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Processo nº 515/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – O Ministério Público na Comarca de Viana do Castelo recorre para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea
a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º,
n.º 3 e 75.º‑A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da
sentença do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do
Castelo, de 8 de Maio de 2006, que recusou, com base na sua
inconstitucionalidade orgânica, a aplicação da norma contida no art. 141.º do
Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/05, de 23 de
Fevereiro, na dimensão segundo a qual não é permitida a aplicação jurisdicional
da suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir às contra-ordenações
muito graves previstas no Código da Estrada.
2 – A decisão recorrida julgou parcialmente procedente, suspendendo a sanção
acessória de inibição de conduzir por um ano, a impugnação judicial deduzida
pelo ora recorrido contra a decisão da autoridade administrativa, de 29 de Junho
de 2005, que lhe aplicou a sanção acessória, especialmente atenuada, de 30 dias
de inibição de conduzir pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos
art.ºs 60.º, n.º 1, e 65.º, alínea a), do Regulamento de Sinalização do
Trânsito, e art.ºs 146.º, alínea o), 139.º, 137.º, 140.º e 141.º do Código da
Estrada, por, no local e circunstâncias de tempo e com o veículo nela
precisados, haver pisado e transposto a linha longitudinal contínua, M1,
separadora de sentidos de trânsito.
3 – No que importa à melhor compreensão do caso, discorreu a sentença
recorrida do seguinte jeito:
«Importa, assim, apreciar da justeza da sanção imposta.
O que referir quanto à sanção acessória de inibição de conduzir estabelece o
art. 138º, nº 1, do Código da Estrada, na redacção anterior à entrada em vigor
do DL nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, aplicável ao caso:
“As contra-ordenações graves e muito graves são sancionadas com coima e com
sanção acessória”.
Verificada, pois, a prática da infracção, a aplicação da sanção acessória é
consequência que se impõe, apenas podendo haver lugar à sua atenuação especial
ou suspensa na sua execução.
A atenuação especial da sanção acessória mostra-se regulada pelo art. 140º do
C.E. e quanto a esta importa referir que se afigura, em abstracto, susceptível
de aplicação ao presente caso considerando os seus pressupostos legais e a
factualidade provada. Esta só é susceptível de ser aplicada para as
contra-ordenações muito graves.
Tal suspensão está sujeita à verificação dos pressupostos de que a lei penal
geral faz depender a suspensão da execução da pena (art. 141º, nº 1, do Código
da Estrada) e desde que se encontre paga a coima, sendo que a mesma só é
susceptível de ser aplicada às contra-ordenações graves.
Tais pressupostos assentam na conclusão de que, atendendo à personalidade do
agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior aos factos
e às circunstâncias destes, a simples censura do facto e a ameaça da execução
realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art.
50º, nº 1, do Código Penal).
Ora, no caso, verifica-se que o arguido praticou, efectivamente, a infracção
pela qual foi autuado e que a mesma é classificada como contra-ordenação muito
grave.
Por outro lado, o recorrente não praticou, nos últimos cinco anos, qualquer
contra-ordenação grave ou muito grave ou facto sancionado com proibição ou
inibição de conduzir e a coima mostra-se paga.
Além disso, estamos perante uma típica infracção de perigo abstracto em que o
bem jurídico tutelado é a segurança rodoviária em geral e não a de cada condutor
em particular, não se exige, para a sua verificação, a prova de que se criou
algum perigo para os demais utentes da via, enquanto resultado
espacio-temporalmente cindido da conduta. Nem sequer se exigirá a prova da
perigosidade objectiva da conduta em si mesma considerada, caso em que
estaríamos já perante uma infracção de perigo abstracto-concreto.
Na verdade, relativamente à infracção sob exame, o perigo para a circulação
rodoviária funciona apenas como fundamento pré-legal da sua previsão, não
integrando qualquer elemento da sua tipicidade objectiva.
O arguido requer que lhe seja relevada a sanção aplicada.
Considerando que se mostram reunidos os pressupostos que à luz da lei anterior
levariam este tribunal a aplicar a suspensão da execução da sanção acessória,
designadamente por o arguido não ter antecedentes estradais, importa analisar a
constitucionalidade da nova redacção dada ao artigo 141º, nº 1, do CE.
A norma em causa foi aditada ao regime inicial do DL 114/94, de 3-5, pelo DL
44/05, de 23-02.
Assim sendo, e tendo em conta o tipo de diploma legal – Decreto-Lei –
verifica-se que a sua proveniência orgânica é o Governo.
Nos termos do art. 165º, nº 1 c) da CRP vigente – Reserva relativa de
competência legislativa – 1 – É da exclusiva competência da Assembleia da
República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
(...) d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos
actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo; (...) 2- As
leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e
a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada. 3- As autorizações
legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua
execução parcelada. 4- As autorizações caducam com a demissão do Governo a que
tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da
Assembleia da República. 5- As autorizações concedidas ao Governo na lei do
Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria
fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam.
Tal significa que o Governo, para poder legislar sobre tais matérias, porque da
reserva relativa da AR, tem que se ver munido da respectiva autorização
legislativa e observar a mesma nos seus estritos preceitos e limitações, tais
quais aquelas que genericamente o próprio corpo do artigo da CRP fixa.
Com inobservância dessas regras cai-se no âmbito da inconstitucionalidade
orgânica.
O DL 44/05, de 23-02, surgiu por via da LAL 54/04, de 4.11.
Essa LAL permitia ao Governo criar o corpo do art. 141?
A resposta é negativa.
De facto da referida LAL não consta qualquer referência que permita sustentar a
actuação do Governo a afastar a aplicação da suspensão da sanção acessória de
inibição de conduzir às contra-ordenações muito graves. Daquela resulta, na
parte que interessa ao caso em análise, que:
“m) A previsão de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção
acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio pagamento da coima e
ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções no período fixado;
n) A consagração do princípio de que a suspensão da execução da sanção acessória
possa ser condicionada, além da prestação de caução de boa conduta, à frequência
de acções de formação ou ao cumprimento de deveres específicos previstos em
legislação própria;”
Verifica-se, deste modo uma violação do objecto.
Padecerá, assim a referida norma de inconstitucionalidade orgânica.
Nos termos do art. 204º da CRP vigente – Apreciação da inconstitucionalidade –
Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que
infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
Face à constatada violação da CRP, por inconstitucionalidade orgânica, de que
padece a norma do art. 141º do DL 114/94, de 3-5, pelo DL 44/05, de 23-02, está
o Tribunal impedido de a aplicar na parte que exclui a sua aplicação às
contra-ordenações muito graves.
A determinação da medida e do regime de execução da sanção faz-se em função da
gravidade da contra-ordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes
do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos.
Quanto à fixação do montante da coima, seu pagamento em prestações e fixação da
caução de boa conduta, além das circunstâncias acima referidas deve ainda ser
tida em conta a situação económica do infractor, quando for conhecida.
Finalmente, e quando a contra-ordenação for praticada no exercício da condução,
além dos critérios já referidos, deve atender-se, como circunstância agravante,
aos especiais deveres de cuidado que recaem sobre o condutor, designadamente
quando este conduza veículos de socorro ou de serviço urgente, de transporte
colectivo de crianças, táxis, pesados de passageiros ou de mercadorias, ou de
transporte de mercadorias perigosas (art. 139º do Código da Estrada).
*
IV – Decisão
Nestes termos e por tudo o exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso
e, em consequência:
- condenamos o arguido A. na sanção acessória de inibição de conduzir pelo
período de 30 dias, suspensa pelo período de um ano».
4 – Alegando, neste Tribunal Constitucional, o Procurador-Geral Adjunto
concluiu o seu discurso, dizendo:
“1 – Por não se reportar a matéria atinente ao regime geral de punição dos
actos ilícitos de mera ordenação social, a que alude o artigo 165.º, n.º 1,
alínea c) da Constituição, a norma do artigo 141.º do Código da Estrada, na
redacção do Decreto-Lei n.º 44/05, de 23 de Fevereiro, ao não prever a suspensão
da execução de sanção acessória de inibição de conduzir nas contra-ordenações
muito graves, não é organicamente inconstitucional.
2 – Termos em que deverá proceder o presente recurso”.
5 – O recorrido contra-alegou defendendo o julgado e abonando-se na sua linha
argumentativa.
B – Fundamentação
6.1 – O artigo 141.º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º
44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte cuja aplicação foi recusada pela sentença
recorrida (n.º 1), dispõe do seguinte jeito:
Artigo 141.º
Suspensão da execução da sanção acessória
1 – Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a
contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei
penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se
encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes:
2 – (…);
3 – (…);
4 – (…);
5 – (…);
6 – (…).
A decisão recorrida interpretou este preceito no sentido de a suspensão da
execução da sanção acessória de inibição de conduzir poder ser decretada apenas
quando estiverem em causa contra-ordenações graves, excluindo, dessa
possibilidade de suspensão, a inibição de conduzir aplicada por
contra-ordenações muito graves.
Para recusar a aplicação do preceito, a mesma sentença abonou-se no
entendimento de que este padecia de inconstitucionalidade orgânica, por a
competência para regular a matéria caber à Assembleia da República, nos termos
do art. 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP),
e a sua edição, por banda do Governo, extravasar o sentido da lei de autorização
legislativa ao abrigo da qual foi editado o referido Decreto-Lei n.º 44/2005, ou
seja, da Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro.
Vejamos se esta tese é de acolher.
6.2 – Dispõe o art. 165.º, n.º 1, da CRP que “é da exclusiva competência da
Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização
ao Governo:
a) …
b) …
c) …
d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos
ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo;
…».
Como resulta do preceito constitucional, a reserva relativa da Assembleia da
República queda-se pela matéria da definição do regime geral de punição dos
actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo.
Desta sorte, a primeira tarefa a encetar é a de saber se a alteração que o
preceito introduziu, na interpretação acolhida pela decisão recorrida e, na
parte que aqui releva (qual seja, a da exclusão da providência relativamente às
contra-ordenações muito graves), relativamente ao regime imediatamente anterior
vigente se inclui ou não no âmbito do “regime geral de punição dos actos
ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo”.
Na verdade, no regime imediatamente anterior, emergente do Decreto-Lei n.º
2/98, de 3 de Janeiro e editado sob invocação da autorização concedida pela Lei
n.º 97/97, de 23 de Agosto, poderia ser suspensa a execução da sanção de
inibição de conduzir, prevista como sanção acessória para as contra-ordenações
graves e muito graves (art. 139.º, n.º 1 do Código da Estrada – CE – ,
repetindo, porém, a norma vinda do art. 141.º, n.º 1 do novo CE, editado pelo
Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, no uso da autorização legislativa
concedida pela Lei n.º 63/93, de 21 de Agosto), no caso de se verificarem os
pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das
penas.
Anote-se que, na versão saída do Decreto-Lei n.º 44/2005, a suspensão da
execução da sanção acessória de inibição de conduzir ficou dependente, ainda, do
pagamento da coima correspondente à contra-ordenação grave.
6.3 – O regime geral das contra-ordenações consta do Decreto-Lei n.º 433/82
de 27 de Outubro, editado no uso da autorização legislativa constante da Lei n.º
24/82, de 23 de Agosto, com as alterações posteriormente introduzidas pelos
Decretos-Leis nºs 356/89, de 17 de Outubro e 244/95, de 14 de Setembro,
igualmente no uso de autorizações legislativas, e pela Lei n.º 109/2001, de 24
de Dezembro.
No artigo 21.º desse regime prevê-se a possibilidade de a lei determinar as
sanções acessórias nele apontadas, em função da gravidade da infracção e da
culpa do agente, contando-se entre elas [alínea g)] a “suspensão de
autorizações, licenças e alvarás”, em cuja categoria se insere a licença de
condução a que respeita a inibição.
Todavia, nem nesse preceito nem em outro local do mesmo regime, nada,
expressamente, se diz quanto à possibilidade da lei prever a suspensão da
execução da sanção acessória.
A única conclusão que, relativamente a tal matéria, o preceito permite
adiantar é a de que não veda a outro legislador que preveja a possibilidade de
suspensão da execução da sanção acessória.
Se o regime geral consente a esse legislador que estabeleça a aplicação das
sanções acessórias previstas no preceito, há-de entender-se caber nessa sua
competência a possibilidade de poder prever a suspensão da sua execução, pois
este é um aspecto muito menos gravoso do que a opção legislativa da previsão de
aplicação das sanções acessórias.
Deste modo, tais circunstâncias só poderão ser entendidas como correspondendo
à concepção do legislador desse regime geral de que o instituto de suspensão da
execução de medida de medidas acessórias não integra esse regime geral.
É certo que o artigo 32.º do regime geral contém uma norma prescritora do
direito subsidiário aplicável, “em tudo o que não for contrário à presente lei”
e “no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações”,
remetendo para “as normas do Código Penal” e que este diploma substantivo prevê
o instituto de suspensão da execução da pena de prisão.
Mas este preceito tem o carácter de norma de remissão genérica, não podendo
sustentar, sem quaisquer reservas, o entendimento de que as normas
subsidiariamente aplicáveis do Código Penal constituam, igualmente, normas
integrantes do regime geral das contra-ordenações. Na verdade, a natureza de
norma integrante do regime geral poderá ver-se cingida, apenas, ao aspecto da
prescrição de qual é o regime subsidiário aplicável, estando a determinação da
existência de caso omisso e do direito subsidiário concretamente aplicável fora
do sentido da norma.
Por outro lado, estando, no Código Penal, o instituto da suspensão previsto
apenas para as penas de prisão aplicadas em medida não superior a 3 anos, não
poderá falar-se na existência de caso paralelo que deva ser regulado por
aplicação do regime subsidiário.
6.4 – Diz-se no Acórdão n.º 436/2000, publicado no Diário da República II
Série, de 17 de Novembro:
«A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem […] perfilhado este
entendimento: ao Governo compete, concorrentemente com a Assembleia da
República, definir, alterar e eliminar contra-ordenações e, bem assim, modificar
a sua punição, enquanto constitui matéria reservada do Parlamento, integrando o
regime geral do ilícito de mera ordenação, a definição da natureza do ilícito
contra-ordenacional, a definição do tipo de sanções aplicáveis às
contra-ordenações e a fixação dos respectivos limites e das linhas gerais da
tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções, como,
por exemplo, se decidiu nos acórdãos nºs. 56/84 e 74/95, publicados no Diário da
República, I Série, de 9 de Agosto de 1984 e II Série, de 12 de Junho de 1995,
bem como no acórdão nº 472/97, ainda inédito».
Tal entendimento foi, igualmente, acolhido pela jurisprudência posterior
(cf., entre outros, os Acórdãos nºs 461/2000 e 236/2003, publicados,
respectivamente, no referido jornal oficial, de 29 de Novembro de 2000 e 24 de
Julho de 2003), assumindo-se aqui o mesmo, novamente.
Sendo assim, há-de convir-se caber na competência concorrente da Assembleia
da República e do Governo a previsão de existência de sanções acessórias, dentre
as dos tipos previstos no n.º 1 do art. 21.º do regime geral das
contra-ordenações, bem como da possibilidade de suspensão da sua execução. E se
assim for quanto à opção legislativa do estabelecimento da possibilidade de
aplicação de sanções acessórias e da suspensão da sua execução, não poderia
deixar de ser diferente quando a opção legislativa seja de eliminação,
modificação ou estabelecimento de condições de execução, desde que se quedassem
dentro do regime geral.
Teríamos, portanto, de concluir que o legislador do Decreto-Lei n.º 44/2005,
ao excluir, através da alteração introduzida no art. 141.º, n.º 1, do C.E., da
possibilidade de suspensão de execução as sanções acessórias de inibição de
conduzir aplicadas pela prática de infracções muito graves, não estaria a
invadir a reserva de competência da Assembleia da República, mas no exercício de
uma competência concorrente.
Consequentemente, a norma em causa não padece de inconstitucionalidade
orgânica.
6.5 – Mas, mesmo para quem não acompanhe estas razões, outras existem que
levam a afastar a conclusão a que aportou a decisão recorrida.
É que, ao contrário do que aí se entendeu, mesmo admitindo-se que a matéria
em causa pudesse ser havida como integrante do regime geral das
contra-ordenações, sempre haverá de considerar-se que o legislador do
Decreto-Lei n.º 44/2005 não extravasou da autorização legislativa no uso da qual
foi editado.
Como dele se verifica, o diploma em causa foi decretado “no uso da
autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, e nos
termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 198.º da Constituição”, ou seja, no
exercício de competência em matéria não reservada à Assembleia da República e no
uso de competência em matéria de reserva relativa da Assembleia, mediante
autorização desta.
Ora, o art. 1.º da Lei n.º 53/2004 autorizou o Governo “a proceder à revisão
do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, com as
alterações introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 2/98, de 3 de Janeiro, e
265-A/2001, de 28 de Setembro, e pela Lei n.º 20/2002, de 21 de Agosto, e ainda
a criar um regime especial de processo para as contra-ordenações emergentes de
infracções ao Código da Estrada, seus regulamentos e legislação complementar”.
E no art. 2.º, definindo-se o sentido dessa autorização, dispõe-se que esta
“é concedida para permitir a criação de um regime jurídico em matéria rodoviária
em conformidade com os objectivos definidos no Plano Nacional de Prevenção
Rodoviária, com as normas constantes de instrumentos internacionais a que
Portugal se encontra vinculado e com as recomendações das organizações
internacionais especializadas com vista a proporcionar índices elevados de
segurança rodoviária para os utentes”.
Por seu lado, ao precisar a extensão, o art. 3.º da mesma Lei prescreve que a
autorização contempla, entre outras matérias: “a qualificação como
contra-ordenações de todas as infracções rodoviárias e a aplicação do regime
contra-ordenacional previsto no Código da Estrada a todas elas” [alínea g)]; “a
determinação da medida e regime de execução das sanções tendo em conta os
antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou seus
regulamentos” [alínea j)]; “a previsão de atenuação especial e de suspensão da
execução da sanção acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio
pagamento da coima e ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções
no período fixado” [alínea m)]; “a consagração do princípio de que a suspensão
da execução da sanção acessória possa ser condicionada, além da prestação de boa
conduta, à frequência de acções de formação ou ao cumprimento de deveres
específicos previstos em legislação própria” [alínea n)]; e “a alteração dos
limites mínimo e máximo da caução de boa conduta, para, respectivamente, 500 e
5000 Euros” [alínea o)].
Não desconhecia o legislador parlamentar, ao definir, pelo modo descrito, o
sentido e a extensão da autorização legislativa, que a inibição de conduzir
estava prevista, no regime então vigente do novo CE, saído da alteração feita
pelo Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro à versão originária (emitido no uso
da autorização concedida pela Lei n.º 97/97, de 23 de Agosto), como sanção
acessória de que eram passíveis as contra-ordenações graves e muito graves (art.
139.º), e que esse mesmo regime previa a possibilidade de “ser suspensa a
execução da sanção de inibição de conduzir no caso de se verificarem os
pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das
penas”.
Não obstante isso, o legislador parlamentar autorizou o Governo a proceder à
revisão do CE, nos termos amplos acima transcritos, sem o subordinar, na
definição do âmbito da extensão da autorização, concernente à matéria em causa,
à observância de outros limites que não sejam os, nele, expressamente
contemplados.
Dispondo o legislador parlamentar que a autorização concedida, com o sentido
de “proporcionar elevados índices de segurança rodoviária para os utentes”,
contempla, maxime, “a determinação da medida e regime de execução das sanções
tendo em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal
infringido ou seus regulamentos”, sem recortar quaisquer limitações pelo
estabelecido anteriormente, há que concluir que a autorização possibilita a
determinação, como se fora originariamente, das sanções principais e acessórias
e do regime da sua execução, nesta se tendo de incluir a possibilidade de
suspensão ou de não suspensão da inibição de conduzir prevista como sanção
acessória para as contra-ordenações graves e muito graves (art. 138.º C.E.),
tanto mais que a opção legislativa tomada, pelo legislador autorizado, se
afigura adequada àquele sentido da autorização.
Na verdade, independentemente de a suspensão de execução de uma pena poder
ser vista, não como uma forma funcionalizada à sua execução, mas antes como uma
pena de substituição em sentido próprio (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal
Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 337 e segs. e Leal
Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1.º vol., p. 639), o efeito
jurídico-prático que a suspensão da inibição de conduzir importa é a
possibilidade de não cumprimento da sanção aplicada e isso tem que ver com a
definição do “regime da sua execução”.
Ora, o legislador da norma questionada estava autorizado a definir esse
regime sem respeito ou subordinação pelas regras vindas do passado.
Temos, assim, de concluir que o Governo não excedeu a autorização concedida
na Lei n.º 53/2004 quando editou, pela mão do Decreto-Lei n.º 44/2005, a norma
aqui em causa.
O recurso merece, pois, provimento:
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não
julgar organicamente inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 141.º
do Código da Estrada, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de
Fevereiro; conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão
recorrida de harmonia com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 16.11.2006
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos