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Processo n.º 220/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do
Tribunal Constitucional,
1. A., por requerimento entrado em 15 de
Novembro de 2005 na Secretaria do Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 825 a
840), interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e
alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra:
1) o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra,
de 8 de Junho de 2004 (fls. 748‑751), que: (i) indeferiu, por extemporâneo
(artigos 153.º e 145.º do Código de Processo Civil – CPC), requerimento
apresentado em 12 de Fevereiro de 2004 (fls. 658‑666), em que requeria que fosse
proferido acórdão sobre diversas decisões do Desembargador Relator; e (ii)
declarou extintas todas as instâncias de recurso, incluindo o incidente
suscitado em 9 de Março de 2004, por inutilidade superveniente (artigo 287.º do
CPC), uma vez que “fora definitivamente indeferida a providência que motivou o
pedido de rectificação judicial formulado nos autos em que foram proferidas as
decisões trazidas à apreciação deste Tribunal”;
2) o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra,
de 19 de Outubro de 2004 (fls. 773‑774), que indeferiu arguição de nulidade
processual suscitada pelo recorrente em 29 de Junho de 2004 (fls. 758‑762);
3) o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra,
de 14 de Dezembro de 2004 (fls. 801), que indeferiu arguições de nulidade dos
acórdãos de 8 de Junho de 2004 e de 19 de Outubro de 2004, suscitadas em
requerimento apresentado pelo recorrente em 5 de Novembro de 2004 (fls.
781‑789);
4) o despacho do Desembargador Relator do
Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Fevereiro de 2005 (fls. 819), que não
admitiu recurso interposto pelo recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça
(STJ) contra os três anteriores acórdãos;
5) o despacho do Desembargador Relator do
Tribunal da Relação de Coimbra, de 8 de Março de 2005 (fls. 849), que, face a
reclamação apresentada pelo recorrente para o Presidente do STJ contra o
anterior despacho, manteve este despacho.
Por despacho do Desembargador Relator do
Tribunal da Relação de Coimbra, de 31 de Janeiro de 2006 (fls. 1049), não foi
admitido o recurso tendo por objecto os acórdãos de 8 de Junho de 2004 e de 19
de Outubro de 2004 e os despachos de 15 de Fevereiro de 2005 e de 8 de Março de
2005, mas apenas o recurso tendo por objecto o acórdão de 14 de Dezembro de
2004. Não foi deduzida reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da LTC,
contra a parte do despacho que não admitiu os recursos.
2. Relativamente ao único recurso admitido – o
que tinha por objecto o acórdão de 14 de Dezembro de 2004 – e sendo sabido que
a decisão da sua admissão no tribunal a quo não vincula o Tribunal
Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC), entendeu o relator no Tribunal
Constitucional ser o mesmo inadmissível (por a decisão recorrida não ter
aplicado as dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente e
por este não ter suscitado a inconstitucionalidade das normas aplicadas, como
verdadeiras rationes decidendi, por tal decisão), proferindo, em conformidade,
Decisão Sumária de não conhecimento, ao abrigo do disposto no artigo 78.º‑A, n.º
1, da LTC – Decisão Sumária n.º 406/2006, de 31 de Julho de 2006.
A referida Decisão Sumária foi notificada ao
recorrente por carta expedida em 1 de Setembro de 2006.
Como se consignou no despacho do relator, de 20
de Setembro de 2006, a referida Decisão Sumária, “– considerando‑se a
notificação efectivada em 4 de Setembro de 2006 (artigo 254.º, n.º 2, do Código
de Processo Civil) –, transitou em julgado, pois contra ela não foi deduzida
reclamação no prazo legal de 10 dias (artigo 153.º, n.º 1, do mesmo Código), que
terminou em 14 de Setembro de 2006, nem nos três dias úteis seguintes (15, 18 e
19 de Setembro de 2006), ao abrigo do disposto do n.º 5 do artigo 145.º do
referido Código”.
Neste último despacho mais se referiu que a
apresentação, em 15 de Setembro de 2006, de requerimento em que o recorrente
arguía uma hipotética nulidade processual, a qual, ao que se presume,
respeitaria a eventual não notificação de decisão que teria sido proferida no
Tribunal da Relação de Coimbra sobre os requerimentos de fls. 1089‑1091 e 1093
do processo principal, não teve “qualquer eficácia interruptiva ou suspensiva
do prazo de impugnação da Decisão Sumária, já que de nenhuma disposição legal
se extrai esse efeito, sendo certo que a questão sobre que versou essa Decisão
Sumária (inadmissibilidade do único recurso para o Tribunal Constitucional – o
interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14 de Dezembro de
2004 – que fora admitido pelo Desembargador Relator dessa Relação) é
independente das questões controvertidas naqueles requerimentos, pelo que, mesmo
que venha a ser julgada procedente a dita arguição de nulidade processual
(julgamento que não compete ao Tribunal Constitucional), essa procedência
jamais se repercutirá na dita Decisão Sumária, que não «depende absolutamente»
(artigo 201.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) do acto processual
pretensamente omitido”. Por último, determinou‑se nesse despacho que, cumpridas
as formalidades legais, os autos fossem remetidos ao tribunal recorrido.
Em 21 de Setembro de 2006, os autos foram
remetidos à conta, que foi elaborada no subsequente dia 25 de Setembro de 2006
(conta n.º 749/06), tendo, no dia 26, sido extraído traslado da conta de custas,
remetido o processo ao tribunal recorrido e notificado o recorrente, por via
postal registada, quer da conta de custas, quer – explicitamente – do despacho
do relator de 20 de Setembro de 2006, de que se remeteu cópia, quer ainda de que
nessa data o processo principal ia ser remetido ao tribunal recorrido (cf. fls.
7).
3. Em 9 de Outubro de 2006, deu entrada neste
Tribunal requerimento do recorrente, do seguinte teor:
“I – NULIDADE PROCESSUAL
1. Por determinação legal (cf. artigo 69.º da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro – LTC) à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional
são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil (CPC).
Assim,
é inquestionável que as decisões proferidas nos recursos para o
Tribunal Constitucional (TC) têm de ser notificadas ao recorrente para que este
possa exercer os seus direitos processuais afectados por tais decisões (cf.
artigos 3.º, n.º 3, e 229.º do CPC).
2. Depreende-se da notificação feita no âmbito do Proc. n.º
220‑A/2006, ter havido decisão no Proc. n.º 220/2006, determinante da baixa
deste ao Tribunal da Relação de Coimbra, sem que o recorrente/arguente tenha
sido notificado de decisão nele proferida sobre o seu requerimento de 14.9.2006
(data do registo postal).
A notificação das decisões judiciais integra o direito
fundamental de acesso ao direito e aos tribunais. Com efeito, se o tribunal não
informa o cidadão do que decidiu sobre as suas pretensões, aquele direito
fundamental não se concretiza.
Assim,
3. É inquestionável que a violação de tal direito integra a nulidade do artigo
201.º, n.º 1, do CPC: omissão de um acto imposto por lei, integrante do direito
fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, e, manifestamente – até por
isso – susceptível de influir na apreciação e na decisão da causa.
4. Quaisquer decisões – jurisdicionais ou administrativas – que hajam sido
tomadas depois da ocorrência de tal violação do direito fundamental do
recorrente, constitucionalmente consagrado, dependem absolutamente do seu
cometimento e não podem integrar‑se na ordem jurídica e nela produzir qualquer
efeito. Convém, porém, à segurança jurídica dos cidadãos e à própria integridade
da ordem jurídica que tais actos sejam declarados nulos.
É o que o ora arguente requer seja feito. Mais requer seja ordenada a
notificação da decisão que se presume seja determinante do acto praticado no
Proc. n.º 220‑A/06, suprindo‑se, assim, a nulidade arguida.
II – FALSIDADE DE ACTO JUDICIAL
5. Sem prejuízo do acima exposto e requerido, e impondo‑se prevenir
interpretações divergentes sobre a forma do acto de notificação de decisões
judiciais, cumpre ao ora requerente informar que, com a notificação da conta de
custas n.º 749/2006, foi junta – talvez por lapso da secretaria – cópia de uma
decisão proferida em 20 de Setembro de 2006, no processo n.º 220/2006, cuja
falsidade não pode deixar de ser, desde já, arguida para que se não possa,
eventualmente, dizer, mais tarde, que o prazo para a arguir se esgotou com o
decurso do prazo de 10 dias sobre a data da notificação da conta de custas n.º
749/2006.
6. E, antes de arguir a falsidade de tal acto, impõe‑se deixar aqui sublinhado
que tal despacho não ordena a sua notificação ao arguente/recorrente, sem que
tal omissão possa ser invocada pela secretaria para ter violado o disposto no
artigo 229.º do CPC.
7. A presente arguição de falsidade fundamenta‑se no disposto no artigo 372.º,
n.º 2, do Código Civil (CC) e nos artigos 551.º‑A, n.ºs 2 e 3, e 549.º e 550.º,
n.º 3, do CPC.
8. Os factos falsamente ditos percepcionados no documento em causa, são os
seguintes:
8.1. Sobre «A apresentação, em 15 de Setembro de 2006, do requerimento de fls.
1107 e 1108».
Com efeito,
– tal requerimento foi apresentado em 14 de Setembro de 2006,
– tal facto consta do respectivo envelope – que se presume
tenha sido incorporado nos autos.
Para reforço da prova da falsidade daquela declaração, e ao
abrigo do disposto no artigo 549.º, n.º 1, do CPC, junta‑se o respectivo talão
de registo postal com data de 14.9.2006 (doc. 1).
8.2. Sobre «a notificação efectivada em 4 de Setembro de 2006»
Com efeito,
A presunção do artigo 254.º, n.º 2, do CPC, é uma presunção elidível (cf. n.º 3
do mesmo).
Não tendo o arguente/recorrente sido ouvido sobre o projecto de decisão
relativa ao seu requerimento de 14.9.2006, em que este é considerado
apresentado fora de prazo, não pode dar‑se como definitivo o julgamento de tal
extemporaneidade – inexistente, aliás, conforme demonstrado no número anterior.
A declaração de que o arguente/recorrente foi notificado da decisão de
31.7.2006, em 4 de Setembro de 2006, é declaração de facto que na realidade não
se verificou. Para prova da verdade da data da notificação da dita decisão – que
foi remetida pelo registo postal identificado pelos CTT como «objecto
RM106109729PT» – junta‑se, ao abrigo do disposto no artigo 549.º, n.º 1, do CPC,
declaração emitida pelos ditos CTT, em 2.10.2006, comprovando que tal registo só
foi entregue ao destinatário em 8.9.2006 (doc. 2).
Assim, prova‑se que, entre a data da notificação daquela decisão e a data do
requerimento em causa, decorreram apenas 6 (seis) dias.
8.3. Sobre a declaração de trânsito em julgado da decisão de 31.7.2006, a fls
1100 a 1103 dos autos supra.
Dos factos acima referidos, e das provas já constantes dos autos e das que agora
se oferecem, aquela atestação é de facto que na realidade não se verificou.
9. Impõe-se, pois, após apreciação das ditas provas – como se requer – que seja
julgada procedente a presente arguição de falsidade, feita a respectiva
declaração, e dela se extraíam as devidas consequências legais.
III – RESTANTE TEOR DO DESPACHO NÃO NOTIFICADO
10. Sobre o restante teor de tal despacho, o ora arguente só se pronunciará
após decisão sobre a arguição de falsidade, sua notificação ao Ministério
Público nos termos consignados no artigo 549.º, n.º 4, do CPC, e suprimento da
nulidade acima arguida.”
4. O precedente requerimento configura
substancialmente uma reclamação do despacho do relator, de 20 de Setembro de
2006, a decidir pela conferência, nos termos do artigo 78.º‑B, n.º 2, da LTC, e
como tal deve ser tratado (cf. Acórdãos n.ºs 65/2006 e 282/2006), dispensando‑se
a audição dos recorridos por manifesta desnecessidade (artigo 3.º, n.º 3, do
CPC).
É, com efeito, patente a total impertinência
das questões suscitadas.
4.1. Contrariamente ao afirmado pelo reclamante
em I‑2., o mesmo foi notificado do despacho do relator de 20 de Setembro de
2006, notificação efectivada por via postal registada expedida em 26 de Setembro
de 2006, juntamente com a notificação da conta de custas e com a informação de
que o processo principal fora remetido ao tribunal recorrido. Aliás, ao longo do
requerimento o reclamante evidencia conhecer perfeitamente o teor desse
despacho, do qual consta expressamente, quanto ao “requerimento de fls. 1107 e
1108”, que o julgamento da arguição de nulidade dele constante “não compete ao
Tribunal Constitucional”, mas obviamente ao tribunal recorrido, onde essa
pretensa nulidade teria sido cometida, e ao qual foi ordenada a remessa dos
autos, na sequência do trânsito em julgado da Decisão Sumária.
Sendo falsa a acusação de falta de notificação
do despacho de 20 de Setembro de 2006, que se pronunciou sobre o requerimento
entrado em 15 de Setembro de 2006, improcede a arguição de nulidade a que
respeita o ponto I do precedente requerimento.
4.2. Também são descabidas as pretensas
“falsidades” imputadas ao mesmo despacho.
Quando se afirmou que o requerimento de fls.
1107 e 1108 foi apresentado em 15 de Setembro de 2006 referiu‑se correctamente a
data da sua apresentação na secretaria do Tribunal, sem ter havido necessidade –
por manifesta irrelevância – de apurar se, no caso, ocorrera remessa por via
postal. O decisivo foi o entendimento de que a apresentação desse requerimento
não tinha eficácia interruptiva ou suspensiva do prazo de impugnação da Decisão
Sumária. E se não tinha essa eficácia, é óbvio que nenhuma relevância tinha o
apuramento rigoroso da data da prática desse acto. Aceitando que esta data seja
a da remessa postal e que esta terá ocorrido em 14 de Setembro de 2006, a
apontada irrelevância interruptiva ou suspensiva permanece inalterada.
4.3. A afirmação de que se considera efectivada
em 4 de Setembro de 2006 (terceiro dia posterior ao do registo, tratando‑se de
dia útil) uma notificação por carta registada expedida em 1 de Setembro de 2006
está em perfeita consonância com o regime legal (artigo 254.º, n.º 2, do CPC) e
em nada afecta a possibilidade de o interessado ilidir essa presunção. Não
integra, assim, aquela afirmação qualquer “falsidade”.
Acontece que o reclamante, com o documento ora
junto, não logrou ilidir tal presunção, pois dele consta que a não entrega no
dia 4 se deveu à necessidade de reexpedição por o destinatário se ter mudado
(cf. 2.ª folha do “doc.n.º 2”). Ora, resulta dos n.ºs 3 e 4 do artigo 254.º que
se mantém a presunção da notificação no terceiro dia posterior ao do registo nos
casos de devolução do expediente correctamente endereçado, de não entrega por
ausência do destinatário ou de entrega efectuada em data posterior à presumida
por razões imputáveis ao interessado.
De qualquer forma, trata‑se de questão
irrelevante para o desfecho do caso porquanto, mesmo que se considerasse a
notificação da Decisão Sumária efectivada em 8 de Setembro de 2006,
continuando‑se a entender que a apresentação do requerimento de fls. 1107 e 1108
(aceitando que tal acto foi praticado em 14 de Setembro de 2006) não
interrompeu nem suspendeu o prazo de reclamação daquela Decisão, sempre esta
seria de considerar transitada em julgado por contra a mesma nunca ter sido
deduzida qualquer impugnação.
5. Em face do exposto, indefere‑se, na
totalidade, o requerimento em causa.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de
justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Oportunamente remeta‑se o presente apenso ao
Tribunal da Relação de Coimbra, a fim de ser incorporado no processo principal.
Lisboa, 11 de Outubro de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos