Imprimir acórdão
Processo nº 701/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.
76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do
despacho do Desembargador relator do Tribunal da Relação de Lisboa que não lhe
admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional de um outro
despacho, proferido pelo mesmo relator, que não lhe admitiu o recurso interposto
para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão proferido pela mesma Relação.
2 – O despacho ora reclamado abonou-se na consideração de estar “já há muito
excedido” o prazo estabelecido no art. 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82 para a
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.
3 – Fundamentando a sua reclamação, discorre o reclamante do seguinte jeito:
«A presente reclamação tem por objecto o mui douto despacho proferido pelo
Exmo. Senhor Dr. Juiz Desembargador – Relator junto Tribunal da Relação de
Lisboa que não admitiu o recurso interposto pelo Arguido para o Tribunal
Constitucional, por tê-lo julgado intempestivo – Cfr. Doc.1-, e tem por
fundamentos os seguintes:
1- Por não se conformar com o acórdão proferido pela 1ª Instância, o Arguido
interpôs dela recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa – Cfr. Doc 2.
2- Entretanto, o ora mandatário judicial do Arguido, que de resto sempre foi o
único que elaborou e assinou todas as peças processuais relativas àquele nos
presentes autos, porque tivesse mudado o domicilio profissional relativamente ao
mandato que lhe havia sido conferido e a vários outros colegas, deu conhecimento
desse facto ao Tribunal Judicial da Comarca da Lourinhã em 06/07/04 – Cfr. Doc.
3.
3- Tendo passado a ser sempre notificado neste seu novo domicílio profissional.
4- Em 25/10/04 o Arguido outorgou procuração forense através da qual constituiu
EXCLUISIVAMENTE como seu mandatário judicial o ora signatário que, desde essa
data, passou a ser o único por aquele constituído nos presentes autos – Cfr.
Doc. 4 fls. 2-, disso se tendo dado conhecimento nos presentes autos em
03/11/04- Cfr. Doc. 4.
5- Em 04/04/05 o ora mandatário judicial do Arguido, a quem aliás, sempre foi
endereçada toda e qualquer notificação relativa ao este nos presentes autos com
excepção única que infra se irá referir, foi notificado – no seu novo domicílio
profissional – para aperfeiçoar as conclusões que havia elaborado no
requerimento de recurso supra referido – Cfr. Doc. 5.
6- O que fez através de requerimento enviado via fax em 14/03/05 – Cfr. Doc. 6-,
reenviado em 15/03/05 – Cfr. Doc. 7- porque se tenha constatado que da primeira
vez não tinham seguido duas das treze folhas que o compunham, e enviado via CTT
na última das referidas datas.
7- Em 31/05/05 o mandatário do Arguido foi notificado – sempre no seu novo
domicílio profissional – de que havia sido designado o dia 08/06/05 para
realização da Audiência de Julgamento do citado recurso – Cfr. Doc. 8.
8- Porque considerasse irregular a referida notificação o mandatário do Arguido
apresentou a competente reclamação em 05/06/05 – Cfr. Doc. 9.
9- Aquela reclamação veio a ser julgada procedente e por esse motivo foi
designado o dia 29/06/05 para realização da referida Audiência de Julgamento do
Recurso, disso tendo sido notificado – no seu novo domicílio profissional – o
mandatário do Arguido, ora signatário, através de carta enviada em 14/06/2005 –
Cfr. Doc. 10.
10- Porque o Tribunal da Relação de Lisboa tivesse julgado improcedente o
recurso e o Arguido não se tivesse conformado com essa decisão, este interpôs
recurso desse acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, através de carta
enviada via CTT em 19/09/05, tendo o respectivo requerimento dado entrada
naquele tribunal em 20/09/05 Cfr. Doc. 11.
11- Aquele recurso tinha por objecto o douto acórdão da Relação de Lisboa quer
no tocante à matéria criminal, quer no tocante à decisão do pedido de
indemnização civil – Cfr. Doc. 11.
12- Entretanto, através de carta enviada em 12/12/05, o Arguido foi notificado
da “... renúncia ao mandato apresentado pela sua ilustre mandatária... “ –
itálico nosso – e para constituir mandatário nos termos do art. 39º nº 3 do CPC,
sob pena de lhe ser nomeado defensor oficioso – Cfr. Doc. 12.
13- Foi no mínimo com muita estranheza que o Arguido recebeu esta notificação e
o mesmo se passou com o respectivo mandatário judicial, ora signatário, tanto
mais que, por um lado, quer aquele, quer este, desde 25/10/04 sempre estiveram
convencidos de que o ora signatário era o único mandatário daquele – Vd. Ponto 4
supra e Doc. 4 – e, por outro lado, este mandatário, até à data referida no
ponto anterior, sempre tinha sido o único a receber toda e qualquer notificação
relativa ao Arguido, quer no anterior, quer no seu novo domicílio profissional,
conforme claramente se pode aferir dos próprios autos.
14- Por isso, através de fax enviado em 17/01/06 e via CTT no dia seguinte, o
mandatário do Arguido fez dar entrada em tribunal de requerimento onde invocava
a falta de fundamento da referida notificação, precisamente porque ele próprio
se encontrava constituído mandatário daquele desde o início dos autos e seu
único mandatário judicial desde a referida data de 25/10/04 – Cfr. Doc. 13,
ponto 4 supra e Doc. 4.
15- Entretanto, porque notificado para se pronunciar quanto à reforma dos autos
nos termos do art. 1075º do CPC, o mandatário do Arguido aproveitou para
manifestar estranheza por não ter ainda sido notificado de qualquer decisão
relativa ao requerimento de recurso que havia interposto para o Supremo Tribunal
de Justiça quando se encontrava a receber notificações do tribunal de 1ª
Instância – Cfr. Doc. 14.
16- Nessa senda, através de carta ENVIADA EM 13/04/06, foi então o referido
mandatário notificado, finalmente e além do mais, do despacho proferido pelo
Venerando Desembargador – Relator da Relação de Lisboa que foi no sentido de
indeferir o requerimento de recurso para o STJ, nos termos do disposto na al. f)
do nº 1 do art. 400º do CPP – Cfr. Doc. 15 fls. 3
17- Em face dessa notificação – repete-se, enviada apenas em 13/04/06 – o
mandatário do Arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional através de
fax enviado em 27/04/06 e por meio de carta enviada via CTT em 28/04/06 – Cfr.
Doc. 16.
18- No entanto, através do despacho de que ora se reclama, o Venerando
desembargador – Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, veio a não admitir o
referido recurso para o Tribunal Constitucional por tê-lo considerado
intempestivo, disso tendo sido notificado o mandatário do Arguido por meio de
carta enviada via CTT em 08/06/2006 – Cfr. Doc. 1.
19- Ora, porque apenas tenha sido notificado do despacho que indeferiu o
requerimento de recurso para o STJ em 13/04/06 e tenha apresentado o
requerimento de recurso para o TC em 27/04/06, foi com muita estranheza que o
mandatário do Arguido recebeu a notificação referida no ponto anterior, até
porque, naqueles termos, o recurso para o TC era claramente tempestivo.
20- Por isso, no dia 22/06/06, requereu a confiança do processo para cuidadosa
consulta tendo nessa senda constatado que, da parte do tribunal da Relação de
Lisboa foram praticadas, salvo mais douta opinião, várias incorrecções
processuais, com claro prejuízo dos direitos fundamentais do Arguido.
21- De facto, relativamente ao indeferimento do recurso que o Arguido interpôs
para o STJ e salvo o devido respeito, embora se aceitem os fundamentos do
indeferimento no que tange a parte criminal do douto acórdão da relação já não
se concorda que os mesmos sirvam ao indeferimento do recurso na parte relativa
ao pedido de indemnização civil,
22- Entendendo o Arguido que, ao contrário do decidido, aquele recurso devia ter
sido admitido nesta parte.
23- O mais grave no entanto é o facto de a Relação de Lisboa ter procedido à
notificação do indeferimento daquele recurso através de carta enviada para uma
tal de Dra. B. e endereçada para a Av. Sidónio Pais. nº 10, 5º Dto. 1050-214
LISBOA – Cfr. Doc. 17.
24- Facto de que se tomou conhecimento apenas agora, com a referida consulta do
processo.
25- De facto, enquanto sócia da sociedade de Advogados denominada “C. &
Associados”, a Dra. B. – sublinhado nosso – chegou, a dada altura, a ser
mandatária do Arguido conjuntamente com o ora signatário, o Dr. D. e o Dr. E..
26- No entanto, nunca usou o nome profissional de B. e nunca teve domicílio
profissional no nº … em Lisboa, sendo que, em bom rigor,
27- Já nem sequer era mandatária do Arguido aquando do envio da notificação do
indeferimento de recurso para o STJ, conforme melhor supra se encontra
demonstrado.
28- Ora, nos termos do disposto no nº 1 do art. 253º do CPC, as partes que
constituíram mandatário, em processos pendentes, são notificadas na pessoa
daquele,
29- Sendo certo que, nos termos do disposto no nº 1 do art. 254º do mesmo
código, os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu
escritório ou para o domicílio escolhido...”.
30- Acontece que, muito embora os serviços administrativos do escritório do ora
mandatário do Arguido tenham procedido à recepção da referida notificação
enviada para uma tal de Dra. B. endereçada para o nº …, em Lisboa – porque neste
escritório labora a Dra. F., Advogada –,
31- Depressa aqueles serviços se aperceberam de que a notificação a que nos
referimos não se destinava à nossa colega de escritório, Dra. F.., e por isso,
32- No próprio dia, a devolveram ao carteiro que efectuava a distribuição postal
da parte da tarde,
33- Sem proceder sequer à abertura do respectivo envelope.
34- Por outro lado, da consulta do Processo a que supra nos referimos, constatou
o ora signatário que a Dra. B. renunciou ao mandato – ainda que inutilmente
conforme melhor supra se encontra descrito – através de requerimento enviado via
CTT em 21/11/05 – Cfr. Doc. 18 -, que deu entrada na Relação de Lisboa em
22/11/05 – Cfr. Doc. 12 fls. 2.
35- Acontece que a notificação do douto despacho que indeferiu o requerimento de
recurso para o STJ foi efectuada através de carta enviada via CTT em 02/11/05 –
Cfr. Doc. 17.
36- Pelo que, em bom rigor ainda se encontrava em curso o prazo para interpor
recurso daquele indeferimento, mesmo que já na fase dos três dias úteis em que o
acto podia ser praticado mediante o pagamento de multa.
37- Porém, o Venerando Desembargador – Relator junto da Relação de Lisboa,
quando o processo lhe foi concluso para vista em face daquela renúncia
considerou que o Arguido tinha outro mandatário e que o acórdão já tinha
transitado em julgado – Cfr. Doc. 15 fls. 6.
38- No entanto, salvo o devido respeito, o certo é que não só o acórdão não
tinha transitado em julgado – Vd. Pontos 34, 35 e 36 supra –, como o único
mandatário do Arguido desde 25/10/2004 – conforme melhor supra ficou exposto –
não foi notificado do despacho que indeferiu o recurso para o STJ senão através
da carta enviada em 13/03/06 – Cfr. Doc. 15.
39- Deste modo é forçoso concluir que:
a)- Devia ter sido parcialmente admitido o recurso que o Arguido interpôs do
acórdão da Relação de Lisboa, mais concretamente no que tange à decisão relativa
ao pedido de indemnização civil;
b)- O único mandatário do Arguido desde 25/10/2004 não foi notificado do
despacho que indeferiu o recurso para o STJ senão através da carta enviada em
13/03/06
c)- Devia ter sido admitido o recurso para o Tribunal Constitucional do douto
despacho proferido pelo Venerando Desembargador – Relator junto da Relação de
Lisboa que indeferiu o requerimento de recurso para o STJ, por tempestivo.
NESTES TERMOS,
E nos mais de direito, deve a presente reclamação ser considerada procedente,
sendo admitido recurso para o Tribunal Constitucional, do douto despacho
proferido pelo Venerando Desembargador – Relator junto da Relação de Lisboa que
indeferiu o requerimento de recurso para o STJ e posteriormente ser admitido o
recurso que o Arguido interpôs do acórdão da Relação de Lisboa, ainda que
cingido à parte da decisão relativa ao pedido de indemnização civil […]».
4 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, pronunciou-se no
sentido do indeferimento da reclamação com base na sua manifesta improcedência,
decorrente do facto de o reclamante interpor recurso para o Tribunal
Constitucional directamente do despacho do relator, no Tribunal da Relação, que
não lhe admitiu o recurso interposto para o STJ, sem esgotar as vias de recurso
ordinário que no caso cabiam, traduzidas na reclamação para o Presidente do STJ.
B – Fundamentação
5 – Como se disse, a decisão reclamada não admitiu o recurso interposto para
o Tribunal Constitucional (TC) de um despacho do relator, no Tribunal da Relação
de Lisboa, (TRL) que, por sua vez, não admitiu, abonando-se no art. 400.º, n.º
1, alínea f) do Código de Processo Penal, o recurso interposto pelo mesmo
recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de acórdão do mesmo tribunal
superior, por ter considerado que aquele recurso para o TC fora interposto
extemporaneamente.
Sucede, porém, que não cabe, sequer, recurso para o Tribunal Constitucional
da decisão do relator, no TRL, que não admitiu o recurso interposto para o STJ.
Na verdade, de acordo com o disposto nos nºs 2 e 3 do art. 70.º da LTC, o
recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo, em cuja categoria se
enquadra o pretendido interpor pelo recorrente, apenas cabe de “decisões que não
admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido
esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados à uniformização de
jurisprudência”, sendo “equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os
presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção
do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a
conferência”.
De acordo com tais preceitos apenas as decisões finais, na acepção constante
do referido n.º 2, proferidas dentro de cada ordem dos tribunais, podem ser
recorridas para o Tribunal Constitucional. Trata-se de uma solução que encontra
a sua razão de ser no respeito pelo princípio da hierarquia dos tribunais e pelo
sistema de controlo difuso da constitucionalidade, adoptado pela nossa Lei
fundamental.
No caso em apreço, o reclamante, como alega, interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, logo, directamente da decisão do relator, no TRL, que não lhe
admitiu o recurso pretendido interpor de acórdão do mesmo tribunal para o STJ.
Ora, aquela decisão de não admissão do recurso para o STJ era passível de
reclamação para o Presidente desse Supremo Tribunal nos termos do art. 405º do
Código de Processo Penal [O mesmo sucederia se se tratasse de recurso sujeito às
regras do processo civil, face ao disposto no art. 688.º do Código de Processo
Civil].
Sendo assim, não se mostrando esgotadas as vias do recurso ordinário não cabe
recurso da decisão pretendida recorrer para o Tribunal Constitucional e não
cabendo recurso torna-se inútil saber se o mesmo fora tempestivamente
interposto.
Deste modo, a reclamação deve ser indeferida.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs., sem
prejuízo do regime de apoio judiciário de que goze.
Lisboa, 18.10.2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos