. Miranda (1988: 160), «as restrições têm de ser legais,
não podem ser instituídas por via regulamentária ou por acto administrativo».
15. Também Afonso Queiró afirma peremptoriamente que no que concerne a matérias
reservadas à competência legislativa da Assembleia da República, a interdição de
regulamentação não pode ser superada pela própria lei, mediante uma autorização
de intervenção regulamentar, escrevendo “... a disciplina integral destas
matérias (...) cabe em princípio à lei, excepcionalmente ao decreto lei e nunca
ao regulamento”.
16. Aliás, como realça o Prof. Vital Moreira:
“No caso da administração autónoma não territorial a reserva de lei é,
juntamente com a tutela, um dos instrumentos de garantia do interesse geral
contra o perigo de uma regulamentação corporativista. (...) Como nota
pertinentemente Schuppert «quanto maior for a esfera da reserva de lei, maior é
o controlo sobre as corporações públicas profissionais».
17. Na obra “Auto-Regulação Profissional e Administração Pública”, aquele Mestre
refere expressamente a situação que nos ocupa, quando afirma “... lá onde esteja
constitucionalmente estabelecida uma reserva de lei – como sucede normalmente em
matéria de restrições aos direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de
profissão – fica então o regulamento reduzido a um papel executivo da lei”. (Ora
basta ver o conteúdo do Regulamento para ver quanto excedeu substantivamente
esta natureza).
18. A dado passo, quando versa sobre as funções regulatórias das ordens
profissionais, mormente a regulamentação do acesso declara a natureza
“estritamente vinculada” da verificação dos seus pressupostos e requisitos,
esclarecendo que “... a garantia do direito fundamental à escolha da profissão
implica: primeiro, que os requisitos de acesso estejam definidos na lei,
segundo, que eles sejam objectivos, de modo a que a apreciação desses requisitos
seja vinculada, excluindo qualquer discricionariedade (o que afasta a utilização
de conceitos indeterminados de dificil densificação)” .
19. A doutrina do Prof. Jorge Miranda é também clara, quando afirma que havendo
dever de inscrição como condição do exercício profissional, assiste a todos os
que preencham os requisitos legais um direito a essa inscrição, sem que a
associação tenha a possibilidade de a recusar, nem podendo haver
discricionariedade na possibilidade de recusa. (in “As Associações Públicas no
Direito Português” RFDUL, XXVII, pág. 87 e segs.)
20. Do exposto resulta que a ATOC não dispõe, nem por via dos Estatutos, nem por
via da Lei n° 27/98, de competência regulamentar, e, assim, de competência para
regulamentar a matéria tratada na Lei n° 27/98, muito menos a Comissão
Instaladora da ATOC, às quais as Portarias do Ministério das Finanças n° 36/96,
de 9/5 (D.R., II série, n° 108, de 9/5) e no 61/96, de 1/7 (D.R., II série, n°
150, de 1/7/96) reconheceram tão somente competência para a prática dos «actos
necessários para assegurar a respectiva gestão corrente» (n° 3 da Portaria n°
36/96, de 9/5).
21. A Lei n°27/98, de 3 de Junho estabelece no seu art° 1º o seguinte:
“No prazo de 90 dias a contar da publicação da presente lei, os profissionais de
contabilidade que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação do
Decreto‑Lei n° 265/95, de 17 de Outubro, tenham sido, durante três anos seguidos
ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade, responsáveis
directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de
Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou devessem possuir
contabilidade organizada podem requerer a sua inscrição como técnicos oficiais
de contas na Associação de Técnicos Oficiais de Contas (ATOC)”.
• A primeira dúvida que se levanta é a de saber, uma vez que estávamos em
Outubro de 1995, quando foi publicado o Dec-Lei n° 265/95, ou seja, praticamente
a findar o ano fiscal, se, nos três anos a que a lei se refere se incluía, ou
não, o ano fiscal de 1995;
• Sobre isso havia o precedente do ponto 1, alínea c) do Despacho do
Ministro das Finanças n° 8470/97, de 16/09 (V. doc. 2 junto com a petição) que,
com uma redacção em todo idêntica, a Comissão de Inscrição da ATOC interpretou e
fixou Jurisprudência como incluindo o ano fiscal de 1995;
• Por isso se invocou o princípio da autovinculação, corolário do princípio
constitucional da igualdade (art° 13° da Constituição da República Portuguesa),
da boa fé e da tutela da confiança (art° 6°-A, do C.P.A. – V. ponto 21 das
conclusões de fls., de 2001-03-07);
• Apesar da lei falar em três anos à data da publicação do Dec-Lei n°
295/95, ou seja, Outubro daquele ano e estando em causa um direito fundamental –
direito de acesso a uma profissão, e contrariando a posição antecedente da
Comissão de Inscrição e da ATOC, o Regulamento dito de execução da Lei n° 27/98,
de 3 de Junho, junto como doc. 6 com a petição, veio no n° 1., do seu art° 2°,
restringir ao período de 1989 a 1994 inclusive, excluindo, arbitrária (e
ilegalmente), o ano de 1995 que, relativamente a normativo com idêntica
redacção, aceitara como incluído;
• Importa ter presente não que as finalidades, como se diz no Acórdão
recorrido, eram distintas mas que a redacção do Regulamento de inscrição para o
exame e a Lei n° 27/98 era exactamente a mesma e que é a seguinte:
“... os profissionais de contabilidade que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à
data da publicação do Decreto‑Lei n° 265/95, de 17 de Outubro, tenham sido,
durante três anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de
sociedade, responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do
Plano Oficial de Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou
devessem possuir contabilidade organizada ...” (V. alínea c) do n° 1., do
Regulamento do Concurso Extraordinário junto como doc. 3 com a p.i., a fls. 27 e
segs.).
• Pois, apesar de assim ser, no Regulamento dito de execução da Lei n°
27/98, desvirtuou-se a lei e foi-se mais restritivo, referindo-se ao exercício
de 1994 e excluindo-se, ilegalmente, o de 1995;
• Por outro lado, e apesar do Preâmbulo do Dec-Lei n° 265/95 reconhecer que
deixava de ser exigível a assinatura, pelos responsáveis pela contabilidade, do
Modelo 22.
• Na verdade, escreve-se, no Preâmbulo daquele diploma:
“Com a aprovação do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
e o das Pessoas Singulares, que começaram a vigorar em 1989, foi revogado o
referido Código da Contribuição Industrial, deixando de ser obrigatória a sua
assinatura nas declarações fiscais, desaparecendo, no plano institucional, a
figura do técnico de contas”.
• Não obstante assim ser, o Regulamento, cuja ilegalidade e
inconstitucionalidade foi arguida, veio, como se pode ver nos seus art°s 1° e
2°, n°s 1. e 2., exigir, para prova dos requisitos do art° 1° da Lei n° 27/98,
que as declarações Mod. 22 tivessem sido assinadas pelos interessados
responsáveis pela contabilidade (o que a lei não exigia, como se viu) e
reconhece no Preâmbulo do Dec-Lei n° 265/95, acima transcrito.
22. Ora, como se pode ver do doc. 1 junto com a petição, o acto impugnado,
invocando o Regulamento em causa, recusou a inscrição do recorrente na ATOC por
falta de tais documentos e recusou considerar, ilegalmente, e contra a sua
prática anterior (autovinculação) e em obediência ao ilegal e inconstitucional
Regulamento, os documentos apresentados pela recorrente.
23. É, pois, manifesto que o acto impugnado nos autos, bem como o Acórdão
recorrido, aplicaram e fundamentaram-se no citado Regulamento, cuja
inconstitucionalidade e ilegalidade foram suscitadas nos autos.
24. É uma falácia, do Acórdão recorrido, concluir que o recorrente não fez prova
do exercício durante três anos, seguidos ou interpolados, da actividade
contabilística entre 1 de Janeiro de 1989 e 17/10/95, e que, tanto basta, para
que não se ponha a questão dos vícios do Regulamento, designadamente a sua
inconstitucionalidade, por essa apreciação estar prejudicada.
25. Só que, inadmissivelmente, esqueceu-se que aquela prova não foi feita,
porquanto o Regulamento aprovado e aplicado pela entidade recorrida e,
consequentemente, também pelo Acórdão sob recurso, limita, ilegalmente, tal
prova à apresentação de um Modelo 22 assinado pelo responsável pela
contabilidade, quando a lei não o exigia, como se demonstrou.
26. Não cerceasse o Regulamento os meios de prova e a recorrente teria feito,
por outros meios – a prova dos requisitos do art° 1° da Lei n° 27/98, pois, por
mera casualidade, só os Modelos 22 do exercício de 1992, do exercício de 1994 e
do exercício de 1995 estavam por ela assinados, não estando os dos demais anos,
porque a lei não o exigia e como só tinha esses assinados e o Regulamento
exigia, como única prova os Mod. 22 assinados, a recorrente só apresentou
aqueles.
27. Efectivamente, a recorrente só não viu admitida a sua inscrição como Técnica
Oficial de Contas na ATOC porque não dispunha dos documentos que, restritiva e
ilegalmente, o Regulamento exigia, ou seja, modelos 22 assinados pela
recorrente, exactamente quando a lei o deixava de exigir.
28. Na verdade, como se decidiu no Acórdão do STA, de 16 de Abril de 2002,
proferido no Proc. 48.397:
«Não tendo a Associação dos Técnicos Oficiais de Contas competência legislativa
própria na matéria nem lhe tendo sido atribuída legalmente competência
regulamentar, o «regulamento» emitido pela Comissão Instaladora da ATOC
pretendendo regulamentar aquela Lei 27/98, não tem nenhuma relevância jurídica
no plano da apreciação da legalidade do acto impugnado.
Ora, nos termos do art° 1 do citado diploma legal, os profissionais de
contabilidade que pretendam a sua inscrição como técnicos oficiais de contas
apenas têm que demonstrar, “por qualquer meio de prova em direito admissível”
que foram, durante três anos seguidos ou interpolados, contados dentro do
período de 1 de Janeiro de 1989 até 17 de Outubro de 1995, individualmente ou
sob a forma de sociedade, responsáveis directos por contabilidade organizada,
nos termos do Plano Oficial de contabilidade, de entidades que naquele período
possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada.
A lei não estabelece como obrigatório qualquer meio de prova para a verificação
dos requisitos nela estabelecidos, não excluindo o uso de qualquer deles pelo
que todos são utilizáveis.
Uma vez que, como se diz no relatório preambular do DL 265/95, de 17 de Outubro
que aprovou o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, deixou de ser
obrigatória, a partir de 1989, a assinatura por técnicos de contas das
declarações fiscais, tendo desaparecido no plano institucional aquela figura do
técnico de contas, mas continuando as entidades a isso obrigadas a ter a sua
contabilidade organizada, é evidente que o profissional de contabilidade que
tinha a seu cargo ou tomava conta da organização da contabilidade dessas
entidades só perante elas passou a ser responsável pela organização da
respectiva contabilidade.
Isto é, com a entrada em vigor dos Códigos do Imposto sobre Rendimento das
Pessoas Colectivas e das Pessoas Singulares, em 1989, o profissional de
contabilidade que organizava as contas (a contabilidade) deixou de ter obrigação
de assinar as declarações fiscais das entidades para as quais prestava tal
serviço de contabilidade, deixando também de ser obrigado por tais declarações
perante a Administração Fiscal.
Não há, portanto, qualquer documento que, no período indicado no art° 1° da Lei
27/98, prove a responsabilidade directa ou indirecta dos profissionais de
contabilidade perante a Administração Fiscal, pela organização da contabilidade
de quaisquer entidades, porque essa responsabilidade não existia. Responsável
pela declaração era apenas o contribuinte.
É claro que a assinatura do profissional de contabilidade, voluntariamente
aposta nas declarações fiscais mod. 22 e anexo C ao mod 2, pode ser um meio de
prova atendível e relevante para demonstrar que o subscritor ou a sociedade de
que fazia parte tinham organizado a contabilidade que estava na base de tais
declarações, mas não é seguramente o único.
De outro modo não poderia ser provada a responsabilidade directa do requerente
pela organização da contabilidade de qualquer entidade no período tempo entre 1
de Janeiro e 17 de Outubro de 1995.
Ora se a lei estabelece como requisito da inscrição na ATOC o facto de o
requerente ter sido responsável directo pela contabilidade organizada também
durante aquele período, isso implica que ele possa demonstrar que teve essa
qualidade durante esse lapso de tempo e que o possa fazer, nos mesmos termos que
relativamente a qualquer outro período legalmente relevante, por qualquer meio
de prova, não podendo ser excluída a apreciação de qualquer dos documentos de
prova apresentados pelo requerente que se reportam ao período legalmente
relevante”.
29. O acto impugnado nos autos que está contido em ofício de fls. (doc. 1 junto
com a p.i.) remetido à recorrente em 31 de Julho de 1998 e de que se transcreve:
“Porque aqueles requisitos não podem comprovar-se por nenhum dos documentos
previstos no referido artigo 11º do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas,
esta Associação, para cumprir com o mandato que a Lei lhe conferiu, emitiu o
Regulamento de que se junta cópia.
De acordo com aquele Regulamento a prova da responsabilidade directa pela
contabilidade organizada durante o período considerado relevante terá de ser
feita através da entrega com o requerimento de inscrição de cópias autenticadas
de declarações modelo 22 do IRC e/ou o anexo C às declarações modelo 2 do IRS,
assinadas pelo profissional de contabilidade no quadro destinado pelas mesmas ao
responsável pela escrita.
Verifica-se que a documentação apresentada por V. Exa. não está conforme com o
exigido pelos referidos Estatuto e Regulamento ...“ (sic)
30. Claro fica, pois, que o acto impugnado nos autos aplicou o Regulamento em
causa (doc. 5 junto com a p.i.), e obviamente que o Acórdão recorrido ao
confirmar aquele acto como legal, também aplicou o Regulamento.
31. Antes de mais o Acórdão recorrido transcreve mesmo o ofício A016, de
31‑07‑1998 (V. fls. 24 e 25) dirigido pela ATOC à recorrente, em que se escreve:
“De acordo com aquele regulamento a prova de responsabilidade directa pela
contabilidade organizada durante o período considerado relevante terá de ser
feita através da entrega com o requerimento de inscrição de cópias autenticadas
de declarações mod. 2 do IRS. Assinadas pelo responsável de contabilidade ...”
32. Acresce que, no caso da recorrente, a questão é ainda mais gritante e
revoltante, porquanto ela apresentou os Mod. 22 assinados, e por virtude da
exclusão que o Regulamento fez do ano de 1995 (referindo-se, contrariamente, a
Lei n° 27/98, apenas ao ano de 1994) e contrariando a posição que a própria
recorrida tinha adoptado, na interpretação dada a redacção inteiramente idêntica
do regulamento dos exames. (V. Doc. 3 junto a fls. 27 e segs.)
33. O Tribunal Constitucional não pode ser indiferente, como não foi, no citado
Acórdão n° 355/2005, a expedientes dos Tribunais comuns para criarem a aparência
de que não aplicam as normas cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada,
para impedir o acesso ao Tribunal Constitucional, numa tentativa de bloquearem e
torpedearam a sua intervenção e pleno exercício das suas competências ao serviço
dos cidadãos e velar pela conformação das leis à Constituição e evitar a
denegação de Justiça!
34. Na verdade, insiste-se que ao ajuizar o acto impugnado como inteiramente
conforme e sem vícios que o tornem nulo ou anulável, o Acórdão recorrido
aplicou, pelo menos implicitamente, o Regulamento em causa, sendo que, em
qualquer caso, a interpretação que adopta do art° 1° da Lei n° 27/98, sempre
inconstitucionalizaria aquela disposição, designadamente por violação dos art°s
18° e 490 da C.R.P..
35. Aliás, embora com o risco de nos desviarmos um pouco da questão colocada,
veja-se este absurdo do Acórdão recorrido:
• Como está expresso no Regulamento e foi afirmado pela recorrida no ofício
já transcrito dirigido pela ATOC à recorrente, é peremptória a afirmação de que
o único meio de prova que se admite para prova dos requisitos do art° 1º da Lei
n° 27/98 são os Mod. 22 assinados pelo responsável por contabilidade organizada,
com exclusão do ano de 1995.
• Pois apesar de ser isso o que está no Regulamento e de ter sido isso mesmo
que a recorrida escreveu, “preto no branco”, no ofício que a ATOC remeteu à
interessada, e do que decorria que, ou tinha mais Mod. 22 por si assinados
correspondentes ao período de 1989/1992 (a requerente já tinha apresentado 1993
e 1994, já que, ilegalmente, não aceitou o de 1995), ou então não seria
admitida, como não foi.
• Claro que a recorrente como não tinha mais nenhum Mod. 22 por si assinado
não o mandou, nem podia mandar.
36. Agora veja-se a que despudoradamente se afirma no Acórdão recorrido:
“A recorrente todavia e apesar de tal convite, não juntou ao procedimento
qualquer outro meio de prova.
Por outra via a entidade recorrida não chegou a recusar à recorrente qualquer
elemento de prova por ela apresentado”.
37. E mais adiante, com igual despudor escreve:
“Por outra via, ainda que se considere aquele Regulamento aprovado pela ATOC
como ilegal, não se pode considerar que a recorrente tivesse sido afectada por
eventual ilegalidade que o mesmo contenha já que, face aos elementos de prova
oportunamente fornecidos pela recorrente, esta nunca poderia ser inscrita como
TOC por força do imperativo contido no art° l da Lei 27/98”.
38. O que está em causa é a promessa da AT0C, quando foi publicada a Lei no
27/98, de que tudo faria para que esta jamais fosse cumprida ou executada. E foi
com esse propósito que elaborou e aprovou o Regulamento cuja
inconstitucionalidade foi suscitada.
39. Para se perceber a habilidade com que aquele Acórdão quer impedir que se
conclua pela aplicação do Regulamento e se aprecie no Tribunal Constitucional a
inconstitucionalidade suscitada, veja-se o que se decidiu de forma clara nos
seguintes Acórdãos:
40. Efectivamente, no Acórdão do Pleno do STA de 18-05-2004, (Proc. nº 48.397),
bem claro e elucidativo na sua fundamentação, decidiu-se o seguinte:
«4. Nos casos concretos em que surgiram os Acórdãos divergentes, a Comissão
Instaladora da ATOC moveu-se no contexto já mencionado e emitiu antes da
abertura do prazo dos requerimentos dos interessados na inscrição como TOC uma
norma que limita a prova do exercício da actividade que é pressuposto da
inscrição, aos documentos que enuncia na alínea d) do artigo 1.º da sua
deliberação de 3 de Junho de 1998.
Portanto, aquele comando que foi levado ao conhecimento dos interessados,
coarctava‑lhes o direito de requererem outra prova que não fosse aquela que era
taxativamente vazada na norma proveniente do órgão competente.
Esta condicionante tinha reflexos necessários, em termos dos comportamentos
normais e exigíveis dos diversos candidatos à inscrição, desde logo na forma
como puderam desempenhar-se do ónus de provar o facto constitutivo do direito à
inscrição e depois em momento final, também, necessariamente, na decisão que foi
tomada de excluir os recorrentes.
De modo que por um lado a restrição probatória pôs em risco também um valor
fundamental do procedimento que é o de a decisão se conformar tanto quanto
possível com a verdade dos factos que interessam à composição dos interesses em
causa, violando o princípio da verdade material. Neste sentido os Ac. deste STA
de 15.12.94, Proc. 32949 e de 18.12.2003, Proc. 185/03 e Rui Machete, in Estudos
de Direito Público e Ciência Política, pág. 379.
E por outro lado, ao agir assim o órgão em causa além de se não conformar com a
norma mencionada do n.° 1 do artigo 87.° também viola a regra inserta no n.° 2
do artigo 88.° do CPA, restringindo sem fundamento, de modo genérico,
apriorístico e proibido a possibilidade de os particulares usarem os meios de
prova ao seu alcance e de requererem a produção dos que tivessem por adequados,
normas estas que eram aplicáveis conjuntamente com o regime substantivo
constante do artigo 1.º da Lei 27/98. a qual sem prever restrições ou meios
específicos de prova dos pressupostos que enuncia, confere o direito de
inscrição às pessoas que durante três anos seguidos ou interpolados, foram
responsáveis directos por contabilidade organizada nos termos do POC de
entidades que possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada durante o
período visado, isto é, entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995.
Efectivamente as normas em causa apresentam como fundamento a necessidade de
disposições que permitam a aplicação da Lei 27/98, de 3/6, por exemplo quanto a
documentos que devem instruir os pedidos.
E, nos artigos 1.º e 2.° dispõe-se que o pedido de inscrição deve ser
acompanhado de cópias autenticadas das declarações de IRC ou IRS entregues nos
serviços de finanças até 17 de Outubro de 1995 e dos quais conste a assinatura
do candidato, relativas a três exercícios, entre 1989 e 1994.
É evidente que os interessados perante estas normas não podiam requerer outra
prova do exercício da actividade no período em causa senão pelas ditas
declarações de IRC e IRS.
Daí que possamos dizer que pela forma como estão redigidas as normas emanada da
Comissão Instaladora em 3 de Junho de 1998, denominadas “Regulamento”, e
relativas à inscrição a título excepcional permitido pela Lei 2/79, pelo momento
em que foi emitida (isto é, antes da abertura do período de inscrição), pela
forma como foi imposta aos interessados (como condicionamento da instrução do
requerimento) e tal como foi aplicada (excluindo outro meio de prova) torna-se
evidente que não se tratou de sugerir uma forma mais adequada de prova, mas sim
de elevar os documentos exigidos a único meio de prova, afastando a
possibilidade de os interessados requererem e de a Comissão admitir qualquer
outra, pelo que foram ofendidos os artigos 87.° n.° 1 e 88.° n.° 2 do CPA e o
Acórdão recorrido que julgou ilegal o acto de recusa da inscrição decidiu
correctamente, pelo que deve manter-se.»
Veja-se, neste sentido, entre muitos outros, o recente Acórdão do Pleno do STA
de 2-03-2006 (Proc. n° 0423/04): «O que resulta do enunciado legal
interpretando, do n.° 2 do art.° 88.° do CPA, em conjugação com os princípios
gerais aplicáveis a toda a actividade administrativa, especialmente o princípio
do respeito devido pelos órgâos da Administração aos direitos e interesses
protegidos dos cidadãos, o princípio da legalidade, o princípio da justiça e da
proporcionalidade, enunciados no artigo 266.° da Const., é que esta norma
confere um amplo direito de os particulares juntarem documentos e pareceres e
requererem todas as diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos
que possam relevar para a decisão.
Em consequência, vale dizer que a Administração, salvo norma com força de lei
que disponha de modo diferente, tem de admitir todos os documentos oferecidos e
todos os pareceres que os particulares apresentarem, bem como aceitar os
requerimentos de outras provas e efectuar as diligências necessárias para que
elas possam ser produzidas no procedimento, salvo se fundamentar a recusa em que
tais provas são impertinentes, isto é não têm relação com a apreciação a
efectuar e a decisão a proferir, ou por serem inúteis, ou seja, se trate de
provas que nada podem acrescentar de relevante ao esclarecimento da verdade,
devido, por exemplo, a serem excessivas, por a matéria de facto a que se
reportam já estar provada e esclarecida.
O n.° 2 do art.° 88.° está, portanto, imbuido do mesmo desígnio do n.° 1 do
artigo 87.°, isto é da sujeição do procedimento ao princípio da verdade material
dos factos tendente a uma justa e equilibrada decisão administrativa sobre os
interesses em causa, sendo o n.° 2 do artigo 88.° aplicável especialmente aos
procedimentos em que sobre os particulares impende o ónus da prova por se tratar
de pretensões que apresentam perante a Administração de constituir situações
favoráveis ou que permitem obter determinados benefícios.
(...) Quando o n.° 2 do artigo 88.° refere a faculdade dos interessados
particulares de “requerer diligências de prova úteis” refere-se a uma faculdade
procedimental correspondente a um verdadeiro direito à apresentação e produção
de prova, sendo que a referência do texto legal a efectivação deste direito
sempre e quando a prova seja de qualificar como útil ao esclarecimento dos
factos com interesse para a decisão, destina-se a tomar patente o critério com
base no qual pode deixar de ser admitida ou produzida a prova requerida pelos
particulares – precisamente limitado aos casos em que as diligências requeridas
não sejam úteis. E, as provas que não são úteis são as manifestamente
improcedentes ou desnecessárias.»
41. E tanto assim que em comunicado junto aos autos com a p.i. como Doc. 11, a
ATOC, referindo-se à Lei 27/98, afirmava o seguinte:
“A Associação dos Técnicos Oficiais de Contas a quem compete representar os
interesses profissionais dos Técnicos Oficiais de Contas, e superintender em
todos os aspectos relacionados com a profissão irá promover todas as iniciativas
que estejam ao seu alcance a fim de evitar a concretização deste atentado à
dignidade das funções”.
42. É com esta obstrução à aplicação e execução daquela Lei, cirurgicamente
traçada e até agora obtida pelo Regulamento, cuja inconstitucionalidade foi
oportunamente suscitada, que o Tribunal Constitucional não pode pactuar,
cumprindo lembrar Acórdão do S.T.A. atrás citado, que foi proferido no âmbito da
uniformização da Jurisprudência, por ter prevalecido a doutrina correcta e
chamar, mais uma vez à atenção, do Acórdão do Tribunal Constitucional de
6‑07‑2005 que confirmou a inconstitucionalidade do Regulamento referido.
43. E sabem V. Exas. porquê e para quê esta obstrução? Não foi para salvaguardar
da idoneidade e a maior qualificação dos técnicos e contas.
44. Foi para que os Técnicos Oficiais de Contas já inscritos possam explorar, à
vontade, os profissionais que estão na situação da recorrente ou em situação
idêntica.
45. Querem que sejam eles a fazer o trabalho, e que os já inscritos depois
assinem, cobrando-lhes fortunas!
46. O descaramento é tal que chega a haver anúncios como o que se juntou com a
p.i., como doc. 9, a fls. 37, e que se passa a reproduzir:
“TÉCNICO OFICIAL DE CONTAS ESCRITÓRIO AMADORA PRETENDE COLABORADOR CONTABILISTA
(M/F) COM CLIENTES (sic) RESPOSTA T. ...“
47. Isto é um escândalo!
48. E a recorrente não tinha outra alternativa, pois, infelizmente, em anos
anteriores não tinha assinado, por não ser exigível e até haver Repartições de
Finanças que entendiam mesmo tal não ser permitido e por isso recusavam os
Modelos 22 assinados por contabilistas.
49. Só que o ofício que a ATOC dirigiu à recorrente era claro no sentido de que
só era admitida a apresentação de Mod. 22 por si assinados, vedando‑se‑lhe
qualquer outro meio de prova. (V. Acórdãos citados).
Demonstrado fica, pois, à saciedade, que o Acórdão recorrido aplicou um
Regulamento ilegal e inconstitucional, e normas do mesmo Regulamento e em
especial o art° 3., n° 1, para além dos art°s 1º e 2°, cuja ilegalidade e
inconstitucionalidade foi suscitada, a devido tempo, e tanto basta para que
devam ser conhecidas por este Venerando Tribunal as ilegalidades e
inconstitucionalidades em causa, e em especial do art° 3°, n° 1., do
Regulamento, para além da inerente ao Regulamento globalmente considerado.
Cumpre apreciar.
2. O recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, tem por pressuposto a aplicação pela decisão recorrida da norma
cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, pois, caso assim não
aconteça, o juízo que o Tribunal Constitucional vier a formular não terá a
virtualidade de alterar a decisão recorrida, já que não se reportará à sua ratio
decidendi, sendo, nessa medida, inútil.
A recorrente nos presentes autos submete à apreciação do Tribunal Constitucional
os artigos 1º, 2º e 3º do Regulamento aprovado pela Associação dos Técnicos
Oficiais de Contas.
Porém, a decisão recorrida fundamentou‑se no artigo 1º da Lei nº 27/98, de 3 de
Junho. Com efeito, como resulta da transcrição realizada supra, a decisão de não
provimento do recurso então interposto assentou na não verificação dos
requisitos do aludido artigo 1º da Lei nº 27/98, independentemente da aplicação
ao caso do regulamento agora impugnado.
A recorrente afirma “ser uma falácia, do acórdão recorrido, concluir que (…) não
fez prova do exercício durante três anos, seguidos ou interpolados, da
actividade contabilística entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995”
(ponto 24 da resposta ao Despacho proferido ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do
Tribunal Constitucional).
Tal questão não pode, porém, ser apreciada pelo Tribunal Constitucional já que
os poderes de cognição no âmbito do presente recurso restringem‑se à apreciação
de questão de constitucionalidade normativa de uma norma efectivamente aplicada.
Assim, como se verifica que a decisão recorrida não se fundamentou na norma
impugnada (não sendo relevantes os motivos que levaram a recorrente a não
apresentar outra prova, para além do Módulo 22 – cf. ponto 26 da resposta
referida), não se tomará conhecimento do objecto do presente recurso.
3. Em face do exposto, decide‑se não tomar conhecimento do objecto do presente
recurso.
2. A recorrente vem agora reclamar, ao abrigo do artigo 78º‑A, nº 3, da Lei do
Tribunal Constitucional, sustentando que o tribunal recorrido fez aplicação das
normas impugnadas (fls. 430 ss.).
Cumpre apreciar.
3. A recorrente invoca, na presente reclamação, que o Regulamento aprovado pela
Associação dos Técnicos Oficiais de Contas enferma de diversas ilegalidades e
inconstitucionalidades.
Porém, tais considerações em nada infirmam os fundamentos da Decisão Sumária
reclamada, já que esta fez assentar o não conhecimento do objecto do recurso de
constitucionalidade na não aplicação pela decisão recorrida das normas
impugnadas.
A recorrente repete, por outro lado, o teor da resposta que havia apresentado ao
Despacho proferido ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do Tribunal Constitucional.
Desse modo, cabe remeter para os fundamentos da Decisão Sumária reclamada, na
qual foram ponderados os argumentos então apresentados e agora repetidos.
A recorrente insiste, por último, no “artifício falacioso” consubstanciado pela
invocação da Lei nº 27/98 feita pelo tribunal recorrido, e sustenta que o
regulamento questionado foi implicitamente aplicado.
Ora, não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a boa ou má aplicação do
direito infraconstitucional.
Assim, se a recorrente pretendia impugnar na perspectiva da constitucionalidade
o fundamento normativo do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo recorrido
não podia prescindir da impugnação do artigo 1º da Lei nº 27/98, de 3 de Junho,
disposição legal que expressamente fundamentou a improcedência da pretensão da
ora reclamante.
4. Improcede, pois, a presente reclamação.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação, confirmando a Decisão Sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 17 de Outubro de 2006
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos