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Processo n.º 367-A/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
A) Fls 103
1. A. reclama para a conferência do despacho do relator, de 3 de Maio de
2006, que rejeitou, por intempestivo, o requerimento de 23 de Março de 2006, com
que pretendia arguir a “(nulidade)-inexistência jurídica” dos acórdãos n.º
475/2005, de 26 de Setembro de 2005, e n.º 618/2005, de 10 de Novembro de 2005.
O despacho reclamado é do seguinte teor:
“1. A., recorrente, veio arguir “(nulidade) – inexistência jurídica” dos
acórdãos n.º 475/2005, de 26/9/2005, e n.º 618/2005, de 10/11/2005, nos termos
dos artigos 201.º e 668.º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil.
2. Não pode conhecer-se da arguição de nulidade, desde logo e independentemente
de outras razões, porque o requerimento de fls. 78 é, em qualquer hipótese,
intempestivo.
Com efeito, o recorrente foi notificado do acórdão de fls. 69 (acórdão n.º
164/2006) por carta registada expedida em 3 de Março de 2006. Admitindo, a
benefício de raciocínio, que tal acórdão pudesse abrir prazo para arguir
nulidades dos acórdãos anteriores, isso teria de ser feito no prazo de 10 dias,
contados a partir do dia em que o recorrente foi ou se presume notificado
(artigos 153.º e 254.º do Código de Processo Civil). Esse prazo terminou a 16 de
Março de 2006. Assim, em 23 de Março, data em que o requerimento se considera
apresentado [alínea b) do n.º 1 do artigo 150.º do CPC] estava já expirado o
prazo para praticar o acto, mesmo com multa (artigo 145.º do CPC).
É certo que o recorrente – aliás, à semelhança do que fez em quase todas as suas
intervenções processuais anteriores – terminou o seu requerimento com a
afirmação de que “por motivos a que sou alheio e pois me não são imputáveis, só
em 14.3.2006 me foi entregue e recebi a reportada notificação”. Não logrou,
todavia, provar essa afirmação conclusiva em termos de se considerar ilidida a
presunção estabelecida pelo n.º 3 do artigo 254.º do CPC, como é seu ónus
(artigo 254.º, n.º 6, do CPC).
Com efeito, pelo documento de fls. 352, de que o recorrente foi notificado e que
não impugnou, se vê que a correspondência só não lhe foi entregue no dia 6 de
Março de 2006 porque nessa ocasião não foi possível localizá-lo na morada
indicada, tendo ficado “aviso” na estação. A entrega só foi conseguida em 14 de
Março de 2006, mas não está provado que a não entrega anterior ficasse a
dever-se a razões não imputáveis ao recorrente.
3. Pelo exposto, rejeito o requerimento de fls. 78.”
2. Alega o recorrente que deve considerar-se ilidida a presunção a que se
refere o n.º 3 do artigo 254.º do Código de Processo Civil, considerando-se a
notificação efectuada na data em que efectivamente procedeu ao levantamento da
carta registada, alegando em síntese útil:
- Que vive só, em casa de seu filho, precisando de sair a cada passo, a
editar os seus escritos e outras actividades, raramente podendo esperar a
distribuição domiciliária de correspondência e não tendo condições económicas
para pagar a quem o faça;
- Que, frustrada a possibilidade de entrega domiciliária, o carteiro lhe
deixou “aviso” para proceder ao levantamento da correspondência na estação dos
CTT até ao 6.º dia útil, ou seja, até 14 de Março de 2006;
- Que efectivamente procedeu ao levantamento em 14 de Março de 2006, data
em que se considera efectuado e se iniciou o prazo para a prática do acto.
A reclamação é manifestamente improcedente.
O reclamante advoga em causa própria. Nessa actuação, na sua relação com o
tribunal, tem o estatuto inerente a essa qualidade profissional e está sujeito
aos ónus específicos dos mandatários das partes. Resulta do artigo 254.º do
Código de Processo Civil que o advogado (ou solicitador) tem um ónus qualificado
de ligação com o seu domicílio profissional ou electivo, i.e., com o seu
escritório ou domicílio escolhido no processo (n.º 1), tendo de organizar-se por
forma a que o sistema de notificações instituído e a sequência de actos
processuais que disso depende possa funcionar num quadro de razoabilidade e boa
fé. Efectuada por carta registada, dirigida para o escritório ou domicílio
escolhido, a notificação tem-se por efectuada no terceiro dia posterior ao do
registo, ou no primeiro dia útil seguinte quando esse o não seja (n.º 3), só
podendo a presunção considerar-se ilidida se o notificado provar que a
notificação não foi efectuada ou que ocorreu em data posterior por razões que
lhe não sejam imputáveis (n.º 6).
Com efeito, ao estabelecer a referida presunção, a lei supõe duas essenciais
coisas: que esse é o tempo normal para assegurar a entrega da correspondência
por parte dos serviços dos correios e que o destinatário se organiza em termos
de assegurar a correspondente recepção. Quem invoca a qualidade de advogado,
quer actue em representação de terceiro, quer actue em causa própria, assume os
ónus ou encargos inerentes ao exercício dessa profissão e sofre as consequências
desvantajosas de lhes não dar satisfação. Consequências que lhe são legalmente
referidas por um nexo de imputação face às responsabilidades de organização
decorrentes de determinada qualidade profissional, mais do que por um juízo de
censura pessoal. Assim, embora não seja, em si, censurável que os destinatários
da correspondência não se encontrem no seu domicílio à hora da distribuição
postal, sendo frequente a passagem de avisos para levantamento da
correspondência na estação postal competente, a intervenção no processo na
qualidade de advogado implica a assumpção da responsabilidade pela criação de
condições para a recepção das notificações relativas aos processos em que
intervém nessa qualidade, no escritório ou domicílio escolhido, em
circunstâncias normais. É o que está implícito no sistema de notificações
estabelecido pelo artigo 254.º do CPC, interpretado à luz do princípio da
cooperação (artigo 266.º, n.º 1, do CPC). Só a prova de que a não entrega da
carta registada, expedida para o domicílio indicado, na data que a lei presume,
ficou a dever-se a circunstâncias anormais é susceptível de destruir os efeitos
que a lei liga à notificação efectiva.
No caso, tendo a carta registada para notificação sido expedida sob registo a 3
de Março de 2006, a notificação presume-se efectuada a 6 de Março de 2006
(segunda-feira). Como o recorrente admite, nesse dia foi tentada, pelo
distribuidor postal, a entrega da carta para notificação, no domicílio por ele
indicado no processo, o que não foi conseguido, por “dificuldades em localizar o
destinatário”. Perante essa impossibilidade de entrega domiciliária, ficou aviso
de que correspondência poderia ser reclamada na estação dos CTT de Gueifães, no
prazo de seis dias úteis. O recorrente só procedeu ao levantamento da carta no
dia último dia do prazo que constava desse aviso, sem que invoque qualquer
motivo para ter deixado transcorrer esse lapso de tempo, ou melhor, sem que
invoque outra razão senão a de que procedeu ao levantamento dentro do prazo que
foi fixado no aviso.
Ora, a situação de insuficiência económica invocada poderá constituir
fundamento para que o reclamante, como parte, obtenha apoio judiciário,
incluindo a nomeação de advogado que o patrocine, mas não justifica que, como
advogado, deixe de estar sujeito às exigências de organização inerentes a esta
qualidade. Por outro lado, perante essa vinculação acrescida ao domicílio
profissional (ou escolhido “ad hoc”) inerente à qualidade de advogado, mesmo
quando se considere justificada a não recepção da correspondência na data em que
a distribuição domiciliária foi tentada, não fica ipso facto justificado que o
advogado só proceda ao levantamento na estação competente no termo do prazo
fixado no “aviso”. A circunstância que obstou a que o advogado recebesse a carta
no momento da entrega domiciliária não é necessariamente facto impeditivo da
deslocação à estação dos correios onde sabe que está depositada. O prazo fixado
no aviso respeita ao tempo que a correspondência aguarda antes de ser devolvida,
não modela o dever de diligência inerente à qualidade de advogado. À semelhança
do que estabelece para o “justo impedimento” (n.º 2 do artigo 146.º do CPC), o
destinatário habilitado ao exercício de patrocínio judiciário a quem é deixado
“aviso” de que não foi possível proceder à entrega domiciliária, deve
providenciar pelo levantamento da carta para notificação logo que ela está
disponível na estação. Salvo, obviamente, se o facto que justifica que lhe não
seja imputável aquela impossibilidade de recepção (ou outro que porventura
concorra) se estender ao conhecimento do aviso ou à deslocação à estação. De
outro modo, estaria encontrado o expediente para o sistemático protelamento do
termo inicial dos prazos processuais, com a incerteza geral na sua contagem,
como a actuação do recorrente ao longo do presente processo bem demonstra.
É manifesto, por outro lado, que o despacho reclamado não pode enfermar de
nulidade por ter conhecido da questão da tempestividade do requerimento, ou de
violação do caso julgado pelo simples facto de, perante outras intervenções
processuais do requerente, se ter considerado ilidida a presunção. Aliás, nem
sequer existe divergência de critério entre o despacho reclamado e o acórdão n.º
164/2006 porque, embora a fórmula usada pelo requerente seja idêntica, a matéria
de facto apurada é substancialmente diferente, uma vez que, diversamente do que
agora sucede, a informação dos CTT então obtida não continha referência a
qualquer facto imputável ao destinatário a que pudesse ter-se ficado a dever a
não entrega da correspondência no prazo normal.
Tanto basta para que, improcedendo a reclamação, se confirme o despacho
reclamado.
B) Fls 149
3. O recorrente pretende, à cautela, que se corrija a referência feita no
acórdão n.º 431/2006 à data da apresentação do requerimento de fls. 103
(numeração do traslado), alegando que deve considerar-se apresentado em 25 de
Maio de 2006 e não a 26 de Maio de 2006 como do acórdão consta, por força do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo Civil.
No acórdão mencionou-se a data que consta do registo de entrada no
Tribunal, conforme nota aposta no documento (“carimbo” de entrada). Não custa
admitir que a data e o modo de remessa tenham sido as que o reclamante refere,
com as consequências previstas na norma que invoca. Porém, torna-se
desnecessário proceder a qualquer diligência para esclarecer o facto, porque a
rectificação pretendida é absolutamente inútil uma vez que não se retirou
qualquer consequência jurídica do facto de a data de apresentação relevante ser
uma ou outra.
Assim, em obediência ao princípio da limitação dos actos (artigo 137.º do
CPC), não se ordena qualquer diligência ou rectificação.
4. Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação e o pedido de rectificação,
condenando o recorrente nas custas do primeiro incidente, com 20 (vinte)
unidades de conta da taxa de justiça, sem prejuízo do benefício de apoio
judiciário.
Lisboa, 9 de Outubro de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício