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Processo nº 445/2005
Plenário
Relator: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal Central Administrativo Sul, em que figura como recorrente o
Ministério Público e como recorrido o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos,
o Tribunal Central Administrativo Sul entendeu o seguinte:
2.2. Objecto do presente recurso contencioso, é o despacho transcrito na al. d)
do número anterior que se consubstanciou na rejeição dos recursos hierárquicos
interpostos pelo recorrente, com fundamento na sua ilegitimidade.
Conforme é entendimento uniforme do STA (cfr., v.g., os Acs. de 14/6/94 in A.D.
396°-1392, de 15/5/97 - Rec. n° 40923, de 7/10/97 - Rec. n° 39442 e de 28/1/99 -
Rec. n° 38091), quando o acto do superior não conhece do mérito da impugnação do
acto do subalterno, o âmbito do recurso contencioso interposto daquele cinge-se
à questão concreta da rejeição, pelo que o recorrente contencioso apenas pode
impugnar essa causa de pedir e não alegar outros vícios completamente estranhos
ao fundamento de rejeição do recurso hierárquico.
No caso em apreço, como referimos, o despacho do Secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais traduziu-se na rejeição dos recursos hierárquicos; com
fundamento na ilegitimidade do recorrente.
Deste modo, o âmbito do presente recurso contencioso cinge-se à apreciação do
fundamento concreto da rejeição dos recursos hierárquicos, sendo irrelevante a
alegação de quaisquer vícios completamente estranhos a tal fundamento.
Analisando as conclusões da alegação do recorrente, constata-se que só nas
conclusões A) a F) é impugnado o fundamento da rejeição dos recursos
hierárquicos, sendo completamente estranhas a este fundamento e, por isso,
irrelevantes as restantes.
Assim, apenas há que apreciar o conteúdo das conclusões A) a F) da alegação do
recorrente, onde é invocado um vício de violação de lei por erro nos
pressupostos de direito.
Vejamos, então, se esse vício se verifica.
O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão nº 118/ 97, de 19/ 2/97 (publicado no
B.M.J. 464°.-135), declarou, com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade - por violação do art. 56°., n° 1, da C.R.P. - da norma
constante do n° 1 do art. 53°. do C.P.A., na parte em que negava às associações
sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele
intervir, fosse em defesa dos interesses colectivos, fosse em defesa colectiva
de interesses individuais dos trabalhadores que representavam.
Para o efeito, considerou-se que o art. 56°., n° 1, da CRP, ao afirmar que
“compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e
interesses dos trabalhadores que representem”, não só assegura aos trabalhadores
a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, através das suas
associações sindicais, como lhes garante - ao não excluí-la a possibilidade de
intervenção das mesmas associações na defesa colectiva dos seus interesses
individuais. É que se a defesa dos trabalhadores que representam é uma
competência própria dos sindicatos, mal se compreenderia que fosse retirada no
âmbito do desencadeamento e intervenção no procedimento administrativo.
Assim, perante esta declaração de inconstitucionalidade que atingiu a restrição
constante da parte final do n° 1 do art. 53°, do C.P.A., deve-se concluir que,
quando num procedimento administrativo esteja em jogo um direito ou interesse
legalmente protegido de uma pessoa enquanto trabalhadora, poderá nele intervir a
organização sindical que, como tal, a represente.
Mas poderá essa intervenção traduzir-se na interposição de uma reclamação ou de
um recurso hierárquico de um acto administrativo?
Parece-nos que a resposta a esta questão tem de ser afirmativa. Efectivamente,
se o sindicato tem legitimidade para iniciar e intervir no procedimento
administrativo e, de acordo com a jurisprudência dominante (cfr., v.g., Acs. do
T.C. nº 160/99, in D.R., II Série, n° 39, de 16/2/2000 e n° 103/2001, in
“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 49°., pág. 411 e Acs. do STA de
26/4/2001 - Rec. n° 44655, de 28/11/2001 - Rec. n°. 45075 e de 6/2/2003 - Rec.
n° 1785/02), é-lhe reconhecida uma legitimidade processual ampla para defesa dos
direitos e interesses colectivos e para defesa colectiva dos direitos e
interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representam,
sem necessidade de expressos poderes de representação forense, não se
compreenderia que não tivesse legitimidade para reclamar ou recorrer
hierarquicamente de actos proferidos no decurso do procedimento em que pode
intervir, eventualmente para lhe permitir a respectiva impugnação contenciosa.
Assim, e porque a intervenção no procedimento administrativo reconhecida aos
Sindicatos pela norma do n° 1 do art. 53° do CPA após o referido Ac. do T.C. n°
118/97 inclui a faculdade de reclamar e recorrer dos actos desfavoráveis
proferidos no decurso desse procedimento, entendemos que, sob pena de enfermar
de inconstitucionalidade material pelas mesmas razões por que aquele acórdão a
declarou, o n° 1 do art. 160°. deve ser interpretado de forma a ser
compatibilizado com o citado art. 53° n° 1.
Nestes termos, o despacho impugnado, ao rejeitar o recurso hierárquico
interposto pelo recorrente, incorreu no invocado vício de violação de lei por
erro nos pressupostos de direito, em virtude de ter aplicado uma norma n° 1 do
art.160°. do C.P.A. - que enferma de inconstitucionalidade material por
infracção do art. 56°., n°. 1, da CRP - na interpretação acolhida, devendo, em
consequência, ser anulado.
3. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, anulando o despacho
impugnado.
2. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da
alínea a) do n° 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, para
apreciação da norma do artigo 160°, n° 1, do Código do Procedimento
Administrativo.
Junto do Tribunal Constitucional, o Ministério Público apresentou alegações que
concluiu do seguinte modo:
1º - É inconstitucional, por violação do disposto no n° 1 do artigo 56° da CRP,
a interpretação normativa do artigo 160°, n° 1, do CP A que se traduza em
denegar às associações sindicais legitimidade para assumir a defesa e promoção
dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem através da dedução
dos meios impugnatórios aí previstos - reclamação ou recurso hierárquico
perspectivados como condição prévia para a impugnação contenciosa dos actos
lesivos.
2° - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade
formulado pela decisão recorrida.
O recorrido contra-alegou aderindo às alegações do Ministério Público.
Tendo sido decidida pelo Presidente do Tribunal Constitucional a intervenção do
Plenário, ao abrigo do artigo 79º‑A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional,
cumpre apreciar.
II
Fundamentação
3. O artigo 160°, n° 1, do Código do Procedimento Administrativo, tem a
seguinte redacção:
1. Têm legitimidade para reclamar ou recorrer os titulares de direitos
subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se considerem lesados pelo
acto administrativo.
2. É aplicável à reclamação e aos recursos administrativos o disposto nos nºs 2
a 4 do artigo 53°.
O tribunal recorrido recusou, por inconstitucionalidade (por violação do artigo
56°, n° 1, da Constituição), a aplicação de tal preceito quando interpretado no
sentido de não reconhecer legitimidade a um sindicato para a interposição de
recurso hierárquico de um despacho que homologa a classificação final de um
concurso profissional em representação dos respectivos filiados.
O Tribunal Constitucional, no Acórdão n° 118/97, de 19 de Fevereiro (D.R.,
I Série A, de 24 de Abril de 1997) , declarou, com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade, por violação do artigo 56°, n° 1, da Constituição, a
norma do artigo 53°, n° 1, do Código do Procedimento Administrativo, na parte em
que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento
administrativo e para nele intervir, seja em defesa de interesses colectivos,
seja em defesa de interesses individuais dos trabalhadores que representem.
Entendeu então o Tribunal Constitucional o seguinte:
6. Os sindicatos são associações permanentes de trabalhadores para a defesa e
promoção dos seus interesses sócio‑profissionais. Trata-se, pois, de associações
voluntárias e permanentes, essencialmente caracterizadas pela condição de
trabalhadores dos respectivos associados e, como decorre do artigo 56°, n° 1, da
Constituição, pelo objectivo da defesa e promoção dos direitos e interesses dos
trabalhadores que representam.
O artigo 56° da CRP, no seu n° 2, enumera certos direitos específicos das
associações sindicais - participação na elaboração da legislação do trabalho, na
gestão das instituições de segurança social, no controlo de execução dos planos
económico-sociais, e representação nos organismos de concertação social. Mas não
se esgotam aí os fins e objectivos destas associações.
Efectivamente, como referem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, (Constituição
da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, revista, 1993, Coimbra Editora, em
anotação ao artigo 56°):
Os direitos das associações sindicais previstos neste artigo não são todos
exclusivos delas, nem muito menos esgotam os seus direitos. Não são exclusivos,
porque alguns deles são compartilhados pelas CTs (v. nota I ao artigo 54°). Não
esgotam os direitos das associações sindicais, porque a própria Constituição
prevê outros, e nada impede que outros sejam atribuídos por lei.
Ora, o n° 1 deste artigo 56°, ao afirmar que “compete às associações sindicais
defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que
representem”, não só assegura aos trabalhadores a defesa colectiva dos
respectivos interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como
lhes garante - ao não excluí-la - a possibilidade de intervenção das mesmas
associações sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais.
7. De resto, esta actuação colectiva dos sindicatos para defesa dos interesses
colectivos dos trabalhadores há-de revelar-se decisiva em múltiplos aspectos de
intervenção social, nomeadamente no âmbito das condições de trabalho.
Por exemplo, no domínio das atribuições cometidas ao Instituto de
Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT), regulado pelo
Decreto-Lei n° 219/93, de 16 de Junho - no qual a Inspecção-Geral do Trabalho
(IGT) passou, desde então, a estar integrada, como serviço central do mesmo -,
mal se compreenderia que as associações sindicais não dispusessem da faculdade
legal de fazer desencadear os procedimentos tendentes à intervenção daqueles
serviços no que se refere, designadamente, ao exercício das seguintes
competências, previstas, quanto à IGT, no artigo 13° daquele diploma:
a) Fiscalizar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e
convencionais respeitantes às condições de trabalho, ao apoio ao emprego e à
protecção no desemprego, bem como ao pagamento das contribuições para a
segurança social;
b) Fiscalizar o cumprimento das normas relativas à segurança, higiene e saúde
no trabalho;
c) Aprovar e fiscalizar o cumprimento dos regulamentos internos das empresas;
(...)
Em todos estes casos se prevê uma actividade administrativa - embora de tipo
fiscalizador ou inspectivo - que supõe a existência de um procedimento
administrativo. Ora, excluir a possibilidade de as associações sindicais
promoverem o início desse procedimento administrativo, ou de nele intervirem, em
matérias como as referidas, significaria uma amputação inaceitável dos poderes
que, necessariamente, decorrem das finalidades que a Constituição lhes
reconhece, e, portanto, lhes são garantidos, no n° 1 do artigo 56°.
8. Entende o Primeiro-Ministro que a disposição em causa - a norma constante do
artigo 53° do CPA -, não retira a legitimidade procedimental aos sindicatos;
antes, esta legitimidade seria «assegurada pelo n° 1 do artigo 53° ao reconhecer
tal legitimidade aos titulares de direitos ou interesses legítimos».
A verdade, porém, é que há que distinguir entre os direitos e interesses das
próprias associações sindicais - nomeadamente aqueles que pertencem a qualquer
pessoa colectiva ou aqueles que lhes são especificamente reconhecidos pela
Constituição ou a lei, como por exemplo nos nºs 2 e 3 do artigo 56° da CRP - e
os direitos e interesses colectivos dos trabalhadores, e não já das associações
sindicais, que a estas apenas cabe defender em nome e representação daqueles.
Ora, a intervenção no procedimento administrativo por parte de “associações que
tenham por fim a realização de interesses colectivos” cabe na parte final do n°
1 do artigo 53° do Código, tal como a das associações que tenham por fim a
defesa de interesses difusos é tratada no n° 3 do mesmo artigo (cfr. Diogo
Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo, Pedro Siza
Vieira e Vasco Pereira da Silva, Código do Procedimento Administrativo Anotado,
2ª edição, Almedina, 1995, pág. 96). Só que a norma em apreço cria uma excepção
a tal legitimidade das associações que tenham por fim a realização de interesses
colectivos quando, expressamente, na sua parte final, apenas admite a
intervenção das «associações sem carácter político ou sindical».
De tal previsão resulta, pois, inequivocamente, a exclusão da legitimidade das
associações sindicais para, na defesa dos interesses colectivos dos
trabalhadores que representam, desencadearem o procedimento administrativo e
nele intervirem.
Ora, impossibilitar esse tipo de actuações no âmbito do procedimento
administrativo revela-se manifestamente inconstitucional, por violação do artigo
56°, n° 1, da CRP.
9. Poderia, apesar de tudo, aquela exclusão ser justificada por razões
atinentes à especial natureza ou conformação dos interesses em jogo no
procedimento administrativo?
Também aqui a resposta só poderá ser negativa.
Com efeito, no n° 4 do artigo 267° da Constituição prevê-se que o processamento
da actividade administrativa será objecto de lei especial, a qual, além do mais,
deverá assegurar a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes
digam respeito, tendo estes ainda direito, nos termos do artigo 268°, n° 1, a
serem informados, quer sobre o andamento dos processos em que sejam
interessados, quer ao acesso aos arquivos e registos administrativos.
Aquele artigo 267°, n° 1, estabelece, pois, o princípio da participação dos
interessados na Administração. Este é, inequivocamente, um imperativo
constitucional que há-de encontrar no Código de Procedimento Administrativo a
sua forma de concretização por excelência e impede, portanto, qualquer
interpretação restritiva como aquela a que acima se referiu.
10. Por outro lado, apesar da amplitude com que é constitucionalmente
consagrada a finalidade da intervenção sindical, o artigo 53° do CPA, do qual
consta a norma em apreciação, vem inequivocamente impedir, ainda, que as
associações sindicais, em virtude do seu carácter sindical, procedam à defesa
colectiva de interesses individuais no âmbito do procedimento administrativo.
Também aqui se configura uma restrição clara e injustificada aos direitos dos
sindicatos, não apenas à luz do princípio da participação no procedimento
administrativo, mas principalmente da competência e representatividade dos
sindicatos, tendo em consideração a prossecução dos fins que lhes são
constitucionalmente cometidos.
Na sequência da orientação perfilhada por este Tribunal no Acórdão n° 75/85,
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5° volume, pp. 200), a defesa dos
interesses individuais dos trabalhadores que representem é uma competência
própria dos sindicatos, mal se entendendo que seja retirada no âmbito do
desencadeamento e intervenção no procedimento administrativo.
11. A este propósito, pode ler-se no citado Acórdão n° 75/85:
Ora, nesta última parte, já se não está, obviamente, a regular as formas de
participação do pessoal civil na vida dos respectivos organismos, mas a forma
que obrigatoriamente deve revestir a apresentação e defesa dos interesses
individuais de cada trabalhador.
E, mais concretamente, ao determinar-se que a apresentação e defesa de tais
interesses terá de ser feita directamente pelos próprios, exclui-se
necessariamente a defesa colectiva de interesses individuais, designadamente
através da intervenção das associações sindicais.
Todavia, quando a Constituição no n° 1 do seu artigo 57° [actual artigo 56°]
reconhece a estas associações competência para defenderem os direitos e
interesses dos trabalhadores que representem, não restringe tal competência à
defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores: antes supõe que ela se
exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais.
Com efeito, a liberdade sindical não se esgota na faculdade de criar associações
sindicais e de a elas aderir ou não aderir. Antes supõe a faculdade de os
trabalhadores defenderem, coligados, os respectivos direitos e interesses
perante a sua entidade patronal, o que se traduz, nomeadamente, na contratação
colectiva e, também, na possibilidade de, também colectivamente porque só assim
podem equilibrar as relações com os dadores de trabalho assegurarem o
cumprimento das normas laborais, designadamente das resultantes da própria
negociação colectiva. É que, na verdade, a actividade sindical não se confina à
mera defesa dos interesses económicos dos trabalhadores, antes se prolonga na
defesa dos respectivos direitos jurídicos, consagrados na lei ou nos
instrumentos de regulação colectiva das relações laborais, e esta última defesa
exige a possibilidade de os sindicatos intervirem em defesa dos direitos e
interesses individuais dos trabalhadores que representam, principalmente quando
se trate de direitos indisponíveis (cfr. artigo 6°, n° 3, do Código de Processo
do Trabalho).
Parece evidente que - maxime quando se esteja perante direitos disponíveis - a
lei poderá e deverá prever, numa razoável ponderação entre os interesses de cada
trabalhador e os interesses de uma certa categoria ou grupo de trabalhadores,
que a intervenção das associações sindicais no procedimento administrativo se
possa exercitar, em certos casos, de forma meramente coadjuvante ou subordinada,
quando estejam em causa interesses individuais dos trabalhadores. Tal, porém,
não significa que se possa, pura e simplesmente, excluir os sindicatos, como
ocorre na norma questionada.
Sendo esta a interpretação daquele dispositivo constitucional que aqui se
perfilha, e não existindo, assim, quaisquer fundamentos para nos desviarmos da
jurisprudência firmada no já mencionado Acórdão n° 75/85, forçoso é concluir,
também nesta perspectiva, pela inconstitucionalidade da norma em causa, na parte
impugnada.
No mesmo sentido, pronunciou-se ainda o Tribunal Constitucional nos Acórdãos nos
160/99 e 103/2001 (www.tribunalconstitucional.pt).
A jurisprudência acabada de referir é aplicável nos presentes autos.
Com efeito, a norma declarada inconstitucional no aresto citado tem carácter
geral, já que se refere à legitimidade das associações sindicais para iniciar o
procedimento administrativo e para nele intervir.
Ora, uma das formas de intervenção no procedimento administrativo é precisamente
a interposição do recurso hierárquico de um acto administrativo lesivo. Assim,
os fundamentos da declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão n°
118/97 valem inteiramente para a intervenção no procedimento administrativo que
se consubstancia na interposição do recurso hierárquico. Na verdade, o recurso
hierárquico é, entre outros, um mecanismo (de relevância significativa) de
defesa e promoção dos direitos dos trabalhadores representados pela associação
sindical, defesa e promoção tutelados pelo artigo 56° da Constituição.
Conclui-se, pois, pela inconstitucionalidade da norma apreciada.
III
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se confirmar o juízo de inconstitucionalidade
constante da decisão recorrida.
Lisboa, 21 de Novembro de 2006
Maria Fernanda Palma
Maria João Antunes
Mário José de Araújo Torres
Maria Helena Brito
Gil Galvão (com dúvidas quanto ao conhecimento)
Vítor Gomes (Vencido quanto ao conhecimento, conforme declaração anexa)
Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, pelo essencial dos fundamentos aduzidos nos
votos de vencido apostos ao acórdão n.º 118/97, que entendo transponíveis para o
caso em apreço.
Carlos Pamplona de Oliveira – vencido quanto ao conhecimento, por entender que a
decisão recorrida não desaplicou a norma; e quanto ao fundo, por entender que a
norma não é inconstitucional.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Vencida, nos termos da declaração junta)
Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto que junto)
Bravo Serra ( Na esteira da declaração de voto que apus ao Acórdão n.º 118/97,
entendo que a norma em apreço só é inconstitucional na parte em que nega às
associações sindicais legitimidade para reclamar ou recorrer nos casos em que se
vise a defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores)
Benjamim Rodrigues (Vencido de acordo com a declaração de voto anexa)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido, apenas quanto ao conhecimento do recurso, por
considerar que na decisão recorrida não houve efectiva desaplicação, com
fundamento em inconstitucionalidade, da norma apreciada pelo presente acórdão.
A afirmação de inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 160.º
do Código de Procedimento Administrativo, contida no acórdão recorrido,
refere-se à interpretação adoptada pela autoridade administrativa para rejeitar
o recurso hierárquico interposto pelo Sindicato, não ao sentido que o acórdão
extrai do preceito, prefere e, consequentemente, aplica na decisão do caso que
lhe era sujeito. Com efeito, antes daquela afirmação, o acórdão considerara que
a legitimidade reconhecida às associações sindicais pela norma do n.º 1 do
artigo 53.º do CPA, após a declaração de inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, na parte em que negava às associações sindicais legitimidade
para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir em defesa dos
interesses individuais dos trabalhadores que representam, impunha a
interpretação do n.º 1 do artigo 160.º do mesmo diploma de modo a permitir-lhes
reclamar e recorrer hierarquicamente de actos proferidos no decurso do
procedimento em que podem intervir. Ou seja, para o tribunal a quo, a norma
respeitante à legitimidade para o procedimento de 2.º grau, sobretudo quando
necessário para acesso à via contenciosa, não podia deixar de ser interpretada
em conformidade com a regra geral para iniciar e intervir no procedimento
administrativo. Assim, a anulação do acto contenciosamente impugnado não
resultou da recusa efectiva, ainda que de modo implícito, de aplicação do
sentido normativo agora apreciado – não foi produto de uma decisão intermédia,
na conclusão do processo hermenêutico, de que esse era o sentido da norma, mas
que não poderia ser aplicado por ser desconforme à Constituição - mas da
conclusão de que os elementos sistemáticos e teleológico de interpretação
conduziam a atribuir à norma um sentido oposto àquele para que a Administração
se inclinara, conclusão para que foi determinante o argumento de coerência do
sistema entre as regras de legitimidade para as diversas fases do procedimento
administrativo.
É certo que o acórdão recorrido afirma expressamente a
inconstitucionalidade do sentido normativo que a Administração adoptara. Mas
optou pelo sentido oposto, com argumentos que não se resumem a essa
desconformidade com a Constituição. Ora, a interpretação conforme à Constituição
é ainda um dos elementos do processo de determinação do sentido da lei, a que os
tribunais devem recorrer como simples modalidade de interpretação
sistemático-teleológica, que não justifica, por si só, o recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Ressalvada, obviamente, a hipótese de o tribunal a quo, a pretexto de uma
interpretação conforme à Constituição, ter adoptado um sentido de todo
incomportável segundo os cânones comuns de hermenêutica, procedendo, de facto, a
uma real desaplicação da norma em qualquer dos sentidos por ela comportáveis, o
que não sucede com o acórdão recorrido, na leitura que dele faço.
Vítor Gomes
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Não fora a afirmação expressa, constante da parte final do acórdão recorrido,
de que o despacho então em apreciação havia de ser anulado por 'ter aplicado uma
norma – n.º 1 do art. 160º do C.P.A. – que enferma de inconstitucionalidade
material', teria votado o não conhecimento do recurso, por não ter ocorrido uma
recusa de aplicação por inconstitucionalidade que o suportasse.
Com efeito, da interpretação de todo o acórdão parece resultar que nele se
procedeu antes a uma interpretação do disposto no n.º 1 do citado artigo 160º
(cujo regime se considerou em vigor) que estivesse de acordo com o n.º 1 do
artigo 53º do Código do Procedimento Administrativo, tal como resultou da
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral operada pelo
acórdão n.º 118/97 deste Tribunal.
2. Votei, todavia, vencida quanto ao julgamento de inconstitucionalidade pelas
razões que apontei na declaração que juntei ao acórdão n.º 160/99 e que
transcrevo:
'Votei vencida porque não considero que, do disposto no n.º 1 do artigo 56º da
Constituição resulte, nem a necessidade constitucional de os sindicatos terem
legitimidade para impugnar contenciosamente (…) actos administrativos que
afectem interesses individuais dos trabalhadores neles filiados, nem, muito
menos, de trabalhadores neles não filiados.
Decidiu-se no acórdão, em primeiro lugar, que a Constituição impõe que seja
reconhecida aos sindicatos como tal – ou seja, não como representantes dos seus
filiados, mas em nome próprio – legitimidade para defenderem em juízo interesses
individuais dos seus filiados. E decidiu-se, em segundo lugar, que essa
legitimidade existe mesmo em relação a trabalhadores não filiados (uma vez que
se dispensa a prova da filiação quanto aos trabalhadores concretos atingidos
pelos efeitos do acto impugnado).
Esta concepção, a meu ver, contraria o princípio constitucional da liberdade
sindical, consagrado no artigo 55º da Constituição. Não pode, com efeito,
considerar-se como que transferido para o sindicato o poder de deliberar sobre a
forma de prossecução dos interesses individuais dos trabalhadores filiados, por
exceder a própria razão de ser da existência deste tipo de associações. Muito
menos, repito, quanto a trabalhadores não filiados, o que apenas poderia ter
como justificação a ideia de que os sindicatos representam, fora do âmbito dos
interesses colectivos da classe, todos os trabalhadores que têm uma determinada
profissão, independentemente, sequer, da sua vontade de neles se filiarem'.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido pelo essencial das razões constantes da declaração de voto aposta
ao Acórdão n.º 118/97 pelo Ex.mº Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, para a qual
remeto. Resumidamente, direi apenas que, em meu entender, o artigo 56.º, n.º 1,
da Constituição, ao prescrever que “[c]ompete às associações sindicais defender
e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que
representem”, não impõe, além da legitimidade para defesa e promoção de
interesses colectivos dos trabalhadores, o reconhecimento de poderes de
representação legal às associações sindicais, para interposição de acções em
defesa de interesses individuais do trabalhador, sem que exista uma específica
manifestação de vontade deste; nem tal norma constitucional prevê, por outro
lado, o imperativo reconhecimento de um poder legal de representação para
interposição de recurso, hierárquico ou contencioso, em acções para defesa de
interesses individuais do trabalhador, sem que este confira tal poder às
associações sindicais. Não é, pois, a meu ver, inconstitucional a interpretação
de normas legais no sentido de que não resultam delas, para a associação
sindical, poderes de representação para defesa de interesses individuais do
trabalhador, antes apenas este último, titular do interesse em causa, tendo
legitimidade para recorrer.
Paulo Mota Pinto
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido pelo essencial das razões aduzidas na declaração
de voto aposta ao Acórdão n.º 118/97 pelo Senhor Juiz Conselheiro Vítor Nunes de
Almeida e que aqui se consideram adquiridas, sendo que o presente acórdão se
abona na doutrina que nele se refuta.
Alongando fundamentação, aliás nele abordada, dir-se-á apenas
mais o que se segue.
A tese do acórdão assenta no entendimento de que o n.º 1 do
art. 56.º da Constituição, que dispõe que “compete às associações sindicais
defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que
representam”, assegura aos trabalhadores “a defesa colectiva dos respectivos
interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como lhes garante
– ao não excluí-la – a possibilidade de intervenção das mesmas associações
sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais”.
Trata-se de uma solução interpretativa obtida por raciocínio a
contrario. Ora, ao contrário do que vai nele suposto, entendemos que o resultado
alcançado mediante tal método hermenêutico não corresponde a uma verdade
jurídica inelutável, podendo, sempre, admitir-se existirem outras soluções
possíveis.
De qualquer jeito, um raciocínio a contrario só terá alguma
fiabilidade se o pólo oposto comungar da mesma natureza da proposição referente.
É, porém, o que não se passa relativamente aos direitos que estão em causa: de
um lado está a legitimidade das associações sindicais para promover e defender
os interesses colectivos dos trabalhadores (defesa colectiva de interesses
colectivos) e, do outro, o reconhecimento de poderes de representação legal, às
associações sindicais, para intervir em procedimentos administrativos ou
contenciosos de defesa de interesses individuais do trabalhador, sem que exista
um específica manifestação de vontade deste (defesa colectiva de interesses
individuais).
Tais interesses que constituem o corpus dos respectivos
direitos são substancialmente diferentes. O interesse colectivo corresponde ao
interesse definido pela comunidade organizada dos trabalhadores ou reconhecido
pela lei a tal comunidade enquanto tal, bem podendo ser contrário aos interesses
individuais de alguns trabalhadores ou até aos interesses colectivos de alguns
grupos ou classes de trabalhadores.
O interesse individual corporiza-se num direito subjectivo ou
num interesse individual legalmente protegido, representando uma posição
jurídica individual autónoma do respectivo titular, até relativamente a outros
titulares de um direito da mesma natureza. Naquele, o trabalhador individual
apenas pode comparticipar; neste, o trabalhador individual dispõe dele.
Sendo realidades jurídicas substancialmente diferentes, não
pode, na ausência de uma clara expressão do legislador constitucional nesse
sentido, ver-se as mesmas aconchegadas dentro da mesma disposição constitucional
de competência.
Acresce que são, também, estruturalmente, diferentes as normas
que atribuem competências constitucionais das que conferem direitos ou
interesses legalmente protegidos.
As normas que dispõem sobre competência têm carácter
institucional ou orgânico, pois se traduzem na atribuição dos poderes
considerados necessários para que esse ente realize as suas funções. Têm uma
“dimensão organizatório-representativa” (expressão da Senhora Juíza Conselheira
Assunção Esteves na declaração de voto aposta no mesmo Acórdão).
Traduzindo-se o seu objecto numa disposição ou instituição de
poderes funcionais, não pode aplicar-se-lhes o princípio da máxima efectividade
ou da expansividade que deve seguir-se na interpretação dos direitos
fundamentais, a que se arrima, implicitamente, a solução acolhida no acórdão. As
normas dispositivas de competência dizem tudo o que o legislador quer dar. Ao
contrário, as normas que criam direitos fundamentais reconhecem direitos de
defesa contra quem não seja seu titular, nestes se incluindo o próprio Estado.
Deste modo, até onde se revele a necessidade de tutela de defesa, essas normas
mantêm apetência e eficácia normativas, apenas podendo esses direitos ser
restringidos com obediência do disposto no art. 18.º, nºs 2 e 3, da
Constituição.
A norma do artigo 56.º, n.º 1 da Lei fundamental insere-se
naquela espécie de normas e não na destas (como será o caso da do art. 55.º).
Assim sendo, é de concluir que não é inconstitucional a
interpretação de normas legais, como as que dispõem sobre a legitimidade para a
interposição de recurso, hierárquico (como é o caso) ou contencioso, em
procedimentos ou acções para defesa de interesses individuais do trabalhador, no
sentido de que não resultam delas, para a associação sindical, poderes de
representação para a defesa de interesses individuais.
De resto, a própria tese seguida no acórdão, sempre, tem a
necessidade de admitir, manifestamente, para além do texto constitucional, que
os poderes de representação da associação sindical, cuja fonte vê no art. 56.º,
n.º 1, não podem ser exercidos contra a vontade do trabalhador. Ou seja, sempre
tem de aceitar que essa representação não valha, sem que de tal excepção
encontre rasto na disposição constitucional.
Benjamim Rodrigues