Imprimir acórdão
Processo nº 763/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em
que é recorrente A. e recorrido o STTRUC – Sindicato dos Trabalhadores dos
Transportes Rodoviários Urbanos do Centro, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b),
da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), do acórdão daquele Tribunal de 28 de Junho de 2006.
2. Em 2 de Outubro de 2006, foi proferida decisão sumária no sentido de que não
podia conhecer-se do objecto do recurso em causa, com os seguintes fundamentos:
«Muito embora o requerimento de interposição de recurso não identifique a
interpretação que o acórdão recorrido fez dos artigos 7º, 13º e 39º da LTC e
14º, nº 1, da LRCT, não se justifica convidar a recorrente, ao abrigo do
disposto no nº 6 do artigo 75º-A da LTC, a suprir tal deficiência. Com efeito,
subsistiria sempre uma razão para não conhecer do objecto do recurso interposto:
a não suscitação prévia, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade
normativa formulada no requerimento de interposição de recurso para este
Tribunal (cf. artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC).
Das passagens acima transcritas (ponto 3. do Relatório) – e, em geral, das peças
processuais em que se inserem – decorre que a recorrente não suscitou
previamente, durante o processo, qualquer questão de constitucionalidade
relativamente àqueles artigos, resultando antes que questionou a
constitucionalidade, isso sim, de uma cláusula do contrato individual de
trabalho celebrado entre si e o recorrido.
Justifica-se, assim, a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da
LTC), uma vez que a não verificação do requisito da suscitação prévia da questão
de inconstitucionalidade normativa formulada no requerimento de interposição de
recurso obsta ao conhecimento do objecto do recurso interposto».
3. Desta decisão reclamou a recorrente para a conferência, ao abrigo do disposto
no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, nos seguintes termos:
«1. Entendeu-se no despacho objecto da presente reclamação, invocando que não
teria sido suscitada previamente “durante o processo, da questão da
inconstitucionalidade normativa formulada no requerimento da interpretação de
recurso para este Tribunal”.
2. Cremos, porém, que não assiste razão à Exmª Senhora Conselheira Relatora.
3. Com efeito, como se escreveu no requerimento de interposição deste recurso
“a questão da constitucionalidade da interpretação de tais normas» (art°s 7, 13
e 39 da LCT e 14/1 da LRCT) “foi suscitada por forma processualmente adequada na
alegação do recurso de apelação – n°s 4.1 e 4.2 do corpo da alegação e nas
respectivas conclusões, nos n°s 17, 18, 19 e 20, e desde logo na p.i., art° 24 e
resposta á excepção art° 18°”.
4. Diz-se porém no douto despacho que “a recorrente não suscitou previamente,
durante o processo, qualquer questão de constitucionalidade relativamente
àqueles artigos, resultando antes que questionou a constitucionalidade, isso
sim, de uma cláusula de contrato individual de trabalho celebrado entre si e o
recorrido”.
5. É certo, mas só aparentemente...
6. Com efeito embora os pontos 4.1 e 4.2 da alegação de recurso se centrem
explicitamente na invalidade de uma cláusula do contrato individual de trabalho,
certo é que na substância das coisas, embora talvez só implicitamente o que se
põe em causa é a interpretação que se considerou inconstitucional dos art°s 7,
13 e 39 da LCT e 14/1 da LRCT, feita quer na sentença de 1ª instância, quer no
acórdão da Relação.
7. Reconhece-se que a forma de suscitar a inconstitucionalidade da interpretação
daquelas disposições não terá sido a mais adequada, será ínvia talvez, mas a
questão da inconstitucionalidade foi em substância suscitada durante o processo
e apreciada até pelo acórdão da Relação, negando-a.
8. Ora o que se vem entendendo quanto esta questão é que o que importa é que o
recorrente haja suscitado a inconstitucionalidade da norma ou da sua
interpretação perante o tribunal “em termos de este saber que tinha de apreciar
e decidir essa questão” (ac. 36/91, citado no «Breviário» de Guilherme da
Fonseca.
9. E isso, pelo menos na sua materialidade foi cumprido pela recorrente,
cremos».
4. Notificado desta reclamação, o recorrido não apresentou qualquer resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Na decisão que é objecto da presente reclamação entendeu-se que a recorrente não
havia suscitado previamente, durante o processo, a questão de
inconstitucionalidade formulada no requerimento de interposição de recurso para
este Tribunal, por referência aos artigos 7º, 13º e 39º da LTC e 14º, nº 1, da
LRCT.
Reconhece agora a reclamante que, nas passagens por si indicadas em cumprimento
da parte final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC, “embora talvez só implicitamente
o que se põe em causa é a interpretação que se considerou inconstitucional dos
artºs 7, 13 e 39 da LTC e 14/1 da LRCT” e que “a forma de suscitar a
inconstitucionalidade da interpretação daquelas disposições não terá sido a mais
adequada”. Com isto, a reclamante acaba por confirmar que, de facto, não se
podia dar como verificado um dos pressupostos do recurso de constitucionalidade
interposto, valendo a pena esclarecer que o fundamento da decisão de não
conhecimento foi a não suscitação prévia da questão formulada no requerimento de
interposição de recurso e não propriamente a não suscitação adequada de tal
questão.
Com efeito, das passagens das peças processuais indicadas neste requerimento –
que de seguida se transcrevem – o que ressalta é a intenção de questionar a
constitucionalidade de uma cláusula de um contrato individual de trabalho e não,
nem sequer de forma implícita, a constitucionalidade daqueles artigos:
«23°
Invoca o Sindicato para o efeito que no contrato de trabalho a termo que
celebrou com a A. consta ter ficado afastado “o estabelecido no designado
“Regulamento Interno”.
24°
Mas tal cláusula é manifestamente ilegal e inconstitucional, visto que contraria
o principio fundamental da igualdade do art° 13 da CRP»;
«17°
Daí a ilegalidade do art° 5 do contrato de individual de trabalho da A.
18°
E a sua ofensa declarada ao principio fundamental da igualdade do art° 13 da
CRP»;
«4.1 Note-se ainda, que como já atrás salientámos, citando Meneses Cordeiro, as
cláusulas contratuais vieram instilar “no ordenamento da empresa um valor
importante no domínio da autonomia laboral : o princípio do tratamento
igualitário”.
E é disso que precisamente se trata, pelo que uma interpretação diversa poria em
causa o principio constitucional da igualdade inscrito no art° 13, como
sobretudo, colidiria frontalmente com o principio de salário igual para trabalho
igual,
da al. a) do n° 1 do art° 59 da CRP.
Tanto mais isso é assim, quanto o Réu exclui a A. discriminatoriamente de uma
parcela do salário que paga aos seus demais trabalhadores, são as diuturnidades
que ninguém poderá pôr em causa que se trata de salário, de uma parcela da
retribuição.
4.2 A interpretação da cláusula 5ª do contrato individual de trabalho feita de
molde a fazê-la prevalecer sobre o “regulamento interno”, na medida em que
retira à trabalhadora uma parcela do salário – as diuturnidades – de que os
demais trabalhadores beneficiam – viola assim declarada e ostensivamente o
princípio constitucional da al. a) do n° 1 do art° 51.
E até fazendo uma interpretação extensiva deste princípio de maneira a
entendê-lo como igualdade de estatuto laboral, também a privação do complemento
de subsídio de doença:
- do complemento pensão por acidente de trabalho
- do complemento pensão de reforma
- da folga do dia do aniversário
Apesar de em sentido estrito não poderem qualificar-se como salário verdadeiro e
próprio,
Nem por isso deixam de fazer parte do estatuto laboral da trabalhadora, e no
fundo é todo ele que se pretende assegurar quando se proclama salário igual para
trabalho igual.
Daí a violação de tais princípios constitucionais pela interpretação feita na
sentença recorrida»;
«15. Daqui decorre reflexa e automaticamente a invalidade da cláusula 5a do
contrato individual de trabalho da A. na medida em que contraria normas mais
favoráveis à trabalhadora contidas nas cláusulas contratuais gerais, aliás
hierarquicamente superiores, plasmadas no dito “regulamento interno”.
16. As quais, como diz Meneses Cordeiro, como atrás já citámos, e agora
relembramos, visam instilar “no ordenamento da empresa um valor importante no
domínio da autonomia laboral”: o princípio do tratamento igualitário”.
17. Pelo que daqui decorre que uma interpretação diversa viola frontalmente os
princípios constitucionais da igualdade, quer o genericamente formulado no artº
13 quer o concretizado em matéria salarial na al. a) do nº 1 do art° 59.
18. E as diuturnidades previstas no “regulamento interno” e das quais a A. não
beneficia e é por isso discriminada, constituem claramente matéria salarial,
integram a retribuição, que aquele princípio constitucional postula seja igual.
19. E podemos mesmo ir mais longe e abarcar neste princípio todas as demais
regalias consagradas no “regulamento interno” e dos quais o Réu vem
discriminatoriamente privando a trabalhadora, entendendo a igualdade salarial
como igualdade de estatuto remuneratório e indo mesmo mais longe, abrangendo
igualdade do estatuto laboral.
20. Deste modo a sentença recorrida violou claramente as disposições seguintes:
-art°s 7, l3 e 39 da LCT
-art°s 13 e 59 n° l al. a) da CRP».
Como a reclamante não contrariou o sustentado na decisão sumária, demonstrando
que havia suscitado previamente a questão de inconstitucionalidade formulada no
requerimento de interposição de recurso, resta concluir pelo indeferimento da
presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Lisboa, 28 de Novembro de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício